ardec apresenta um caso acontecido por volta de dezembro de 1761, na cidade de Dibbelsdorf – Alemanha, cujos documentos foram publicados em 1811. O artigo original, escrito pelo Dr. Kerner, foi traduzido para o francês por Alfred Pireaux.
É mais um artigo de interesse a respeito dos fatos espíritas, que sempre ocorreram por toda a parte e por todo o tempo. Contudo, a ciência ainda não estava pronta para analisá-los seriamente, ainda menos no caso da Alemanha daquele tempo.
Apesar de os fatos – batidas inteligentes em um canto da casa do casal Kettelhut – terem sido analisados por todos os aspectos possíveis, tendo-se chegado ao ponto de demolir paredes e um fundo buraco, além de confinarem todos os moradores às suas casas e colocarem em observação os suspeitos, nada foi encontrado. A única resposta possível jamais foi aceita, e terminaram por julgar e condenar, sob uma confissão coercitiva, o casal Kettelhut.
Destacamos a observação de Kardec, sempre cirúrgico em suas palavras:
OBSERVAÇÃO: Se prestarmos atenção à data em que tais coisas se passaram e as compararmos com as que ocorrem em nossos dias, nelas encontraremos perfeita identidade no modo da manifestação e até na natureza das perguntas e respostas. Nem a América nem a nossa época descobriram os Espíritos batedores, como não descobriram os outros, como o demonstraremos por inúmeros fatos autênticos e mais ou menos antigos.
KARDEC, RE ago/1858
Há, entretanto, entre os fenômenos atuais e os de outrora uma diferença capital: é que esses últimos eram quase todos espontâneos, enquanto que os nossos se produzem quase que à vontade de certos médiuns especiais. Esta circunstância permitiu que fossem mais bem estudados e sua causa mais aprofundada. À conclusão dos juízes de que “talvez o futuro nos esclareça a respeito”, hoje o autor não responderia: “o futuro ainda não ensinou nada.” Se esse autor ainda vivesse, saberia, ao contrário, que o futuro tudo ensinou e que a justiça de nossos dias, mais esclarecida do que há um século atrás, não cometeria, em relação às manifestações espíritas, erros que lembram os da Idade Média. Os nossos próprios sábios já penetraram muito nos mistérios da Natureza para não jogar com causas desconhecidas. Eles são bastante sagazes e não se expõem, como os seus predecessores, a um desmentido da posteridade, em detrimento de sua reputação. Se algo aparece no horizonte, eles não correm a proclamar: “Isto não é nada”, com receio de que seja um navio. Se não o veem, calam e esperam. Isto é a verdadeira sabedoria.
A Caridade pelo Espírito de São Vicente de Paulo
Nesse artigo, São Vicente de Paulo traz uma grande reflexão sobre a caridade.
Analisemos, além da necessária aplicação moral que esse texto vem trazer, a sua forma e seu conteúdo, já que se trata de uma comunicação atribuída a esse Espírito. Que há nessas, senão elevação espiritual?
“Vede a multidão de homens de bem, cuja lembrança piedosa a vossa história relembra. Eu poderia citar aos milhares aqueles cuja moral não tinha por objetivo senão melhorar o vosso globo. Não vos disse o Cristo tudo quanto concerne às virtudes da caridade e do amor? Por que são postos de lado os seus divinos ensinamentos? Por que os ouvidos são tapados às suas divinas palavras e o coração é fechado para todas as suas máximas suaves?
Eu gostaria que a leitura do Evangelho fosse feita com mais interesse pessoal. Mas abandonam esse livro; transformam-no em expressão vazia e letra morta; deixam ao esquecimento esse código admirável. Vossos males provêm do abandono voluntário em que deixais esse resumo das leis divinas. Lede, pois, essas páginas de fogo do devotamento de Jesus e meditai-as. Eu mesmo me sinto envergonhado de ousar prometer-vos um trabalho sobre a caridade, quando penso que nesse livro encontrais todos os ensinamentos que vos devem levar às regiões celestes.”
A caridade, no contexto de Kardec, era compreendida de forma diferente:
[…] a moral racional se fundamenta na psicologia e na definição de um ser humano ativo. Ou seja, o ato moral é caracterizado por um ato livre e consciente, que se definiu como sendo o ato do dever. É a moral da liberdade, portanto absolutamente livre, por definição, de qualquer recompensa ou castigo. Desse modo, como definiram os pensadores do Espiritualismo Racional, o dever fundamenta a caridade como ação livre e desinteressada. A beleza da caridade está justamente em sua liberdade, afirmava Victor Cousin, principal líder dessa escola na Universidade Sorbonne, em Paris. (Figueiredo 2019)
Isso quer dizer que precisamos apenas do Evangelho?
Supondo o Evangelho de Jesus muito bem entendido, sem sofismas e adulterações, sim, precisamos apenas dele. Contudo é necessário levar em conta que seus ensinamentos, mesmo que científicos, têm aspecto moral, segundo as Ciências Morais. Portanto, é um erro abandonar esse estudo para cair apenas no estudo Evangélico, dadas as presente necessidades de Espíritos de nossa categoria.
Seguindo no artigo sobre Caridade, segundo São Vicente: “Homens fortes, armai-vos; homens fracos, forjai as vossas armas de vossa doçura e de vossa fé; tende mais persuasão, mais constância na propagação de vossa nova doutrina. Nós só vimos trazer-vos um encorajamento; é apenas para vos estimular o zelo e as virtudes que Deus permite nos manifestemos a vós. Mas, se quisésseis, não necessitaríeis senão do auxílio de Deus e de vossa própria vontade. “
Isso quer dizer que não necessitamos do Espiritismo?
Moralmente falando, se nós soubéssemos aplicar todas as lições já apresentadas até hoje, sequer estaríamos falando disso agora. Mas não é assim que o progresso espiritual acontece – a solavancos. Ele é lento e gradual e, pelo que sabemos, é assim por toda a parte do Universo. Portanto, a Ciência Espírita, que, no limite, é a ciência da Criação, é parte necessária de nosso progresso, pois o conhecimento desenvolve a moral.
Vamos analisar de forma um pouco mais crítica, o conteúdo dessa mensagem. Chamou muito nossa atenção o seguinte trecho:
“Quando deixardes que o vosso coração se abra à súplica do primeiro infeliz que vos estender a mão; quando lhe derdes sem se perguntar se sua miséria é fingida ou se seu mal tem um vício como causa; quando deixardes toda a justiça nas mãos de Deus; quando deixardes a cargo do Criador o castigo de todas as falsas misérias; enfim, quando praticardes a caridade pelo só prazer que ela proporciona, sem questionardes a sua utilidade, então sereis os filhos que Deus amará e que chamará para si.“
Esse Espírito, que segue dizendo se felicitar pelo início de um movimento (Sociedade de São Vicente de Paulo), movimento esse muito importante e necessário, dá a entender que devemos atender a qualquer súplica, sem verificar se é algo fingido ou não. Em realidade, será que podemos e devemos fazer isso, principalmente hoje em dia?
Não devemos seguir cegamente qualquer Espírito, sobretudo quando não faz sentido à nossa própria razão. Mas Kardec vem ao nosso socorro:
Continuando a conversa com S. Vicente de Paulo, através da psicografia de um médium assistente, Kardec informa-se de que, nesse trecho anterior, esse Espírito fala especificamente da esmola. O professor então pergunta:
“[…] parece-nos que dar sem discernimento àqueles que não necessitam ou que poderiam ganhar a vida por um trabalho honesto, é encorajar o vício e a preguiça. Se os preguiçosos achassem facilmente aberta a bolsa alheia, multiplicar-se-iam ao infinito, em prejuízo dos verdadeiramente necessitados”
S.V.P. responde:
“Podeis identificar os que podem trabalhar e então a caridade vos obriga a tudo fazer para lhes proporcionar trabalho. Entretanto, também há pobres mentirosos, que sabem muito bem simular misérias que não padecem. Esses é que devem ser deixados à justiça de Deus.”
Kardec continua com algumas questões de interesse:
6. ─ Disse Jesus: “Que a vossa mão direita não saiba o que faz a esquerda.” Têm algum mérito aqueles que dão por ostentação? ─ Têm apenas o mérito do orgulho, pelo qual serão punidos.
7. ─ A caridade cristã, na sua mais larga acepção, não compreende também a doçura, a benevolência e a indulgência para com as fraquezas alheias? ─ Fazei como Jesus. Ele vos disse tudo isso. Escutai-o mais do que nunca.
8. ─ É bem entendida a caridade, quando exclusiva entre as criaturas da mesma opinião ou do mesmo partido? ─ Não. É sobretudo o espírito de seita e de partido que deve ser abolido, porquanto todos os homens são irmãos. É sobre isso que concentramos os nossos esforços.
9. ─ Admitamos que uma pessoa veja dois homens em perigo, mas não possa salvar senão um. Um é seu amigo e o outro, inimigo. A quem deve salvar? ─ Deve salvar o amigo, pois esse amigo poderia acusá-lo de não lhe ter amizade. Quanto ao outro, Deus há de tomar conta.
Foi consenso que essa ultima pergunta (9.) nos pareceu estranha, mas ela deve ter uma razão de ser para aquele momento.
Palestras familiares de além-túmulo: O Sr. Morisson, monomaníaco
Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Junho
O Sr. Morisson, Monomaníaco
Em março último noticiava um jornal inglês o que se segue, a respeito do Sr. Morisson, recentemente falecido na Inglaterra, deixando uma fortuna de cem milhões de francos. Segundo aquele jornal, nos dois últimos anos de vida ele era presa de singular monomania. Imaginava-se reduzido a extrema pobreza e devia ganhar o pão de cada dia com um trabalho manual. A família e os amigos haviam reconhecido a inutilidade dos esforços para lhe tirar aquilo da cabeça. Era pobre, não possuía um ceitil e devia trabalhar para viver: essa a sua convicção. Todas as manhãs punham-lhe uma enxada nas mãos e mandavam-no trabalhar em seus próprios jardins. Daí a pouco vinham procurá-lo, pois a tarefa estava concluída; pagavam-lhe um modesto salário pelo trabalho feito e ele ficava contente. Seu espírito ficava tranquilo e sua mania satisfeita.
Se o tivessem contrariado, teria sido o mais infeliz dos homens.
1. ─ Peço a Deus Todo-Poderoso que permita venha comunicar-se conosco o Espírito de Morisson, recém-falecido na Inglaterra, deixando uma fortuna considerável.
─ Aqui está ele.
2. ─ Lembra-se do estado em que se achava durante os dois últimos anos de sua existência corpórea?
─ É sempre o mesmo.
3. ─ Depois da morte seu Espírito ficou ressentido da aberração das faculdades durante a sua vida?
─ Sim.
São Luís completa a resposta, dizendo espontaneamente: “Desprendido do corpo, o Espírito sente, durante algum tempo, a compressão dos seus laços.”
4. ─ Assim, após a morte, seu Espírito não recobrou imediatamente a plenitude de suas faculdades?
─ Não.
5. ─ Onde está agora?
─ Atrás de Ermance.
6. ─ Você é feliz ou infeliz?
─ Algo me falta… Não sei o que… Procuro… Sim, sofro.
7. ─ Por que sofre?
─ Sofre pelo bem que não fez. (Resposta de São Luís).
8. ─ Por que essa mania de julgar-se pobre, quando possuía tão grande fortuna?
─ Eu o era. Em verdade, rico é aquele que não tem necessidades.
9. ─ De onde vinha essa ideia de que lhe era necessário trabalhar para viver?
─ Eu era louco e ainda sou.
10. ─ Como lhe veio essa loucura?
─ Que importa? Eu tinha escolhido essa expiação.
11. ─ Qual é a origem de sua fortuna?
─ Que te importa?
12. ─ Entretanto a sua invenção não visava aliviar a Humanidade?
─ E enriquecer-me.
13. ─ Que uso você fazia da fortuna quando gozava da plenitude da razão?
─ Nenhum. Creio que eu a gozava.
14. ─ Por que lhe teria Deus concedido fortuna, desde que não devia empregá-la utilmente para os outros?
─ Eu tinha escolhido a prova.
15. ─ Aquele que goza de uma fortuna adquirida no trabalho não é mais escusável por se apegar a ela do que o que nasceu no seio da opulência e jamais conheceu a necessidade?
─ Menos.
São Luís acrescenta: “Aquele conhece a dor, mas não a alivia.”
O monomaníaco lembra-se de sua vida passada
16. ─ Você se lembra de sua existência precedente a esta que acaba de deixar?
─ Sim.
17. ─ O que você era então?
─ Um operário
18. ─ Você nos disse que é infeliz. Vê um termo para o seu sofrimento?
─ Não.
São Luís acrescenta: “É cedo demais.”
19. ─ De quem depende isto?
─ De mim. Assim mo disse aquele que está ali.
20. ─ Conhece aquele que está ali?
─ Vós o chamais Luís.
21. ─ Sabeis o que foi ele em França no século XIII?
─ Não… Eu o conheço por vosso intermédio… Agradeço por aquilo que me ensinou.
22. ─ Você acredita numa outra existência corporal?
─ Sim.
23. ─ Se deve renascer na vida corpórea, de quem dependerá sua futura posição social?
─ De mim, suponho eu. Tantas vezes escolhi que isto só de mim poderá depender.
OBSERVAÇÃO: As palavras tantas vezes escolhi são características. Seu estado atual prova que, apesar das numerosas existências, pouco progrediu, e que para ele, é sempre um recomeço.
24. ─ Que posição social escolheria se pudesse recomeçar?
─ Baixa. Avança-se com mais segurança. Só se está encarregado de si mesmo.
25. ─ (A São Luís): Não haverá um sentimento de egoísmo na escolha de uma posição humilde, na qual não se deve ter o encargo senão de si mesmo?
─ Em parte alguma se têm encargos apenas para consigo mesmo. O homem responde pelos que o cercam e não só pelas almas cuja educação lhe foi confiada, mas ainda pelos outros. O exemplo faz todo o mal.
26. ─ (A Morisson): Nós lhe agradecemos a bondade com que nos respondeu e rogamos a Deus lhe dê forças para suportar novas provas.
─ Vós me aliviastes. Eu aprendi.
OBSERVAÇÃO: Reconhece-se facilmente nas respostas acima o estado moral do Espírito. Elas são curtas e, quando não monossilábicas, têm algo de sombrio e de vago. Um louco melancólico não falaria diferentemente. Essa persistência da aberração das ideias após a morte é um fato notável, mas que não é constante, ou que por vezes apresenta um caráter completamente diverso. Teremos ocasião de citar vários outros exemplos, onde se estudam as diferentes formas de loucura.
Conclusão
A pergunta abaixo de O Livro dos Espírito fala sobre a avareza e de outras provas:
261. O espírito, nas provas a que deva se submeter para chegar à perfeição, deve experimentar todos os gêneros de tentações?Deve passar por todas as circunstâncias que possam excitar nele o orgulho, o ciúme, a avareza, a sensualidade, etc.?
Os Espíritos respondem:
Certamente não, visto que sabeis que existem aqueles que, desde o início, tomam um caminho que os livra de muitas provas; aquele, porém, que se deixa arrastar para um mau caminho, corre todos os perigos desta estrada. Por exemplo, um espírito pode pedir a riqueza e esta pode ser-lhe concedida; então, conforme seu caráter, poderá tornar-se avarento ou pródigo, egoísta ou generoso, ou, então, entregar-se a todos os gozos da sensualidade; isto, porém, não quer dizer que deverá, forçosamente, vivenciar todas essas tendências.
A preguiça: dissertação moral de São Luís á Srta. Hermance Dufaux
Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Junho > A preguiça
Um homem saiu muito cedo e foi à praça para contratar operários. Ora, ali viu dois homens do povo, sentados e de braços cruzados. Chegou-se a um deles e assim o abordou: “Que fazes aí?” Ao que o mesmo lhe respondeu: “Não tenho trabalho.” Disse então aquele que procurava trabalhadores: “Toma a tua ferramenta e vem ao meu campo, na vertente da colina, onde sopra o vento sul; cortarás as urzes e revolverás o solo até o cair da noite. A tarefa é dura, mas terás um bom salário.” O homem do povo pôs a enxada no ombro, agradecendo-lhe por isso, de todo o coração.
Ouvindo isto, o outro operário levantou-se e aproximou-se, dizendo: “Senhor, deixe-me ir também trabalhar no campo.” E, tendo-lhes dito a ambos que o seguissem, marchou à frente, para mostrar o caminho. Depois, quando chegaram à encosta da colina, dividiu o trabalho em dois e se foi.
Quando ele partiu, o último dos operários contratados pôs fogo no mato da gleba que lhe coube por sorte e revolveu a terra com a enxada. Sob o ardor do sol, o suor porejava-lhe de sua fronte. O outro o imitou, a princípio murmurando, mas em breve parou o trabalho e fincando a enxada no chão sentou-se ao lado, olhando o trabalho do companheiro.
Ora, ao cair da tarde veio o dono do campo e examinou o trabalho. Chamando o operário diligente, felicitou-o dizendo: “Trabalhaste bem. Eis o teu salário.” E despediu-o, dando-lhe uma moeda de prata. O outro também se aproximou, reclamando o preço de seu salário, mas o dono lhe disse: “Mau trabalhador, meu pão não matará a tua fome, porque tu deixaste inculta a parte de meu campo que te foi confiada. Não é justo que aquele que nada fez seja recompensado como o que trabalhou bem.”
E despediu-o sem nada lhe dar.
Eu vos digo que a força não foi dada ao homem, nem a inteligência ao seu espírito para que consuma seus dias na ociosidade, mas para ser útil aos seus semelhantes. Ora, aquele cujas mãos estiverem desocupadas e o espírito ocioso será punido e deverá recomeçar a sua tarefa.
Em verdade vos digo que sua vida será posta de lado como coisa imprestável, quando seu tempo se cumprir. Compreendei isto como uma comparação. Qual de vós, possuindo no pomar uma árvore que não dá frutos, não dirá ao servo: “Corte aquela árvore e lance-a no fogo, pois seus ramos são estéreis?” Ora, assim como aquela árvore será cortada por causa de sua esterilidade, também a vida do preguiçoso será lançada no refugo, por ter sido estéril em boas obras.
A preguiça: trabalhadores da última obra
O Evangelho Segundo o Espiritismo é um livro de autoria de Allan Kardec e dos Espíritos que foi publicado em Paris, em 15 de abril de 1864, que usou este texto, mas com outra roupagem.
É bom sabermos que Kardec lançou mão de seus estudos com a Revista Espírita para acrescentar parte deles em sua grande obra, reconhecida como básica do Espiritismo que, dentre elas, a que dá maior enfoque a questões religiosas, éticas e comportamentais do ser humano.
Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Junho > O Espírito batedor de Bergzabern II
O segundo artigo sobre o batedor
Neste segundo artigo sobre o tema, Allan Kardec retoma-o após a menina Filipina Sanger ter passado uma temporada em casa do Dr. Bentner, seu médico.
As passagens que se seguem vêm de uma nova brochura alemã, publicada em 1853.
Sabe-se hoje que os fenômenos desse gênero não resultam de um estado patológico; antes denotam uma excessiva sensibilidade.
Na primeira brochura intitulada Os Espíritos batedores viram que as manifestações de Filipina Sänger têm um caráter enigmático e extraordinário. Relatamos esses fatos maravilhosos desde o seu começo até o momento em que a menina foi levada ao médico. Quando a menina deixou a casa do Dr. Bentner e regressou ao lar, as batidas e arranhaduras recomeçaram na casa dos Sänger. Até aquele momento, e mesmo depois da sua cura completa, as manifestações foram mais marcantes e mudaram de natureza.
Os fenômenos passam a ser também musicais
um pequeno fuso é atirado do quarto de dormir.
um retalho de pano que antes estava mergulhado numa bacia com água. sem tenha sido agitada e nem uma só gota tinha caído sobre a mesa.
os travesseiros da cama foram lançados sobre um armário e a colcha atirada contra a porta.
tinham posto aos pés da menina, debaixo das cobertas, um ferro de engomar de cerca de seis libras. Logo ele foi atirado para a primeira sala; o cabo havia sido tirado e foi encontrado sobre uma poltrona, no quarto.
cadeiras colocadas a três pés da cama serem derrubadas;
janelas serem abertas, quando antes estavam bem fechadas;
De outra feita, duas cadeiras foram transportadas para cima da cama, sem desarranjar as cobertas.
Uma noite, ao sair do quarto da filha, Sänger recebeu nas costas, de arremesso, a almofada de uma cadeira. De outras vezes era um par de chinelos velhos, sapatos que estavam debaixo da cama, ou tamancos que lhe iam ao encontro.
Muitas vezes sopravam a vela acesa, sobre a mesa de trabalho.
chaves, moedas, cigarreiras, relógios, anéis de ouro e de prata. Todos, sem exceção, ficavam suspensos à sua mão.
Uma vez tinham deixado uma harmônica sobre uma cadeira. Ouviram-se sons. Entrando precipitadamente no quarto, encontraram, como sempre, a menina tranquila em seu leito. O instrumento estava sobre a cadeira, mas já não tocava.
Outros fatos de o Espírito batedor de Bergzabern
Habitualmente, quando a pequena sonâmbula se dispunha a começar a sessão, chamava para o quarto todas as pessoas presentes. Muitas vezes só se tranquilizava quando todos, sem exceção, estavam junto ao seu leito.
Depois de algum tempo, às batidas e arranhaduras juntou-se um zumbido comparável ao som produzido por uma corda grossa de contrabaixo; uma espécie de assovio se misturava a esse zumbido.
Por meio das arranhaduras, chamava nominalmente as pessoas da casa ou os estranhos presentes. Todos compreendiam facilmente a quem era dirigido o apelo. A esse chamado, a pessoa designada respondia sim, para dar a entender que sabia tratar-se dela mesma. Então era executado, em sua homenagem, um trecho de música que por vezes provocava cenas cômicas.
O aniversário do fenômeno
Chegou o aniversário do dia em que o Espírito batedor se havia manifestado pela primeira vez: muitas mudanças se haviam operado no estado de Filipina Sänger. Continuavam as pancadas, as arranhaduras e o zumbido, mas a todas essas manifestações juntou-se um grito especial, que ora parecia de um ganso, ora de um papagaio ou de qualquer outra ave grande.
Algum tempo antes do Natal, as manifestações se renovaram com mais energia: os golpes e as arranhaduras tornaram-se mais violentos e duravam mais tempo. Mais agitada que de costume, muitas vezes Filipina pedia para não dormir em sua cama, mas na dos pais.
Filipina adoece
Em pouco tempo o estado de Filipina Sänger mudou a ponto de causar apreensão quanto à sua saúde, porque, estando desperta, divagava e sonhava em voz alta. Não reconhecia os pais nem a irmã nem qualquer outra pessoa. A esse estado veio juntar-se uma completa surdez, que persistiu durante quinze dias.
A surdez de Filipina manifestava-se, e ela mesma declarou que ficaria surda por algum tempo e que ficaria doente. O que há de singular é que por vezes recobrava a audição durante cerca de meia hora, com o que se mostrava contente. Ela própria predizia o momento em que ensurdeceria e em que recuperaria a audição. Uma vez, entre outras, anunciou que à noite, às oito e meia, ouviria claramente durante meia hora. Com efeito, à hora predita voltou a ouvir, o que durou até as nove horas.
Durante a surdez da jovem Sänger renovaram-se algumas vezes o rebuliço dos móveis, o inexplicável abrir das janelas, o apagar das luzes sobre a mesa de trabalho.
Assim iam as coisas na casa de Sänger, quer de dia, quer de noite, durante o sono da menina ou quando em vigília, até o dia 4 de março de 1853, data em que as manifestações entraram em outra fase. Esse dia foi marcado por um fato ainda mais extraordinário que os precedentes.
Observações
Como se vê, Filipina Sänger era uma médium natural muito complexa. Além da influência que exercia sobre os fenômenos bem conhecidos de ruídos e de movimentos, era uma sonâmbula extática. Ela conversava com os seres incorpóreos que via; ao mesmo tempo via os assistentes e lhes dirigia a palavra.
É provável que, nesses momentos de êxtase, o Espírito da menina se visse transportado para qualquer lugar distante, onde assistiria, talvez em recordação, a uma cerimônia religiosa. Podemos admirar-nos da lembrança que trazia ao despertar, mas o fato não é insólito. Aliás, podemos notar que a lembrança era confusa e que se tornava necessário insistir muito para provocá-la.
Se observarmos atentamente o que se passava durante a surdez, reconheceremos sem dificuldade um estado cataléptico. Como a surdez era apenas temporária, é evidente que não causava alterações nos órgãos respectivos. O mesmo se dava com a obliteração das faculdades mentais, o que nada tinha de patológico, de vez que, em dado momento, tudo voltava ao estado normal. Esta espécie de estupidez aparente era devida a um mais completo desprendimento da alma, cujas excursões eram feitas com maior liberdade e não deixavam aos sentidos mais do que a vida orgânica.
Como dissemos, as explicações que demos para as manifestações físicas fundam-se na observação dos fatos e na sua dedução lógica: concluímos de acordo com o que vimos. Como, porém, se processam na matéria eterizada as modificações que a tornam perceptível e tangível?
Para começar, deixaremos falarem os Espíritos a quem interrogamos a respeito, juntando depois os nossos comentários. As respostas que se seguem foram dadas pelo Espírito de São Luís e estão em concordância com o que anteriormente nos havia sido dito por outros Espíritos.
O fluido
1. ─ Como pode aparecer um Espírito com a solidez de um corpo vivo?
─ Ele combina uma parte do fluido universal com o fluido que se desprende do médium apto para tal efeito. Esse fluido toma a forma que o Espírito deseja, mas geralmente essa forma é impalpável.
2. ─ Qual é a natureza desse fluido?
─ Fluido. Isto diz tudo.
3. ─ Esse fluido é material?
─ Semimaterial.
4. ─ É esse fluido que compõe o perispírito?
─ Sim,é a ligação do Espírito à matéria.
5. ─ É esse fluido que dá a vida, o princípio vital?
─ Sempre ele. Eu disse ligação.
6. ─ Esse fluido é uma emanação da Divindade?
─ Não.
7. ─ É uma criação da Divindade? ─ Sim. Tudo é criado, exceto o próprio Deus.
8. ─ O fluido universal tem alguma relação com o fluido elétrico, cujos efeitos conhecemos? ─ Sim. É o seu elemento.
9. ─ A substância etérea que existe entre os planetas é o fluido universal em questão? ─ Ele envolve os mundos. Sem o princípio vital, nada viveria. Se uma pessoa subisse além do envoltório fluídico dos globos, pereceria, porque seu envoltório fluídico dele se retiraria, para juntar-se à massa. Esse fluido vos anima. É ele que respirais.
10. Esse fluido é o mesmo em todos os globos? ─ É o mesmo princípio, mais ou menos eterizado, conforme a natureza dos mundos. O vosso é um dos mais materiais.
11. ─ Desde que é esse fluido que compõe o perispírito, deve haver uma espécie de estado de condensação que, até certo ponto, o aproxima da matéria. ─ Sim, até um certo ponto, pois não tem as suas propriedades. Ele é mais ou menos condensado, conforme os mundos.
Como os Espíritos usam o fluido
12. ─ São os Espíritos solidificados que levantam a mesa? ─ Esta pergunta ainda não conduzirá ao ponto que desejais. Quando uma mesa se move debaixo de vossas mãos, o Espírito evocado pelo vosso Espírito vai retirar do fluido universal aquilo com que há de animar essa mesa com uma vida factícia. Os Espíritos que produzem esse tipo de efeitos são sempre Espíritos inferiores ainda não inteiramente desprendidos de seu fluido ou perispírito. A mesa, assim preparada à sua vontade (à vontade dos Espíritos batedores), o Espírito a atrai e a movimenta, sob a influência de seu próprio fluido, desprendido por sua vontade. Quando a massa que quer levantar ou mover lhe é demasiado pesada, ele chama em seu auxílio Espíritos que se acham em condições idênticas às dele. Penso que me expliquei com bastante clareza para ser compreendido.
13. ─ Os Espíritos chamados em seu auxílio são seus inferiores? ─ Quase sempre são iguais. Frequentemente vêm por si mesmos.
14. ─ Compreendemos que os Espíritos superiores não se ocupem de coisas que lhes são inferiores. Mas perguntamos se, pelo fato de serem desmaterializados, teriam o poder de fazê-lo, caso tivessem vontade? ─ Eles têm a força moral, como os outros têm a força física. Quando necessitam dessa força, servem-se daqueles que a possuem. Não vos foi dito que eles se servem dos Espíritos inferiores como vos servis dos carregadores?
O Sr. Home
15. ─ De onde vem o poder especial do Sr. Home? [
─ De sua organização.
16. ─ Que há nela de particular? ─ A pergunta não é precisa.
17. ─ Perguntamos se se trata de sua organização física ou moral.
─ Eu disse organização.
18. ─ Entre as pessoas presentes há alguém que possa ter a mesma faculdade do Sr. Home? ─ Têm-na em certo grau. Não foi um de vós que fez mover a mesa?
O movimento dos objetos e as indumentárias
19. ─ Quando uma pessoa faz mover um objeto, é sempre com o auxílio de um Espírito estranho ou tal ação pode ser exclusiva do médium? ─ Algumas vezes o Espírito do médium pode agir sozinho. Na maioria das vezes, entretanto, é auxiliado pelos Espíritos evocados. Isto é fácil de reconhecer.
20. ─ Como é que os Espíritos aparecem com a indumentária que usavam na Terra? ─ Muitas vezes ela tem apenas a aparência. Aliás, para quantos fenômenos entre vós não tendes solução! Como é que o vento, que é impalpável, arranca e quebra árvores, que são matéria sólida?
21. ─ Que entendeis ao dizer que sua indumentária “é apenas uma aparência?”
─ Ao tocá-la, nada se encontra.
22. ─ Se bem compreendemos o que dissestes, o princípio vital reside no fluido universal; dele o Espírito extrai o envoltório semimaterial que constitui o seu perispírito e é por meio desse fluido que atua sobre a matéria inerte. É isso mesmo?
─ Sim, isto é, ele anima a matéria por uma espécie de vida factícia; a matéria se anima pela vida animal. A mesa que se move sob as vossas mãos vive e sofre como o animal; obedece por si mesma ao ser inteligente. Não é ele que a dirige, como o homem faz com um fardo. Quando a mesa se ergue, não é o Espírito que a levanta. É a mesa animada que obedece ao Espírito inteligente.
23. ─ Desde que o fluido universal é a fonte da vida, será ao mesmo tempo a fonte da inteligência? ─ Não. O fluido apenas anima a matéria.
Considerações finais
Esta teoria das manifestações físicas oferece vários pontos de contato com a que demos, embora difira em certos aspectos. De uma e da outra ressalta um ponto capital: o fluido universal, no qual reside o princípio da vida, é o agente principal dessas manifestações e esse agente recebe o impulso do Espírito, quer encarnado, quer errante. Esse fluido condensado constitui o perispírito ou envoltório semimaterial do Espírito. Quando encarnado, o perispírito está unido à matéria do corpo; quando em estado de erraticidade, fica livre. Ora, duas questões aqui se apresentam: a da aparição dos Espíritos e a do movimento que imprimem aos corpos sólidos.
Quanto ao primeiro, diremos que, no estado normal, a matéria eterizada do perispírito escapa à percepção dos nossos órgãos; só a alma pode vê-la, quer em sonhos, quer em estado sonambúlico ou, ainda, meio adormecida; numa palavra, sempre que houver suspensão total ou parcial da atividade dos sentidos. Quando o Espírito está encarnado, a substância do perispírito acha-se mais ou menos intimamente ligada à matéria do corpo; mais ou menos aderente, se assim podemos dizer. Em algumas pessoas há uma como que emanação desse fluido, em consequência de sua organização e é isto o que constitui propriamente os médiuns de influências físicas. Emanado do corpo, esse fluido se combina, segundo leis que ainda nos são desconhecidas, com aquele que forma o envoltório semimaterial de um Espírito estranho. Disso resulta certa modificação, uma espécie de reação molecular que lhe altera momentaneamente as propriedades, a ponto de torná-lo visível e, em certos casos, tangível. Esse efeito pode produzir-se com ou sem o concurso da vontade do médium, e é isto o que distingue os médiuns naturais dos médiuns facultativos. A emissão do fluido pode ser mais ou menos abundante: daí os médiuns mais ou menos potentes. Ela não é permanente, o que explica a intermitência daquele poder. Enfim, se levarmos em conta o grau de afinidade que pode existir entre o fluido do médium e o de tal ou qual Espírito, compreender-se-á que sua ação possa exercer-se sobre uns e não sobre outros.
Aquilo que acabamos de dizer evidentemente se aplica também à força mediúnica, no que concerne ao movimento dos corpos sólidos. Resta saber como se opera esse movimento.
Conforme as respostas acima, a questão se apresenta sob um aspecto inteiramente novo. Assim, quando um objeto é posto em movimento, arrebatado ou lançado no ar, não será o Espírito que o pega, o empurra ou o levanta, como nós o faríamos com a mão: ele, por assim dizer, o satura com o seu fluido, pela combinação com o do médium e, assim momentaneamente vivificado, o objeto age como se fosse um ser vivo, com a diferença de que, não tendo vontade própria, segue o impulso da vontade do Espírito. Essa vontade tanto pode ser do Espírito do médium quanto de um Espírito estranho e, algumas vezes, de ambos, agindo de acordo, conforme sejam ou não simpáticos. A simpatia ou antipatia que pode existir entre o médium e os Espíritos que se ocupam desses efeitos materiais explica por que nem todos são aptos a provocá-los.
Considerando-se que o fluido vital, emitido de alguma maneira pelo Espírito, dá uma vida factícia e momentânea aos corpos inertes e que outra coisa não é o perispírito senão o próprio fluido vital, segue-se que, quando encarnado, é o Espírito que dá vida ao corpo, por meio de seu perispírito: fica-lhe unido enquanto a organização o permite, e quando se retira, o corpo morre.
Agora se, em lugar da mesa, a madeira for talhada em estátua, e se agirmos sobre essa do mesmo modo que sobre a mesa, teremos uma estátua que se desloca do lugar, que responderá por movimentos e por pancadas; numa palavra, uma estátua momentaneamente animada de uma vida artificial. Que luz lança essa teoria sobre uma porção de fenômenos até aqui não explicados! Quantas alegorias e efeitos maravilhosos ela explica! É toda uma filosofia.
Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Maio > Sociedade parisiense de estudos espíritas fundada em Paris a 1º de abril de 1858
A extensão, por assim dizer universal, que tomam diariamente as crenças espíritas fazia desejar-se vivamente a criação de um centro regular de observações. Esta lacuna acaba de ser preenchida. A Sociedade cuja formação temos o prazer de anunciar, composta exclusivamente de pessoas sérias, isentas de prevenções e animadas do sincero desejo de esclarecimento, contou, desde o início, entre os seus associados, com homens eminentes por seu saber e por sua posição social.
A Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas e a Verdade
Estamos convictos de que ela é chamada a prestar incontestáveis serviços à constatação da verdade. Sua lei orgânica lhe assegura uma homogeneidade sem a qual não haverá vitalidade possível. Está baseada na experiência dos homens e das coisas e no conhecimento das condições necessárias às observações que são o objeto de suas pesquisas. Vindo a Paris, os estranhos que se interessam pela Doutrina Espírita encontrarão, assim, um centro ao qual poderão dirigir-se para obter informações e onde poderão também relatar suas próprias observações [1].
ALLAN KARDEC
[1] Para informações relativas à Sociedade, dirigir-se ao Sr. ALLAN KARDEC, rue Sainte-Anne, n. 59, das 3 às 5 horas; ou ao Sr. LEDOYEN, livreiro, Galeria d’Orléans, n. 31, no Palais-Royal.
Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Maio > Variedades: o Falso Sr. Home
Sr. Home é vítima de um farsante
Lemos há tempos, nos jornais de Lyon, o seguinte anúncio, que também se encontrava afixado nos muros cidade:
“O Sr. Hume, o célebre médium americano, que teve a honra de fazer experiências perante S. M. o Imperador, a partir de quinta-feira, 1.º de abril, dará sessões de espiritualismo no grande teatro de Lyon. Ele produzirá aparições, etc., etc. Haverá cadeiras especiais para os senhores médicos e sábios, a fim de que estes possam certificar-se de que nada foi preparado. As sessões serão variadas, com experiências da célebre vidente, Sra…, sonâmbula muito lúcida, que reproduzirá um a um todos os sentimentos, à vontade dos espectadores. Preço dos ingressos: 5 francos na primeira classe, 3 francos na segunda.”
Os antagonistas do Sr. Home (alguns escrevem Hume) não quiseram perder essa ocasião de expô-lo ao ridículo. Em seu ardente desejo de achar onde morder, acolheram essa grosseira mistificação com um entusiasmo que desabona o seu equilíbrio e ainda mais o seu respeito pela verdade, porque, antes de atirar pedras nos outros, é preciso verificar se elas não atingirão outro alvo. Mas a paixão é cega, não raciocina e muitas vezes se engana, ao tentar prejudicar a outrem. “Olhem só”, exclamaram jubilosos, “este homem tão elogiado, reduzido a apresentar-se nos palcos, dando espetáculos a tanto por cabeça!” E os seus jornais dando crédito ao fato, sem mais exame. Infelizmente, para eles, sua alegria não durou muito.
Logo nos escreveram de Lyon, pedindo informações suficientes para o desmascaramento da fraude, o que não foi difícil, sobretudo graças ao empenho de numerosos adeptos com que o Espiritismo conta naquela cidade. Assim que o diretor do teatro soube do que se tratava, imediatamente dirigiu aos jornais a carta seguinte: “Sr. Redator. Apresso-me a informar-vos que o espetáculo anunciado para quinta-feira, 1.º de abril, no grande teatro, não mais se realizará. Eu pensava haver cedido o teatro ao Sr. Home e não ao Sr. Lambert Laroche, que se diz Hume. As pessoas que antecipadamente obtiveram frisas poderão apresentar-se à bilheteria do teatro para reembolso.”
O Sr. Lambert Laroche “justifica-se”
Por outro lado, o mencionado Lambert Laroche, natural de Langres, interpelado quanto à sua identidade, viu-se obrigado a responder nos termos que a seguir reproduzimos na íntegra, pois não queremos que nos acusem da menor alteração.
“Vous m’avez soumis diversse extre de vos correspondance de Paris, desquellesil résulterez que un M. Home qui donne des séancedans quelque salon de la capítalle se trauve en ce moment en Itali etne peut par conséquent se trauvair à Lyon. Monsieur gignore 1.º la cannaissance de ce M. Home, 2.º je nessait quellais son talent 3.º je nais jamais rien nue de commun àveque ce M. Home, 4º jait tavaillez et tavaille sout mon nom de gaire qui est Hume et dont je vous justi par les article de journaux étrangers et français que je vous est soumis 5º je voyage à vecque deux sugais mon genre d’experriance consiste en spiritualisme au évocation vision, et en un mot reproduction des idais du spectateur par un sugais, ma cepécialité est d’opere par c’est procedere sur les personnes étrangere comme on la pue le voir dans les journaux je vien despagne et d’afrique. Seci M. le rédacteur vous démontre que je n’ais poin voulu prendre le nom de ce prétendu Home que vous dites en réputation, le min est sufisant connu par sagrande notoriété et par les expérience que je produi. Agreez M. le redacteur mes salutation empressait”. *
Cremos inútil dizer que o Sr.Lambert Laroche deixou Lyon de cabeça erguida. Certamente irá a outros lugares em busca de tolos para enganar com facilidade. Ainda uma palavra para exprimir o nosso pesar por vermos com que avidez deplorável certas criaturas que se dizem sérias acolhem tudo quanto possa servir à sua animosidade. O Espiritismo está hoje muito acreditado e nada deve temer das palhaçadas; ele não é mais aviltado pelos charlatães do que a verdadeira ciência médica pelos curandeiros das encruzilhadas; encontra por toda parte mas principalmente entre as pessoas esclarecidas, zelosos e inúmeros defensores que sabem enfrentar as zombarias. Longe de prejudicá-lo, o caso de Lyon apenas serve à sua propagação, chamando a atenção dos indecisos para a realidade. Quem sabe se não foi mesmo provocado por uma força superior com esse objetivo? Quem se pode gabar de sondar os desígnios da Providência?
Quanto aos adversários sistemáticos, que se lhes permita rir, mas não caluniar. Alguns anos mais e veremos quem dirá a última palavra. Se é lógico duvidar daquilo que se não conhece, é sempre imprudente manifestar-se em falso contra as ideias novas que, mais cedo ou mais tarde, podem opor um desmentido humilhante à nossa perspicácia. Aí está a História para prová-lo. Aqueles que, no seu orgulho, demonstram piedade pelos adeptos da Doutrina Espírita seriam tão superiores quanto se julgam? Esses Espíritos que eles procuram ridicularizar, recomendam que se faça o bem e proíbem o mal, mesmo aos inimigos; eles nos dizem que nos rebaixamos pelo só desejo do mal. Qual é, pois, o mais elevado: aquele que procura fazer o mal ou aquele que não encerra no coração nem ódio nem rancor? Há pouco tempo o Sr. Home regressou a Paris, mas partirá em breve para a Escócia e de lá para São Petersburgo.
Tradução do texto em francês
(Tradução reproduzindo a escrita e o linguajar de uma pessoa semi-analfabeta)
* “Vós me submeteu diversas extra da vossa correspondência de Paris, das quais resulta que um Sr. Home qui dá sessões nargum salão da capital se acha nesse momento na Intália e não pode por consequença se achar em Lyon. Meu senhor eu ingnoro 1.º o conhecimento desse Sr. Home, 2.º eu não sei quale o seu talento 3.º eu nunca tive nada di comum com esse Sr. Home, 4.º eu trabalei e trabalo cum nomi de guerra qui é Hume e esse nomi eu justifico pelos artigo das folha istrangeira e francesa que vos é submetido, 5.º eu viajo cum duas companhêra meu geno de ixpriença consta de spiritualismo ou evocação visão e em uma palavra reprodução das ideia do expectador por um sujeito, minha especialdade é de operá por esse processo nas pessoa estranha como se pode ver nos jornal que vem da espanha e da africa. Com isso seu redator eu vos demonstro qui nunca quis tomá o nomi desse suposto Home qui vos diz que tem reputação, o meu é suficentemente conhecido pela sua grande notoridade e pelas ixpriença qui posuo. Recebe senhor redator as minhas atenciosa saudações.”
Um fato ocorrido no Hospital Civil de Saintes
L’Independant de la Charente-Inférieure relatava, em março último, o fato que se segue e que teria ocorrido no Hospital Civil de Saintes:
“Há oito dias, nessa cidade, contam-se as mais maravilhosas histórias e não se fala senão dos singulares ruídos que, todas as noites, ora imitam o trote de um cavalo, ora os passos de um cachorro ou de um gato. Garrafas colocadas sobre a lareira são levadas para o outro lado da sala. Certa manhã foi encontrado um pacote de farrapos torcidos e cheios de nós, impossíveis de desatar. Sobre a lareira foi deixado uma noite um papel, no qual havia sido escrito: “Que queres? Que pedes?” No dia seguinte, pela manhã, lá estava a resposta, escrita em caracteres desconhecidos e indecifráveis. Fósforos colocados sobre a mesa, durante a noite, desapareciam como que por encanto. Enfim, todos os objetos mudam de lugar e se espalham por todos os cantos. Tais sortilégios só se realizam com a obscuridade da noite. Desde que se faça a luz, tudo volta ao silêncio; extinguindo-a, os ruídos recomeçam imediatamente. É um Espírito amigo das trevas. Várias pessoas, entre as quais eclesiásticos e antigos militares, deitaram-se nesse quarto enfeitiçado e foilhes impossível algo descobrir ou explicar aquilo que ouviam. “Um empregado do hospital, suspeito de ser o autor dessas brincadeiras, acaba de ser despedido. Assegura-se, entretanto, que o mesmo não só não é culpado, mas, ao contrário, muitas vezes foi a própria vítima.
“Parece que essa história começou há mais de um mês. Durante muito tempo nada foi dito, pois cada um desconfiava de seus sentidos e temia ser ridicularizado. Só depois de alguns dias é que surgiram os comentários.”
OBSERVAÇÃO: Ainda não tivemos tempo de verificar a autenticidade dos fatos acima. Publicamo-los com as devidas reservas. Fazemos notar, entretanto que, se inventados, não são menos possíveis e nada apresentam de mais extraordinário que muitíssimos outros do mesmo gênero e que foram perfeitamente constatados.
Morte de Luís XI (Do manuscrito ditado por este à Srta. Hermance Dufaux)
Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Maio > Morte de Luís XI (Do manuscrito ditado por este à Srta. Hermance Dufaux)
NOTA: Chamamos a atenção do leitor para as observações feitas sobre estas notáveis comunicações, em nosso artigo de março último.
Não me sentindo bastante firme para ouvir pronunciar o vocábulo morte, muitas vezes eu havia recomendado a meus oficiais que apenas me dissessem, quando me vissem em perigo: “Falai pouco”, e eu saberia o que isto significava.
Quando não restavam mais esperanças, Olivier le Daim me disse duramente, em presença de Francisco de Paula e de Coittier:
─ Majestade, temos que desobrigar-nos de um dever. Não tenhais mais esperança neste santo homem, nem em qualquer outro, porque chegais ao fim. Pensai em vossa consciência. Não há mais remédio.
A estas palavras cruéis operou-se em mim uma revolução completa. Eu já não me sentia o mesmo homem e admirava-me de mim mesmo. O passado desenrolou-se rapidamente a meus olhos e as coisas me apareceram sob um aspecto novo. Um não sei que de estranho se passava em mim. Fixando-me, o duro olhar de Olivier le Daim parecia interrogar-me. Para me subtrair a esse olhar frio e inquisidor, respondi com aparente tranquilidade:
─ Espero que Deus me ajude. É possível, talvez, que eu não esteja tão mal quanto pensais.
O monarca dita suas últimas vontades
Ditei minhas últimas vontades e mandei para junto do jovem rei aqueles que ainda me rodeavam. Vi-me só com o meu confessor, Francisco de Paula, le Daim e Coittier. Francisco me fez uma tocante exortação. Parece que a cada uma de suas palavras apagavam-se-me os vícios e a natureza retomava o seu curso. Senti-me aliviado e comecei a recobrar um pouco de esperança na clemência de Deus.
Recebi os últimos sacramentos com uma piedade firme e resignada. A cada instante repetia: “Nossa Senhora de Embrun [1], minha boa Senhora, ajudai-me!”
Terça-feira, 30 de agosto, pelas sete horas da noite, caí em nova prostração. Todos os presentes me julgaram morto e se retiraram. Olivier le Daim e Coittier, sentindo a execração pública, haviam ficado junto ao meu leito, já que não tinham alternativa.
Em breve recuperei completamente a consciência. Ergui-me, sentei-me na cama e olhei em torno. Não havia ninguém de minha família; nenhuma mão amiga procurava a minha, nesse supremo instante, para suavizar a minha agonia num último contato. Àquela hora talvez meus filhos brincassem enquanto seu pai morria. Ninguém pensou que o culpado ainda podia contar com um coração que compreendesse o seu. Procurei ouvir um soluço abafado e só ouvi as risadas dos dois miseráveis que estavam junto de mim.
Divisei a um canto a minha galga favorita, que morria de velha. Meu coração pulsou de alegria, pois eu tinha um amigo, um ser que me estimava.
Fiz-lhe um sinal com a mão. A lebreira arrastou-se com esforço até junto ao leito e veio lamber-me a mão agonizante. Olivier percebeu esse movimento; levantou-se de um salto, praguejando, e esbordoou a infeliz cadela com um bastão até matá-la. Expirando, meu único amigo lançou-me um longo e doloroso olhar.
Olivier empurrou-me violentamente sobre o leito. Deixei-me cair e entreguei a Deus a minha alma culposa.
[1] Embrun é uma antiquíssima cidade do sul da França, situada na Bacia do Ródano, na Provença. Seu antigo nome latino era Ebraduno. Tem cerca de 4.000 habitantes.
Espíritos herdeiros
Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Maio > Os Espíritos herdeiros
Um de nossos assinantes de Haia, Holanda, comunica-nos o fato que se segue, ocorrido num grupo de amigos que se ocupavam com as manifestações espíritas. Isto prova, diz ele, mais uma vez, e sem contestação possível, a existência de um elemento inteligente e invisível, agindo individual e diretamente sobre nós.
Os Espíritos se anunciam movendo uma pesada mesa e dando pancadas. Perguntamos pelos nomes: são os finados Sr. e Sra. G…, muito afortunados durante a existência. O marido, do qual provinha a fortuna, não tinha filhos e deserdou os parentes próximos em favor da família da mulher, falecida pouco antes dele. Entre as nove pessoas presentes à sessão estavam duas senhoras deserdadas, bem como o marido de uma delas.
O Sr. G… fora sempre um pobre diabo e um criado humilde da esposa. Depois da morte dela, sua família instalou-se em sua casa, para cuidar dele. O testamento foi feito com um atestado médico, declarando que o moribundo gozava da plenitude de suas faculdades.
O marido da senhora deserdada, que designaremos R… tomou a palavra nestes termos: “Como ousais apresentar-vos aqui, depois do escandaloso testamento que fizestes?” Depois, exaltando-se cada vez mais, acabou por lhe dizer injúrias. Então a mesa deu um salto e atirou a lâmpada com força na cabeça do interlocutor. Esse lhes pediu desculpas por aquele primeiro impulso de cólera e lhes perguntou o que vinham ali fazer.
─ Vimos dar-vos conta dos motivos de nossa conduta.
(As respostas eram dadas por meio de pancadas indicando as letras do alfabeto).
Herdeiros e acompanhantes manifestam-se
Conhecendo a inépcia do marido, o Sr. R… lhe disse bruscamente que devia retirar-se e que escutaria apenas a sua esposa.
Então o Espírito da Sra. G… disse que a Sra. R… e sua irmã eram bastante ricas e podiam privar-se de sua parte da herança; que outros eram maus, e que outros, enfim, deveriam sofrer aquela prova; que por tais motivos aquela fortuna convinhamais à sua própria família. O Sr. R… não se satisfez com a explicação e despejou sua cólera em reproches injuriosos. Então a mesa agitou-se violentamente, pulou, bateu fortes pancadas no soalho e atirou mais uma vez a lâmpada sobre o Sr. R… Depois de acalmar-se, o Espírito tentou persuadir que após a sua morte tinha sido informado de que o testamento fora ditado por um Espírito superior. O Sr. R… e as senhoras, vendo a inutilidade de uma contestação, perdoaram-no sinceramente. Logo a mesa se elevou ao lado do Sr. R… e pousou brandamente junto a seu peito, como que para abraçá-lo. As duas senhoras receberam a mesma demonstração de agradecimento. A mesa tinha uma vibração muito pronunciada. Restabelecido o entendimento, o Espírito lamentou a herdeira atual, dizendo que ela acabaria louca.
Ainda o Sr. R… o censurou, mas afetuosamente, por não haver feito o bem em vida, quando dispunha de tão grande fortuna, acrescentando que ela não era chorada por ninguém. “Sim, respondeu o Espírito; há uma pobre viúva, residente na rua… que algumas vezes pensa em mim, porque algumas vezes lhe dei alimento, roupa e aquecimento.”
Como o Espírito não houvesse dado o nome da pobre mulher, um dos assistentes a procurou, encontrando-a no endereço indicado. E o que não é menos digno de registro é que depois da morte da Sra. G…, ela havia mudado de domicílio. Este último é o que foi indicado pelo Espírito.