Podemos evocar Espíritos maus?

O assunto está em pauta, porque muitos dizem evocar espíritos. Infelizmente, muitos também acreditam que simplesmente por estarem evocando maus Espíritos, estariam prontamente contraindo ligações com Espíritos obsessores. Veremos, pelo texto seguinte, que não é assim e que, havendo seriedade e bons propósitos, na verdade, se produz o bem e, frequentemente, a ligação com um Espírito que nunca mais esquecerá seu gesto.

Um antigo carreteiro – Revista Espírita de dezembro de 1859 (conteúdo integral)

O excelente médium Sr. V… é um moço que geralmente se distingue pela pureza de suas relações com o mundo espírita. Contudo, depois que se mudou para os aposentos que atualmente ocupa, um Espírito inferior se intromete em suas comunicações, interpondo-se até em seus trabalhos pessoais.

Encontrando-se, na noite de 6 de setembro de 1859, em casa do Sr. Allan Kardec, com quem devia trabalhar, foi entravado por aquele Espírito, que lhe fazia traçar coisas incoerentes ou impedia que escrevesse.

Então o Sr. Allan Kardec, dirigindo-se ao Espírito, manteve com ele a seguinte conversa:

1. ─ Por que vens aqui sem ser chamado?
─ Quero atormentá-lo.

2. ─ Quem és tu? Dize o teu nome.
─ Não o direi.

3. ─ Qual o teu objetivo, intrometendo-te naquilo que não te diz respeito? Isto não te traz nenhum proveito.
─ Não, mas eu o impeço de ter boas comunicações e sei que isto o magoa muito.

4. ─ És um mau Espírito, pois que te alegras em fazer o mal. Em nome de Deus eu te ordeno que te retires e nos deixes trabalhar tranquilamente.
─ Pensas que metes medo com essa voz grossa?

5. ─ Se não é de mim que tens medo, tê-lo-ás sem dúvida de Deus, em nome de quem te falo e que poderá fazer que te arrependas de tua maldade.
─ Não nos zanguemos, burguês.

6. ─ Repito que és um mau Espírito, e mais uma vez te peço que não nos impeças de trabalhar.
─ Eu sou o que sou, é a minha natureza.
Tendo sido chamado um Espírito superior, ao qual foi pedido que afastasse o intruso, a fim de não ser interrompido o trabalho, o mau Espírito provavelmente se foi, porque durante o resto da noite não houve mais nenhuma interrupção.

Interrogado sobre a natureza desse Espírito, respondeu o superior: Esse Espírito, que é da mais baixa classe, é um antigo carreteiro, falecido perto da casa onde mora o médium. Escolheu para domicílio o próprio quarto deste, e há muito tempo é ele que o obsidia e o atormenta incessantemente. Agora que ele sabe que o médium deve, por ordem de Espíritos superiores, mudar de residência, atormenta-o mais do que nunca. É ainda uma prova de que o médium não escreve o seu próprio pensamento. Vês assim que há boas coisas, mesmo nas mais desagradáveis aventuras da vida. Deus revela o seu poder por todos os meios possíveis.

─ Qual era em vida o caráter desse homem?

─ Tudo o que mais se aproxima do animal. Creio que seus cavalos tinham mais inteligência e mais sentimento do que ele.

─ Por que meio pode o Sr. V… desembaraçar-se dele?

─ Há dois: o meio espiritual, pedindo a Deus; o meio material, deixando a casa onde está.

─ Então há realmente lugares assombrados por certos Espíritos?

─ Sim, Espíritos que ainda estão sob a influência da matéria ligam-se a certos locais.

─ Os Espíritos que assombram certos lugares podem torná-los fatalmente funestos ou propícios às pessoas que os habitam?

─ Quem poderia impedi-los? Mortos, exercem influência como Espíritos; vivos, exercem-na como homens.

─ Alguém que não fosse médium, que jamais tivesse ouvido falar de Espíritos e que nem acreditasse neles poderia sofrer tal influência e ser vítima de vexames de tais Espíritos?

─ Indubitavelmente. Isto acontece mais frequentemente do que pensais, e explica muitas coisas.

─ Há fundamento na crença de que os Espíritos frequentam de preferência as ruínas e as casas abandonadas?

─ Superstição.

─ Então os Espíritos assombrarão uma casa nova da Rua de Rivoli, do mesmo modo que um velho pardieiro?

─ Por certo. Eles podem ser atraídos antes para um lugar do que para outro, pela disposição de espírito dos seus moradores.
Tendo sido evocado, na Sociedade, o Espírito do carreteiro acima mencionado, por intermédio do Sr. R…, ele manifestou-se por sinais de violência, quebrando os lápis, enfiando-os com força no papel, e por uma escrita grosseira, trêmula, irregular e pouco legível.

1. (Evocação).
─ Aqui estou.

2. ─ Reconheceis o poder de Deus sobre vós?
─ Sim; e daí?

3. ─ Por que escolhestes o quarto do Sr. V…, e não um outro?
─ Porque isto me agrada.

4. ─ Ficareis ali muito tempo?
─ Tanto quanto me sentir bem.

5. ─ Então não tendes a intenção de melhorar?
─ Veremos. Eu tenho tempo.

6. ─ Estais contrariado porque vos chamamos?
─ Sim.

7. ─ Que fazíeis quando vos chamamos?
─ Estava na taberna.

8. ─ Então bebíeis?
─ Que tolice! Como posso beber?

9. ─ Então o que quisestes dizer quando falastes da taberna?
─ Quis dizer o que disse.

10. ─ Quando vivo, maltratáveis os vossos cavalos?
─ Sois da polícia municipal?

11. ─ Quereis que oremos por vós?
─ E faríeis isto?

12. ─ Certamente. Nós oramos por todos aqueles que sofrem, porque temos piedade dos infelizes e sabemos que a misericórdia de Deus é grande.
─ Oh! Bem, sois boa gente mesmo. Eu gostaria de poder vos dar um aperto de mão. Procurarei merecê-lo. Obrigado.

OBSERVAÇÃO: Esta conversa confirma o que a experiência já provou muitas vezes, relativamente à influência que podem os homens exercer sobre os Espíritos, e por meio da qual contribuem para a sua melhora. Mostra a influência da prece.

Assim, essa natureza bruta e quase indomável e selvagem encontra-se como que subjugada pela ideia das vantagens que se lhe pode oferecer. Temos numerosos exemplos de criminosos que vieram espontaneamente comunicar-se com médiuns que haviam orado por eles, testemunhando-nos assim o seu arrependimento.

Às observações acima juntaremos as considerações que seguem, relativas à evocação de Espíritos inferiores.

Temos visto médiuns, justamente ciosos de conservar suas boas relações de além-túmulo, recusarem-se a servir de intérpretes dos Espíritos inferiores que podem ser chamados. É de sua parte uma suscetibilidade mal entendida. Pelo fato de evocarmos um Espírito vulgar, e mesmo mau, não ficaremos sob a dependência dele.

Longe disso, e ao contrário, nós é que o dominaremos. Não é ele que vem impor-se, contra a nossa vontade, como nas obsessões. Somos nós que nos impomos. Ele não ordena, obedece. Nós somos o seu juiz, e não a sua presa. Além disso, podemos serlhes úteis por nossos conselhos e por nossas preces e eles nos ficam reconhecidos pelo interesse que lhes demonstramos. Estender-lhe a mão em socorro é praticar uma boa ação. Recusá-la é falta de caridade; ainda mais, é orgulho e egoísmo. Esses seres inferiores, aliás, são para nós um grande ensinamento. Foi por seu intermédio que pudemos conhecer as camadas inferiores do mundo espírita e a sorte que aguarda aqueles que aqui fazem mau emprego de sua vida.

Notemos, além do mais, que é quase sempre tremendo que eles vêm às reuniões sérias, onde dominam os bons Espíritos.

Ficam envergonhados e se mantêm à distância, ouvindo a fim de instruir-se. Muitas vezes vêm com esse objetivo, sem terem sido chamados.

Por que, pois, recusaríamos ouvi-los, quando muitas vezes seu arrependimento e seu sofrimento constituem motivo de edificação ou, pelo menos, de instrução?

Nada há que temer dessas comunicações, desde que visem o bem. Que seria dos pobres feridos se os médicos se recusassem a tocar em suas chagas?




Evocação de um Espírito suicida em sofrimento

O artigo descreve a evocação do Espírito de um suicida francês, por Kardec, em pleno estado de sofrimento moral.

Leia mais sobre casos do tipo clicando aqui.

Publicado na Revista Espírita de novembro de 1858. Na íntegra:

Recentemente os jornais noticiaram o seguinte fato: “Ontem (7 de abril de 1858) pelas sete horas da noite, um homem de cerca de cinquenta anos, vestido decentemente, apresentou-se no estabelecimento da Samaritana e pediu um banho. O empregado admirou-se de que, após duas horas, o indivíduo não chamasse; decidiu-se a entrar no banheiro para ver se não se sentira indisposto. Testemunhou então um horrível espetáculo: o infeliz havia cortado a garganta com uma navalha e todo o sangue se havia misturado à água da banheira. Desde que a identidade não pôde ser estabelecida, o cadáver foi transportado para o necrotério.”

Pensamos que seria possível tirar um ensinamento útil à nossa instrução da conversa com o Espírito desse homem. Assim, evocamo-lo a 13 de abril, apenas seis dias após a sua morte.

1. ─ Peço a Deus Todo-Poderoso permita ao Espírito do indivíduo que se suicidou a 7 de abril de 1858, nos banhos da Samaritana, venha comunicar-se conosco.

─ Espera… (Depois de alguns instantes): Ei-lo.

OBSERVAÇÃO: Para compreender esta resposta é preciso que se saiba que, em geral, em todas as reuniões regulares, há um Espírito familiar, do médium ou da família, que está sempre presente, sem ser preciso chamá-lo. É ele que faz virem os que são evocados e, conforme seja mais ou menos elevado, serve como mensageiro ou dá ordens aos Espíritos que lhe são inferiores. Quando nossas reuniões têm como intérprete a Srta. Ermance Dufaux, é sempre o Espírito de São Luís que voluntariamente toma esse encargo. Foi ele que deu a resposta acima.

2. ─ Onde você está agora?

─ Não sei… Dizei-me onde me encontro.

3. ─ Na Rua Valois (Palais-Royal), n.º 35, numa reunião de pessoas que se ocupam de estudos espíritas e que lhe são benevolentes.

─ Dizei-me se estou vivo… Eu sufoco no caixão.

4. ─ Quem o convidou a vir até nós?

─ Senti-me aliviado.

5. ─ Que motivo o levou ao suicídio?

─ Estou morto?… Não!… Estou em meu corpo… Não sabeis quanto sofro!… Eu sufoco!… Que uma mão piedosa venha dar-me um fim!

OBSERVAÇÃO: Sua alma, embora separada do corpo, ainda está completamente mergulhada naquilo que poderíamos chamar o turbilhão da matéria corpórea; as ideias terrenas ainda se acham vivazes. Ele não acredita que está morto.

6. ─ Por que não deixou nenhum elemento de identificação?

─ Estou abandonado. Fugi do sofrimento para encontrar a tortura.

7. ─ Você tem ainda os mesmos motivos para ficar incógnito?

─ Sim. Não coloqueis um ferro em brasa na ferida que sangra.

8. ─ Poderia dar-nos o seu nome, idade, profissão e domicílio?

─ Não a tudo. Não!…

9. ─ Você tinha uma família, uma mulher, filhos?

─ Eu estava abandonado. Ninguém me amava.

10. ─ O que você fez para não ser amado por ninguém?

─ Quantos há como eu!… Um homem pode estar abandonado no meio da própria família, quando nenhum coração o ama.

11. ─ Você experimentou alguma hesitação ao realizar o suicídio?

─ Eu tinha sede de morrer… Esperava o repouso.

12. ─ Como é que a ideia do futuro não o levou a renunciar àquele desígnio?

─ Eu não cria mais no futuro; estava sem esperanças. O futuro é a esperança.

13. ─ Que reflexões você fez ao sentir extinguir-se a vida?

─ Não refleti; senti… Mas a minha vida não se extinguiu… minha alma está ligada ao corpo… não morri…, entretanto sinto que os vermes me roem.

14. ─ Que sentimento experimentou no momento em que se completou a morte?

─ Ela está completa?

15. ─ Foi doloroso o momento em que se extinguiu a vida?

─ Menos doloroso do que depois. Então, só o corpo sofreu.

São Luís continua:

─ O Espírito libertava-se de um fardo que o esmagava. Ele sentia a volúpia da dor.

(A São Luís): ─ Esse estado é o que sempre se segue ao suicídio?

─ Sim. O Espírito do suicida fica ligado ao corpo até o termo de sua vida. A morte natural é o enfraquecimento da vida. O suicídio a interrompe bruscamente.

─ Esse estado será o mesmo em toda morte acidental independente da vontade e que abrevia a duração natural da vida?

─ Não. Que entendeis por suicídio? O Espírito só é culpado por suas obras.

OBSERVAÇÃO: Havíamos preparado uma série de perguntas que nos propuséramos dirigir ao Espírito desse homem sobre a sua nova existência. Diante de suas respostas, elas perderam o sentido. Era evidente, para nós, que nenhuma consciência tinha ele da situação. A única coisa que nos pôde descrever foi o seu sofrimento.

Essa dúvida sobre a morte é muito comum nos recém-falecidos e principalmente naqueles que em vida não elevaram a alma acima da matéria. À primeira vista é um fenômeno bizarro, mas explicável muito naturalmente. Se perguntarmos a uma pessoa que pela primeira vez é levada ao sonambulismo se está adormecida, ela responderá quase sempre que não, e sua resposta é lógica. O interrogante é que formula mal a pergunta, servindo-se de um termo impróprio. A ideia de sono, no falar comum, está ligada à da suspensão de todas as faculdades sensitivas. Ora, o sonâmbulo, que pensa e vê; que tem consciência de sua liberdade moral, não crê que durma e, com efeito, não dorme, na acepção vulgar do vocábulo. Eis por que responde que não está dormindo, até familiarizar-se com essa nova maneira de entender a coisa. O mesmo acontece com o homem que acaba de morrer. Para ele a morte era o nada. Ora, como ocorre com o sonâmbulo, ele vê, sente a fala. Para ele, portanto, a vida continua, e ele assim o afirma, até que tenha adquirido consciência de seu novo estado.

Foto de capa: Daniel Reche: https://www.pexels.com/pt-br/foto/foto-em-escala-de-cinza-de-um-homem-cobrindo-o-rosto-com-as-maos-3601097/




Um caso de obsessão espiritual: O Espírito e o jurado

O artigo seguinte foi publicado na Revista Espírita de novembro de 1858, e trata de um caso de obsessão espiritual, onde um rapaz foi obsediado por um Espírito – por culpa dele mesmo – a ponto de ser levado a matar uma senhora:

“Um dos nossos correspondentes, homem de grande saber e portador de títulos científicos oficiais, o que não o impede de cometer a fraqueza de acreditar que temos uma alma e que essa alma sobrevive ao corpo, que depois da morte fica errante no espaço e ainda pode comunicar-se com os vivos, tanto mais quanto ele próprio é um bom médium e mantém conversas com os seres de além-túmulo, dirige-nos a seguinte carta:

“Senhor,

“Talvez julgueis acertado agasalhar na vossa interessante revista o fato seguinte:

“Há algum tempo eu era jurado. O tribunal devia julgar um moço, apenas saído da adolescência, acusado de ter assassinado uma senhora idosa em circunstâncias horríveis. O acusado confessava e contava os detalhes do crime com uma impassibilidade e um cinismo que faziam fremir a assembleia.

“Entretanto é fácil prever, em virtude da sua idade, da sua absoluta falta de educação e dados os estímulos recebidos em família, que fossem apresentadas em seu favor circunstâncias atenuantes, tanto mais que ele fora levado pela cólera, agindo contra uma provocação por injúrias.

“Eu quis consultar a vítima a respeito do grau de sua culpabilidade. Chamei-a, durante uma sessão, por uma evocação mental. Ela me fez saber que estava presente e eu pus minha mão às suas ordens. Eis a conversação que tivemos ─ eu, mentalmente, ela pela escrita:

“─ O que a senhora pensa de seu assassino?

“─ Não serei eu quem o acusará.

“─ Por quê?

“─ Porque ele foi levado ao crime por um homem que me fez a corte há cinquenta anos e que, nada tendo conseguido de mim, jurou vingar-se. Conservou, após a sua morte, o desejo de vingança e aproveitou as disposições do acusado para lhe inspirar o desejo de matar-me.

“─ Como sabe disso?

“─ Porque ele mesmo me disse, quando cheguei a este mundo que hoje habito.

“─ Compreendo sua reserva diante dos estímulos que o seu assassino não repeliu como deveria e poderia. Mas a senhora não pensa que a inspiração criminosa, à qual ele voluntariamente obedeceu, não teria sobre ele o mesmo poder, se não houvesse nutrido ou entretido, durante muito tempo, sentimentos de inveja, de ódio e de vingança contra a senhora e a sua família?

“─ Com certeza. Sem isso ele teria sido mais capaz de resistir. Eis por que digo que aquele que quis vingar-se aproveitou as disposições desse moço. O senhor compreende que ele não se teria dirigido a alguém que se dispusesse a resistir.

“─ Ele goza com a sua vingança?

“─ Não, pois vê que isso lhe custará caro. Além disso, em lugar de me fazer mal, ele me prestou um serviço, fazendo-me entrar mais cedo no mundo dos Espíritos, onde sou mais feliz. Foi, pois, uma ação má sem proveito para ele.
“Circunstâncias atenuantes foram admitidas pelo júri, baseadas nos motivos acima indicados, e a pena de morte foi descartada.

“A respeito do que acabo de contar, deve fazer-se uma observação moral de grande importância. É necessário concluir, com efeito, que o homem deve vigiar os seus menores pensamentos malévolos e até mesmo os seus maus sentimentos, por mais fugidios que pareçam, pois eles podem atrair para si Espíritos maus e corrompidos, e expô-lo, fraco e desarmado, às suas inspirações culposas. É uma porta que ele abre ao mal, sem compreender o perigo. Foi, pois, com um profundo conhecimento do homem e do mundo espiritual que Jesus Cristo disse: ‘Todo aquele que olhar para uma mulher para cobiçá-la, já em seu coração adulterou com ela.” (Mat. 5:28).

“Tenho a honra, etc. SIMON M…”




Mediunidade: Espiritismo, a Umbanda e as demais religiões

Há pouco tempo, demonstrei, em artigo e em vídeo, que o motivo do nascimento da Umbanda se deu por conta de uma atitude absurda de um centro espírita que proibiu que se comunicassem Espíritos como os dos “pretos-velhos”, reconhecidos, na Umbanda, como uma de suas entidades. Pensavam, erradamente, que a mediunidade pertence ao Espiritismo. Triste realidade de uma doutrina distorcida, formada pela cooperação de grupos e indivíduos oriundos até mesmo do catolicismo e do protestantismo, que a estudavam, a despeito de suas religiões.

Imagem: pessoas de branco, com roupas da umbanda, religião onde se pratica a mediunidade e, muitas vezes, até se estuda o Espiritismo

Hoje, o Movimento Espírita, que acusa outras religiões de “misticismo”, também adota várias ideias místicas, em detrimento do conhecimento doutrinário existente.

Acontece que esse desentendimento se deu, de ambas as partes, pelo desconhecimento do que realmente seja o Espiritismo, que, naquela época, já se encontrava deturpado em solo brasileiro. Do lado dos espíritas, que quiseram ditar a verdade baseados em falsos conceitos, se houvessem conhecido o conteúdo da Revista Espírita, saberiam o quanto tal atitude seria descabida, já que Kardec demonstrou a utilidade de se evocar todos os Espíritos, com um detalhe: não para ouvi-los e neles se acreditar sem raciocinar, mas para poder estudar suas comunicações de forma psicológica.

Antes de continuar, preciso dizer que, se você acredita que sabe o suficiente e que não precisa saber de mais nada, este artigo não é para você. Caso contrário, se você tem o interesse de conhecer os fatos e, assim, julgar por sua própria consciência, continue comigo até o final.

Quero dizer, para que fique claro, baseando-me para isso no conhecimento adquirido pelo estudo: todos os Espíritos tem algo a ensinar, embora não da mesma maneira, da mesma forma que podemos aprender com as palavras dos sábios, que buscamos interiorizar, e com os exemplos dos criminosos, que buscamos não repetir. É assim que, por exemplo, Kardec e outros encontravam aprendizado em desde o Espírito-guia da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, São Luís, até no estudo do Espírito do trapeiro da rua Noyers, que assustava as pessoas do local e atirava pedras nas vidraças (leia Revista Espírita 1860 » Agosto » O trapeiro da rua de Noyers).

Dissidências

Infelizmente, com a dissidência, os primeiros fundadores da religião da Umbanda não se afastaram apenas do Movimento Espírita, com seus erros, mas também da Doutrina Espírita, que foi o resultado dos esforços conjuntos e colaborativos, coordenados por Allan Kardec, no estudo metodológico e sistemático de milhares de evocações, comunicações espontâneas e de fenômenos espíritas diversos. A Umbanda não foi o único caso.

Mas não estou aqui para apontar dedos para ninguém. Sou da opinião de que tudo foi se enrolando pela “força das coisas”, isto é, as pessoas apenas repetiam aquilo que eram ensinadas. Não é demais repetir: o Espiritismo, quando realmente ganhou força no território brasileiro, já chegou adulterado em princípios e bastante influenciado pelas ideias de Jean-Baptiste Roustaing, quem escolheu acreditar cegamente em Espíritos que alimentavam sua vaidade por declara-lo o “revelador das revelações” e quem rapidamente se voltou contra Kardec quando este buscou avisá-lo do perigo em assim proceder, ao invés de tomar o cuidado de questionar os Espíritos e sua própria razão. A própria FEB – Federação Espírita Brasileira – autoproclamada responsável pelos rumos do Espiritismo no Brasil, adotou princípios de Roustaing desde suas origens, e esse é um dos maiores motivos de as evocações terem sido abolidas neste país, influência essa que se espalha hoje sobre o mundo e que tornou o Movimento Espírita uma religião, muito afastada da ciência que em verdade é o Espiritismo.

Por conta desse afastamento do Espiritismo, substancialmente estigmatizado pelas ações, práticas e palavras dos “espíritas” brasileiros, inúmeras foram as dissidências do Movimento Espírita, ora para outras religiões, ora para a descrença. Mas, aqui, chegamos ao problema da questão: a mediunidade, para aqueles que a possuíam, quase nunca se interrompia pela saída do Movimento Espírita, que não a detém. Assim, quase sempre, passavam a viver a mediunidade da forma como sabiam e como podiam, afastados do conhecimento gerado por aquele trabalho colaborativo do qual Kardec foi o responsável, como era necessário ser naquele momento.

Estigma

Esse estigma, gerado pelo Movimento Espírita, fez com que, por muito tempo, e ainda hoje – infelizmente – pessoas de religiões como a Umbanda, que praticam a mediunidade, olhassem para Allan Kardec com preconceito e até com certa raiva, crendo, muitas vezes, que ele havia fundado uma religião onde pretendia se adonar da verdade. Nada mais falso, mas a verdade era muito difícil de ser alcançada por detrás de tantas falsas ideias que o Movimento Espírita cultivava (e ainda cultiva). Kardec nunca tomou para si a verdade. Seu papel foi de um pesquisador dedicado, que sempre buscou agir de forma impessoal, sempre pronto para modificar seus conceitos e suas hipóteses quando essas se mostravam erradas. Assim, pela observação sistemática e cuidadosa, feita em colaboração com incontáveis grupos e pessoas, foi possível estabelecer vários princípios doutrinários, que não são a verdade absoluta, mas que a razão indicam como os mais racionais e prováveis possíveis.

imagem: Allan Kardec, pesquisador responsável por coordenar os estudos, com uso da mediunidade, que permitiram a formação da Doutrina Espírita, ou Espiritismo

As entidades da Umbanda

Por detrás das nomenclaturas de raízes africanas, que muitos ainda estranham e estigmatizam, estão os Espíritos que se comunicam na religião da Umbanda. Abaixo de Olorum, os orixás da tradição iorubá são venerados como entidades superiores, e eles variam de acordo com cada ramificação da religião. Estes incluem Oxalá, Oxum, Oxóssi, Xangô, Ogum, Obaluaiê, Yemanjá, Oyá, Oxumaré, Obá, Egunitá, Yansã, Nanã e Omolu. Abaixo dos orixás, as entidades espirituais são agrupadas em linhas e falanges, abrangendo diversas categorias, como os Caboclos, que são os espíritos indígenas; os Pretos Velhos, que representam os espíritos dos antigos escravos brasileiros; os Exus, que são espíritos benevolentes e mensageiros dos orixás; as Pombas Giras, identificadas como damas da noite ou feiticeiras; e os Erês, que são espíritos infantis.

Como podemos ver, são apenas nomenclaturas, e nada mais que isso. Com Kardec se comunicavam ou eram evocados Paxás, Zuavos (que eram soldados africanos), supostos feiticeiros, etc. Quando mais esclarecidos, apresentavam-se desapegados das personalidades anteriores; quando menos, diziam se apresentar tal como eram ou como deles lembravam ou imaginavam.

É claro que não posso deixar de lembrar que a evocação com finalidade de curiosidade vazia ou brincadeira será retribuída pela presença de Espíritos de igual pensamento. As evocações sérias eram realizadas com a finalidade de desenvolver a Doutrina.

É a partir daqui que faremos a aproximação com o Espiritismo em sua realidade, sem imposições, já que, tratando-se a Umbanda de uma religião, é necessário reconhecer a liberdade de cada um acreditar naquilo que quiser, e como quiser.

A redescoberta do Espiritismo verdadeiro

O que pretendo demonstrar, enfim, é que a mediunidade praticada na Umbanda não difere da mediunidade praticada pelos espíritas, ou pelos católicos, pelos budistas, por qualquer religião, enfim, ou ainda por livres-pensadores, senão por um detalhe: crenças. E aqui, preciso ser enfático em repetir que o Espiritismo, estando, do ponto de vista espiritual, na própria Natureza, caracteriza-se assim por uma ciência natural, de forma que, para bem compreendê-lo, é necessário dedicação científica. Notem que aqui estou desvinculando o Espiritismo do Movimento Espírita: são duas coisas diferentes.

Pois bem: o mérito de Kardec e de todos aqueles que seriamente estudaram o Espiritismo em seus primeiros passos, foi o de analisar com metodologia e rigor científico os resultados das comunicações mediúnicas e dos fenômenos diversos, obtendo, como mencionei, uma teoria composta de diversos princípios doutrinários, exaustivamente verificados. Kardec, por exemplo, várias vezes questiona como o Espírito chegou ali tão rápido, não se satisfazendo com a primeira resposta. Foi possível, assim, compreender quem são os Espíritos; como se encontram após deixar o corpo material, pela morte deste, etc., o que deu origem posterior às demais obras de Kardec, incluindo “O Livro dos Médiuns ou Guia dos Médiuns e dos Evocadores”, um verdadeiro tratado prático sobre a ciência da comunicação com os Espíritos. Com isso, foi possível aos médiuns e aos estudiosos da época, que eram naturalmente provenientes de diversas religiões, fora os livres-pensadores, superarem diversos erros e se tornarem cada vez mais úteis na propagação de um conhecimento que a cada dia mais convertia ao bem e à fé raciocinada criminosos, depressivos em ponto de desespero, descrentes, etc.

Se você está me acompanhando, deve entender o que estou dizendo. É como afirmar: havendo os estudos sobre a física, que explica princípios como os da inércia, seria insensato praticar base jumping sem calcular a inércia que poderá fazer com que o indivíduo se arrebente ao chão, tomando os cuidados necessários para que isso não aconteça. Quando falamos em mediunidade, dizemos o mesmo.

Um exemplo de erros dos espíritas modernos é aquele dado no início, quando quiseram proibir a comunicação de um Espírito que tenha se apresentado sob tal nomenclatura. Outro: já foi demonstrado que não podemos acreditar cegamente no que dizem os Espíritos, pois eles não ganham a sabedoria por deixar o corpo físico, sendo necessário sempre raciocinar sobre o que dizem e, havendo qualquer margem para dúvida, é necessário investigar mais a fundo, inclusive pelas evocações, se necessário, caso a Doutrina já não forneça respostas suficientes para o assunto em questão.

Mais um exemplo: já foi demonstrado que não é possível dominar os Espíritos por meio de rituais, fórmulas ou objetos, e que os Espíritos maldosos frequentemente enrijecem ainda mais seus ataques quando se tenta fazê-lo. Isso é fruto desse estudo metodológico sobre incontáveis Espíritos. Kardec, aliás, tenta fazer um mau Espírito ir embora pela força das palavras e do nome de Deus, durante uma evocação, sem sucesso. Ainda assim, existem aqueles que escolham deliberadamente fazerem-se de surdos para esses fatos e que, não raro, terminam ampliando seus desgostos ou, às vezes, fazem descrentes, que não encontram solução para as suas perturbações, a despeito de todas as fórmulas, sinais, objetos e rituais utilizados.

Conclusão

É claro que Kardec não encerrou o Espiritismo. Muito pelo contrário: como cientista, sempre asseverou a necessidade de continuar os estudos. Contudo, para essa continuidade, são necessários todos os aspectos anteriormente destacados. Não basta ouvir opiniões isoladas dos Espíritos e tomá-las como verdade, e quem luta contra isso, no fundo, quer apenas sustentar suas próprias opiniões, vaidosamente cultivadas.

A reflexão, para terminar, é esta: nem os espíritas, nem os dissidentes, nem as demais pessoas, religiosas ou não, conhecem de fato o seja o Espiritismo atualmente, embora todos tenham condições de praticar a mediunidade. Por isso, sofrem de diversos enganos e efeitos maléficos, sendo o principal deles a obsessão e até a possessão, além da divulgação das falsas ideias que atrasam o desenvolvimento da humanidade. Muitas vezes, esses maus resultados são encontrados por pessoas de boa-fé, às quais bastaria o conhecimento. Outras vezes, são pessoas renitentes, que definitivamente não querem se abrir à possibilidade de admitir que estão erradas ou que não sabem de tudo – mas este artigo não é para elas.

Vamos, portanto, como na época de Kardec, auxiliar na recuperação desse conhecimento. Vamos aprender o que realmente é o Espiritismo, através do estudo da Revista Espírita de 1858 a 1869; vamos praticar uma mediunidade sadia, livre das falsas ideias diversas; vamos retomar, depois, as evocações, e então cooperar entre os grupos, como Kardec apresenta na Revista Espírita, não com a mediunidade restrita aos “centros espíritas”, como conhecemos hoje, mas sim com ela espalhada por pequenos grupos e grupos familiares, cada um deles um “centro”. Não importa a religião de cada um, à qual cada um tem direito: Espiritismo é fato natural, sendo acessível a todos.

Por muito tempo, o Movimento Espírita e a Umbanda foram guiados pelo misticismo, embora tenham , a seu dispor, um cabedal de conhecimentos tão ricos e sérios. Seja você participante do Movimento Espírita, ou de outra religião, ou, ainda, um livre-pensador que pretende conhecer os fatos, junte-se a esse esforço de recuperação. Esse é o convite.

Sugiro, como uma ótima leitura, a obra “Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo”, de Paulo Henrique de Figueiredo.

Obrigado por me acompanhar até aqui.




A continuidade científica do Espiritismo

Por uma estranha ideia, adotamos o princípio de que não podemos evocar os Espíritos, e que o único que pôde fazer isso foi Kardec, porque tinha a permissão ou um propósito muito peculiar.

À luz do conhecimento, precisamos corrigir um pouquinho essa ideia, pois, na verdade, os únicos que puderam fazer as evocações foram os milhares de indivíduos e pequenos grupos, espalhados pelo mundo, não só na época de Kardec, mas antes mesmo dele, pois, quando Kardec se interessou pela nova ciência e antes mesmo de se dar o pseudônimo de Allan Kardec, o Espiritismo já era praticado em muitos pontos do mundo.

Interessante, não? Por que será que hoje, então, não podemos ou não devemos evocar os Espíritos? Não conheço essa lei, nem nunca a vi escrita em qualquer lugar, senão numa frase tirada de contexto, metafórica de Chico Xavier: “o telefone só toca de lá para cá”. Muito pelo contrário, vamos encontrar, ao estudar as obras de Kardec, a recomendação da prática do Espiritismo pelos pequenos grupos, prática essa que consistia, a seu ver, uma ciência: a constante investigação, junto aos Espíritos, das leis que regem a Criação.

Por essa estranhíssima ideia, passamos a colocar os médiuns na posição das antigas secretárias telefônicas automáticas, cuja única missão era atender a uma ligação e gravar a mensagem, e nada mais. Os médiuns se transformaram nisso:

imagem de uma secretária eletrônica

Não só isso: os grupos espíritas, que hoje praticamente inexistem fora da figura dos centros espíritas, passaram a adotar uma ideia ainda mais estranha: passaram a ouvir as “gravações telefônicas” sem as questionar! Isso mesmo: não se questiona a mensagem dada, apenas as tomam pelo princípio de que são sempre dotadas de verdade e sabedoria, e de propósitos de bem. É muito, muito estranha essa ideia, porque ontem mesmo minha mãe recebeu uma mensagem de uma pessoa que se dizia ser eu, e que queria três mil reais para pagar uma conta urgente. Imagine se minha mãe adotasse a prática de muitos grupos espíritas e simplesmente confiasse no interlocutor!

Os sistemas

Por um princípio ainda mais estranho, certos indivíduos passaram a criar e defender sistemas erigidos justamente sobre essas comunicações passivamente recebidas e não verificadas, gastando precioso tempo e causando enormes dificuldades ao movimento espírita, que deixou de estudar Kardec para confiar nesses sistemas. Incongruentemente, os indivíduos que agem assim são, muitas vezes, aqueles que teriam plena capacidade, por terem conhecimentos científicos, para investigarem essas questões.

Mas nem só de comunicações espíritas não checadas se forma esse triste cenário. Outros tantos erigem verdadeiros sistemas de ideias sobre metáforas utilizadas por Kardec em seus estudos, não conseguindo compreender que os cientistas, sobretudo naquela época, vislumbrando novos aspectos científicos que não tinham como compreender, criavam metáforas para tentar dar luz à ideia que buscavam expressar, confiando à continuidade da ciência melhores explicações. Todos os grandes cientistas fizeram isso, sobretudo no aspecto filosófico e especialmente no âmbito metafísico dessas ideias. Kardec fez isso, por exemplo, ao tentar explicar a presença divina como sendo um oceano, onde tudo estaria imerso. Uma metáfora((Ainda hoje as metáforas são utilizadas para dar explicações científicas, chegando certos cosmólogos a dizer que o Espaço é como se fosse um shampoo ou um queijo! Pobre sujeito que erija um sistema sobre essas metáforas!))!

Mas não só a ciência humana usou metáforas. Os Espíritos também as utilizaram, frequentemente. Espíritos sábios utilizaram sábias metáforas para explicar ideias que, de forma científica, ainda não podíamos compreender. Jesus usou metáforas para explicar princípios da ciência espírita que os homens daquele tempo não podiam compreender. Espíritos ignorantes usaram metáforas para explicar causas e efeitos que nem eles conseguiam compreender de forma científica, mas que sabiam existir e funcionar.

A questão toda, aqui, é uma só:

METÁFORAS

Apenas para ficar muito claro e não restar dúvida, vamos definir o significado do termo: metáfora é a “figura de linguagem em que uma palavra que denota um tipo de objeto ou ação é usada em lugar de outra, de modo a sugerir uma semelhança ou analogia entre elas; translação (por metáfora se diz que uma pessoa bela e delicada é uma flor, que uma cor capaz de gerar impressões fortes é quente, ou que algo capaz de abrir caminhos é a chave do problema); símbolo.”((MICHAELIS. Moderno Português – Busca – Português Brasileiro – Metáfora. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/metafora. Acesso em: 29 mai. 2023.)). Do grego, metaphōrá.

São verdadeiros sistemas de ideias erigidas, muitas vezes, sobre nada mais que metáforas, tomando-as como se fossem literais. No âmbito das comunicações espíritas, o estudo da comunicação do soldado zuavo (“O zuavo de Magenta“), na Revista Espírita de julho de 1858, nos dá uma interessante perspectiva, pois, ao ser questionado sobre sua aparência espiritual naquela evocação (ou perispiritual), ele responde:

42. ─ Se vos pudéssemos ver, como o veríamos?
─ De turbante e culote.

43. ─ Pois bem! Suponhamos que nos aparecêsseis de turbante e culote. Onde teríeis arranjado essas roupas, desde que deixastes as vossas no campo de batalha?
─ Ora, ora! Não sei como é isto mas Tenho um alfaiate que mE as arranja.

44. ─ De que são feitos o turbante e o culote que usais? Não tendes ideia?
─ Não. Isto é lá com o trapeiro.

OBSERVAÇÃO: Esta questão da vestimenta dos Espíritos, como várias outras não menos interessantes, ligadas ao mesmo princípio, foram completamente elucidadas por novas observações feitas no seio da Sociedade. Daremos notícias disso no próximo número. Nosso bom zuavo não é suficientemente adiantado para resolver sozinho. Foi-nos preciso, para isso, o concurso de circunstâncias que se apresentaram fortuitamente e que nos puseram no caminho certo.

Depois, questionado sobre seu general, também já morto, assim responde:

46. ─ Não seria por essa mesma razão que não vedes o general em seu uniforme?
─ Sim, mas ele não o veste todos os dias.

47. ─ Em que dias o veste?
─ Ora essa! Quando o chamam ao palácio((Os Espíritos, ignorantes de certas coisas, expressam-se como podem, e veem o mundo dos Espíritos conforme suas ideias, assim como uma criança, utilizando imagens mentais para descrever algo que ela não compreende, fala de coisas que imputamos apenas à imaginação, mas que, no fundo, tem seu significado. O erro, aqui, seria tomar o “palácio” como uma expressão da verdade espiritual permanente.)).

Poderíamos tomar essa comunicação como mais uma base de suporte para o sistema das cidades espirituais. Kardec, porém, agindo de forma científica, não sistematizou sobre essa ideia, mas apenas viu nela algo muito interessante para ser pesquisado. Daí, surgiu a hipótese de que, no mundo dos Espíritos, a matéria terrestre poderia ter um “duplo etérico”. No artigo “Mobiliário de além-túmulo”, da Revista de agosto de 1859, ele pergunta a São Luis:

5. ─ Haveria um desdobramento da matéria inerte? Haveria no mundo invisível uma matéria essencial, revestindo a forma dos objetos que vemos? Numa palavra, esses objetos teriam o seu duplo etéreo no mundo invisível, como os homens aí são representados em Espírito?

─ Isto não se passa dessa maneira. O Espírito tem sobre os elementos materiais disseminados em todo o espaço, na nossa atmosfera, um poder que estais longe de suspeitar. Ele pode, à vontade, concentrar esses elementos e lhes dar uma forma aparente, adequada a seus projetos.

Não ficando satisfeito com a resposta, questiona:

6. ─ Faço novamente a pergunta de maneira categórica, a fim de evitar qualquer equívoco. As roupas com que se cobrem os Espíritos são alguma coisa?
─ Parece que a minha resposta anterior resolve a questão. Não sabeis que o próprio perispírito é alguma coisa?

No mesmo artigo, pouco antes, Kardec se refere especialmente ao caso do Espírito de um encarnado, que se apresentou em outro lugar, para uma pessoa, com as mesmas características do corpo físico e carregando sua tabaqueira. Reproduzimo-la, por ser autoexplicativa:

3. ─ Essa tabaqueira tinha a forma daquela que ele usa habitualmente, e que estava em sua casa. O que era essa tabaqueira entre as mãos do Espírito?
─ Sempre aparência. Era para que as circunstâncias fossem notadas, como o foram, e para que a aparição não fosse tomada por uma alucinação produzida pelo estado de saúde da vidente. O Espírito queria que essa senhora acreditasse na realidade de sua presença e tomou todas as aparências da realidade.

4. ─ Dizeis que é uma aparência, mas uma aparência nada tem de real; é como uma ilusão de óptica. Eu gostaria de saber se essa tabaqueira não era senão uma imagem irreal, como, por exemplo, a de um objeto que se reflete num espelho.

(Um dos membros da Sociedade, o Sr. Sanson, faz observar que na imagem reproduzida pelo espelho há qualquer coisa de real. Se a imagem não fica no espelho, é que nada a fixa, mas se for projetada sobre uma chapa do daguerreótipo, deixa uma impressão, prova evidente de que é produzida por uma substância qualquer e que não é apenas uma ilusão de óptica).

─ A observação do Sr. Sanson é perfeitamente justa. Teríeis a bondade de nos dizer se existe alguma analogia com a tabaqueira, isto é, se existe algo de material nessa tabaqueira?

─ Certamente. É com o auxílio desse princípio material que o perispírito toma a aparência de vestimenta semelhante às que o Espírito usava quando vivo. OBSERVAÇÃO: Evidentemente o vocábulo aparência deve aqui ser tomado no sentido de imagem, de imitação. A tabaqueira real lá não estava. A que o Espírito tinha era apenas uma reprodução. Comparada à original, era apenas uma aparência, conquanto formada por um princípio material.

A experiência nos ensina que não devemos tomar ao pé da letra certas expressões usadas pelos Espíritos. Interpretando-as segundo as nossas ideias, expomo-nos a grandes equívocos, por isso devemos aprofundar o sentido de suas palavras, sempre que existe uma ambiguidade mínima. Eis uma recomendação feita constantemente pelos Espíritos. Sem a explicação que provocamos, o vocábulo aparência, repetido continuamente em casos análogos, poderia dar lugar a uma falsa interpretação.

A imagem do espelho é aqui tomada como uma metáfora. Naquela época, não se conhecia os princípios físicos dessa imagem, crendo-se, em geral, que ela era algo irreal, uma “aparência“. A justa observação do Sr. Sanson demonstra que o reflexo no espelho tem algo de real, pois, se em lugar do espelho, fosse uma chapa fotossensível, como a do daguerreótipo, essa imagem ficaria gravada. Eles não tinham como explicar o fenômeno, por isso utilizavam metáforas. O Espírito de São Luis responde com a exatidão confirmada pela ciência moderna: assim como o reflexo no espelho e a gravação da fotografia agem por efeito da interação com fótons de luz, a aparência que toma o perispírito resulta da interação da vontade do Espírito sobre o elemento tomado do fluido cósmico universal. Isto se conclui na questão n.º 25:

25. ─ Se o Espírito pode tirar do elemento universal os materiais para fazer todas essas coisas e dar a elas uma realidade temporária, com suas propriedades, também pode tirar dali o necessário para escrever. Consequentemente, isto nos dá a chave do fenômeno da escrita direta.
─ Finalmente o compreendeis.

O propósito deste artigo

Se o leitor nos acompanhou até aqui, entendeu que estamos traçando uma linha de raciocínios bastante clara: é um erro erigir sistemas sobre metáforas. Isso não é científico. Tendo-se colocado de lado a ciência espírita, os modernos espíritas têm formado complexos sistemas de ideias e princípios que, muitas vezes, fixam-se sobre uma frágil vareta fincada na areia. A questão toda é: nós precisamos retomar o Espiritismo como ciência e, antes de demonstrar nossa visão sobre isso, vamos deixar bem claro que, para isso, uma condição é imprescindível: estudar e conhecer o Espiritismo e os princípios dessa ciência (portanto, é lógico, estudar as obras de Allan Kardec), bem como estar compenetrado do assunto que se queira estudar.

O ponto interessante é que temos diversas pessoas plenamente capazes de retomar essa ciência nas áreas que lhes interessam. Temos grandes conhecedores do Espiritismo e das diversas ciências humanas, espalhados mundo afora: físicos, biólogos, filósofos, matemáticos, etc. A diferença está em que, na época de Kardec, as ciências estavam todas interconectadas pela metafísica e que praticamente todos os cientistas conheciam várias áreas da ciência((Sugestão de leitura: Autonomia – A História Jamais Contada do Espiritismo, por Paulo Henrique de Figueiredo)). Além disso, é interessante destacar que o princípio que rege o bom cientista é o desapego ao orgulho. Pode-se ter uma ideia prévia, como Kardec as teve; pode-se questionar respostas que divirjam dessa ideia, defendendo-a, como fez Kardec; porém, frente à evidência inegável do contrário, quando não sobram dúvidas de que a ideia prévia não se sustenta, deve o bom cientista deixar essa ideia de lado, escolhendo ficar com aquilo que atende à razão e à lógica.

É nesse ponto que o bom cientista e a boa ciência experimental divergem dos cientistas sistemáticos, que querem impor à Natureza a adequação às suas próprias ideias, como se isso fosse possível. São esses últimos que, baseando-se em metáforas, distorcidas e retorcidas à sua conveniência, elaboram intrincados sistemas que, não raramente, dominam a humanidade por um tempo expressivo. Vimos isso em várias áreas, e a ciência espírita não escapou desse problema.

Chegamos, enfim, ao ponto crucial deste artigo.

A retomada da ciência espírita

Imbuídos do propósito da retomada do estudo; interessados no restabelecimento da ciência espírita; aderentes ao propósito do abandono ou, ao menos, do questionamento dos sistemas; compenetrados do fato de que Kardec relegou ao futuro a continuidade e a elucidação das questões que ele não pôde tratar senão de maneira metafórica, vamos dar nossa visão sobre o que requer a recuperação da pesquisa espírita do ponto de vista da ciência experimental, detentores da compreensão de que, sim, podemos e devemos evocar espíritos para esse propósito. Basearemos, porém, nossas ideias, no verdadeiro guia do laboratório espírita dado por Allan Kardec: a Revista Espírita.

É muito fácil compreender, com o estudo dos primeiros anos da Revista Espírita, os princípios básicos necessários para a pesquisa científica do Espiritismo. Vamos dividi-los em duas seções: princípios morais e princípios práticos.

Princípios morais

  • Compromisso pessoal com a moral; desapego das próprias ideias.
  • Interesse na investigação legítima da verdade
  • Humildade e espírito de cooperação
  • Seriedade e responsabilidade na pesquisa
  • Formação de grupos coesos em ideias e princípios

Princípios práticos

  • Elaboração de grupos de pesquisa e estudo, onde só participem pessoas verdadeiramente conhecedoras do Espiritismo
  • Cooperação de médiuns, de preferência psicógrafos, com especial interesse nos psicógrafos mecânicos((Porque o controle dos centros motores necessários à fala é mais difícil e porque às respostas “psicofônicas” são mais difíceis de ser analisadas em sua independência com relação às ideias do próprio médium.)), desapegados de suas próprias personalidades e de seus próprios interesses nesse trabalho.
  • Organização cuidadosa de estudos, capacidade de analisar e separar o que é metafórico do que é literal nas comunicações

A pesquisa através das evocações

Dotados de princípios legítimos e da vontade de pesquisar, seriamente, determinado tema, os pequenos grupos – que devem operar em âmbito fechado ao público geral – serão dirigidos por um ou mais Espíritos mais elevados, cuja autoridade moral poderá ser facilmente estabelecida se o grupo for realmente compenetrado da ciência espírita. Esse Espírito, que, no caso de Kardec, seria São Luís, é aquele que cuidará de auxiliar na parte espiritual, encaminhando Espíritos comunicantes, complementando ideias, etc.

A pesquisa sobre um determinado tema ou princípio deve seguir, então, os seguintes passos, onde EG é o Espírito guia do grupo:

Ousei resumir em um fluxograma a complexidade das evocações com fins de pesquisa científica, mas é claro que o digrama apenas exemplifica os passos que o próprio Allan Kardec demonstrou tomar, sem demonstrar toda a complexidade por trás disso, no sentido da necessidade de conhecimentos, seriedade, compromisso moral, etc.

O fluxograma é bem simples e autoexplicativo, basta seguir as setas direcionais. Ele demonstra os passos da preparação prévia de questões, da seleção de Espíritos a evocar (porque evocar Espíritos sem um propósito sério dá na mesma que ficar à disposição de qualquer Espírito, e pode ser ainda pior), da verificação da evocabilidade e da utilidade da evocação daquele Espírito em particular, da realização da evocação e da realização das perguntas e do registro das respostas, antes às quais, frente a questionamentos pontuais presentes, poderão ser realizadas novas questões para esclarecimento, ao próprio Espírito ou ao Espírito guia e, enfim, da documentação e da posterior análise das respostas dadas, com a criação de uma “base de dados” do grupo e com a disponibilização, quando pertinente, da evocação e do estudo para outros grupos, que poderão analisá-las e buscar confirmações ou refutações em seus próprios estudos. O médium não faz parte do fluxograma, mas é claro que também tem um papel fundamental, tratado com dedicação na obra O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec.

É evidente que cada resposta precisará ser analisada com um grande cuidado pelo grupo, considerando a Psicologia e sabendo que os Espíritos, simplesmente por estarem livre do corpo, não ganham plenas luzes instantaneamente – por isso, sempre, a recomendação do estudo da Revisa Espírita, que evidencia o fato de Kardec nunca ter formado sistemas sobre ideias incompletas ou de um só Espírito, o que teria condenado o Espiritismo ao misticismo, logo em seu primeiro ano de estudos.

E o que podemos perguntar? Com seriedade, honestidade e conhecimento do Espiritismo, tudo. Isto é: é claro que, satisfazendo as condições expressas, não iremos realizar uma evocação para pedir a previsão da loteria, nem para fazer o mal, isto é evidente. Mas, por exemplo, poderíamos evocar alguns Espíritos para buscar compreender mais a fundo essas ideias de fluidos, frente ao conhecimento da física moderna. Por que não? Talvez isso possa ser aprofundado ou, quem sabe, recebamos uma resposta do tipo “ainda faltam conhecimentos para que o ser humano possa compreender esses conceitos”.

As falsas ideias

É um erro pensar que os tempos modernos vão atrapalhar esse trabalho, imaginando que a facilidade da comunicação vai “contaminar” as ideias entre os grupos. Os Espíritos não revelam um conhecimento de forma exclusiva, mas, antes, o espalham por toda parte, onde houverem pessoas aptas ao estudo. Se uma falsa ideia for aceita por um grupo e divulgada aos outros, se os outros forem grupos sérios, facilmente a rejeitarão, porque verão os Espíritos demonstrando seu erro. A facilidade de comunicação, antes, vai facilitar esse trabalho, desde que exista a seriedade nos grupos que se comunicam.

Também é falso supor que o pesquisador espírita tenha que ser uma tela em branco. Não! O pesquisador sempre vai partir de uma ou mais hipóteses, que ele precisará testar numa população – no caso, a dos Espíritos. Ele pode ter uma ideia prévia porque, com base nos seus conhecimentos, é para onde lhe aponta a razão, e pode ver essa ideia ser confirmada ou refutada na prática das evocações. Se o pesquisador não tiver apego às suas próprias ideias, isto é, se não houver orgulho, ele as abandonará quando a razão apontar em outra direção, por novos fatos e evidências.

Eis aí, amigos, tudo o que é necessário para a retomada da pesquisa espírita. Ao invés de se apegarem às ideias erigidas sobre metáforas e figuras, arregacemos as mangas e nos coloquemos ao trabalho, que deve começar com o estudo e o entendimento da obra de Kardec, em seu contexto. Muito em breve, cremos, teremos um material ainda mais completo para essa correta compreensão. Sem atropelações, portanto, tomemos o primeiro passo e estudemos((Lembrando que, de acordo com o que nos mostram os fatos, as obras O Céu e o Inferno e A Gênese foram adulterados em suas respectivas 4.ª e 5.ª edições, motivo pelo qual indicamos a leitura das recentes edições da editora FEAL, que trazem na capa o termo “versão original” e com preciosas notas explicativas de Paulo Henrique de Figueiredo e outros)). O que virá disso será a consequência, pois bem sabemos que não estamos abandonados à própria sorte.

As adulterações

Outro fator importante nesse conjunto é a questão das adulterações das obras O Céu e o Inferno, a partir da 4.ª edição, e de A Gênese, a partir da 5.ª edição. Digam o que quiserem aqueles que querem transformar evidências em provas: para nós, a esta altura, não há outra forma de concluir senão pela adulteração dessas obras, posto que elas não condizem, nas edições alteradas, nem sequer com o que Kardec desenvolvia na Revista Espírita, além de introduzem pontos desconexos entre si e que mutuamente se contradizem. Baseados nessas edições, alguns sistemas foram elaborados, sendo um dos mais danosos a ideia do pagamento de dívidas através da encarnação, como um castigo. O restabelecimento das obras originais, sendo especialmente realizado pela Editora FEAL, foi de substancial importância nesse sentido.

A condição principal

Para que o desenvolvimento doutrinário seja retomado, será necessário desapego da personalidade, não só do pesquisador e do médium, mas também do Espírito evocado. A Doutrina demonstra a condição coletiva dos Espíritos e demonstra que, ao evocar, por exemplo, São Luis, outro Espírito pode responder em seu lugar. Para que esse seja um bom Espírito, que represente a mesma ideia, é necessário que o grupo esteja imbuído de tudo aquilo que demonstramos acima, evocando os bons Espíritos e, sob a tutela desses, realizando os estudos com Espíritos que, por ventura, sejam menos elevados. Além disso, para a retomada do Espiritismo, além da necessidade de recuperar a Doutrina “em Kardec”, de forma muito bem compreendida (porque os Espíritos só podem ensinar a partir de princípios verdadeiros), será necessário que isso se espalhe por diversos grupos pelo mundo, para que possa voltar a existir as condições de concordância universal do ensinamento.

Estamos aqui, incentivando esse processo.

Lembre-se de registrar o contato do seu grupo em nosso diretório, ou, se tiver dúvidas ou quiser conversar, basta entrar em contato!




Explorando a Teoria do Duplo Material no Mundo dos Espíritos com Allan Kardec

As manifestações espiritas sempre foram um ponto nevrálgico na Doutrina Espirita. Foi através dessas manifestações e sua melhor compreensão que Kardec conseguiu estabelecer a sua filosofia moral. Assim, destacamos esse estudo de 1859 exposto na Revista Espirita de agosto de 1859.

Segue.

Extraímos a passagem seguinte de uma carta que uma correspondente da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas nos enviou do departamento do Jura:

“…Como vos disse, senhor, os Espíritos gostavam da nossa velha habitação. Em outubro último (1858), a senhora Condessa de C…, amiga íntima de minha filha, veio com seu filhinho de 8 anos passar uns dias em nossa mansão. A criança dormia no mesmo quarto que sua mãe, e a porta de comunicação para o quarto de minha filha ficava aberta, a fim de prolongar as horas do dia e da conversa. O menino não dormia e dizia à mãe: ‘Que é que a senhora vai fazer com esse homem que está sentado junto à sua cama? Ele está fumando um grande cachimbo. Veja como enche o quarto de fumaça! Mande-o embora, pois está sacudindo as cortinas.’
“Essa visão durou a noite toda. A mãe não conseguiu que a criança se calasse, e ninguém conseguiu fechar os olhos. Esta circunstância não espantou nem a mim, nem à minha filha, pois sabemos que há manifestações espíritas. A mãe, entretanto, acreditava que a criança estivesse sonhando acordada ou se divertindo.

RE 1859

Observação: A visão era mediúnica por isso só a criança via.

“Eis outro fato que testemunhei pessoalmente e que me aconteceu no mesmo aposento, em maio de 1858. É o caso da aparição do Espírito de uma pessoa viva, que ficou muito admirado por ter vindo visitar-me. Eis as circunstâncias: Eu estava muito doente e há tempos não dormia, quando vi, às dez horas da noite, um amigo de minha família sentado junto à minha cama. Manifestei-lhe minha surpresa por sua visita àquela hora. Ele me disse: “Não faleis, pois venho velar-vos; não faleis, pois é preciso que durmais”, e estendeu a mão sobre minha cabeça. Várias vezes abri os olhos para ver se ainda lá estava, e a cada vez ele me fazia sinal para fechá-los e calar-me. Rodava a tabaqueira entre os dedos, e de vez em quando tomava uma pitada, como era seu costume. Por fim adormeci, e quando despertei a visão tinha desaparecido.

Idem

OBSERVAÇÃO: Kardec faz uma breve citação das explicações sobre os fatos de aparições de encarnados e de Espíritos (condensação do perispírito ou modificação molecular).

Ele segue:

Opera-se na sua contextura uma modificação molecular, que o torna visível e mesmo tangível, e que lhe pode dar, até certo ponto, as propriedades dos corpos sólidos. Sabemos que corpos perfeitamente transparentes se tornam opacos pela simples mudança na posição das moléculas ou pela adição de outro corpo, igualmente transparente. Não sabemos bem como fazem os Espíritos para tornar visível o seu corpo etéreo. A maior parte deles não chega mesmo a se dar conta disso, mas, pelos exemplos que temos citado, compreendemos a sua possibilidade física, o que é bastante para tirar do fenômeno aquilo que, à primeira vista, poderia parecer sobrenatural. Pode, pois, o Espírito fazê-lo, quer por simples modificação íntima, quer assimilando uma porção de fluido estranho que altera momentaneamente o aspecto de seu perispírito. É, na verdade, esta última hipótese que ressalta das explicações que nos têm sido dadas, e que relatamos ao tratar do assunto (maio, junho e dezembro).

Até aqui nenhuma dificuldade no que concerne à personalidade do Espírito. Sabemos, porém, que se apresentam com roupagens cujo aspecto mudam à vontade; por vezes mesmo têm certos acessórios de toalete, joias, etc. Nas duas aparições citadas no começo, uma tinha um cachimbo e produzia fumaça; a outra, uma tabaqueira e tomava pitadas. Note-se, entretanto, o fato de que este Espírito era de uma pessoa viva e que sua tabaqueira era em tudo semelhante à de que se servia habitualmente, e que tinha ficado em casa. Que significam, então, essa tabaqueira, esse cachimbo, essas roupas e essas joias? Os objetos materiais que existem na Terra teriam uma representação etérea no mundo invisível? A matéria condensada que forma tais objetos teria uma parte quintessenciada, que escapa aos nossos sentidos?

OBSERVAÇÃO: Posição do verdadeiro cientista, em busca da verdade, sem nada descartar.

Eis um imenso problema, cuja solução pode dar a chave de uma porção de coisas até aqui não explicadas. Foi essa tabaqueira que nos pôs no caminho, não apenas do fato, mas do fenômeno mais extraordinário do Espiritismo: o fenômeno da pneumatografia ou escrita direta, de que falaremos a seguir.

Todas as teorias que apresentamos, relativas ao Espiritismo, nos foram fornecidas pelos Espíritos, que muitas vezes contraditaram as nossas próprias ideias, como aconteceu no caso presente, provando que as respostas não eram reflexo do nosso pensamento. Mas a maneira de se obter uma solução não é coisa sem importância. 

Sabemos por experiência própria que não basta pedir bruscamente uma coisa para a obtermos. Nem sempre as respostas são bastante explícitas; é necessário desenvolver o assunto com certas precauções; chegar ao objetivo progressivamente e por um encadeamento de deduções que requerem um trabalho prévio. Em princípio, a maneira de formular as questões, a ordem, o método e a clareza são coisas que não podem ser negligenciadas e que agradam aos Espíritos sérios, porque veem nisso um objetivo sério.

OBSERVAÇÃO: Isto significa que, é claro, o pesquisador pode ter uma ideia prévia, mas que, agindo de boa-fé, não pode se apegar a ela. E também, claro, que a intenção da pergunta é tão importante quanto.

Eis a conversa que tivemos com o Espírito de São Luís, a propósito da tabaqueira, visando a solução do problema da produção de certos objetos no mundo invisível. (Sociedade, 24 de junho de 1859).

1. ─ No relato da senhora R…, trata-se de uma criança que viu perto do leito da mãe um homem fumando um grande cachimbo. Compreende-se que esse Espírito tenha podido tomar a aparência de um fumante; parece, entretanto, que fumava realmente, pois o menino via o quarto cheio de fumaça. O que era essa fumaça?

─ Uma aparência produzida para o menino.

2. ─ A senhora R… também cita o caso de uma aparição, vista por ela, do Espírito de uma pessoa viva. Esse Espírito tinha uma tabaqueira e tomava rapé. Poderia ele experimentar a sensação que a gente tem ao tomar uma pitada?

─ Não.

3. ─ Essa tabaqueira tinha a forma daquela que ele usa habitualmente, e que estava em sua casa. O que era essa tabaqueira entre as mãos do Espírito?

─ Sempre aparência. Era para que as circunstâncias fossem notadas, como o foram, e para que a aparição não fosse tomada por uma alucinação produzida pelo estado de saúde da vidente. O Espírito queria que essa senhora acreditasse na realidade de sua presença e tomou todas as aparências da realidade.

4.1 ─ Dizeis que é uma aparência, mas uma aparência nada tem de real; é como uma ilusão de óptica. Eu gostaria de saber se essa tabaqueira não era senão uma imagem irreal, como, por exemplo, a de um objeto que se reflete num espelho.

NOTA de A.K.:Um dos membros da Sociedade, o Sr. Sanson, faz observar que na imagem reproduzida pelo espelho há qualquer coisa de real. Se a imagem não fica no espelho, é que nada a fixa, mas se for projetada sobre uma chapa do daguerreótipo, deixa uma impressão, prova evidente de que é produzida por uma substância qualquer e que não é apenas uma ilusão de óptica.

4.2 – A observação do Sr. Sanson é perfeitamente justa. Teríeis a bondade de nos dizer se existe alguma analogia com a tabaqueira, isto é, se existe algo de material nessa tabaqueira?

─ Certamente. É com o auxílio desse princípio material que o perispírito toma a aparência de vestimenta semelhante às que o Espírito usava quando vivo. 

NOTA de A.K.: Evidentemente o vocábulo aparência deve aqui ser tomado no sentido de imagem, de imitação. A tabaqueira real lá não estava. A que o Espírito tinha era apenas uma reprodução. Comparada à original, era apenas uma aparência, conquanto formada por um princípio material.
A experiência nos ensina que não devemos tomar ao pé da letra certas expressões usadas pelos Espíritos. Interpretando-as segundo as nossas ideias, expomo-nos a grandes equívocos, por isso devemos aprofundar o sentido de suas palavras, sempre que existe uma ambiguidade mínima. Eis uma recomendação feita constantemente pelos Espíritos. Sem a explicação que provocamos, o vocábulo aparência, repetido continuamente em casos análogos, poderia dar lugar a uma falsa interpretação.

OBSERVAÇÃO: Sabemos, hoje, o princípio da imagem refletida em um espelho e sua fixação em uma fotografia: o comportamento de ondas. A luz, como energia eletromagnética, reflete no espelho e impressiona o dispositivo de fotografia, seja ele qual for. Parece que é a esse mesmo princípio (de onda) que o Espírito se refere.

5. ─ Haveria um desdobramento da matéria inerte? Haveria, no mundo invisível, uma matéria essencial, revestindo a forma dos objetos que vemos? Numa palavra, esses objetos teriam o seu duplo etéreo no mundo invisível, como os homens aí são representados em Espírito?

NOTA de A.K.: Eis uma teoria como qualquer outra, e que era pensamento nosso. O Espírito, no entanto, não a levou em consideração, o que absolutamente não nos humilhou, porque sua explicação nos pareceu muito lógica e porque ela repousa sobre um princípio mais geral, do qual encontramos muitas explicações.
─ Isto não se passa dessa maneira. O Espírito tem sobre os elementos materiais disseminados em todo o espaço, na nossa atmosfera, um poder que estais longe de suspeitar. Ele pode, à vontade, concentrar esses elementos e lhes dar uma forma aparente, adequada a seus projetos.

6. ─ Faço novamente a pergunta de maneira categórica, a fim de evitar qualquer equívoco. As roupas com que se cobrem os Espíritos são alguma coisa?

─ Parece que a minha resposta anterior resolve a questão. Não sabeis que o próprio perispírito é alguma coisa?

7. ─ Resulta desta explicação que os Espíritos fazem a matéria eterizada sofrer transformações à sua vontade e que, assim, no caso da tabaqueira, o Espírito não a encontrou perfeitamente acabada; ele mesmo a fez no momento em que dela necessitava, e depois a desfez. O mesmo deve acontecer com todos os outros objetos, tais como vestimentas, joias, etc.

─ Mas é evidente.

8. ─ Essa tabaqueira foi tão perfeitamente visível para a senhora R… a ponto de iludi-la. Poderia o Espírito tê-la tornado tangível?

─ Poderia.

9. ─ Nesse caso, a senhora R… poderia tê-la tomado nas mãos, julgando pegar uma autêntica tabaqueira?

─ Sim.

10. ─ Se a tivesse aberto teria provavelmente encontrado rapé. Se o tivesse tomado, ele a teria feito espirrar?

─ Sim.

11. ─ Pode então o Espírito dar não somente a forma, mas até propriedades especiais?

─ Se o quiser; é em virtude deste princípio que respondi afirmativamente às questões precedentes. Tereis provas da poderosa ação que o Espírito exerce sobre a matéria e que, como já vos disse, estais longe de suspeitar.

OBSERVAÇÃO: Kardec nunca foi tão claro em suas indagações no transcorrer desse 1 ano e meio de Revista Espirita. Evidentemente ele está elaborando tanto a nova edição aumentada de O livro dos Espiritos e depois o que seria O Livro dos Mediuns, publicado alguns anos depois.

12. ─ Suponhamos então que ele tivesse querido fazer uma substância venenosa e que uma pessoa a tivesse tomado. Esta teria sido envenenada?

─ Poderia, mas não teria feito, porque não teria tido permissão para fazê-lo.

OBSERVAÇÃO: Sabemos, hoje, que a Criação está longe de ser um “cada um por si”, e que, na verdade, é um “um por todos e todos por um”, sendo que aqueles mais inferiores são sempre “conduzidos” pelos mais elevados. Os pensamentos do espíritos mais elevados serem irresistíveis aos menos elevados. Tendemos a nos julgar abandonados à própria sorte, mas, cada vez mais, entendo que isso não é verdade. Os Espíritos superiores nos “conduzem” para o bem, isto é, oferecem uma atração irresistível, através do pensamento. É possível compreender o motivo de os Espíritos imperfeitos, inclinados ao mal, não conseguirem romperem essa Lei para fazer o mal.

“Tudo se encadeia no Universo”

13. ─ Teria podido fazer uma substância salutar e própria para curar, em caso de moléstias? Já houve esse caso?

─ Sim; muitas vezes.

14. ─ Assim também poderia ele fazer uma substância alimentar; suponhamos que tivesse feito um fruto ou um petisco qualquer. Poderia alguém comê-lo e sentir-se alimentado?
─ Sim, sim. Mas não procureis tanto para encontrar aquilo que é fácil de compreender. Basta um raio de sol para tornar perceptíveis aos vossos órgãos grosseiros essas partículas materiais que enchem o espaço em cujo meio viveis. Não sabeis que o ar contém vapor d’água? Condensai-o e o levareis ao estado normal. Privai-o do calor e eis que suas moléculas impalpáveis e invisíveis se tornarão corpo sólido e muito sólido. Outras matérias existem que levarão os químicos a vos apresentar maravilhas ainda mais assombrosas. Só o Espírito possui instrumentos mais perfeitos que os vossos: a sua própria vontade e a permissão de Deus.

OBSERVAÇÃO de A.K.: A questão da saciedade é aqui muito importante. Como uma substância que tem apenas existência e propriedades temporárias e, de certo modo, convencionais, pode produzir a saciedade? Por seu contato com o estômago, essa substância produz a sensação de saciedade, mas não a saciedade resultante da plenitude. Se tal substância pode agir sobre a economia orgânica e modificar um estado mórbido, também pode agir sobre o estômago e produzir a sensação da saciedade. Contudo, pedimos aos senhores farmacêuticos e donos de restaurantes que não tenham ciúmes, nem pensem que os Espíritos lhes venham fazer concorrência. Esses casos são raros e excepcionais e jamais dependem da vontade. Do contrário, a alimentação e a cura seriam muito baratas.

15. ─ Do mesmo modo poderia o Espírito fabricar moedas?

─ Pela mesma razão.

16. ─ Desde que tornados tangíveis pela vontade do Espírito, poderiam esses objetos ter um caráter de permanência e de estabilidade?

─ Poderiam, mas isto não se faz. Está fora das leis.

17. ─ Todos os Espíritos têm esse mesmo grau de poder?

─ Não, não.

18. ─ Quais os que têm mais particularmente esse poder?─ Aqueles a quem Deus o concede, quando isto é útil.

19. ─ A elevação de um Espírito influi nesse caso?

─ É certo que quanto mais elevado o Espírito, mais facilmente obtém esse poder. Isto, porém, depende das circunstâncias. Espíritos inferiores também podem obtê-lo.

OBSERVAÇÃO: E, nesse caso, são supridos pela assistência de Espíritos superiores, muitas vezes sem nem saberem disso. Ver O Livro dos Médiuns ou guia dos médiuns e dos evocadores > Segunda parte — Das manifestações espíritas > Capítulo V — Das manifestações físicas espontâneas > Arremesso de objetos.

20. ─ A produção dos objetos semimateriais resulta sempre de um ato da vontade do Espírito, ou por vezes ele exerce esse poder malgrado seu?

─ Isso frequentemente acontece malgrado seu.

21. ─ Seria então esse poder um dos atributos, uma das faculdades inerentes à própria natureza do Espírito? Seria, de algum modo, uma das propriedades, como a de ver e ouvir?─ Certamente. Mas por vezes ele mesmo o ignora. Então outro o exerce por ele, malgrado seu, quando as circunstâncias o exigem. O alfaiate do zuavo era justamente o Espírito de que acabo de falar e ao qual ele fazia alusão na sua linguagem chistosa

OBSERVAÇÃO: Encontramos um exemplo dessa faculdade em certos animais, como, por exemplo, no peixe-elétrico, que irradia eletricidade sem saber o que faz, nem como, e que nem ao menos conhece o mecanismo que a produz. Nós mesmos por vezes não produzimos certos efeitos por atos espontâneos dos quais não nos damos conta? Assim, pois, parece-nos muito natural que o Espírito opere nessa circunstância por uma espécie de instinto. Ele opera por sua vontade, sem saber como, assim como nós andamos sem calcular as forças que colocamos em jogo.

22. ─ Compreendemos que nos dois casos citados pela Senhora R.., um dos Espíritos quisesse ter um cachimbo e o outro uma tabaqueira para impressionar a visão de uma pessoa viva. Pergunto, porém, se caso não tivesse chegado a fazê-la ver, poderia o Espírito pensar que tinha esses objetos, criando para si mesmo uma ilusão?

─ Não, se ele tiver uma certa superioridade, porque terá perfeita consciência de sua condição. Já o mesmo não se dá com os Espíritos inferiores. 

OBSERVAÇÃO de A. K. : Esse era, por exemplo, o caso da rainha de Oude, cuja evocação consta do nosso número de março de 1858, que ainda se julgava coberta de diamantes. (Clique aqui para o artigo sobre Rainha de Oude)

23. ─ Dois Espíritos podem reconhecer-se mutuamente pela aparência material que tinham em vida?

─ Não é por esse meio que eles se reconhecem, pois não tomarão essa aparência um para o outro. Se, porém, em certas circunstâncias, se acham em presença um do outro, revestidos dessa aparência, por que não se haveriam de reconhecer?

OBSERVAÇÃO: sto aqui é importante! Nos romances mediúnicos, o mundo fantástico criado é todo material ou materialista, e a forma, nesses contos, é fundamental. Aqui, temos novamente a confirmação já feita antes que a forma não é importante para os Espíritos em geral, embora seja predominante para os Espíritos ainda muito presos à matéria (ou seja, de pensamento muito apegado). Decorre daí que faria sentido um Espírito em perturbação “se ver” numa condição como aquela do umbral de André Luiz, mas o mesmo não poderia se dar quando já desapegado dessas ideias, o que não parece ser algo tão distante, conforme o relato de vários Espíritos, dados a Kardec.

24. ─ Como podem os Espíritos reconhecer-se no meio da multidão de outros Espíritos, e sobretudo como podem fazê-lo quando um deles vai procurar em lugar distante e muitas vezes em outros mundos, aqueles que chamamos?

─ Isto é uma pergunta cuja resposta levaria muito longe. É necessário esperar.Não estais suficientemente adiantados. No momento contentai-vos com a certeza de que assim é, pois disso tendes provas suficientes.

PARA PENSAR: Entendo que ele quis dizer, ao final: “como um Espírito pode reconhecer o outro que assume outra aparência, ao visitar outros mundos?”. SE bem que nós sempre esquecemos que nosso mundo, onde vivemos agora, é material e precisa de olhos e luz para ver. na espiritualidade não tem necessidade de aparencia muito menos os espíritos tem olhos para ver. Será que é isso?

25. ─ Se o Espírito pode tirar do elemento universal os materiais para fazer todas essas coisas e dar a elas uma realidade temporária, com suas propriedades, também pode tirar dali o necessário para escrever. Consequentemente, isto nos dá a chave do fenômeno da (( escrita direta *Esclarecimento: A escrita direta acontece quando um Espírito, pela vontade e com a utilidade em fazê-lo, faz aparecer, sobre um papel, uma escrita real, ora em grafite, ora em tinta, ora em formato de impressão. Recomendamos a leitura do artigo seguinte, “Pneumatografia ou escrita direta”, assim como do artigo de mesmo título, em maio de 1860, e também do Capítulo XII de O Livro dos Médiuns  — “Da pneumatografia ou escrita direta”.  Pneuma: entre os antigos pensadores gregos, sobretudo os estoicos, designativo do espírito, sopro animador ou força criadora, usada pela razão divina para vivificar e dirigir todas as coisas. )) .

─ Finalmente o compreendeis.

26. ─ Se a matéria de que se serve o Espírito não é permanente, como não desaparecem os traços da escrita direta?

─ Não julgueis pelas palavras. Desde o início eu nunca disse jamais. Nos casos estudados, tratava-se de objetos materiais volumosos; aqui se trata de sinais que convém conservar e são conservados.

PARA PENSAR: Isto aqui envolve uma questão profunda. Kardec havia entendido que a matéria fluídica de que servem os Espíritos é sempre impermanente, posto que, nos casos citados, ela sempre se desfaz. Contudo, os casos de escrita direta não se desfazem. Como poderia ser isso?

*Esclarecimento: A escrita direta acontece quando um Espírito, pela vontade e com a utilidade em fazê-lo, faz aparecer, sobre um papel, uma escrita real, ora em grafite, ora em tinta, ora em formato de impressão. Recomendamos a leitura do artigo seguinte, “Pneumatografia ou escrita direta”, assim como do artigo de mesmo título, em maio de 1860, e também do Capítulo XII de O Livro dos Médiuns  — “Da pneumatografia ou escrita direta”.  Pneuma: entre os antigos pensadores gregos, sobretudo os estoicos, designativo do espírito, sopro animador ou força criadora, usada pela razão divina para vivificar e dirigir todas as coisas.

A teoria acima pode resumir-se assim: O Espírito age sobre a matéria; tira da matéria primitiva universal os elementos necessários para, à vontade, formar objetos com a aparência dos diversos corpos existentes na Terra. Também pode operar sobre a matéria elementar, por sua vontade, uma transformação íntima que lhe dá determinadas propriedades. Essa faculdade é inerente à natureza do Espírito, que muitas vezes a exerce, quando necessário, como um ato instintivo, que não chega a perceber.

Os objetos formados pelos Espíritos têm uma existência temporária, subordinada à sua vontade ou à necessidade. Ele pode fazê-los e desfazê-los à vontade. Em certos casos, aos olhos das pessoas vivas, esses objetos podem ter todas as aparências da realidade, isto é, tornar-se momentaneamente visíveis e até tangíveis. Há formação, mas não criação, visto que o Espírito nada pode tirar do nada. ( LM 130 e 131)




O que deve ser a História do Espiritismo

O século XIX foi o Século da Razão! Isso quer dizer que não havia brecha para misticismo muito menos para dogmas. O dogma só desaparece quando debruçamos sobre o estudo dedicado e contínuo. Este Artigo que trazemos aqui é da Revista Espírita, outubro de 1862, “O que deve ser a história do Espiritismo“.

“A propósito dessa história, sobre a qual dissemos algumas palavras, várias pessoas nos perguntam o que compreenderia ela, e com esse objetivo nos enviaram diversos relatos de manifestações. Aos que pensaram assim trazer uma pedra ao edifício, agradecemos a intenção, mas diremos que se trata de algo mais sério que um catálogo de fenômenos espíritas encontradiço em muitas obras. Tendo o Espiritismo que marcar presença nos fastos da Humanidade, será interessante para as gerações futuras saber por que meios ter-se-á ele estabelecido. Será, pois, a história das peripécias que tiverem assinalado os seus primeiros passos; das lutas que tiver enfrentado; dos entraves que lhe terão oposto; de sua marcha progressiva no mundo inteiro.

O verdadeiro mérito é modesto e não busca impor-se. É preciso que a Humanidade conheça os nomes dos primeiros pioneiros da obra, daqueles cuja abnegação e devotamento merecerão ser inscritos em seus anais; das cidades que marcharam na vanguarda; dos que sofreram pela causa, a fim de que sejam abençoados; dos que fizeram sofrer, a fim de que orem por eles, para que sejam perdoados. Numa palavra, de seus amigos dedicados e de seus inimigos confessos ou ocultos.

É preciso que a intriga e a ambição não usurpem o lugar que lhes não pertence, nem um reconhecimento e uma honra que não lhes são devidos. Se há Judas, é preciso que eles sejam desmascarados.

Uma parte, que não será a menos interessante, será a das revelações que sucessivamente anunciaram todas as fases dessa era nova e os acontecimentos de toda ordem que as acompanharam.

Aos que acharem a tarefa presunçosa, diremos que não teremos outro mérito senão o de possuir, por nossa posição excepcional, documentos que não estão em poder de ninguém, e que estão ao abrigo de quaisquer eventualidades. Considerando-se que o Espiritismo está sendo chamado, incontestavelmente, a desempenhar um grande papel na História, é importante que esse papel não seja desnaturado, e que seja mostrada a história autêntica, em oposição às histórias apócrifas que o interesse pessoal poderia fabricar.

Quando aparecerá ela? Não será tão cedo, e talvez não em nossa vida, pois não se destina a satisfazer à curiosidade do momento. Se dela falamos por antecipação, é para que ninguém se equivoque quanto ao seu objetivo e seja anotada a nossa intenção. Aliás, o Espiritismo está em seu começo, e muitas outras coisas acontecerão até lá. Então, é preciso esperar que cada um tenha tomado o seu lugar, certo ou errado.” (grifos nossos)

Observação: É interessante notar como parece que Allan Kardec já sabia do que aconteceria no futuro. Tanta oposição nas historias apócrifas e tanto interesse pessoal fabricado nas costas do Espiritismo… Por garantia ele guardou documentos para essas eventualidades que volta e meia são publicados! Fiquemos atentos ao que mais interessa

Hoje percebemos que essa história ainda está em pleno desenvolvimento. Estamos ainda aprendendo a passos lentos os ensinamentos que os Espíritos trouxeram na época de Kardec. Que todos usemos da Vontade e da Imaginação para alcançar esse entendimento tão apoiado na Razão!




E essa resistência, como anda?

E então, meu amigo, como anda essa resistência? Sim, essa mesma, de mergulhar sobre Kardec. Não mentiremos: não é fácil. Mas quem disse que aprender é fácil? Leva tempo e esforço, sim. Ah, falta tempo? Será que falta, mesmo? E esse tempo que você deve estar gastando vendo vídeos no Facebook ou no Instagram? Não, de forma alguma dizemos que relaxar de mente “vazia” não seja importante, sobretudo após um longo dia de trabalho… Mas será que não daria para encaixar uma leitura antes de dormir? Meia horinha, que seja, já ajuda muito. Ah, você aprende melhor ouvindo? Resolvido: hoje, os aplicativos como Google Books e Amazon Alexa fazem leitura instantânea, em voz, para você.

Não, de forma alguma nos colocamos na condição do aluno exemplar. Longe disso. Tem gente que está muito mais à frente, muito mais envolvida, muito mais dedicada. Mas cada um faz o que pode. A questão é que o “não posso”, muitas vezes, simplesmente dá lugar à ocupação inútil do tempo… E você já conhece aquele ditado: “mente vazia é oficina do diabo”. Não do diabo, propriamente, mas vai saber o tipo de companhia que nos rodeia quando nossa mente está apenas mergulhada nessa materialidade do dia-a-dia…

Será que, no fundo, o que existe não é uma resistência? Analise-se — não precisa contar para ninguém. Será que o que existe não é uma acomodação, porque é mais fácil acreditar no pouco que se sabe — nas próprias luzes, diria Kardec — ou naquilo que te dizem? Bom, aqui temos uma má notícia: a Criação é fundamentada na autonomia, e só existe um ser no espaço universal capaz de te fazer progredir — e não é Deus: é você mesmo. O progresso, porém, é feito de dois componentes: inteligência e moral. Para o Espírito progredir em moral, é necessário haver inteligência — não essa inteligência de um Einstein, mas a inteligência que raciocina, baseada em conhecimentos. E eis que a Doutrina Espírita, formada pelo estudo científico de Kardec (sim, científico) nos trouxe um conhecimento incrivelmente profundo e transformador.

Sim, eu sei: ler romances e histórias sobre lugares fantásticos é muito gostoso e ativa a imaginação. Mas será que a ausência dos estudos de Kardec, preferindo os romances, não se deve também a uma resistência de sua parte, ligada, quem sabe, a uma pontinha de orgulho em imaginar que detém a verdade — sobretudo quando se estudou essa “verdade” por décadas a fio?

Sim, eu também sei: é uma droga estar errado. Ninguém gosta de se constatar em erro. Mas, ei!, é assim mesmo: a evolução é baseada em tentativa e erro, ou em acerto. “Errar é humano”. O problema é se apegar ao erro. E, outra má notícia: ao estudar Kardec, sim, veremos que estamos, muitas vezes, apegados a uma série de erros flagrantes. Sim, é chato verificar que gastamos longas décadas aprendendo Espiritismo do jeito errado, mas, bem, quem não erra? Além disso, muito dificilmente teremos errado por vontade. Muitas vezes, a própria força das circunstâncias nos leva a isso: crescemos no meio, que aprendeu também da forma errada. O que tínhamos ao nosso alcance era o produto dessa cultura. Ok, acontece.

Não, a finalidade do Espiritismo não é a mediunidade, sobretudo essa mediunidade que só serve como telefone à espera de um chamado, bem como não é analisar a vida alheia para identificar se fulano está passando por tal dificuldade por ter, como muitos supõem, “chutado cachorro” na vida passado. Não.

Então, chegando a esse ponto, eu novamente pergunto: e essa resistência? Por que essa resistência? Os próprios Espíritos superiores — sim, também sinto dizer, mas a gente está bem lá no fim da fila, bem no primeiro degrau da escala evolutiva consciente — eles próprios dedicam um esforço muito grande, por caridade desinteressada, por dever moral, para nos ajudar a compreender. E a codificação está aí para isso. Mas — caramba, outra má notícia! — não basta ler O Livro dos Espíritos como código sagrado, nem abrir O Evangelho Segundo o Espiritismo aleatoriamente, seguindo as comunicações dos Espíritos como tábua da salvação, sem raciocinar. Não, sinto dizer. Espiritismo é ciência e, como ciência, é progressiva.

– Quer dizer que os Espíritos não deram algo pronto para seguirmos?

Não, de forma alguma, nunca. E isso está muito bem demonstrado naquela tal publicação que você certamente já ouviu falar, mas continua resistente em estudar: a Revista Espírita. Pois é. Essa publicação mensal, de 1858 a 1869, foi elaborada por Kardec com uma finalidade muito sábia: após O Livro dos Espíritos, ele precisava de uma forma de disseminar o conhecimento, ao mesmo tempo em que pudesse firmar correspondência com gente de toda parte, recebendo, assim, de toda parte, as confirmações ou as negações das comunicações dadas isoladamente pelos Espíritos. A Revista Espírita era o laboratório de Kardec, onde podemos compreender muito bem a formação da Doutrina Espírita, culminando, enfim, nas suas duas obras finais — O Céu e o Inferno e A Gênese.

Então, novamente, por que a resistência em estudá-la? Sim, já disse: eu sei que não é fácil, sobretudo se for sozinho, mas hoje temos a facilidade da comunicação instantânea pela Internet. Será que é mesmo assim tão impossível encontrar uma horinha da semana para um estudo em grupo? Reflita. Mas já adianto: não existe professor de Espiritismo. Cada um tem a liberdade de tomar conclusões racionais sobre o que conhece, sem dar, contudo, palavras finais sobre o que não está estabelecido. Isso não passaria de opinião, e opinião não é ciência, nem constrói nada além de erros religiosos, no sentido aqui abordado.

Mas será que essa resistência é medo? Medo de se ver em erro? Medo de perceber que já falou coisas erradas para outras pessoas? Medo, talvez, de notar que agiu errado e afastou pessoas da Doutrina, por expressar coisas erradas? Talvez? Bem, medo de se flagrar em erro é apego, e é uma capa protetora para algo muito mais profundo: o orgulho. Já dissemos: todo mundo erra. De nossa parte, você não faz ideia de quanto já erramos! Mas, de nossa parte, podemos dizer: como é bom perceber o erro em tempo, reconhecê-lo e, quem sabe, retomar contato com essas pessoas, dizendo: “eu estava errado, e tudo ou quase tudo o que eu te disse sobre o Espiritismo era falso. Veja, esta é a realidade.”.

No caminho da evolução, sempre haverá tempo. Nunca será tarde. Mas o apego nos faz viver por mais tempo afastados da felicidade. Fomos ensinados que estamos aqui pagar dívidas, como se a encarnação fosse um castigo? Bom, se o Espiritismo não apenas diz, mas demonstra o contrário, que ótimo! Fomos ensinados sobre uma vida plenamente material no mundo dos Espíritos, mas o Espiritismo demonstra ser isso uma ilusão do Espírito apegado? Bom, então não quero desenvolver esse apego! Fomos ensinados que não podemos evocar, mas apenas aguardar a comunicação dos Espíritos, às quais tomamos pela verdade, mas o Espiritismo demonstra que não é assim que funciona? Bom, então vamos corrigir e nos colocar no caminho novamente. Fomos ensinados que só se pratica Espiritismo no centro, mas Kardec demonstra uma realidade totalmente oposta — resguardada a necessidade de seriedade, conhecimento e propósito para isso? Bom, vamos perseguir essa realidade.

Podemos dizer, de nós: não temos medo de atestar nossa ignorância. Na verdade, o que tem se desacortinado à nossa frente sobre o Espiritismo, a nós, que mal podemos nos dizer estudantes aplicados, é maravilhoso, é empolgante, afasta o sobrenatural, derruba o misticismo e mostra que o Espiritismo tem uma profundidade nunca antes compreendida.

Vamos estudar? Estamos aqui para ajudar com o que pudermos! Quer dicas? Quer estudar conosco? Quer criar um canal de dúvidas e debate sobre aquilo que cada grupo estuda? Quer sugestões de como e por onde começar? Estamos aqui. Estamos longe de possuirmos o modelo ideal que se aplique a qualquer situação, mas já passamos por algum aprendizado, nesses quase dois anos de estudos. Conte conosco.

O estudo da Revista Espírita, logo no primeiro ano, desconstrói muitos erros inseridos no meio espíritas, sendo o mais sério e presente deles o hábito de nos guiar cegamente pelas opiniões de Espíritos isolados, mas também nos mostra muitas verdades antes desconhecidas, além de nos deixar com muitas dúvidas sobre outras coisas, dúvidas essas que somente serão respondidas com o estudo continuado dessa obra. Por isso a recomendação de que ninguém se coloque na posição de ter a palavra final, nem de tomar conclusões precipitadas. Conjecturar, com base em conhecimentos prévios, não é proibido. Chegar a conclusões distintas, também não é proibido. O que importa é buscar a construção conjunta do entendimento, em cooperação, e não em disputa. O importante é que o único meio de conhecer o Espiritismo é esse: estudando Kardec, de preferência de posse do conhecimento do contexto científico no qual a Doutrina Espírita se desenvolveu (vide Obras Recomendadas).

Você já parou para refletir sobre as oportunidades perdidas? No dia-a-dia, tendemos a esquecer que não estamos esquecidos, e que existe um bom Espírito frequentemente nos inspirando. Quantas vezes será que ele já não te levou ao contato de estudos importantes, e quantas vezes será que você já não deixou de lado essa oportunidade? Dizemos isso de nossa própria parte.

Então, chega de resistência, chega de culpar o que é externo, e vamos estudar?


Ps: não custa dizer que, na ilustração da capa, o diabinho é nosso próprio apego, que nos conduz ao mal, e não uma figura externa qualquer. Da mesma forma que escolhemos, por nossa própria vontade, não ouvir os bons conselhos dos Espíritos superiores, escolhemos ouvir ou não ouvir os maus conselhos dos Espíritos imperfeitos que afeiçoam a nós pelos nossos apegos.




Novos Horizontes

No primeiro semestre de 2021, tive — e eu nem lembro mais como — contato com a obra de Simoni Privato — O Legado de Allan Kardec — obra essa que muito me abalou, frente ao entendimento de tudo o que aconteceu com o Movimento Espírita francês, após a morte de Kardec, e o quanto isso definiu o rumo desse movimento no século seguinte, em especial no Brasil. Em seguida, “por acaso”, alguém postou, em um grupo, um questionamento sobre uma obra recém-lançada, na época: “Nem céu, nem inferno”, de Lucas Sampaio e Paulo Henrique de Figueiredo (PHF). O primeiro pensamento foi: deve ser um absurdo. Mas o título era desafiador demais para deixar passar. Resolvi pesquisar e encontrei um artigo, em um blog espírita, falando sobre a obra… E, para entender quais eram as bases do que os autores afirmavam, adquiri e li a obra, com grande avidez, devo confessar.

Da leitura dessas obras, além da constatação da distância mencionada (entre Movimento Espírita e o Espiritismo), me nasceu a necessidade de estudar o Espiritismo nas obras de Kardec, pois o fato patente constatado é que, com pelo menos 20 anos estudando ou lendo obras espíritas, eu não conhecia o Espiritismo. Demérito? Nenhum. Estudei o que estava ao meu alcance. Humilhação? Só se eu julgasse que a verdade era apenas o que eu conhecia e que, fora disso, nada existiria. Mas se tem uma coisa que eu conhecia sobre Kardec, por tradição de estudos de O Livro dos Espíritos, com meu pai, era o seu grandioso empenho na busca científica da verdade, motivo que me instigou a estudar, sem apegos. Mas… Estudar o quê? O Livro dos Espíritos eu já conhecia em grande parte. A essência de O Livro dos Médiuns, também. Quero dizer: frente àquilo que estava ao meu alcance, a essência moral e científica me parecia bem compreendida.

Um fato que me chamou a atenção e que talvez a intuição tenha reforçado é que deveria haver algo de importante nessa tal “Revista Espírita”, posto que esses autores frequentemente recorriam a citações muito pertinentes e perspicazes de Kardec ou de Espíritos, contidas nesses volumes. Assim, nasceu esta iniciativa e nosso grupo de estudos… Mas isso tudo vocês provavelmente já sabem. Não é esse o ponto, somente achei interessante demonstrar, mais uma vez, o caminho que percorri até aqui, pois esse caminho está me levando para lugares nunca antes visitados.

Um fato muito importante que aconteceu nessa trajetória foi a aproximação com o Grupo de Estudos Espiritismo para Todos, o que aconteceu porque, em contato com o Paulo Henrique, ele mesmo me indicou alguém desse grupo, que estudava junto a ele as obras de Kardec e seu contexto científico. Daí, veio o conhecimento sobre o Espiritualismo Racional, que várias vezes já abordamos por aqui, um pouco sobre o Magnetismo e, mais recentemente, um aprofundamento gigantesco em todo o contexto de Kardec, desconhecido atualmente. A metafísica, coisa totalmente desconhecida ou desconectada da ciência atual, era parte elementar dos estudos de qualquer cientista da época, e foi ela, juntamente a tudo o que a ciência fornecia, naquela época, que deu possibilidade à formação da Doutrina Espírita.

Da mesma forma que a Ciência propriamente dita tem como objeto o estudo das leis do princípio material, o objeto especial do Espiritismo é o conhecimento das leis do princípio espiritual. Ora, como este último princípio é uma das forças da natureza que reage incessantemente sobre o princípio material e reciprocamente, disso resulta que o conhecimento de um não pode estar completo sem o conhecimento do outro; que o Espiritismo e a Ciência se completam; que a Ciência sem o Espiritismo está impossibilitada de explicar certos fenômenos recorrendo somente às leis da matéria, e por ter prescindido do princípio espiritual se encontra em meio a tantas dificuldades; que o Espiritismo sem a Ciência careceria de apoio e de controle e poderia equivocar-se. Se o Espiritismo tivesse chegado antes das descobertas científicas, teria fracassado, como tudo o que ocorre antes do seu tempo.

KARDEC, Allan. A Gênese, 1868

É impossível descrever, somente neste artigo, tudo o que temos estudado até agora. O leitor que nos acompanha poderá identificar, na leitura dos textos deste site, diversas sugestões e pistas que frequentemente damos e que cabe a cada um o interesse de investigar ou não. O fato é que estamos chegando a um ponto, acompanhando os estudos do amigo Paulo Henrique, em que minhas primeiras indagações começam a ser respondidas: será possível retomar o Espiritismo, estudado cientificamente, como Kardec fazia? Será possível retomar o contato com os Espíritos, dando continuidade à formação, ou mesmo à recuperação doutrinária? Sim, é possível (e escrevo isso com um sorriso no rosto).

Veja: Kardec havia compreendido e avançado sobre pontos científicos que nós jamais suspeitávamos, e isso pôde ser constatado através de um método que, em breve, será conhecido por nós e pelo prezado leitor, porque o interesse é apresentá-lo para a humanidade. Não só o método, na verdade, mas o conhecimento encontrado através dele. Em estudo com PHF, onde esse conhecimento está sendo elaborado, não pude me sentir nada mais do que muito diminuído frente a Kardec. Me senti ignorante frente à minha compreensão prévia do Espiritismo. A cada nova constatação, eu ria, mas não era uma risada de desdém ou sarcasmo: era uma risada impossível de conter, que expressava meu nível de ignorância, frente ao tamanho que tomava a ciência espírita, formada pelos estudos de Kardec, através de anos de aprendizado junto aos Espíritos.

Nós já sabemos (e, se você não sabe, corra agora para estudar a Revista Espírita) que, no aprendizado com os Espíritos, não podemos tratá-los como reveladores, para os quais basta perguntar e eles respondem, com a teoria pronta. Não.

“… no mundo dos espíritos ocorre um fato muito singular, o qual seguramente ninguém havia suspeitado – os de existirem espíritos que não se consideram mortos. Pois bem: os Espíritos superiores, que conhecem perfeitamente esse fato, nunca vieram dizer por antecipação: “Há Espíritos que supõem ainda viver na vida terrestre; conservando seus gostos, hábitos e instintos”. Em lugar disso, provocaram a manifestação de Espíritos dessa categoria para que os observássemos. Assim, depois de ver Espíritos inseguros em relação ao seu estado, ou afirmando pertencerem a este mundo e desempenhando suas ocupações habituais, do exemplo se deduz a regra. A multiplicidade de fatos semelhantes provou não se tratar de uma exceção, mas de uma das fases da vida espiritual, permitindo estudar todas as variedades e causas dessa singular ilusão, além de reconhecer, sobretudo, ser essa situação própria de Espíritos pouco avançados moralmente, e característica de determinados tipos de morte; que é apenas temporária, mas podendo durar dias, meses e anos. Assim, a teoria nasceu da observação. O mesmo aconteceu com todos os demais princípios da doutrina.”

KARDEC, Allan. Ibidem.

É fácil perceber, portanto, quantos conhecimentos esses estudos requerem e, num século onde cada área está nichada, isto é, onde o físico não estuda filosofia; onde o matemático não conhece botânica; onde o químico não conhece astronomia, e onde nenhum deles conhece metafísica, fica mais fácil ainda compreender a dificuldade que enfrentamos. De minha parte, reconheço: se aventurar nesses estudos não é para qualquer um, e eu só posso me portar como um ganso (porque não quero me comparar a uma galinha, seria muito humilhante), correndo atrás das migalhas que caem das mãos daquele que plantou e que agora colhe os grãos da plantação.

Bem, como eu dizia, novos horizontes estão se abrindo e, cada um que se interesse em aprender e espalhar o conhecimento, pode e deve se lançar aos estudos, da forma que for possível a cada um. É difícil colher todo o aprendizado para retomar, por mãos próprias, o estudo científico do Espiritismo, mas quem disse que nós precisamos ser tão geniais como Einstein para entender a essência das leis do nosso universo, demonstradas por esse grande gênio? Podemos nos portar da mesma forma com o Espiritismo: basta dedicação, colocar a cabeça para funcionar e, de nossa parte, pesquisar, questionar e se aprofundar em tudo o que nos parecer nebuloso. O mais importante de tudo é que não estamos sozinhos: em grupo, a construção torna-se muito mais proveitosa, pois cada um, estando na posição de ajudar e de ser ajudado, auxilia e participa da construção do conhecimento. O que precisamos é sair da condição de professores de Espiritismo.

Terminamos nosso último estudo com o Paulo dizendo algo mais ou menos assim: “se esse conhecimento é tão interessante e transformador para nós, que somos ignorantes, imaginem para quem é inteligente!”. Sim. Imagine o que será para um matemático verificar que o Espiritismo fala de matemática. Imagine o que será para o físico, para o químico, para o médico, para o filósofo, verificar que, no Espiritismo, trata-se de tudo isso, com aspecto moral e sem misticismo? De que tudo se depreende da Lei Natural, e de que é disso que o Espiritismo vem tratar?

Mas, para isso, é preciso vencer algumas barreiras concretadas pelo materialismo, não só na ciência, mas também dentro do movimento espírita. Primeiramente, será necessário demonstrar que a ciência moderna, ao virar as costas para a metafísica, tornou-se tão dogmática quanto a Igreja que, no passado, tratava como herege aquele que afirmava que a Terra girava ao redor do sol, ou que queimava “bruxas” por afirmarem estarem ouvindo ou vendo Espíritos. Depois, será necessário demonstrar que isso que eles acham que é Espiritismo — muitas vezes baseados em coisas absurdas que leem por aí, outras vezes baseados no que lhes apresentam conhecidos, ditos espíritas, mas dogmáticos e caminhando pelas falsas ideias, ou ainda pela falsa confusão entre Espiritismo e espiritualismo moderno, místico, supersticioso e também dogmático — será necessário demonstrar, eu dizia, que isso não é Espiritismo. Será preciso demonstrar que o Espiritismo foi (é) algo tão racional e sério, um fato inegável, que adiantou, há mais de 150 anos, verdades que apenas agora a Ciência está constatando. Enfim, para aqueles que chegarem, pelo uso do bom-senso, a esse ponto, será necessário demonstrar que o Espiritismo, como ciência muito bem instituída em sua época, formou-se da mesma forma que todas as outras ciências de observação, sendo, portanto, racional — tão racional quanto a busca, da física atual, pela existência da matéria negra ou da existência de outros universos, guiados por efeitos cujas causas não são, e talvez nunca sejam, diretamente observáveis. Eis o desafio.

E quanto ao Movimento Espírita materialista, apegado aos erros? Esse depende da vontade de cada um. Os Espíritos, nossos bons Espíritos protetores, nos intuem ou nos direcionam a situações, a obras, a pessoas, isto é, eles nos ajudam, quando sabem que temos um mínimo de disposição. A cada um cabe o interesse em investigar. A mim, não foi suficiente me conduzirem a um lar de idosos, em momento em que eu precisava de ajuda, onde, não obstante haver um predomínio de cultura religiosa católica, encontrei na estante alguns volumes da Revista Espírita! Não. Eu abri, folheei, mas, naquele momento, não fui adiante. Foi necessário passar o apuro, para, somente mais tarde, dar atenção a tal obra, pelo processo explicado anteriormente. Natural que cada um siga seu caminho, e devemos respeitar as escolhas de cada um. Talvez, aqueles que se apeguem e se fechem ao conhecimento, acreditem que estão fazendo o bem, tanto quanto muitos dos que queimavam obras científicas acreditavam estar fazendo o que era certo (o que não os exime de sua responsabilidade, mas o que atenua suas faltas, perante suas próprias consciências). Apresentemos o conhecimento, se desejarmos, mas, se desejarem queimá-lo, deixemo-los, enquanto fazemos a nossa parte. O tempo se encarrega de tudo.

Bem, escrevi bastante. Fico por aqui. Preciso colher alguns grãos que ficaram pelo caminho.




O homem é solidário do homem

Ao fazermos o estudo do livro O Céu e o Inferno (( https://mundomaior.com.br/produtos/ceu-inferno-allan-kardec-feal/#:~:text=O%20C%C3%A9u%20e%20o%20Inferno%20%C3%A9%20uma%20das%20cinco%20obras,a%20respeito%20de%20seu%20destino. )), nos chamou a atenção a Nota do Editor 149 ((

Com a teoria moral autônoma espírita, deixam de ter qualquer sentido os prejulgamentos, os privilégios, o orgulho, o egoísmo, o fanatismo, a incredulidade, próprios do mundo velho. A competição, que destaca os mais capazes, demonstra-se injusta, devendo ser substituída pela cooperação que integra solidariamente a todos. Os recursos da educação devem ser investidos mais amplamente entre as almas mais simples, para que participem ativamente da sociedade. Por esse caminho, a humanidade encontrará a felicidade: “O homem é solidário do homem. É em vão que procura o complemento do seu ser, quer dizer, a felicidade em si mesmo ou naquilo que o cerca isoladamente: ele não pode encontrá-lo senão no HOMEM ou na Humanidade. Não fazeis, pois, nada para ser pessoalmente felizes, enquanto a infelicidade de um membro da Humanidade, de uma parte de vós mesmos, possa vos afligir”

Allan Kardec. O Céu e o Inferno , NE 149 (p. 368). Edição do Kindle.)) .

Esta nota ele se refere a um artigo que está na Revista Espírita de março de 1867. Ele é uma das Dissertações Espiritas desta edição.

Ele é particularmente interessante por mostrar enfaticamente a importância da solidariedade na nossa humanidade. Além disso, há um boa reflexão quanto aos caminhos que levam a felicidade.

Compartilhamos integralmente com vocês:

A SOLIDARIEDADE

(Paris, 26 de novembro de 1866 – Médium: Sr. Sabb…)

Glória a Deus e paz aos homens de boa vontade!
O estudo do Espiritismo não deve ser vão. Para certos
homens levianos, é uma diversão; para os homens sérios, deve ser
sério.

Antes de tudo refleti numa coisa. Não estais na Terra
para aí viver à maneira dos animais, para vegetar à maneira de
gramíneas ou de árvores. As gramíneas e árvores têm a vida
orgânica, mas não têm a vida inteligente, como os animais não têm
a vida moral. Tudo vive, tudo respira em a Natureza, mas só o
homem sente e se sente.

Como são lamentáveis e insensatos aqueles que se
desprezam a ponto de se compararem a um pé de erva ou a um
elefante! Não confundamos os gêneros nem as espécies. Não são
grandes filósofos e grandes naturalistas que, por exemplo, vêem no
Espiritismo uma nova edição da metempsicose e, sobretudo, de
uma metempsicose absurda. A metempsicose não é outra coisa

senão o sonho de um homem de imaginação. Um animal, um
vegetal produz o seu congênere, nada mais, nada menos. Que isto
seja dito para impedir velhas ideias falsas de serem novamente
acreditadas, à sombra do Espiritismo.

Homem, sede homem; sabei de onde vindes e para
onde ides. Sois o filho amado dAquele que tudo fez e vos deu um
fim, um destino que deveis realizar sem o conhecer absolutamente.
Éreis necessário aos seus desígnios, à sua glória, à sua própria
felicidade? Questões inúteis, porque insolúveis. Vós sois; sede
reconhecidos por isto; mas ser não é tudo; é preciso ser segundo as
leis do Criador, que são as vossas próprias leis. Lançado na
existência, sois ao mesmo tempo causa e efeito. Ao menos quanto
ao presente, não podeis determinar o vosso papel, nem como
causa, nem como efeito, mas podeis seguir as vossas leis. Ora, a
principal é esta: O homem não é um ser isolado, é um ser coletivo.
O homem é solidário do homem. É em vão que procura o
complemento de seu ser, isto é, a felicidade em si mesmo ou no que
o cerca isoladamente; não pode encontrá-lo senão no homem ou na
Humanidade. Então nada fazeis para ser pessoalmente feliz, tanto
quanto a infelicidade de um membro da Humanidade, de uma parte
de vós mesmo, poderá vos afligir.

Mas, direis, é a moral que ensinais. Ora, a moral é um
velho lugar-comum. Olhai em torno de vós: que há de mais
ordinário, de mais comum que a sucessão periódica do dia e da
noite, que a necessidade de vos alimentardes e de vos vestirdes? É
para isto que tendem todos os vossos cuidados, todos os vossos
esforços. E é necessário, pois assim o exige a parte material do
vosso ser. Mas a vossa natureza não é dupla, e não sois mais espírito
do que corpo? Como, pois, vos é mais difícil ouvir lembrar as leis
morais do que as leis físicas, que aplicais a todo instante? Se fôsseis
menos preocupados e menos distraídos essa repetição não seria tão
necessária.

Não nos afastemos de nosso assunto. Bem
compreendido, o Espiritismo é, para a vida da alma, o que o
trabalho material é para a vida do corpo. Ocupai-vos dele com este
objetivo e ficai certos de que quando tiverdes feito, para o vosso
melhoramento moral, a metade do que fazeis para melhorar a vossa
existência material, tereis feito a Humanidade dar um grande passo.

Um Espírito

adjomargonzalez – pixabay