Júpiter e alguns outros mundos

Nesse artigo, muito conectado ao anterior, Kardec, se reportando à Escala Espírita, faz algumas outras conjecturas a respeito de como poderia ser um planeta todo habitado por Espíritos da nona (décima) classe, as dificuldades imensas, o estado geral de crime, de horror, de padecimentos físicos e morais.

Em seguida, conjectura um planeta habitado por Espíritos todos da terceira ordem – Espíritos impuros, levianos, pseudo-sábios e neutros. Dominaria, aí, ainda o mal, embora cada vez menos presente conforme se afastassem da nona (décima) classe tais Espíritos. O orgulho, o egoísmo, as paixões, a escravização e diversas outras imperfeições morais ainda aí dominariam.

NUMA TAL SOCIEDADE, SE DOMINAR, O ELEMENTO IMPURO ESMAGARÁ O OUTRO; CASO CONTRÁRIO, OS MENOS MAUS PROCURARÃO DESTRUIR OS SEUS ADVERSÁRIOS; EM TODO CASO HAVERÁ LUTA, LUTA SANGRENTA, DE EXTERMÍNIO, PORQUE SÃO DOIS ELEMENTOS QUE TÊM INTERESSES OPOSTOS. PARA PROTEGER OS BENS E AS PESSOAS, HAVERÁ NECESSIDADE DE LEIS, MAS ESSAS SERÃO DITADAS PELO INTERESSE PESSOAL E NÃO PELA JUSTIÇA; SERÃO FEITAS PELO FORTE, EM DETRIMENTO DO FRACO

Em seguida, Kardec nos convida a imaginar, no meio desses Espíritos, alguns da segunda ordem: veríamos, então, em meio às perversidades, algumas virtudes.

SE OS BONS FOREM MINORIA, SERÃO VÍTIMAS DOS MAUS; À MEDIDA, PORÉM, QUE SE ACENTUA SEU PREDOMÍNIO, A LEGISLAÇÃO TORNA-SE MAIS HUMANA, MAIS EQUITATIVA E A CARIDADE CRISTÃ DEIXA DE SER PARA TODOS LETRA MORTA. DESSE MESMO BEM NASCERÁ OUTRO VÍCIO. A DESPEITO DA GUERRA QUE OS MAUS DECLARAM INCESSANTEMENTE AOS BONS, ELES NÃO PODEM EVITAR ESTIMÁ-LOS EM SEU FORO ÍNTIMO. VENDO O ASCENDENTE DA VIRTUDE SOBRE O VÍCIO E NÃO TENDO FORÇA NEM VONTADE DE PRATICÁ-LA, PROCURAM PARODIÁ-LA E TOMAM A SUA MÁSCARA. DAÍ OS HIPÓCRITAS, TÃO NUMEROSOS EM TODA SOCIEDADE ONDE A CIVILIZAÇÃO É AINDA IMPERFEITA.

Afinal, Kardec chega, pela imaginação, a um mundo todo habitado por Espíritos da segunda ordem, para onde, pela simples leitura, gostaríamos de nos transportar neste exato momento. Não reina ali a igualdade absoluta, posto que a segunda ordem ainda abrange Espíritos de vários graus de desenvolvimento. Contudo, essa desigualdade não gera inveja do menos avançado nem orgulho do mais avançado: todos estariam unidos no propósito de aprendizado e elevação.

AS CONSEQUÊNCIAS QUE TIRAMOS DESTE QUADRO, EMBORA APRESENTADAS DE MANEIRA HIPOTÉTICA, NÃO SÃO MENOS RACIONAIS, E CADA UM PODE DEDUZIR O ESTADO SOCIAL DE UM MUNDO QUALQUER, CONFORME A PROPORÇÃO DOS ELEMENTOS MORAIS DE QUE O SUPOMOS CONSTITUÍDO.

VIMOS QUE, ABSTRAÇÃO FEITA DA REVELAÇÃO DOS ESPÍRITOS, TODAS AS PROBABILIDADES SÃO PARA A PLURALIDADE DOS MUNDOS. ORA, NÃO É MENOS RACIONAL PENSAR QUE NEM TODOS ESTEJAM NO MESMO GRAU DE PERFEIÇÃO E QUE, POR ISSO MESMO, NOSSAS SUPOSIÇÕES PODEM PERFEITAMENTE SER EXPRESSÃO DA REALIDADE.

Vemos, através desse exercício, em que momento espiritual a Terra se encontra e em quais já se encontrou. Baseados nesse pensamento e na Escala Espírita, vemos quais males ainda precisamos extirpar de nossas individualidades a fim de avançar para melhores posições.

Sobre alguns planetas vizinhos, Kardec informa que, segundo os Espíritos, Marte seria um planeta ainda mais atrasado que a Terra, onde se encarnariam Espíritos quase exclusivamente da nona (décima) classe. Mas, pelo fato de que não encontramos nada em Marte além de poeira devemos imaginar que os Espíritos enganaram Kardec? Ora, não! Apenas que essa encarnação deve se dar em estado fluídico, fora de nossos sentidos.

Segue Allan Kardec comentando alguns ensinamentos a respeito de outros planetas, sendo o mais interessante aqueles que falam a respeito de Júpiter, que seria um planeta de muito maior elevação espiritual que o nosso. Ali encarnariam, segundo relatos dos Espíritos, apenas Espíritos da segunda ordem. Retratam, esses Espíritos, cidades maravilhosas.

Será que um dia pousaremos lá uma sonda e constataremos uma civilização perceptível aos nossos sentidos e aparelhos? Talvez sim, talvez não. Pode ser que um dia pousemos lá e encontremos um planeta gélido e deserto, como pode ser que encontremos alguma forma de vida. Não sabemos e, caso se dê o primeiro caso, também poderemos supor que tais cidades e civilização se constituem, também, em matéria etérea, como já sabemos que mesmo nas circunvizinhanças de nossos planeta tal fato se dá.

De qualquer forma, são conjecturas de um tempo passado que, embora válidas em muitos sentidos, talvez possam ser um dia – quando os estudos metodológicos das comunicações dos Espíritos possam ser retomados – revisitadas e complementadas ou corrigidas.




A pluralidade dos mundos

A ciência da época de Kardec é algo bastante diferente do que é hoje. Muitos avanços científicos foram obtidos e, enquanto Kardec podia apenas imaginar como seriam os planetas vizinhos e mesmo lua, hoje já visitamos o último corpo celeste diversas vezes, já pousamos pelo menos 3 veículos autônomos em Marte e, há pouco, fizemos chegar à órbita de Mercúrio a primeira sonda humana. Enorme revolução, se comparada a uma época onde apenas se podia fazer cogitações, através de uma luneta.

Iniciamos assim de forma a nos colocar no tempo de Kardec, o que é imprescindível para entender suas conjecturas a respeito dos corpos astrais próximos. É muito importante, também, notar que há duas partes distintas na Doutrina Espírita a esse respeito: os conhecimentos e conjecturas humanos e os conhecimentos ensinados pelos Espíritos, da forma que o homem podia entender àquela época.

Da parte humana, Kardec, nesse artigo, faz diversas conjecturas a respeito de como seriam os outros mundos, baseado naquilo que a ciência humana de então já havia podido observar. Cria hipóteses, bastante plausíveis para o conhecimento de então, sobre as formações atmosféricas desses orbes distantes, conjecturando, então, a respeito das possíveis formas de vida que aí poderiam haver, inclusive aquelas não detectáveis pelos nossos cinco sentidos, ou seja, aquelas que poderiam estar em estados muito mais sutis da matéria.

Mas a intenção desse artigo de Kardec não é apenas fazer conjecturas filosóficas a respeito da vida, vista de forma científica, fora da Terra: é também fazer o leitor refletir a respeito da grandeza divina, que nada faz por acaso e que, também nesse sentido, não teria feito planetas apenas para a nossa apreciação. Aliás, Kardec faz essa abordagem baseado nos ensinamentos dos Espíritos, como podemos verificar em O Livro dos Espíritos:

55. SÃO HABITADOS TODOS OS GLOBOS QUE SE MOVEM NO ESPAÇO?

“SIM E O HOMEM TERRENO ESTÁ LONGE DE SER, COMO SUPÕE, O PRIMEIRO EM INTELIGÊNCIA, EM BONDADE E EM PERFEIÇÃO. ENTRETANTO, HÁ HOMENS QUE SE TÊM POR ESPÍRITOS MUITO FORTES E QUE IMAGINAM PERTENCER A ESTE PEQUENINO GLOBO O PRIVILÉGIO DE CONTER SERES RACIONAIS. ORGULHO E VAIDADE! JULGAM QUE SÓ PARA ELES CRIOU DEUS O UNIVERSO.”

[…]

57. NÃO SENDO UMA SÓ PARA TODOS A CONSTITUIÇÃO FÍSICA DOS MUNDOS, SEGUIR-SE-Á TENHAM ORGANIZAÇÕES DIFERENTES OS SERES QUE OS HABITAM?

“SEM DÚVIDA, DO MESMO MODO QUE NO VOSSO OS PEIXES SÃO FEITOS PARA VIVER NA ÁGUA E OS PÁSSAROS NO AR.”

Cientificamente, naquela época, já era possível constatar que a Lua não tinha atmosfera, que Mercúrio seria muito quente e que Saturno seria muito frio. Como, então, poderia haver vida nesses orbes? Sobre isso, temos duas hipóteses, adotadas por Allan Kardec:

  1. Os seres que ali vivem, se forem de constituição física de mesma densidade da nossa, poderiam ser adaptados a esses lugares, como na Terra existem seres vivos que sobrevivem ao frio e ao calor extremos ou mesmo a compostos químicos que nos matariam em pouco tempo, bem como existem animais adaptados a viverem a vida toda dentro da água e outros apenas na terra.
  2. Os seres que ali vivem são constituídos de matéria etérea, mais sutil que a nossa matéria e, por isso, vivem em condições totalmente adversas das nossas. Sobre isso, também em O Livro dos Espíritos, há um indício:

58. OS MUNDOS MAIS AFASTADOS DO SOL ESTARÃO PRIVADOS DE LUZ E CALOR, POR MOTIVO DE ESSE ASTRO SE LHES MOSTRAR APENAS COM A APARÊNCIA DE UMA ESTRELA?

“PENSAIS ENTÃO QUE NÃO HÁ OUTRAS FONTES DE LUZ E CALOR ALÉM DO SOL E EM NENHUMA CONTA TENDES A ELETRICIDADE, QUE, EM CERTOS MUNDOS, DESEMPENHA UM PAPEL QUE DESCONHECEIS E BEM MAIS IMPORTANTE DO QUE O QUE LHE CABE DESEMPENHAR NA TERRA? ADEMAIS, NÃO DISSEMOS QUE TODOS OS SERES SÃO FEITOS DE IGUAL MATÉRIA QUE VÓS OUTROS E COM ÓRGÃOS DE CONFORMAÇÃO IDÊNTICA À DOS VOSSOS.”

O que Kardec faz nesse artigo é, de posse de informações obtidos pela ciência humana e pela ciência espírita, raciocinar, junto ao leitor, sobre a possibilidade muito natural de haver vida, de alguma forma, em todos os orbes existentes no espaço e, inclusive, no espaço, isto é, no espaço “vazio”. Não há, nesse pensamento, nada de errado.

Contudo, podemos pensar: “já chegamos à Lua e a Marte e não encontramos nada daquilo que ele imaginava. Kardec, portanto, errou”. Ora, pela segunda hipótese, não, ele não errou. Podem ali existir seres em estado etéreo, como entre nós os Espíritos vivem, passeiam e interagem, através de seus perispíritos, sem que sequer os notemos (senão quando temos faculdades mediúnicas para tal). Outrossim, precisamos lembrar que Kardec nunca se disse dono da última verdade: apenas raciocinava com base no que a ciência lhe fornecia.

Pode ser que um dia pousemos num planeta próximo e lá encontremos novas formas de vida, sensíveis aos nossos sentidos, ou pode ser que estejam todos os planetas próximos vazios de vida biológica, talvez mesmo por sabedoria divina que, quem sabe, entenda que o homem apenas encontraria motivos para guerras se encontrasse outros seres vivos em planetas próximos. Agora, vocês vêem, sou apenas eu conjecturando.




Revista Espírita – Fev/1858 – Espíritos errantes ou encarnados

São os estados do Espírito, que pode estar encarnado, isto é, ligado a um corpo físico, ou em estado errante ou de erraticidade, isto é, no intervalo entre uma encarnação e outra.

Errar, neste contexto, significa “estar sem rumo certo”. É claro que o Espírito tem um rumo, traçado por Deus, mas, como de sua imperfeição ele não conhece esse rumo, apenas vivencia o aprendizado de aperfeiçoamento, diz-se que erra ou que está em estado de erraticidade enquanto está livre da matéria, mas esperando uma nova encarnação.

Os Espíritos Puros, é claro, não se enquadram nessa classificação, pois já não precisam reencarnar, visto que já percorreram, teoricamente, toda a escala evolutiva.




Mademoiselle Clairon e o fantasma

https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/20/revista-espirita-jornal-de-estudos-psicologicos-1858/4367/fevereiro/mademoiselle-clairon-e-o-fantasma

Kardec traz a história de uma atriz, escrita por ela mesma, já em seus 60 anos de idade. Nela, Clairon conta que, um homem que por ela se apaixonou, após morrer, passou a assombrá-la por dois longos anos – por raiva de sua indiferença.

Conta ela que, dia após dia, e testemunhado por muitas outras pessoas, inclusive policiais, passou a sofrer diversos episódios bastante singulares:

  • Gritos lancinantes sob sua janela, quase todas as noites, às 23 horas.
  • A certa altura, os gritos se transformaram em “tiros de fuzil” que, embora não atingissem materialmente a nada, nem mesmo aos vidros, promoviam distúrbios sonoros e luminosos, acreditando-se, quem os presenciava, alvo de um atirador.
  • Certa feita, teriam eles sido “atingidos” por uma bofetada, proferida pelo fantasma:

“Acostumada ao meu fantasma, que eu considerava um pobre diabo que se limitava a fazer estripulias, não me apercebi da hora. Como fazia calor, abri a janela malsinada e, com o intendente, nos debruçamos no balcão. Batem as onze horas, ouve-se o tiro e ambos somos atirados ao meio da sala, onde caímos como mortos. Tornando a nós mesmos e sentindo que tudo havia passado, examinando-nos para constatar que ambos havíamos recebido ─ ele na face esquerda e eu na face direita ─ a mais terrível bofetada que jamais poderia ser aplicada, nos pusemos a rir como dois loucos”

Um escritor anônimo teceu comentário atribuindo os relatos à imaginação da moça, posto que tudo teria acontecido na época em que “ela tinha de vinte e dois anos e meio a vinte e cinco anos, que é a idade da inspiração e que esta faculdade nela era continuamente exercitada e exaltada pelo gênero de vida que levava, no teatro e fora dele”. Segue o autor: “É preciso ainda lembrar que ela disse, no começo de suas memórias, que na infância foi entretida apenas com aventuras de aparições e de feiticeiros, que lhe diziam tratar-se de histórias verídicas.”.

O comentário sem assinatura parece remeter ao fato de que Clairon demonstrava, em tudo, que apenas exagerava uma imaginação fértil. Contudo, Kardec contrapõe:

“Só conhecemos o fato através do relato de Mademoiselle Clairon. Assim, só podemos julgar por indução. Ora, nosso raciocínio é o seguinte: Descrito pela mesma Mademoiselle Clairon nos seus mais minuciosos detalhes, o fato tem mais autenticidade do que se fora relatado por terceiros. Acrescente-se que quando escreveu a carta onde o fato vem descrito, contava cerca de sessenta anos e, pois, havia passado da idade da credulidade, de que fala o autor da nota. Esse autor não põe em dúvida a boa-fé de Mademoiselle Clairon quanto à sua aventura: apenas admite tenha ela sido vítima de uma ilusão. Que o tivesse sido uma vez, nada tem de extraordinário, mas que o tivesse sido durante dois anos e meio já se nos afigura mais difícil. Mais difícil ainda é supor que tal ilusão tenha sido partilhada por tantas pessoas, testemunhas auriculares e oculares dos fatos, inclusive pela própria polícia.”

Kardec segue, dizendo que o relato parece provável, mas, como bom pesquisador, não a aceita como absoluta verdade, posto que não a pôde analisar mais de perto. Sobre os fatos, lembramos que não estão em desacordo com os ensinamentos espíritas e os fatos já conhecidos, tais como os de efeitos físicos diversos. Aliás, lembramos que existem estudos bastante sérios sobre tais fatos, conforme relatados e analisados, com muita seriedade, pelo pesquisador Espírita Ernesto Bozzano. Citamos as obras “Fenômenos de Transporte” e “O Espiritismo e as Manifestações Supranormais”, recomendando a leitura, além de O Livro dos Médiuns, que apresenta importante introdução teórica aos fenômenos do tipo.

Sobre o fantasma, nota-se, diz Kardec, que se trata não de um Espírito necessariamente mau, mas, sim, de um Espírito inferior (palavra nossa), cheio de paixões e imperfeições:

A paixão violenta sob a qual sucumbiu como homem, prova que nele predominavam as ideias terrenas. Os traços profundos dessa paixão, que sobreviveu à destruição do corpo, provam que, como Espírito, ainda se achava sob a influência da matéria. Sua vingança, por mais inofensiva que fosse, denota sentimentos pouco elevados. Se, pois, nos reportarmos ao nosso quadro da classificação dos Espíritos, não será difícil determinar-lhe a classe: a ausência de maldade real o afasta naturalmente da última classe, a dos Espíritos impuros, mas evidentemente tinha muito das outras classes da mesma ordem, pois nada nele poderia justificar uma posição superior.

Sugestões de Leitura

  • “Fenômenos de Transporte”, por Ernesto Bozzano
  • “O Espiritismo e as Manifestações Supranormais”, idem
  • O Livro dos Médiuns, por Allan Kardec



Isolamento dos corpos pesados

O movimento imprimido aos corpos inertes pela vontade é hoje de tal modo conhecido que seria quase pueril relatar fatos do gênero.

Kardec inicia assim esse artigo, dizendo algo mais ou menos assim: “que as mesas podem ser elevadas do chão pela força psíquica, isso já é fato conhecido”. Hoje nos parece muito estranho pensar dessa forma. Por quê?

O fenômeno já era amplamente aceito – e estudado

Precisamos compreender que o Espiritismo surgiu em meio ao movimento chamado Espiritualismo Racional, adotado, na França, principalmente, como oposição ao movimento materialista e às velhas religiões escravizadoras do pensamento. Segundo FIGUEIREDO, 2019, o Movimento, “caracteriza- se pela adoção de metodologia científica, buscando fazer com o ser humano o que se conquistou com sucesso ao estudar a matéria: a compreensão das leis naturais que o fundamentam. Ou seja, substituiu a fé cega por uma fé racional, exigência dos novos tempos”¹. 

Naquela época e naquele contexto, as ciências morais estudavam tudo o que nascesse da ação humana, e isso incluía o estudo dos fenômenos psicológicos¹ do magnetismo e do sonambulismo, dentre tantos outros. Pois bem: o Espiritismo, tendo nascido em momento tão favorável, se desenrolou facilmente e, justamente por isso, conquistou rapidamente incontáveis adeptos, dentre os quais muitos, talvez a maioria, eram pessoas cultas, sérias e dedicadas às ciências. Tudo isso para trazer o relevante entendimento de que o Espiritualismo Racional já se ocupava, antes do nascimento do Espiritismo, dos fenômenos “supranormais”, como chama Bozzano, dentre os quais a magnetização de um objeto pesado, como uma mesa, que então se movia e se levantava, contra as leis conhecidas da Física, era fato conhecido e estudado.

As ciências psicológicas tratam das leis naturais que regem a natureza humana. E essas leis são de duas espécies, as experimentais ou empíricas, exprimindo os resultados da experiência do espírito humano tal como ele é, e as outras são ideais, representando o fim para o qual devemos encaminhar nossas faculdades por meio da evolução, ou tal qual elas deveriam ser. O estudo do ser humano em seu estado real é a psicologia experimental propriamente dita. (FIGUEIREDO, 2019)

Kardec, o Sr Fortier e as mesas girantes

Aliás, neste momento, interrompemos para voltar a Kardec, que conta sobre seu contato com o Sr. Fortier, conhecido magnetizador:

Foi em 1854 que pela primeira vez ouvi falar das mesas girantes. Encontrei um dia o Senhor Fortier a quem eu conhecia desde muito e que me disse: Já sabe da singular propriedade que se acaba de descobrir no Magnetismo? Parece que já não são somente as pessoas que se podem magnetizar, mas também as mesas, conseguindo-se que elas girem e caminhem à vontade. – ‘É, com efeito, muito singular, respondi; mas, a rigor, isso não me parece radicalmente impossível. O fluido magnético, que é uma espécie de eletricidade, pode perfeitamente atuar sobre os corpos inertes e fazer que eles se movam’. Os relatos, que os jornais publicaram, de experiências feitas em Nantes, em Marselha, e em algumas outras cidades, não permitiam dúvidas acerca da realidade do fenômeno.

Kardec, A., Obras Póstumas, Rio: FEB, 1964. p. 237

Nota-se que Kardec aceitava tranquilamente os fenômenos em questão, sendo que a mesa girante não foi seu primeiro contato com o magnetismo. Contudo, pouco tempo depois, um novo episódio vai marcar para sempre sua história com o Espiritismo nascente: 

Algum tempo depois, encontrei-me novamente com o Sr. Fortier, que me disse: Temos uma coisa muito mais extraordinária; não só se consegue que uma mesa se mova, magnetizando-a, como também que fale. Interrogada, ela responde. – Isto agora, repliquei-lhe, é outra questão. Só acreditarei quando o ver e quando me provarem que uma mesa tem cérebro para pensar, nervos para sentir e que possa tornar-se sonâmbula. Até lá, permita que eu não veja no caso mais do que um conto para fazer-nos dormir em pé.” [grifos nossos]

ibidem

Voltando ao artigo em questão…

Tudo que foi acima exposto nos serve para possamos compreender, racionalmente, a lógica que levava Kardec a aceitar tão tranquilamente isolamento (e o movimento) dos corpos pesados. Segue ele fazendo análise parecida com aquela feita ante ao relato do sr Fortier, quando dissera que as mesas respondiam inteligentemente: se há inteligência, há uma causa inteligente. Onde, pois, estará essa causa?

É importante destacar, conforme Kardec demonstra no artigo, que precisamos ter muita calma para analisar tais fatos e seus relatos, a fim de que a imaginação sobreexcitada não faça o fenômeno parecer “passe de mágica”: para se chegar ao levantamento de um corpo pesado, são necessárias muita concentração e diversas investidas, com as quais o fenômeno parece ganhar cada vez mais força, não acontecendo num estalar de dedos.

Também é digno de nota que Kardec menciona que os fatos obtidos “em casa do Sr. B…” se deram repetidamente, mesmo sem o contato das mãos e na presença de diversas testemunhas, inclusive daquelas “muito pouco simpáticas” e que não deixariam de levantar suspeita se tivessem motivo para tal. O mesmo tipo de fenômeno também ocorria facilmente em diversas outras casas.

Recomendações de Leitura

Para aprofundar o estudo, recomendamos, além das obras “Fenômenos de Transporte” e “O Espiritismo e as Manifestações Supranormais”, de Ernesto Bozzano, o estudo de O Livro dos Médiuns, onde, nos capítulos I, II, III, IV e V da Segunda  Parte, uma extensa abordagem teórica sobre o assunto é realizada.

Também recomendamos o livro “Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo“, por Paulo Henrique de Figueiredo


  1. É por isso que a Revista Espírita recebe o nome “Jornal de Estudos Psicológicos”, em perfeita concordância com o entendimento das ciências morais no contexto histórico e social de Allan Kardec.
  2. FIGUEIREDO, Paulo Henrique de. Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo, 2019, editora FEAL



A floresta de Dodona e a estátua de Memnon

Kardec inicia esse artigo contextualizando o leitor no ambiente de uma sala, como em inúmeras outras, onde ocorriam os fenômenos tiptológicos tão comuns naquela época. Afastando a possibilidade de fraude, por conhecer o meio em que se encontrava, para procurar hipóteses válidas para a causa desses fenômenos, segue desenrolando uma sequência lógica e racional de ideias, a fim de demonstrar a necessidade de nunca aceitar qualquer ideia, positiva ou negativa, de forma cega:

Um jovem bacharelando estava em seu quarto, estudando pontos do exame de Retórica, quando bateram à porta. Penso que todos admitem ser possível distinguir a natureza do ruído, e sobretudo na sua repetição, se é causado por um estalo da madeira, pela agitação do vento ou por qualquer outra causa fortuita, ou se é alguém que bate, querendo entrar. Neste último caso o ruído tem um caráter intencional, que não pode ser confundido. É o que pensa o nosso estudante. Entretanto, para não se incomodar inutilmente, quis certificar-se, pondo à prova o visitante. Se for alguém, diz ele, bata uma, duas, três, quatro, cinco, seis vezes; bata no alto, em baixo, à direita ou à esquerda; bata o compasso musical; bata a chamada militar, etc., e a cada um desses pedidos, o ruído obedece com a mais perfeita exatidão. Com certeza, pensa ele, não pode ser o estalo da madeira, nem o vento, nem mesmo um gato, por mais inteligente que seja. Eis um fato. Vejamos a que consequências seremos conduzidos pelos argumentos silogísticos.

Assim, ele fez o seguinte raciocínio: Ouço um barulho, logo, é alguma coisa que o produz. Esse barulho obedece às minhas ordens, portanto, a causa que o produz me compreende. Ora, o que compreende tem inteligência, portanto a causa desse barulho é inteligente. Se é inteligente, não é a madeira nem o vento; se, pois, não é a madeira nem o vento, é alguém. Então foi abrir a porta. Vejamos que não é preciso ser doutor para chegar a esta conclusão e julgamos nosso futuro bacharel suficientemente aferrado aos seus princípios para concluir do seguinte modo:

Suponhamos que ao abrir a porta ele não encontre ninguém, e que o barulho continue exatamente como antes. Ele seguira o seu sorites¹: “Acabo de provar a mim mesmo, sem contestação, que o barulho é produzido por um ser inteligente, uma vez que responde ao meu pensamento. Ouço sempre esse barulho à minha frente e é certo que não sou eu quem bate, portanto, é um outro. Ora, se esse outro eu não vejo, claro que ele é invisível. Os seres corporais que pertencem à Humanidade são perfeitamente visíveis. Este que bate, sendo invisível, não é um ser humano corpóreo. Ora, desde que chamamos Espíritos os seres incorpóreos, aquele que bate, não sendo corpóreo, é pois um Espírito”.

Embora Kardec tenha feito uma simplificação, pois não abordou a necessidade de procurar possíveis causas escondidas, responsáveis pelas “batidas na porta” (o que ele sempre buscava fazer) fica evidente uma linha de pensamentos lógicos bastante clara e simples que, se fosse seguida, faria muitos deixarem de cair em contradições e negações ante àquilo que é tão claro e evidente.

Era dessa forma, quando dos fenômenos de tiptologia, que se obtinham as respostas sobre os questionamentos feitos aos Espíritos: através de pancadas, de forma ou número definidos, indicava-se letras, números, respostas binárias e etc, além de, para uma comunicação mais desenvolvida, muitas vezes indicarem, por um sinal particular, que desejava escrever; “então o médium escrevente tomava o lápis e transmitia seu pensamento por escrito”.

Entre os assistentes, não falando dos que estavam em volta da mesa, mas de todas as pessoas que enchiam o salão, havia incrédulos autênticos, meio crentes e crentes fervorosos que, como se sabe, constituem uma mistura pouco favorável. Os primeiros, nós os deixamos à vontade, esperando que a luz se faça para eles. Respeitamos todas as crenças, mesmo a incredulidade, que constitui uma espécie de crença, quando essa se respeita suficientemente para não chocar as opiniões contrárias. Assim, pois, não diremos que suas observações sejam destituídas de utilidade. Seu raciocínio, muito menos prolixo que o do nosso estudante, geralmente pode ser assim resumido: Eu não creio em Espíritos, portanto, não podem ser Espíritos, e como não são Espíritos, é um truque. Tal suposição os leva a admitir que a mesa teria um maquinismo, à maneira de Robert Houdin.

Kardec cita os assistentes, ou testemunhas, destacando aqueles que estavam convencidos de que tudo era uma farsa, apresentando sua lógica de pensamento. Segue apresentando a resposta:

Primeiro, seria preciso que todas as mesas e todos os móveis tivessem maquinismos, uma vez que não os há privilegiados; segundo, não se conhece qualquer mecanismo suficientemente engenhoso para produzir à vontade todos os efeitos que acabamos de descrever; em terceiro lugar, seria necessário que a Sra. B… tivesse preparado propositalmente paredes e portas de seu apartamento, o que é pouco provável; em quarto lugar, enfim, teria sido necessário preparar ainda as mesas, as portas, as paredes de todas as casas onde semelhantes fenômenos se produzem diariamente, o que também não é de presumir-se, porque então seria conhecido o hábil construtor de tantas maravilhas.

Vê-se que esses não querem tomar o caminho do bacharelando e, de antemão, já se decidiram por desacreditar.

Temos, também os “meio-crentes”, aos quais Kardec recomenda que voltem aos argumentos do futuro bacharel.

E, dentre os crentes, há ainda três nuances, outros três tipos de crentes: os curiosos, que não tiram proveito moral dos fenômenos em questão; os instruídos e sérios, que o fazem; e os crentes de fé cega, que creem na mesa como creriam num oráculo (sacerdote encarregado da consulta à divindade e transmissão de suas respostas), sem refletir sobre suas respostas, aceitando-as sem submetê-las ao crivo da razão e da concordância.

Finalizando o artigo, Kardec volta vinte e cinco séculos no passado, na floresta sagrada existente no Épiro (Grécia), onde os carvalhos preferiam oráculos e onde, acrescentando-se “o prestígio do culto e a pompa religiosa”, facilmente se entende a veneração de um povo ignorante e crédulo. O sibilar do vento entre as folhas, os sons emitidos pelas estátuas e outros fenômenos, quando verdadeiros, eram os primórdios das comunicações espíritas que, contudo, eram tomadas como verdade absolutas e seguidas cegamente.


  1. Lógica ou raciocínio composto de uma série de proposições ligadas entre si de maneira que o predicado de uma torna-se o sujeito da seguinte, e assim até a conclusão, que tem como sujeito o sujeito da primeira e como predicado o predicado da última proposição anterior à conclusão.



Palestras de além-túmulo – Senhorita Clary D… – Evocação

Digno de nota, o artigo em questão, que resolvemos abordar de forma anacrônica, ou seja, fora da ordem original, traz alguns temas interessantes, na palestra com o Espírito da Srta Clary, falecida aos 13 anos de idade e que passou a ser o gênio, isto é, o Espírito protetor da família. Dentre eles, destaca-se a sua reencarnação, sem data definida, em outro mundo, a sensação do corpo, causada pela lembrança, o deslocamento do Espírito pelo espaço, com a velocidade do pensamento, a questão intrínseca do perispírito nesse deslocamento e, finalmente, o desfecho do artigo, quando, perguntada se poderiam ver, ali, seu “corpo” (perispírito) tal como é atualmente, são respondidos que, para isso, dependeria não dela, mas deles, sob as seguintes condições: “vocês se recolherem por algum tempo, com fé e fervor; estarem em menor número; isolarem-se um pouco e arranjarem um médium do gênero de Home”.

Entendendo, agora, que o Sr. Home era poderoso médium de efeitos físicos, doador dos fluidos necessários para tais fenômenos, entendemos muito bem o porque dessa necessidade.




Nossas considerações sobre os fenômenos materiais

Achamos importante destacar nossas próprias considerações a respeito dos fenômenos materiais, posto que ainda suscitam muitas dúvidas e descrédito, principalmente após o Espiritismo ter atravessado quase 150 anos de deturpações e falsos entendimentos.

Os fenômenos materiais ainda existem, assim como ainda existem os médiuns que os produzem, isto é lógico. Contudo, cremos que tais fenômenos, hoje, talvez não tenham tanta expressividade por conta de que, quando se davam, eram motivados para chamar a atenção para os fenômenos espíritas, o que, alguns apregoam, hoje não tem mais necessidade.

Essa é uma forma de ver. A outra seria a de que esses fenômenos apenas diminuíram após o desenrolar dos estudos de Kardec porque, então, já não eram mais necessários, posto que era muito mais fácil comunicar-se através da psicografia, principalmente, do que através de pancadas. Mas, mesmo então, esses fenômenos não interromperam totalmente, como podemos ver a exemplo do Sr Home e, mais tarde, a exemplo da conhecidíssima médium Eusápia Palladino, estudada por Cesare Lombroso com muita seriedade e dedicação.

Ora, tendo o Espiritismo ficado tão incompreendido através do tempo e tendo os estudos metodológicos sendo esquecidos no passado, deixando espaço para as mistificações e para o crescimento desenfreado do materialismo, mesmo dentre os espiritualistas, perguntamos: será que, hoje, tais fenômenos não viriam trazer novamente a atenção para os fatos espíritas? Não ousamos responder categoricamente, mas apenas relembramos os diversos relatos que todos os dias são colocados aos nossos olhos, nos diversos grupos sobre o tema, nas redes sociais, e sobre os quais, de momento, apenas destacamos: “e se?”




A avareza

Dissertação moral ditada por São Luis à Senhora Ermance Dufaux, a 6 de janeiro de 1858

A dissertação em questão tem cunho moral e, portanto, requer a análise e a reflexão de cada um, individualmente.

Contudo, anotamos a reflexão feita por Kardec ao fim, pois o Espírito São Luis fala em eternidade de sofrimentos, “quando todos os Espíritos superiores são concordes em combater tal crença”. Acontece que ele termina dizendo: “para te punir, Deus quer que assim o CREIAS”, que é o mesmo pensamento apresentado nas características gerais dos Espíritos de Terceira Ordem, em O Livro dos Espíritos.

“[…] quanto mais imperfeitos os Espíritos, mais restritas e circunscritas as suas ideias. Para eles o futuro é vago, e não o compreendem. Eles sofrem; seus sofrimentos são longos, e para quem sofre há muito tempo, isto é sofrer sempre. Este pensamento, por si só, é um castigo.”




O Livro dos Espíritos

Encerrando o Primeiro Capítulo da primeira edição da Revista Espírita, Kardec cita a publicação de O Livro dos Espíritos, trazendo à luz um muito interessante e sensato artigo publicado no Courrier de Paris, de 11 de junho de 1857, bem como algumas cartas a ele endereçadas, agradecendo pelo trabalho consolador apresentado naquela obra. Interessante notar como a imprensa, na época, citava tais acontecimentos sem a grande necessidade de criticá-los sem fundamento, como muitas vezes vemos hoje.

Lendo as admiráveis respostas dos Espíritos na obra do Sr. Kardec, dissemos a nós mesmos que haveria um belo livro a escrever. Bem depressa reconhecemos que nos havíamos enganado: o livro já está escrito. Apenas o estragaríamos se tentássemos completá-lo.

G. Du Chalard – Courrier de Paris, de 11 de junho de 1857

Kardec termina contando sobre como o Livro foi constituído, em sua primeira edição, em grande parte com a ajuda das irmãs Baudin. Após a primeira edição, foi recomendado pelos próprios Espíritos que realizasse uma revisão da obra. Importante destacar que Kardec buscava sempre confirmar as respostas obtidas principalmente por médiuns intuitivos com médiuns mecânicos, onde a influência do médium seria menor ou inexistente. Além disso, sobre as questões mais complicadas, buscava um maior número de “opiniões”, fazendo a mesma pergunta a diversos espíritos, através de médiuns por todas as partes. Essa é a tão conhecida Concordância Universal dos Ensinamentos dos Espíritos.