Há perigo na evocação de Espíritos inferiores?

278. Uma questão importante se apresenta aqui, a de saber se há ou não inconveniente em evocar maus Espíritos.  Isso depende do fim que se tenha em vista e do ascendente que se possa exercer sobre eles. O inconveniente é nulo, quando são chamados com um fim sério, qual o de os instruir e melhorar; é, ao contrário, muito grande, quando chamados por mera curiosidade ou por divertimento, ou, ainda, quando quem os chama se põe na dependência deles, pedindo-lhes um serviço qualquer. Os bons Espíritos, nesse caso, podem muito bem dar-lhes o poder de fazerem o que se lhes pede, o que não exclui seja severamente punido mais tarde o temerário que ousou solicitar-lhe o auxílio e supô-los mais poderosos do que Deus. Será em vão que prometa a si mesmo, quem assim proceda, fazer dali em diante bom uso do auxílio pedido e despedir o servidor, uma vez prestado o serviço. Esse mesmo serviço que se solicitou, por mínimo que seja, constitui um verdadeiro pacto firmado com o mau Espírito e este não larga facilmente a sua presa. (Veja-se o n.º 212.)  

279. Ninguém exerce ascendentes sobre os Espíritos inferiores, senão pela superioridade moral. Os Espíritos perversos sentem que os homens de bem os dominam. Contra quem só lhes oponha a energia da vontade, espécie de força bruta, eles lutam e muitas vezes são os mais fortes. A alguém que procurava domar um Espírito rebelde, unicamente pela ação da sua vontade, respondeu àquele: Deixa-me em paz, com teus ares de matamouros, que não vales mais do que eu; dir-se-ia um ladrão a pregar moral a outro ladrão.  

282. 11.ª. Haverá inconveniente em se evocarem Espíritos inferiores? E será de temer que, chamando-os, o evocador lhes fique sob o domínio? “Eles não dominam senão os que se deixam dominar. Aquele que é assistido por bons Espíritos nada tem que temer. Impõe-se aos Espíritos inferiores e não estes a ele. Isolados, os médiuns, sobretudo os que começam, devem abster-se de tais evocações. (N.º 278.)




Palestras familiares de além-túmulo: O Sr. Morisson, monomaníaco

Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Junho

O Sr. Morisson, Monomaníaco

Em março último noticiava um jornal inglês o que se segue, a respeito do Sr. Morisson, recentemente falecido na Inglaterra, deixando uma fortuna de cem milhões de francos. Segundo aquele jornal, nos dois últimos anos de vida ele era presa de singular monomania. Imaginava-se reduzido a extrema pobreza e devia ganhar o pão de cada dia com um trabalho manual. A família e os amigos haviam reconhecido a inutilidade dos esforços para lhe tirar aquilo da cabeça. Era pobre, não possuía um ceitil e devia trabalhar para viver: essa a sua convicção. Todas as manhãs punham-lhe uma enxada nas mãos e mandavam-no trabalhar em seus próprios jardins. Daí a pouco vinham procurá-lo, pois a tarefa estava concluída; pagavam-lhe um modesto salário pelo trabalho feito e ele ficava contente. Seu espírito ficava tranquilo e sua mania satisfeita.

Se o tivessem contrariado, teria sido o mais infeliz dos homens.

1. ─ Peço a Deus Todo-Poderoso que permita venha comunicar-se conosco o Espírito de Morisson, recém-falecido na Inglaterra, deixando uma fortuna considerável.

─ Aqui está ele.

2. ─ Lembra-se do estado em que se achava durante os dois últimos anos de sua existência corpórea?

─ É sempre o mesmo.

3. ─ Depois da morte seu Espírito ficou ressentido da aberração das faculdades durante a sua vida?

─ Sim.

São Luís completa a resposta, dizendo espontaneamente: “Desprendido do corpo, o Espírito sente, durante algum tempo, a compressão dos seus laços.”

4. ─ Assim, após a morte, seu Espírito não recobrou imediatamente a plenitude de suas faculdades?

─ Não.

5. ─ Onde está agora?

─ Atrás de Ermance.

6. ─ Você é feliz ou infeliz?

─ Algo me falta… Não sei o que… Procuro… Sim, sofro.

7. ─ Por que sofre?

─ Sofre pelo bem que não fez. (Resposta de São Luís).

8. ─ Por que essa mania de julgar-se pobre, quando possuía tão grande fortuna?

─ Eu o era. Em verdade, rico é aquele que não tem necessidades.

9. ─ De onde vinha essa ideia de que lhe era necessário trabalhar para viver?

─ Eu era louco e ainda sou.

10. ─ Como lhe veio essa loucura?

─ Que importa? Eu tinha escolhido essa expiação.

11. ─ Qual é a origem de sua fortuna?

─ Que te importa?

12. ─ Entretanto a sua invenção não visava aliviar a Humanidade?

─ E enriquecer-me.

13. ─ Que uso você fazia da fortuna quando gozava da plenitude da razão?

─ Nenhum. Creio que eu a gozava.

14. ─ Por que lhe teria Deus concedido fortuna, desde que não devia empregá-la utilmente para os outros?

─ Eu tinha escolhido a prova.

15. ─ Aquele que goza de uma fortuna adquirida no trabalho não é mais escusável por se apegar a ela do que o que nasceu no seio da opulência e jamais conheceu a necessidade?

─ Menos.

São Luís acrescenta: “Aquele conhece a dor, mas não a alivia.”

monomaníaco

O monomaníaco lembra-se de sua vida passada

16. ─ Você se lembra de sua existência precedente a esta que acaba de deixar?

─ Sim.

17. ─ O que você era então?

─ Um operário

18. ─ Você nos disse que é infeliz. Vê um termo para o seu sofrimento?

─ Não.

São Luís acrescenta: “É cedo demais.”

19. ─ De quem depende isto?

─ De mim. Assim mo disse aquele que está ali.

20. ─ Conhece aquele que está ali?

─ Vós o chamais Luís.

21. ─ Sabeis o que foi ele em França no século XIII?

─ Não… Eu o conheço por vosso intermédio… Agradeço por aquilo que me ensinou.

22. ─ Você acredita numa outra existência corporal?

─ Sim.

23. ─ Se deve renascer na vida corpórea, de quem dependerá sua futura posição social?

─ De mim, suponho eu. Tantas vezes escolhi que isto só de mim poderá depender.

OBSERVAÇÃO: As palavras tantas vezes escolhi são características. Seu estado atual prova que, apesar das numerosas existências, pouco progrediu, e que para ele, é sempre um recomeço.

24. ─ Que posição social escolheria se pudesse recomeçar?

─ Baixa. Avança-se com mais segurança. Só se está encarregado de si mesmo.

25. ─ (A São Luís): Não haverá um sentimento de egoísmo na escolha de uma posição humilde, na qual não se deve ter o encargo senão de si mesmo?

─ Em parte alguma se têm encargos apenas para consigo mesmo. O homem responde pelos que o cercam e não só pelas almas cuja educação lhe foi confiada, mas ainda pelos outros. O exemplo faz todo o mal.

26. ─ (A Morisson): Nós lhe agradecemos a bondade com que nos respondeu e rogamos a Deus lhe dê forças para suportar novas provas.

─ Vós me aliviastes. Eu aprendi.

OBSERVAÇÃO: Reconhece-se facilmente nas respostas acima o estado moral do Espírito. Elas são curtas e, quando não monossilábicas, têm algo de sombrio e de vago. Um louco melancólico não falaria diferentemente. Essa persistência da aberração das ideias após a morte é um fato notável, mas que não é constante, ou que por vezes apresenta um caráter completamente diverso. Teremos ocasião de citar vários outros exemplos, onde se estudam as diferentes formas de loucura.

Conclusão

A pergunta abaixo de O Livro dos Espírito fala sobre a avareza e de outras provas:

261. O espírito, nas provas a que deva se submeter para chegar à perfeição, deve experimentar todos os gêneros de tentações? Deve passar por todas as circunstâncias que possam excitar nele o orgulho, o ciúme, a avareza, a sensualidade, etc.?

Os Espíritos respondem:

Certamente não, visto que sabeis que existem aqueles que, desde o início, tomam um caminho que os livra de muitas provas; aquele, porém, que se deixa arrastar para um mau caminho, corre todos os perigos desta estrada. Por exemplo, um espírito pode pedir a riqueza e esta pode ser-lhe concedida; então, conforme seu caráter, poderá tornar-se avarento ou pródigo, egoísta ou generoso, ou, então, entregar-se a todos os gozos da sensualidade; isto, porém, não quer dizer que deverá, forçosamente, vivenciar todas essas tendências.

Artigo anterior: O papel do pesquisador e do médium nas comunicações com os Espíritos

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O papel do pesquisador e do médium nas comunicações com os Espíritos

Neste estudo em grupo, tratamos do artigo em questão de uma forma um tanto diferente, pois notamos que ele nos dava ensejo a um aprofundamento bastante importante a respeito da mediunidade e das diferenças existentes entre como ela era tratada no Espiritismo, como doutrina científica nascida da observação racional dos fatos e das comunicações espíritas (espirituais) e como ela é tratada hoje. Assim, abordamos os seguintes tópicos principais:

  • Qual é a influência do médium na comunicação?
  • Animismo e o medo de ser médium
  • Podemos e devemos julgar as comunicações mediúnicas? De que forma?
  • Mitos: não podemos evocar Espíritos; evocar Espíritos provoca obsessões
  • Lições aprendidas: a distância entre o “movimento espírita” atual e o Espiritismo original; a necessidade da retomada dos estudos

Baseado no artigo “Espíritos impostores — o falso Padre Ambrósio” — Revista Espírita de julho de 1858

Esperamos que, tanto o vídeo de nosso debate, quanto esta leitura, sejam de grande proveito para você!

Os escolhos da mediunidade

Reconhecemos: estudar Kardec por conta própria, nem sempre é fácil. É uma linguagem difícil e, muitas vezes, repleta de referências a neologismos e ao contexto no qual o professor Rivail estava inserido, de forma que se faz muito oportuna tal contextualização¹, em primeiro plano, quanto o emprego de pesquisas na web, durante a leitura.

“Escolho” significa, no sentido figurado, uma dificuldade. E Kardec abre o referido artigo falando sobre tais dificuldades:

Um dos escolhos apresentados pelas comunicações espíritas é o dos Espíritos impostores, que podem induzir em erro quanto a sua identidade e que, ao abrigo de um nome respeitável, tentam passar os mais grosseiros absurdos. Em muitas ocasiões esse perigo nos tem sido explicado. Entretanto, ele nada é para quem perscruta tanto a forma quanto o conteúdo da linguagem dos seres invisíveis com os quais entra em comunicação. […] Nada é mais fácil do que se premunir contra fraudes semelhantes, por menor que seja nossa boa vontade.

Kardec parece tornar bastante simples, banal mesmo, essa tarefa de identificar a comunicação de um Espírito impostor, não? Mas por que, então, hoje em dia, tantos absurdos tem sido aceitos, via comunicações mediúnicas, como se fossem a legítima expressão de um Espírito sério e honesto, conhecedor das verdades absolutas?

Acontece que o “movimento espírita” (eu chamo de movimento a fim de distinguir o Espiritismo daquilo que fazem os seus adeptos, nem sempre bem informados e conhecedores da Doutrina) anda bastante esquecido dos postulados mais básicos da Doutrina dos Espíritos. Ora, logo no início da segunda parte de O Livro dos Espíritos, nos itens 100 a 113, Kardec nos apresenta, didaticamente, uma escala geral, nomeada por ele “Escala Espírita“, onde, agrupando de uma forma mais ou menos geral, o caríssimo professor nos demonstra as características gerais dos Espíritos em suas diferentes escalas evolutivas, agrupando-os em três ordens principais: Espíritos Imperfeitos (terceira ordem), Espíritos Bons (segunda ordem) e Espíritos Puros (primeira ordem).

Constatado é, até mesmo pela observação lógica de nossa condição evolutiva, que nós nos colocamos em contato principalmente os os Espíritos das duas últimas ordens, especialmente com os da terceira, com os quais mais facilmente nos afinizamos mentalmente. Também é fato conhecido que os Espíritos se diferem de nós, encarnados, apenas por não terem a constrição do corpo físico e, pela ausência deste, terem o pensamento mais liberto, em geral, do abafamento do cérebro físico. Portanto, assim como nós, eles não mudam de opinião ou de conhecimentos simplesmente por deixarem a matéria por meio da desencarnação e, assim como nós, podem falar do que sabem, do que acreditam que sabem ou, então, podem procurar enganar, por maldade ostensiva ou por orgulho em querer dizer do que reconhecidamente não sabem.

Nós já reproduzimos a Escala Espírita em um artigo anterior, mas vamos destacar alguns detalhes importantes dessa terceira ordem de Espíritos, que é onde se concentram os problemas nas comunicações mediúnicas.

Como se comunicam os Espíritos da terceira ordem – Espíritos Imperfeitos

Décima Classe – Espíritos Impuros

São inclinados ao mal, com o que se preocupam. Dão conselhos traiçoeiros, desleais, sopram a discórdia e a desconfiança e se mascaram de todas as maneiras para melhor enganar.

Na linguagem, são triviais, grosseiros, apresentam baixeza de inclinações e não conseguem enganar por muito tempo com uma falsa sensatez.

Nona Classe – Espíritos Levianos

São ignorantes, malévolos, inconsequentes e zombeteiros. Metem-se em tudo, respondem a tudo, sem se preocupar com a verdade. Gostam de causar pequenos aborrecimentos e pequenas alegrias; de produzir discórdias; de induzir maliciosamente ao erro por mistificações e por travessuras.

Suas comunicações são quase sempre espirituosas e alegres, mas quase sempre sem profundidade.

Oitava Classe – Espíritos pseudossábios

Dispõem de conhecimentos bastante amplos, porém, creem saber mais do que realmente sabem.

É uma mistura de algumas verdades com os erros mais absurdos, através dos quais penetram a presunção, o orgulho, o ciúme e a obstinação, de que ainda não puderam despir-se.

Ora, temos, aqui, um conhecimento de base já bastante importante a respeito da forma como se expressam esses Espíritos, não? E é claro que, como bons espíritas, não pararemos aqui e buscaremos estudar O Livro dos Espíritos e as demais obras, a fim de adquirir ainda mais conhecimentos que possam auxiliar no nosso contato com os Espíritos. Afinal, não é à toa que Kardec, na introdução de O Livro dos Médiuns, começa assim:

Todos os dias a experiência nos traz a confirmação de que as dificuldades e os desenganos, com que muitos topam na prática do Espiritismo, se originam da ignorância dos princípios desta ciência, e feliz nos sentimos de haver podido comprovar que o nosso trabalho, feito com o objetivo de precaver os adeptos contra os escolhos de um noviciado, produziu frutos e que à leitura desta obra devem muitos o terem logrado evitá-los.

Natural é, entre os que se ocupam com o Espiritismo, o desejo de poderem pôr-se em comunicação com os Espíritos. Esta obra se destina a lhes achanar o caminho, levando-os a tirar proveito dos nossos longos e laboriosos estudos, porquanto muito falsa ideia formaria aquele que pensasse bastar, para se considerar perito nesta matéria, saber colocar os dedos sobre uma mesa, a fim de fazê-la mover-se, ou segurar um lápis, a fim de escrever.

Uma coisa é certa: Kardec não tinha tempo a perder com palavras vazias destinadas a enfeitar um orgulho ou uma vaidade que, conforme ficou muito bem demonstrado, ele não as tinha. Portanto, temos nós é que deixar o orgulho de lado e nos dedicar a estudar, ao invés de ficarmos achando que sabemos de tudo simplesmente por termos qualquer contato prático com os Espíritos! Dessa forma, fica muito mais fácil julgar uma comunicação espiritual ou tentar penetrar a real face do Espírito que se comunica – e Kardec, nesse mesmo artigo (do falso Pe. Ambrósio) vai dar uma lição simples e clara de como fazê-lo. Trataremos disso mais à frente.

Como lidar com Espíritos mistificadores?

Mistificar significa enganar, ludibriar. E vamos destacar duas perguntas feitas por Kardec, diretamente ao Espírito mistificador (o do falso Pe. Ambrósio, que ele havia evocado) que trazem questões importantes, tratadas a seguir.

“14. ─ Que pensas do que disseste em seu nome?

Penso como pensavam os que me escutavam.”

A questão aqui é: quem os escutava? O médium estaria o escutando, necessariamente? Em outras palavras: seria culpa daquele médium aquela falsa comunicação?

“16. ─ Por que não sustentas a impostura em nossa presença?

Porque minha linguagem é uma pedra de toque [material utilizado para avaliar a pureza de um material], com a qual não vos podeis enganar.”

Por que naquele meio (o de Kardec) aquele Espírito afirma que não conseguiria enganar?

Mas, para responder a essas perguntas, vamos avançar em nossas reflexões, o que deixará muito claras as respostas.

Animismo

Pensamos ser importante levantar, aqui, a questão do animismo, já que é algo que persegue e tira o sono de muitos médiuns e dirigentes de grupos espíritas. O animismo é o conceito no qual o médium apresenta conteúdos próprios, de seus próprios pensamentos, ao invés de apresentar puramente o pensamento do Espírito que se comunica.

É algo que, realmente, acontece muito, sendo motivo de muitos medos, como dissemos, pois criou-se a hipótese de que o médium precisa ser uma ferramenta totalmente passiva para a comunicação espiritual. Isso não deixa de ser uma verdade, quando falamos na comunicação de um Espírito através de um médium. Contudo, não deve ser transformada em ferramenta de perseguição ou autoperseguição. A importância da questão, aqui, está ligada à honestidade do médium:

  • Quando o médium age de forma totalmente honesta, buscando ser uma boa ferramenta para os Espíritos, despido de vaidade e de orgulho, sua mediunidade poderá ser desenvolvida mediante à prática e favorecida pelo estudo. Assim, em mais ou menos tempo, as comunicações dadas através dele serão cada vez mais “limpas”, expressando o pensamento original do Espírito. Não deve, portanto, o animismo, nesse caso, ser algo a se temer, pois está relacionado ao grau do desenvolvimento da mediunidade, considerando que, nos primeiros estágios, o médium comumente completará pensamentos ou os traduzirá segundo ideias próprias, que não necessariamente são contrárias às do Espírito.

  • Quando o médium age conscientemente (sob o olhar da lucidez material) expressando ideias que não são de um Espírito, isto é, quando ele não está agindo como médium, mas apenas por si próprio, em estado de vigília, mas tenta enganar, como se fosse uma comunicação mediúnica, expressando os mais terríveis disparates, este sim é um caso grave, um problema diretamente ligado à moral do médium, que precisa ser tratado com fraternidade mas com firmeza, a fim de que esse médium não ponha a harmonia do grupo em cheque. Quando age de forma isolada, nesse caso, é preciso que apenas não seja levado de forma séria, como, infelizmente, muitos espíritas tem feito.

O médium honesto deve aprender que, sempre que estiver desconcentrado ou que não se comunique nenhum Espírito, deve informar ao grupo, sem nenhum medo de ser atingido em um amor-próprio que, nesse caso em especial, jamais deveria existir. Infelizmente, os centros espíritas atuais, com as reuniões mediúnicas abertas ao público, fizeram cair sobre os ombros dos médiuns uma responsabilidade deletéria de ter que estar sempre pronto e à disposição para os fenômenos mediúnicos, o que não é lógico, já que, sendo a mediunidade uma capacidade radicada no organismo, como uma sexto sentido, também pode apresentar entraves diversos, assim como um resfriado pode tirar nossa capacidade olfativa.

Mas há um terceiro aspecto a se considerar: às vezes o animismo pode ser bem-vindo, conforme fica expresso na seguinte questão de O.L.M. (O Livro dos Médiuns):

223 – 2.ª. As comunicações escritas ou verbais também podem emanar do próprio Espírito encarnado no médium?

“A alma do médium pode comunicar-se, como a de qualquer outro. Se goza de certo grau de liberdade, recobra suas qualidades de Espírito.[…] Porque, ficai sabendo, entre os Espíritos que evocais, alguns há que estão encarnados na Terra. Eles, então, vos falam como Espíritos e não como homens. Por que não se havia de dar o mesmo com o médium?”

De tal forma, se o Espírito do próprio médium pode comunicar-se – o que acontece mais facilmente nos estados de sonambulismo e de êxtase, conforme a resposta à pergunta 223-3a deixa claro – é claro que poderá também trazer conhecimentos válidos e importantes, da mesma forma que faria um Espírito liberto da matéria.

Creio que o assunto do animismo está relativamente bem entendido pelo que foi exposto. Mas e a respeito do medo que médium pode ter de transmitir uma comunicação de baixo teor, isto é, uma comunicação frívola, de linguajar indecente ou enganosa? Cremos que a abordagem seguinte responderá bem a esse respeito.

Influência moral do médium

Levantada a questão do medo que o médium pode ter de dar lugar a uma comunicação de teor menos elevado, precisamos refletir a respeito do papel do médium nesse sentido. Kardec aborda, claro, esse questionamento em OLM, buscando identificar a ligação da moral do médium com a capacidade mediúnica. Vejamos:

226. 1.ª. O desenvolvimento da mediunidade guarda relação com o desenvolvimento moral dos médiuns?

“Não; a faculdade propriamente dita se radica no organismo; independe do moral. O mesmo não se dá, porém, com o seu uso, que pode ser bom, ou mau, conforme as qualidades do médium.”

5.ª. Nas lições ditadas, de modo geral, ao médium, sem aplicação pessoal, não figura ele como instrumento passivo, para instrução de outrem?
“Muitas vezes, os avisos e conselhos não lhe são dirigidos pessoalmente, mas a outros a quem não nos podemos dirigir, senão por intermédio dele, que, entretanto, deve tomar a parte que lhe caiba em tais avisos e conselhos, se não o cega o amor-próprio.

A questão primeira reforça o que dissemos a respeito de a faculdade mediúnica estar radicada no organismo, o que significa que tanto o bom quanto o mau podem ser médiuns de maior ou menor capacidade. Contudo – e aí está o principal objetivo da faculdade mediúnica – o bom ou o mau uso que fazemos dela é que dará os rumos de nossa moral e da vontade de utiliza-la para o progresso próprio, a serviço da humanidade, ou não.

A questão quinta diz assim: o médium, por mais que seja intrumento passivo, precisa estar sempre atento para as comunicações que intermedia, pois, por mais que sejam direcionadas a outrem, podem ter aplicação pessoal – o que reforça o pensamento anterior.

226. 6.ª. Visto que as qualidades morais do médium afastam os Espíritos imperfeitos, como é que um médium dotado de boas qualidades transmite respostas falsas, ou grosseiras?

“Conheces, porventura, todos os escaninhos da alma humana? Demais, pode a criatura ser leviana e frívola, sem que seja viciosa. Também isso se dá, porque, às vezes, ele necessita de uma lição, a fim de manter-se em guarda.”

A questão sexta aponta que, muitas vezes, uma comunicação de baixo teor pode se dar pela simpatia dos médiuns com Espíritos que pensem como ele ou que tenham as mesmas inclinações, mesmo que isso não seja visível no médium, no dia-a-dia. Também podem se dar porque ele, às vezes, precisa de uma lição para se manter em guarda, ou então, supomos, para que o grupo de estudos se mantenha em guarda, pois supomos que um bom médium ainda assim possa intermediar uma comunicação desse teor a fim de colocar à prova a atenção daquele grupo.

Tudo isso, porém, é muito válido se o grupo ou o indivíduo estão atentos e se tratam com seriedade e honestidade das comunicações. Caso contrário, tais comunicações, que acontecerão com mais frequência, levarão à queda de um ou de outro.

226. 8.ª. Será absolutamente impossível se obtenham boas comunicações por um médium imperfeito?

“Um médium imperfeito pode algumas vezes obter boas coisas, porque, se dispõe de uma bela faculdade, não é raro que os bons Espíritos se sirvam dele, à falta de outro, em circunstâncias especiais; porém, isso só acontece momentaneamente, porquanto, desde que os Espíritos encontrem um que mais lhes convenha, dão preferência a este.”

Os Espíritos se comunicam no meio simpático a eles, de preferência.

Nota. Deve-se observar que, quando os bons Espíritos veem que um médium deixa de ser bem assistido e se torna, pelas suas imperfeições, presa dos Espíritos enganadores, quase sempre fazem surgir circunstâncias que lhes desvendam os defeitos e o afastam das pessoas sérias e bem-intencionadas, cuja boa-fé poderia ser laqueada. Neste caso, quaisquer que sejam as faculdades que possua, seu afastamento não é de causar saudades.

Um médium de moral complicada mas de boas capacidades mediúnicas pode ser utlizado por bons Espíritos em situações específicas, como quando não há outro ou quando os Espíritos julgam que produzirão um bem ou que poderão evitar um mal ao fazê-lo. Fora disso, se afastam.

A nota de Kardec diz tudo: se um médium, por suas inclinações, deixa de ser bem assistido (por bons Espíritos) e se torna presa de Espíritos inferiores, é, pelos próprios bons Espíritos, afastado das pessoas sérias e bem intencionadas.

Conclusões sobre a influência moral do médium

  • Um médium de boa moral pode ser alvo de um Espírito mistificador. Isso pode se dar como um alerta, como no caso que Kardec vai abordar.
  • Um médium de moral “questionável” pode ser utilizado, se tiver uma mediunidade poderosa, por um Espírito elevado. Contudo, muito mais frequentemente será alvo de Espíritos inferiores, que acabarão por fazê-lo tombar, sobretudo quando utiliza da própria mediunidade para fins “questionáveis”.

O Falso Padre Ambrósio

Kardec, com a finalidade de estudar o problema, aborda o caso ocorrido na Spiritualiste de la Nouvelle-Orléans (clique aqui para baixar o original, em Francês), onde dois Espíritos engandores haviam se fazido passar pelo Padre Ambrósio e por Clemente XIV, tecendo um diálogo por demais frívolo e vazio.

Kardec faz, então, a evocação dos três Espíritos: O verdadeiro Padre Ambrósio, o falso Pe. Ambrósio e o falso Clemente XIV, mas, antes, declara:

Apressemo-nos, entretanto, em declarar que esse círculo não recebe apenas comunicações de tal ordem; há outras de caráter muito diverso, nas quais encontramos toda a sublimidade do pensamento e da expressão dos Espíritos superiores.

Como é possível verificar na revista original e também na tradução livre feita pela nossa colaboradora, Ariane, na segunda parte (terceira página do documento), as comunicações do verdadeiro Pe. Ambrósio são de cunho bastante mais elevado e profundo.

A conversa de Kardec com os Espíritos e nossas reflexões

Ao Espírito do verdadeiro Pe. Ambrósio:

5. ─ Como pudestes permitir coisas semelhantes em vosso nome? Por que não viestes desmascarar os impostores?

─ Porque nem sempre posso impedir que homens e Espíritos se divirtam.

6. ─ Compreendemo-lo quanto aos Espíritos. Mas, quanto às pessoas que recolheram as palavras, são gente séria; não buscavam divertimentos.

─ Uma razão a mais. Eles deviam pensar logo que tais palavras não poderiam deixar de ser a linguagem de Espíritos zombeteiros.

Nem sempre os bons Espíritos podem impedir tais situações, pois, acima de tudo, respeitam o livre-arbítrio dos demais. Além disso, podem permitir tais situações a fim de que sirva de alerta para o grupo ou indivíduo.

7. ─ Por que os Espíritos não ensinam em Nova Orleans, princípios perfeitamente idênticos aos que aqui ensinam?

─ Em breve lhes servirá a doutrina que vos é ditada. Haverá apenas uma.

8. ─ Desde que essa doutrina deverá ser ali ensinada mais tarde, parece-nos que se o fosse imediatamente aceleraria o progresso e evitaria que alguns tivessem dúvidas prejudiciais.

─ Os desígnios de Deus são sempre impenetráveis. Não há outras coisas que, à vista dos meios que ele emprega para atingir seus objetivos, parecem-vos incompreensíveis? É preciso que o homem se habitue a distinguir o verdadeiro do falso. Nem todos poderiam receber a luz de um jacto sem serem ofuscados.

O Espírito do verdadeiro Pe. Ambrósio deixa claro: a Doutrina Espírita encontrou, na França e no contexto Kardec, a base necessária para se fazer luzir com toda a força, sem ofuscar, já que as ciências estavam muito bem preparadas para receber seus ensinamentos, tratando-os racionalmente e com método científico.

Uma grande lição de Kardec

Falávamos, antes, sobre a necessidade de buscar distinguir as comunicações dos Espíritos, identificando se são honestas ou produtos de enganações e se são de Espíritos mais ou menos sábios (lembrando que uma comunicação pode ser séria e honesta, mas, ainda assim, de pouca ou nenhuma sabedoria). Vejamos, então, as seguintes perguntas e respostas trocadas entre Kardec e o verdadeiro Pe. Ambrósio:

 9. ─ Teríeis a bondade de nos dar vossa opinião pessoal relativamente à reencarnação?  

Os Espíritos são criados ignorantes e imperfeitos. Uma única encarnação não bastaria para que tudo aprendessem. É necessário que reencarnem, a fim de gozarem a felicidade que Deus lhes reserva.  

10. Dá-se a reencarnação na Terra ou somente em outros globos?  

A reencarnação se dá conforme o progresso do Espírito, em mundos mais perfeitos ou menos perfeitos.  

11. Isto não esclarece se pode ocorrer na Terra.  

Sim, pode ocorrer na Terra, e se o Espírito a pede como missão, ser-lhe-á mais meritório do que se a pedisse para avançar mais rapi­damente em mundos mais perfeitos.

Ora, Kardec estava falando sobre um assunto completamente diferente. De repente, começa a perguntar sobre reencarnação? Por que?

Simples: porque ele estava buscando sondar os conhecimentos daquele Espírito, a fim de saber se estava realmente falando com um Espírito sábio ou se falava com um Espírito enganador. Brilhante, não? É assim que deveríamos proceder, ainda hoje e sempre, mas, para isso, é preciso que estejamos atentos, que tenhamos conhecimentos e que saiamos da condição de simples espectadores passivos das comunicações espirituais.

Kardec continua, perguntando, agora, ao falso Pe. Ambrósio:

15. ─ Por que te serviste de um nome respeitável para dizer semelhantes tolices?

Aos nossos olhos os nomes nada valem. As obras são tudo. Como pelo que eu dizia, podiam ver o que eu era realmente, não liguei importância à substituição do nome.

Veja só: o Espírito enganador sabe que os “ouvintes” (sabemos que era através da psicografia a comunicação) poderiam julgar quem ele realmente era, através do que expressava. Portanto, não ligou qualquer importância por utilizar o nome do Pe. Ambrósio.

Lições aprendidas

Vivemos um Espiritismo muito distanciado do Espiritismo “de Kardec” (entre aspas, pois sabemos que o Espiritismo não pertence a ele nem saiu de sua cabeça). E isso não é bom, porque o Espiritismo “de Kardec” é aquela doutrina científica, nascida com base na observação racional dos fenômenos espíritas e na concordância universal do ensinamento dos Espíritos.

Hoje, no meio Espírita, por um lado se persegue o médium pelo “animismo”; por outro, tratam-se muitos médiuns como oráculos, como se suas opiniões — porque qualquer pensamento individual, frente à Doutrina, que não tenha passado pelo crivo da razão e da concordância universal, só pode ser tomado como opinião — de si mesmos ou dos Espíritos que se comunicam, pudessem ser tomadas como a suma expressão da verdade e da sabedoria. Acabamos de ver o quão falsa e perigosa é essa premissa.

Não devemos evocar os Espíritos?

Além disso, criaram-se vários mitos, como o que diz que não devemos evocar os Espíritos (o que só é válido em caso de falta de bons propósitos, o que constituiria, nas palavras de Kardec, uma verdadeira profanação) e como o que diz que as evocações podem resultar em obsessões espirituais. Ora, os Espíritos estão ao nosso redor o tempo todo, e se aproximam de nós segundo suas afinidades com o que somos e pensamos, nas profundidades de nossa alma. Para nos obsediar, basta que queiram se utilizar de nossa ausência de vontade e da nossa permissão e, para isso, não necessitam se comunicar conosco por via mediúnica.

Compete destacar que, se um médium ou grupo mediúnico se torna alvo de obsessão espiritual, é porque ali há um problema moral, ligado às imperfeições de cada um, sobre as quais precisam vigiar. Kardec e inúmeros outros pesquisadores se serviam de médiuns educados e equilibrados para evocar todo tipo de Espírito, sem que nunca sofressem de obsessões por fazê-lo. Apenas para reforçar: essas evocações tinham um propósito sério e eram feitas por pessoas sérias. Fossem feitas por mera curiosidade vazia ou diversão, estariam relacionadas a um problema moral e, então, temos aí o problema destacado.

Essa questão, da possibilidade e da validade ou não de se evocar os Espíritos, já foi muito bem abordada por Kardec em seu artigo “O Espiritismo sem os Espíritos”, na RE de Janeiro de 1866, sobre o qual tecemos algumas considerações importantes em artigo homônimo (clique aqui para acessá-lo).

Também, na Revista de 1858, no artigo “Obsedados e Subjugados” Kardec aborda a questão dos perigos do Espiritismo de forma mais detalhada. Sugerimos a leitura do artigo surgido de nossos estudos.

O Espiritismo precisa de defesa

Muitos afirmam que o Espiritismo não precisa de defesa e, muito mais, que ele precisa de atualização, pois estaria defasado. Começo dizendo que o Espiritismo precisa de defesa SIM. Afirmações contrárias a isso parecem sair de Espíritos contrários à propagação dessa Doutrina, Espíritos esses que, aliás, jamais leram Kardec, que saia em defesa do Espiritismo sempre que oportuno. Não se trata de uma defesa que ataca as religiões ou as crenças, mas uma defesa que aponte as imprecisões e os erros, frente ao Espiritismo, nas afirmações e nas práticas ditas espíritas.

Há muito eu ouço, no meio espírita, em diversas partes: os tempos são chegados. Por muito tempo pensei que se tratava apenas de um aviso a respeito das dificuldades que atravessamos. Contudo, hoje reflito: analisando friamente, vivemos realmente algo muito diferente do que já vivemos em outras épocas da humanidade? Ou será que os Espíritos estavam informando de que são chegados os tempos de restabelecer o que foi corrompido?

Uma coisa é fato: é tempo de começarmos a reorganizar pensamentos e retomar estudos esquecidos ou perdidos durante muito tempo. Alguns pesquisadores tem trazido informações muito importantes, com base em documentos e obras originais, até então desconhecidas, nos permitindo conhecer não apenas o Espiritismo em sua essência, mas também as ciências que lhe deram lugar ou que, junto a ele, formam um conjunto indissociável.

Paulo Henrique de Figueiredo, na obra Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo, nos traz informações a respeito do Espiritualismo Racional. Este formava as Ciências Morais da época e que deram base ao Espiritismo, sendo este, segundo pensamento do próprio professor Rivail, um desenvolvimento do primeiro; na obra Mesmer: a ciência negada do magnetismo, traz informações importantíssimas a respeito do Magnetismo, ciência essa tantas vezes citadas não só por Kardec, mas pelos próprios Espíritos. Por ser o magnetismo uma Ciência muito bem estabelecida em seu tempo, jamais teve explicações aprofundadas por Kardec, que não poderia imaginar que ela seria extinta nas décadas seguintes; e Simoni Privato, em O Legado de Allan Kardec, nos dá informações relativas não apenas a uma suposta adulteração de A Gênese, assunto esse ainda cheio de discussões controversas, atualmente, mas também dá informações importantíssimas a respeito do completo desvio que a Sociedade Espírita Parisiense, depois transformada em Sociedade Anônima e conduzida por Pierre Gaetan Leymarie, sofreu nas mãos deste senhor.

Com base nesses estudos e nos estudos de Kardec, os Espíritas honestamente interessados em ver o retorno de um trabalho sério de pesquisa, junto aos Espíritos, nos moldes de Kardec, precisam fazer a sua parte em defender a Doutrina, divulgando sem acusar e, sobretudo, instigando os grupos mediúnicos a voltar a registrar as comunicações com os Espíritos, aprofundando-se nelas e saindo da mera condição de espectadores pacientes, vivendo sob a mal compreendida frase, que se tornou lema, “o telefone toca de lá pra cá”, para voltar a realizar evocações sérias e que produzam material importante que, um dia, poderá ser analisado de forma independente, novamente (leia este sucinto artigo a respeito dessa reflexão).

Conclusão

Infelizmente, o movimento espírita está bastante distanciado de Kardec e do Espiritismo em sua real face. Passou-se a aceitar os mais diversos despautérios, alegadamente transmitidos por fontes mediúnicas, algumas bastante conhecidas, o que tem causado muito dano não só ao movimento, em si, que está a cada dia mais esvaziado, mas também à imagem do Espiritismo ante à sociedade, que aprendeu, em boa parte, a ver o Espiritismo como aquela opinião que vêm à tona sempre que acontece um desastre qualquer para dizer que, ali, foram vitimados pessoas que estavam resgatando um débito coletivo, sendo, por isso, culpados e merecedores daquele acontecimento. E esse tipo de pensamento é largamente reproduzido acerca das tragédias individuais ou coletivas, causando aversão e distanciamento.

Não bastasse isso, o Espiritismo, desde a morte de Kardec ( em 1869), passou a ser inundado por ideias roustainguistas (de Jean-Baptiste Roustaing), “doutrina” essa que se instalou no meio espírita brasileiro desde antes do início do século XX, inclusive por grande simpatia de Bezerra de Menezes às suas ideias. Embora a FEB, autointitulada “cúpula do Espiritismo no Brasil”, só tenha adotado a obrigação do estudo das obras de Roustaing a partir de 1917 (leia mais aqui), a influência roustainguista (ou rustenistas) já era forte há bastante tempo nesse meio.

Depois, vieram as influências ramatissistas, seguindo o mesmo padrão: ideias de um Espírito claramente pseudossábio (Ramatis), que acredita saber mais do que sabe e que quer se colocar com caraterísticas messiânicas, reescrevendo a verdade e colocando Kardec no lixo, contrariando a Doutrina Espírita e a própria Ciência em inúmeros pontos e, para finalizar, sem citar outros exemplos vários, veio o divinismo, também com o mesmo teor messiânico, dessa vez através de um indivíduo que se autoproclama a reencarnação de Kardec e que também produz os mais diversos tipos de ideias contrárias àquilo que já estava estabelecido pela concordância universal dos ensinamentos dos Espíritos e pela razão.

Enfim: o Movimento Espírita está esquecido de Kardec, a ponto de quase não haver Espiritismo em muitos pontos, e sim um espiritualismo religioso (no sentido da religião dogmática e cheia de rituais, hierarquias e sacerdotes). Precisamos, repito, fazer a nossa parte, ativamente, mas sem contendas, isto é, buscando os grupos e os indivíduos honestamente interessados nessa tarefa, de modo a auxiliar no trabalho de restabelecimento, pois,

o que é de base, não se supera!




A preguiça: dissertação moral de São Luís á Srta. Hermance Dufaux

Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Junho > A preguiça

Um homem saiu muito cedo e foi à praça para contratar operários. Ora, ali viu dois homens do povo, sentados e de braços cruzados. Chegou-se a um deles e assim o abordou: “Que fazes aí?” Ao que o mesmo lhe respondeu: “Não tenho trabalho.” Disse então aquele que procurava trabalhadores: “Toma a tua ferramenta e vem ao meu campo, na vertente da colina, onde sopra o vento sul; cortarás as urzes e revolverás o solo até o cair da noite. A tarefa é dura, mas terás um bom salário.” O homem do povo pôs a enxada no ombro, agradecendo-lhe por isso, de todo o coração.

Ouvindo isto, o outro operário levantou-se e aproximou-se, dizendo: “Senhor, deixe-me ir também trabalhar no campo.” E, tendo-lhes dito a ambos que o seguissem, marchou à frente, para mostrar o caminho. Depois, quando chegaram à encosta da colina, dividiu o trabalho em dois e se foi.

Quando ele partiu, o último dos operários contratados pôs fogo no mato da gleba que lhe coube por sorte e revolveu a terra com a enxada. Sob o ardor do sol, o suor porejava-lhe de sua fronte. O outro o imitou, a princípio murmurando, mas em breve parou o trabalho e fincando a enxada no chão sentou-se ao lado, olhando o trabalho do companheiro.

Ora, ao cair da tarde veio o dono do campo e examinou o trabalho. Chamando o operário diligente, felicitou-o dizendo: “Trabalhaste bem. Eis o teu salário.” E despediu-o, dando-lhe uma moeda de prata. O outro também se aproximou, reclamando o preço de seu salário, mas o dono lhe disse: “Mau trabalhador, meu pão não matará a tua fome, porque tu deixaste inculta a parte de meu campo que te foi confiada. Não é justo que aquele que nada fez seja recompensado como o que trabalhou bem.”

preguiça
A Vinhas foram tratadas como local de trabalho dos trabalhadores da última hora no texto de O Evangelho Segundo o Espiritismo.

E despediu-o sem nada lhe dar.

Eu vos digo que a força não foi dada ao homem, nem a inteligência ao seu espírito para que consuma seus dias na ociosidade, mas para ser útil aos seus semelhantes. Ora, aquele cujas mãos estiverem desocupadas e o espírito ocioso será punido e deverá recomeçar a sua tarefa.

Em verdade vos digo que sua vida será posta de lado como coisa imprestável, quando seu tempo se cumprir. Compreendei isto como uma comparação. Qual de vós, possuindo no pomar uma árvore que não dá frutos, não dirá ao servo: “Corte aquela árvore e lance-a no fogo, pois seus ramos são estéreis?” Ora, assim como aquela árvore será cortada por causa de sua esterilidade, também a vida do preguiçoso será lançada no refugo, por ter sido estéril em boas obras.

A preguiça: trabalhadores da última obra

O Evangelho Segundo o Espiritismo é um livro de autoria de Allan Kardec e dos Espíritos que foi publicado em Paris, em 15 de abril de 1864, que usou este texto, mas com outra roupagem. 

É bom sabermos que Kardec lançou mão de seus estudos com a Revista Espírita para acrescentar parte deles em sua grande obra, reconhecida como básica do Espiritismo que, dentre elas, a que dá maior enfoque a questões religiosas, éticas e comportamentais do ser humano.

O artigo citado: Os trabalhadores da última hora

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O Espírito batedor de Bergzabern II

Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Junho > O Espírito batedor de Bergzabern II

O segundo artigo sobre o batedor

Neste segundo artigo sobre o tema, Allan Kardec retoma-o após a menina Filipina Sanger ter passado uma temporada em casa do Dr. Bentner, seu médico.

As passagens que se seguem vêm de uma nova brochura alemã, publicada em 1853.

Sabe-se hoje que os fenômenos desse gênero não resultam de um estado patológico; antes denotam uma excessiva sensibilidade.

Na primeira brochura intitulada Os Espíritos batedores viram que as manifestações de Filipina Sänger têm um caráter enigmático e extraordinário. Relatamos esses fatos maravilhosos desde o seu começo até o momento em que a menina foi levada ao médico. Quando a menina deixou a casa do Dr. Bentner e regressou ao lar, as batidas e arranhaduras recomeçaram na casa dos Sänger. Até aquele momento, e mesmo depois da sua cura completa, as manifestações foram mais marcantes e mudaram de natureza.

Os fenômenos passam a ser também musicais

  • um pequeno fuso é atirado do quarto de dormir.
  • um retalho de pano que antes estava mergulhado numa bacia com água. sem tenha sido agitada e nem uma só gota tinha caído sobre a mesa.
  • os travesseiros da cama foram lançados sobre um armário e a colcha atirada contra a porta.
  • tinham posto aos pés da menina, debaixo das cobertas, um ferro de engomar de cerca de seis libras. Logo ele foi atirado para a primeira sala; o cabo havia sido tirado e foi encontrado sobre uma poltrona, no quarto.
  • cadeiras colocadas a três pés da cama serem derrubadas;
  • janelas serem abertas, quando antes estavam bem fechadas;
  • De outra feita, duas cadeiras foram transportadas para cima da cama, sem desarranjar as cobertas.
  • Uma noite, ao sair do quarto da filha, Sänger recebeu nas costas, de arremesso, a almofada de uma cadeira. De outras vezes era um par de chinelos velhos, sapatos que estavam debaixo da cama, ou tamancos que lhe iam ao encontro.
  • Muitas vezes sopravam a vela acesa, sobre a mesa de trabalho.
  • chaves, moedas, cigarreiras, relógios, anéis de ouro e de prata. Todos, sem exceção, ficavam suspensos à sua mão.
  • Uma vez tinham deixado uma harmônica sobre uma cadeira. Ouviram-se sons. Entrando precipitadamente no quarto, encontraram, como sempre, a menina tranquila em seu leito. O instrumento estava sobre a cadeira, mas já não tocava.

Outros fatos de o Espírito batedor de Bergzabern

Habitualmente, quando a pequena sonâmbula se dispunha a começar a sessão, chamava para o quarto todas as pessoas presentes. Muitas vezes só se tranquilizava quando todos, sem exceção, estavam junto ao seu leito.

Depois de algum tempo, às batidas e arranhaduras juntou-se um zumbido comparável ao som produzido por uma corda grossa de contrabaixo; uma espécie de assovio se misturava a esse zumbido.

Por meio das arranhaduras, chamava nominalmente as pessoas da casa ou os estranhos presentes. Todos compreendiam facilmente a quem era dirigido o apelo. A esse chamado, a pessoa designada respondia sim, para dar a entender que sabia tratar-se dela mesma. Então era executado, em sua homenagem, um trecho de música que por vezes provocava cenas cômicas.

O aniversário do fenômeno

Chegou o aniversário do dia em que o Espírito batedor se havia manifestado pela primeira vez: muitas mudanças se haviam operado no estado de Filipina Sänger. Continuavam as pancadas, as arranhaduras e o zumbido, mas a todas essas manifestações juntou-se um grito especial, que ora parecia de um ganso, ora de um papagaio ou de qualquer outra ave grande.

Algum tempo antes do Natal, as manifestações se renovaram com mais energia: os golpes e as arranhaduras tornaram-se mais violentos e duravam mais tempo. Mais agitada que de costume, muitas vezes Filipina pedia para não dormir em sua cama, mas na dos pais.

espírito batedor de Bergzabern II

Filipina adoece

Em pouco tempo o estado de Filipina Sänger mudou a ponto de causar apreensão quanto à sua saúde, porque, estando desperta, divagava e sonhava em voz alta. Não reconhecia os pais nem a irmã nem qualquer outra pessoa. A esse estado veio juntar-se uma completa surdez, que persistiu durante quinze dias.

A surdez de Filipina manifestava-se, e ela mesma declarou que ficaria surda por algum tempo e que ficaria doente. O que há de singular é que por vezes recobrava a audição durante cerca de meia hora, com o que se mostrava contente. Ela própria predizia o momento em que ensurdeceria e em que recuperaria a audição. Uma vez, entre outras, anunciou que à noite, às oito e meia, ouviria claramente durante meia hora. Com efeito, à hora predita voltou a ouvir, o que durou até as nove horas.

Durante a surdez da jovem Sänger renovaram-se algumas vezes o rebuliço dos móveis, o inexplicável abrir das janelas, o apagar das luzes sobre a mesa de trabalho.

Assim iam as coisas na casa de Sänger, quer de dia, quer de noite, durante o sono da menina ou quando em vigília, até o dia 4 de março de 1853, data em que as manifestações entraram em outra fase. Esse dia foi marcado por um fato ainda mais extraordinário que os precedentes.

Observações

Como se vê, Filipina Sänger era uma médium natural muito complexa. Além da influência que exercia sobre os fenômenos bem conhecidos de ruídos e de movimentos, era uma sonâmbula extática. Ela conversava com os seres incorpóreos que via; ao mesmo tempo via os assistentes e lhes dirigia a palavra.

É provável que, nesses momentos de êxtase, o Espírito da menina se visse transportado para qualquer lugar distante, onde assistiria, talvez em recordação, a uma cerimônia religiosa. Podemos admirar-nos da lembrança que trazia ao despertar, mas o fato não é insólito. Aliás, podemos notar que a lembrança era confusa e que se tornava necessário insistir muito para provocá-la.

Se observarmos atentamente o que se passava durante a surdez, reconheceremos sem dificuldade um estado cataléptico. Como a surdez era apenas temporária, é evidente que não causava alterações nos órgãos respectivos. O mesmo se dava com a obliteração das faculdades mentais, o que nada tinha de patológico, de vez que, em dado momento, tudo voltava ao estado normal. Esta espécie de estupidez aparente era devida a um mais completo desprendimento da alma, cujas excursões eram feitas com maior liberdade e não deixavam aos sentidos mais do que a vida orgânica.


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O artigo citado: O Espírito batedor de Bergzabern II

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Os banquetes magnéticos

No artigo em questão, conforme apresentado na Revista Espírita de junho de 1858, Kardec fala a respeito de um banquete anual, em Paris, em comemoração ao aniversário de nascimento de Mesmer.

Nesse banquete haviam dois tipos de “partidários”: aqueles que zombavam do Espiritismo, se esquecendo que a própria ciência que eles abraçavam – e destaco a palavra porque, de fato, era uma ciência estabelecida e reconhecida na época – havia, por sua vez, enfrentado o mesmo tipo de escolho que, naquela época, o Espiritismo também enfrentava e, de outro lado, aqueles que, mesmo que não professassem o Espiritismo, eram da opinião que deveria ser respeitado como uma ciência de sua importância.

O texto, em si, não vai muito além disso, em profundidade. Aproveitamo-lo apenas para destacar alguns pontos importantes:

 – O Magnetismo era uma ciência várias vezes citada por Kardec mas nunca aprofundada, pois, em seu contexto, estava plenamente estabelecida e compreendida. Jamais poderia ele imagina que ela viria a ser colocada no esquecimento, por um forte movimento materialista futuro.  

– Mesmer foi um cientista controverso por muito tempo. Por muitos, foi pintado como louco ou enganador. Atualmente, porém, está sendo resgatada sua verdadeira face: a de um sábio, bastante culto, que formulou a primeira teoria sobre o Fluido Cósmico Universal e sua influência na saúde humana.  

– “Através” de Mesmer, inúmeros pacientes se curaram das mais diversas moléstias, apenas pela vontade, num momento em que a medicina fazia sangrias e cirurgias a sangue-frio, procedimentos dos quais poucos sobreviviam.

– O Magnetismo e o Espiritismo são ciências irmãs. Uma sem a outra fica incompleta, manca.  

– Sugerimos a todos a leitura, apenas iniciada por nós, do livro “Mesmer: a ciência negada do magnetismo animal”, por Paulo Henrique de Figueiredo.




O Suicida da Samaritana

Nesse artigo, Kardec faz a evocação de um Espírito que havia cometido o suicídio do corpo apenas 6 dias antes. Conforme se pode verificar no texto original, esse homem não foi reconhecido por ninguém, tendo sido enterrado como indigente. É possível levantar várias considerações sobre esse artigo.

“O telefone só toca de lá pra cá”

A primeira dessas considerações, colocaríamos, é a respeito da própria evocação: numa época em que reina o mote “o telefone só toca de lá pra cá”, que tem um fundo de razão, mas que é repetido de forma irrefletida por tantos, nos deparamos com a base doutrinária do Espiritismo, erigida em grande parte sob evocações – ou seja, o telefone também toca daqui pra lá. Apenas que, como num telefone, quem vai atender e se vai atender é o problema da questão, sempre abordado por Kardec.

O sofrimento do suicida

É importante entender que o Espírito do suicida não sofrerá castigos divinos por um pecado cometido – não dessa forma. Qualquer Espírito sempre terá o perdão e novas chances, pois tudo parte da ignorância relativa a Espíritos em evolução.

Existem infinitas variantes entre cada caso, do que resulta que existem infinitos efeitos relacionados a cada caso, porque, essencialmente, tais efeitos estarão ligados à mentalidade geral do Espírito que comete o suicídio. Enquanto alguns se jogarão num verdadeiro inferno, por acreditarem terem cometido pecado, outros poderão até se verem aliviados, num primeiro momento – porque depois, quando realmente entender tudo, muito provavelmente lastimará a vida desperdiçada.

De qualquer forma, conforme atesta São Luis, compreendemos que o primeiro efeito para todo suicida – ou, pelo menos, para a maioria deles – haverá uma grande dificuldade para se desligar do corpo, dada a violência do ato, seu estado mental e o fato de o corpo ainda estar saturado de vitalidade. Isso, contudo, é apenas o que podemos afirmar de momento, com base no que entendemos do artigo, pois, realmente, é um assunto que requer desenvolvimento e maiores investigações.

Também é importante destacar que o Espírito não sofre nenhum tipo de dor física. É sempre sua moral, sua consciência, que externaliza e coloca em fatores externos a dor que está, na verdade, dentro de si mesmo. O suicida (como outros Espíritos), portanto, poderá afirmar sofrer de frio ou sede, quando, na verdade, ele está sofrendo moralmente, e não fisicamente. Na verdade, nós mesmos fazemos isso, com a diferença que, através dos processos psicossomáticos, podemos desenvolver danos ou doenças reais no corpo físico.

É por isso que, quando entramos em contato com qualquer Espírito em sofrimento, podemos e devemos travar conversação natural e sadia com ele, esclarecendo sobre tais pontos. É de enorme ajuda para eles entenderem que o sofrimento é moral, interno, e não externo e imposto.

O vale dos suicidas

De forma curta e grossa: não existe “o” vale dos suicidas, assim como não existe “o” inferno. É importante que o Espírita aprenda a tirar de seu imaginário esse tipo de conceito e, sobretudo, de espalhá-los para outro, pois bem sabemos que, como Espírito não muito esclarecido, nós buscamos ambientes e outros Espíritos que estejam de acordo com a nossa mentalidade que, aliás, plasmam em conjunto esses ambientes de sofrimento. Portanto, quando um Espírito sofredor fala que está “no” inferno, age como um encarnado que, numa situação muito difícil para ele, se expressa da mesma forma, com a diferença que o Espírito plasma, sozinho ou em conjunto, o seu próprio inferno.

Uma vez mais, é muito importante buscar esclarecer tais Espíritos, quando em contato com ele.

Sobretudo, é importante lembrar que não existe tão conexão fatídica entre um suicídio e o exílio do Espírito em um “vale”, como uma penalidade.

Os efeitos do suicídio sobre a encarnação seguinte

Há algo muito errado no meio espírita em geral, atualmente, e que não é doutrinário – na verdade, é algo antidoutrinário, nascido da falta de estudo da Doutrina: é fazer as deprimentes afirmações de que tal indivíduo nasceu sob tais provas ou deformações porque na vida anterior fez isto ou aquilo.

No caso em particular, sobre o suicídio, há uma terrível afirmação feita por aí: a de que o indivíduo que hoje tem problemas físicos assim o é porque estaria “resgatando” um suicídio cometido na vida anterior. Irmãos, essa afirmação é criminosa, porque:

  1. Afasta as pessoas que, sofrendo na pele ou tendo uma pessoa querida nessas situações, se sentem (com razão) ultrajadas por esse tipo de afirmação.
  2. É falaciosa, porque não se baseia na realidade: nós sabemos, sim, que para todo efeito existe uma causa, mas não nos cabe sondar as provas de cada um, tanto por imposição da caridade, que devemos praticar, quanto porque um Espírito pode escolher um corpo deformado não só como prova, a fim de tentar se livrar de uma imperfeição, mas também como missão frente a outros Espíritos ou também como oportunidade de aprendizado de outras virtudes que ainda sinta necessidade de exercitar. De qualquer forma, é sempre uma escolha consciente do Espírito, não o efeito de uma mecânica divina de pecado e castigo. Notemos, aliás, que em todas as comunicações espirituais estudadas até agora, eles sempre asseveram, mesmo para o caso do louco monomaníaco, que a prova é o resultado de uma escolha prévia e pessoal.

O suicídio não se combate pelo medo

Lembramos, enfim, que o suicídio jamais será combatido pela imposição do medo de um sofrimento, mas, sim, através do esclarecimento. Apresentemos a tais indivíduos a essência do Espiritismo. Tentemos levá-los ao seguinte raciocínio:

Dores e alegrias são passageiras, relativas à vida encarnada. A felicidade, que é o que realmente buscamos, somente será atingida após deixarmos para trás nossas imperfeições – já que, por exemplo, alguém muito preocupado, ou muito ansioso, ou muito raivoso, ou muito ciumento, ou muito orgulhoso, ou muito sensual, etc, não consegue ser realmente feliz. Para tanto, no plano espiritual, ao ficarmos cientes de nossas imperfeições, planejamos vidas com oportunidades e com dificuldades, às vezes bastante pesadas, que, ao nosso julgamento, poderão nos ajudar a vencer tais imperfeições. Portanto, desistir de uma vida, com a extinção da própria vida corpórea, não resultará em nenhum avanço, pois, não havendo aproveitado justamente a prova difícil para o aprendizado, não teremos nos aperfeiçoado e, portanto, precisaremos – por nossas próprias vontade e constatação – reiniciar uma nova vida, carregando um fardo talvez ainda maior, pela sensação de culpa causada pela desistência e, quem sabe, pelos efeitos funestos que tal ato pode causar nos Espíritos encarnados que nos cercam.

Ninguém está dizendo que é fácil. Cada um sabe onde o calo aperta e, quando aperta, dói bastante. Mas precisamos aprender a separar dores físicas de dores morais, nos colocando, ante a nós mesmos e ante ao Criador, desnudos de qualquer máscara de egoísmo ou vaidade e de todas as imperfeições que destas nascem. Precisamos buscar, em cada dura prova, como também nas fartas oportunidades que nos são apresentadas, as necessidades profundas que temos de aprendizado e, não esquecendo que jamais estamos sozinhos, confiar nos bons Espíritos, que não nos abandonam, para atravessar tais momentos difíceis.

Aqui, aliás, surge um último pensamento, sustentado pelo Espiritismo: Deus não nos dá um fardo maior do que aquele que podemos carregar. Na maioria das vezes, a vida nos apresenta oportunidades que nos permitiriam aprender de forma muito mais “leve”, mas nós, quase sempre, movidos pelo orgulho, tentamos vestir uma máscara nos nos confunda de nós mesmos e, assim, escolhemos deixar de lado o caminho reto, a fim de nos enveredarmos pelos caminhos sinuosos e tortuosos das paixões (não falando aqui em amor, mas no sentimento profundo provocado pelas sensações). É assim, por exemplo, que muitos escolhem deixar de lado o estudo do Espiritismo, que tanto pode alavancar nossa evolução, para viver a vida na preguiça.

Portanto, aproveitemos as oportunidades que a vida nos oferece para nossos aprendizado e evolução. Algumas vezes, elas são espinhosas, escolhidas por nós mesmos; de outras, são campos de relva suave e macia, cheia de ensinamentos dados pelo amor. Cabe a nós reconhecê-los.

NOTA: Esta evocação está no livro O Céu e Inferno de Allan Kardec, primeiro relato do capítulo V – Suicidas , da Segunda Parte. Vale a leitura do capítulo V inteiro com vários relatos de evocações de suicidas com muitas considerações do autor.




Teoria das Manifestações Físicas II

Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Junho > Teoria das manifestações físicas II

A continuação das manifestações físicas

Pedimos ao leitor que se reporte ao primeiro artigo que publicamos sobre o assunto. Este é a sua continuação e seria pouco inteligível se não se tivesse em mente aquele começo.

Como dissemos, as explicações que demos para as manifestações físicas fundam-se na observação dos fatos e na sua dedução lógica: concluímos de acordo com o que vimos. Como, porém, se processam na matéria eterizada as modificações que a tornam perceptível e tangível?

Para começar, deixaremos falarem os Espíritos a quem interrogamos a respeito, juntando depois os nossos comentários. As respostas que se seguem foram dadas pelo Espírito de São Luís e estão em concordância com o que anteriormente nos havia sido dito por outros Espíritos.

O fluido

1. ─ Como pode aparecer um Espírito com a solidez de um corpo vivo?

─ Ele combina uma parte do fluido universal com o fluido que se desprende do médium apto para tal efeito. Esse fluido toma a forma que o Espírito deseja, mas geralmente essa forma é impalpável.

2. ─ Qual é a natureza desse fluido?

─ Fluido. Isto diz tudo.

3. ─ Esse fluido é material?

─ Semimaterial.

4. ─ É esse fluido que compõe o perispírito?

─ Sim,é a ligação do Espírito à matéria.

5. ─ É esse fluido que dá a vida, o princípio vital?

─ Sempre ele. Eu disse ligação.

6. ─ Esse fluido é uma emanação da Divindade?

─ Não.

7. ─ É uma criação da Divindade?
─ Sim. Tudo é criado, exceto o próprio Deus.

8. ─ O fluido universal tem alguma relação com o fluido elétrico, cujos efeitos conhecemos?
─ Sim. É o seu elemento.

9. ─ A substância etérea que existe entre os planetas é o fluido universal em questão?
─ Ele envolve os mundos. Sem o princípio vital, nada viveria. Se uma pessoa subisse além do envoltório fluídico dos globos, pereceria, porque seu envoltório fluídico dele se retiraria, para juntar-se à massa. Esse fluido vos anima. É ele que respirais.

10. Esse fluido é o mesmo em todos os globos?
─ É o mesmo princípio, mais ou menos eterizado, conforme a natureza dos mundos. O vosso é um dos mais materiais.

11. ─ Desde que é esse fluido que compõe o perispírito, deve haver uma espécie de estado de condensação que, até certo ponto, o aproxima da matéria.
─ Sim, até um certo ponto, pois não tem as suas propriedades. Ele é mais ou menos condensado, conforme os mundos.

Como os Espíritos usam o fluido

12. ─ São os Espíritos solidificados que levantam a mesa?
─ Esta pergunta ainda não conduzirá ao ponto que desejais. Quando uma mesa se move debaixo de vossas mãos, o Espírito evocado pelo vosso Espírito vai retirar do fluido universal aquilo com que há de animar essa mesa com uma vida factícia. Os Espíritos que produzem esse tipo de efeitos são sempre Espíritos inferiores ainda não inteiramente desprendidos de seu fluido ou perispírito. A mesa, assim preparada à sua vontade (à vontade dos Espíritos batedores), o Espírito a atrai e a movimenta, sob a influência de seu próprio fluido, desprendido por sua vontade. Quando a massa que quer levantar ou mover lhe é demasiado pesada, ele chama em seu auxílio Espíritos que se acham em condições idênticas às dele. Penso que me expliquei com bastante clareza para ser compreendido.

13. ─ Os Espíritos chamados em seu auxílio são seus inferiores?
─ Quase sempre são iguais. Frequentemente vêm por si mesmos.

14. ─ Compreendemos que os Espíritos superiores não se ocupem de coisas que lhes são inferiores. Mas perguntamos se, pelo fato de serem desmaterializados, teriam o poder de fazê-lo, caso tivessem vontade?
─ Eles têm a força moral, como os outros têm a força física. Quando necessitam dessa força, servem-se daqueles que a possuem. Não vos foi dito que eles se servem dos Espíritos inferiores como vos servis dos carregadores?

O Sr. Home

15. ─ De onde vem o poder especial do Sr. Home? [

─ De sua organização.

16. ─ Que há nela de particular?
─ A pergunta não é precisa.

17. ─ Perguntamos se se trata de sua organização física ou moral.

─ Eu disse organização.

18. ─ Entre as pessoas presentes há alguém que possa ter a mesma faculdade do Sr. Home?
─ Têm-na em certo grau. Não foi um de vós que fez mover a mesa?

O movimento dos objetos e as indumentárias

19. ─ Quando uma pessoa faz mover um objeto, é sempre com o auxílio de um Espírito estranho ou tal ação pode ser exclusiva do médium?
─ Algumas vezes o Espírito do médium pode agir sozinho. Na maioria das vezes, entretanto, é auxiliado pelos Espíritos evocados. Isto é fácil de reconhecer.

20. ─ Como é que os Espíritos aparecem com a indumentária que usavam na Terra?
─ Muitas vezes ela tem apenas a aparência. Aliás, para quantos fenômenos entre vós não tendes solução! Como é que o vento, que é impalpável, arranca e quebra árvores, que são matéria sólida?

21. ─ Que entendeis ao dizer que sua indumentária “é apenas uma aparência?”

─ Ao tocá-la, nada se encontra.

22. ─ Se bem compreendemos o que dissestes, o princípio vital reside no fluido universal; dele o Espírito extrai o envoltório semimaterial que constitui o seu perispírito e é por meio desse fluido que atua sobre a matéria inerte. É isso mesmo?

─ Sim, isto é, ele anima a matéria por uma espécie de vida factícia; a matéria se anima pela vida animal. A mesa que se move sob as vossas mãos vive e sofre como o animal; obedece por si mesma ao ser inteligente. Não é ele que a dirige, como o homem faz com um fardo. Quando a mesa se ergue, não é o Espírito que a levanta. É a mesa animada que obedece ao Espírito inteligente.

23. ─ Desde que o fluido universal é a fonte da vida, será ao mesmo tempo a fonte da inteligência?
─ Não. O fluido apenas anima a matéria.

manifestações físicas
Os objetos moviam-se, sem interferência externa, ante os olhares dos assistentes.

Considerações finais

Esta teoria das manifestações físicas oferece vários pontos de contato com a que demos, embora difira em certos aspectos. De uma e da outra ressalta um ponto capital: o fluido universal, no qual reside o princípio da vida, é o agente principal dessas manifestações e esse agente recebe o impulso do Espírito, quer encarnado, quer errante. Esse fluido condensado constitui o perispírito ou envoltório semimaterial do Espírito. Quando encarnado, o perispírito está unido à matéria do corpo; quando em estado de erraticidade, fica livre.
Ora, duas questões aqui se apresentam: a da aparição dos Espíritos e a do movimento que imprimem aos corpos sólidos.

Quanto ao primeiro, diremos que, no estado normal, a matéria eterizada do perispírito escapa à percepção dos nossos órgãos; só a alma pode vê-la, quer em sonhos, quer em estado sonambúlico ou, ainda, meio adormecida; numa palavra, sempre que houver suspensão total ou parcial da atividade dos sentidos. Quando o Espírito está encarnado, a substância do perispírito acha-se mais ou menos intimamente ligada à matéria do corpo; mais ou menos aderente, se assim podemos dizer. Em algumas pessoas há uma como que emanação desse fluido, em consequência de sua organização e é isto o que constitui propriamente os médiuns de influências físicas. Emanado do corpo, esse fluido se combina, segundo leis que ainda nos são desconhecidas, com aquele que forma o envoltório semimaterial de um Espírito estranho. Disso resulta certa modificação, uma espécie de reação molecular que lhe altera momentaneamente as propriedades, a ponto de torná-lo visível e, em certos casos, tangível. Esse efeito pode produzir-se com ou sem o concurso da vontade do médium, e é isto o que distingue os médiuns naturais dos médiuns facultativos. A emissão do fluido pode ser mais ou menos abundante: daí os médiuns mais ou menos potentes. Ela não é permanente, o que explica a intermitência daquele poder. Enfim, se levarmos em conta o grau de afinidade que pode existir entre o fluido do médium e o de tal ou qual Espírito, compreender-se-á que sua ação possa exercer-se sobre uns e não sobre outros.

Aquilo que acabamos de dizer evidentemente se aplica também à força mediúnica, no que concerne ao movimento dos corpos sólidos. Resta saber como se opera esse movimento.

Conforme as respostas acima, a questão se apresenta sob um aspecto inteiramente novo. Assim, quando um objeto é posto em movimento, arrebatado ou lançado no ar, não será o Espírito que o pega, o empurra ou o levanta, como nós o faríamos com a mão: ele, por assim dizer, o satura com o seu fluido, pela combinação com o do médium e, assim momentaneamente vivificado, o objeto age como se fosse um ser vivo, com a diferença de que, não tendo vontade própria, segue o impulso da vontade do Espírito. Essa vontade tanto pode ser do Espírito do médium quanto de um Espírito estranho e, algumas vezes, de ambos, agindo de acordo, conforme sejam ou não simpáticos. A simpatia ou antipatia que pode existir entre o médium e os Espíritos que se ocupam desses efeitos materiais explica por que nem todos são aptos a provocá-los.

Considerando-se que o fluido vital, emitido de alguma maneira pelo Espírito, dá uma vida factícia e momentânea aos corpos inertes e que outra coisa não é o perispírito senão o próprio fluido vital, segue-se que, quando encarnado, é o Espírito que dá vida ao corpo, por meio de seu perispírito: fica-lhe unido enquanto a organização o permite, e quando se retira, o corpo morre.

Agora se, em lugar da mesa, a madeira for talhada em estátua, e se agirmos sobre essa do mesmo modo que sobre a mesa, teremos uma estátua que se desloca do lugar, que responderá por movimentos e por pancadas; numa palavra, uma estátua momentaneamente animada de uma vida artificial. Que luz lança essa teoria sobre uma porção de fenômenos até aqui não explicados! Quantas alegorias e efeitos maravilhosos ela explica! É toda uma filosofia.

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Artigo citado: Teoria das manifestações físicas I

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Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas

Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Maio > Sociedade parisiense de estudos espíritas fundada em Paris a 1º de abril de 1858

A extensão, por assim dizer universal, que tomam diariamente as crenças espíritas fazia desejar-se vivamente a criação de um centro regular de observações. Esta lacuna acaba de ser preenchida. A Sociedade cuja formação temos o prazer de anunciar, composta exclusivamente de pessoas sérias, isentas de prevenções e animadas do sincero desejo de esclarecimento, contou, desde o início, entre os seus associados, com homens eminentes por seu saber e por sua posição social.

Sociedade parisiense de estudos espíritas
Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas foi a primeira entidade do gênero e foi fundada por Allan Kardec

A Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas e a Verdade

Estamos convictos de que ela é chamada a prestar incontestáveis serviços à constatação da verdade. Sua lei orgânica lhe assegura uma homogeneidade sem a qual não haverá vitalidade possível. Está baseada na experiência dos homens e das coisas e no conhecimento das condições necessárias às observações que são o objeto de suas pesquisas. Vindo a Paris, os estranhos que se interessam pela Doutrina Espírita encontrarão, assim, um centro ao qual poderão dirigir-se para obter informações e onde poderão também relatar suas próprias observações [1].

ALLAN KARDEC


[1] Para informações relativas à Sociedade, dirigir-se ao Sr. ALLAN KARDEC, rue Sainte-Anne, n. 59, das 3 às 5 horas; ou ao Sr. LEDOYEN, livreiro, Galeria d’Orléans, n. 31, no Palais-Royal.

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O nosso artigo anterior: Variedades: o Falso Sr. Home

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Variedades: o Falso Sr. Home

Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Maio > Variedades: o Falso Sr. Home

Sr. Home é vítima de um farsante

Lemos há tempos, nos jornais de Lyon, o seguinte anúncio, que também se encontrava afixado nos muros cidade:

“O Sr. Hume, o célebre médium americano, que teve a honra de fazer experiências perante S. M. o Imperador, a partir de quinta-feira, 1.º de abril, dará sessões de espiritualismo no grande teatro de Lyon. Ele produzirá aparições, etc., etc. Haverá cadeiras especiais para os senhores médicos e sábios, a fim de que estes possam certificar-se de que nada foi preparado. As sessões serão variadas, com experiências da célebre vidente, Sra…, sonâmbula muito lúcida, que reproduzirá um a um todos os sentimentos, à vontade dos espectadores. Preço dos ingressos: 5 francos na primeira classe, 3 francos na segunda.”

Os antagonistas do Sr. Home (alguns escrevem Hume) não quiseram perder essa ocasião de expô-lo ao ridículo. Em seu ardente desejo de achar onde morder, acolheram essa grosseira mistificação com um entusiasmo que desabona o seu equilíbrio e ainda mais o seu respeito pela verdade, porque, antes de atirar pedras nos outros, é preciso verificar se elas não atingirão outro alvo. Mas a paixão é cega, não raciocina e muitas vezes se engana, ao tentar prejudicar a outrem. “Olhem só”, exclamaram jubilosos, “este homem tão elogiado, reduzido a apresentar-se nos palcos, dando espetáculos a tanto por cabeça!” E os seus jornais dando crédito ao fato, sem mais exame. Infelizmente, para eles, sua alegria não durou muito.

Logo nos escreveram de Lyon, pedindo informações suficientes para o desmascaramento da fraude, o que não foi difícil, sobretudo graças ao empenho de numerosos adeptos com que o Espiritismo conta naquela cidade.
Assim que o diretor do teatro soube do que se tratava, imediatamente dirigiu aos jornais a carta seguinte: “Sr. Redator. Apresso-me a informar-vos que o espetáculo anunciado para quinta-feira, 1.º de abril, no grande teatro, não mais se realizará. Eu pensava haver cedido o teatro ao Sr. Home e não ao Sr. Lambert Laroche, que se diz Hume. As pessoas que antecipadamente obtiveram frisas poderão apresentar-se à bilheteria do teatro para reembolso.”

O Sr. Lambert Laroche “justifica-se”

Por outro lado, o mencionado Lambert Laroche, natural de Langres, interpelado quanto à sua identidade, viu-se obrigado a responder nos termos que a seguir reproduzimos na íntegra, pois não queremos que nos acusem da menor alteração.

“Vous m’avez soumis diversse extre de vos correspondance de Paris, desquellesil résulterez que un M. Home qui donne des séancedans quelque salon de la capítalle se trauve en ce moment en Itali etne peut par conséquent se trauvair à Lyon. Monsieur gignore 1.º la cannaissance de ce M. Home, 2.º je nessait quellais son talent 3.º je nais jamais rien nue de commun àveque ce M. Home, 4º jait tavaillez et tavaille sout mon nom de gaire qui est Hume et dont je vous justi par les article de journaux étrangers et français que je vous est soumis 5º je voyage à vecque deux sugais mon genre d’experriance consiste en spiritualisme au évocation vision, et en un mot reproduction des idais du spectateur par un sugais, ma cepécialité est d’opere par c’est procedere sur les personnes étrangere comme on la pue le voir dans les journaux je vien despagne et d’afrique. Seci M. le rédacteur vous démontre que je n’ais poin voulu prendre le nom de ce prétendu Home que vous dites en réputation, le min est sufisant connu par sagrande notoriété et par les expérience que je produi. Agreez M. le redacteur mes salutation empressait”. *

Cremos inútil dizer que o Sr.Lambert Laroche deixou Lyon de cabeça erguida. Certamente irá a outros lugares em busca de tolos para enganar com facilidade. Ainda uma palavra para exprimir o nosso pesar por vermos com que avidez deplorável certas criaturas que se dizem sérias acolhem tudo quanto possa servir à sua animosidade. O Espiritismo está hoje muito acreditado e nada deve temer das palhaçadas; ele não é mais aviltado pelos charlatães do que a verdadeira ciência médica pelos curandeiros das encruzilhadas; encontra por toda parte mas principalmente entre as pessoas esclarecidas, zelosos e inúmeros defensores que sabem enfrentar as zombarias. Longe de prejudicá-lo, o caso de Lyon apenas serve à sua propagação, chamando a atenção dos indecisos para a realidade. Quem sabe se não foi mesmo provocado por uma força superior com esse objetivo? Quem se pode gabar de sondar os desígnios da Providência?

Quanto aos adversários sistemáticos, que se lhes permita rir, mas não caluniar. Alguns anos mais e veremos quem dirá a última palavra. Se é lógico duvidar daquilo que se não conhece, é sempre imprudente manifestar-se em falso contra as ideias novas que, mais cedo ou mais tarde, podem opor um desmentido humilhante à nossa perspicácia. Aí está a História para prová-lo. Aqueles que, no seu orgulho, demonstram piedade pelos adeptos da Doutrina Espírita seriam tão superiores quanto se julgam? Esses Espíritos que eles procuram ridicularizar, recomendam que se faça o bem e proíbem o mal, mesmo aos inimigos; eles nos dizem que nos rebaixamos pelo só desejo do mal. Qual é, pois, o mais elevado: aquele que procura fazer o mal ou aquele que não encerra no coração nem ódio nem rancor? Há pouco tempo o Sr. Home regressou a Paris, mas partirá em breve para a Escócia e de lá para São Petersburgo.

Sr. Home
O farsante.

Tradução do texto em francês

(Tradução reproduzindo a escrita e o linguajar de uma pessoa semi-analfabeta)

* “Vós me submeteu diversas extra da vossa correspondência de Paris, das quais resulta que um Sr. Home qui dá sessões nargum salão da capital se acha nesse momento na Intália e não pode por consequença se achar em Lyon. Meu senhor eu ingnoro 1.º o conhecimento desse Sr. Home, 2.º eu não sei quale o seu talento 3.º eu nunca tive nada di comum com esse Sr. Home, 4.º eu trabalei e trabalo cum nomi de guerra qui é Hume e esse nomi eu justifico pelos artigo das folha istrangeira e francesa que vos é submetido, 5.º eu viajo cum duas companhêra meu geno de ixpriença consta de spiritualismo ou evocação visão e em uma palavra reprodução das ideia do expectador por um sujeito, minha especialdade é de operá por esse processo nas pessoa estranha como se pode ver nos jornal que vem da espanha e da africa. Com isso seu redator eu vos demonstro qui nunca quis tomá o nomi desse suposto Home qui vos diz que tem reputação, o meu é suficentemente conhecido pela sua grande notoridade e pelas ixpriença qui posuo. Recebe senhor redator as minhas atenciosa saudações.”

Um fato ocorrido no Hospital Civil de Saintes

L’Independant de la Charente-Inférieure relatava, em março último, o fato que se segue e que teria ocorrido no Hospital Civil de Saintes:

“Há oito dias, nessa cidade, contam-se as mais maravilhosas histórias e não se fala senão dos singulares ruídos que, todas as noites, ora imitam o trote de um cavalo, ora os passos de um cachorro ou de um gato. Garrafas colocadas sobre a lareira são levadas para o outro lado da sala. Certa manhã foi encontrado um pacote de farrapos torcidos e cheios de nós, impossíveis de desatar. Sobre a lareira foi deixado uma noite um papel, no qual havia sido escrito: “Que queres? Que pedes?” No dia seguinte, pela manhã, lá estava a resposta, escrita em caracteres desconhecidos e indecifráveis. Fósforos colocados sobre a mesa, durante a noite, desapareciam como que por encanto. Enfim, todos os objetos mudam de lugar e se espalham por todos os cantos. Tais sortilégios só se realizam com a obscuridade da noite. Desde que se faça a luz, tudo volta ao silêncio; extinguindo-a, os ruídos recomeçam imediatamente. É um Espírito amigo das trevas. Várias pessoas, entre as quais eclesiásticos e antigos militares, deitaram-se nesse quarto enfeitiçado e foilhes impossível algo descobrir ou explicar aquilo que ouviam.
“Um empregado do hospital, suspeito de ser o autor dessas brincadeiras, acaba de ser despedido. Assegura-se, entretanto, que o mesmo não só não é culpado, mas, ao contrário, muitas vezes foi a própria vítima.

“Parece que essa história começou há mais de um mês. Durante muito tempo nada foi dito, pois cada um desconfiava de seus sentidos e temia ser ridicularizado. Só depois de alguns dias é que surgiram os comentários.”

OBSERVAÇÃO: Ainda não tivemos tempo de verificar a autenticidade dos fatos acima. Publicamo-los com as devidas reservas. Fazemos notar, entretanto que, se inventados, não são menos possíveis e nada apresentam de mais extraordinário que muitíssimos outros do mesmo gênero e que foram perfeitamente constatados.

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O artigo anterior: Morte de Luís XI (Do manuscrito ditado por este à Srta. Hermance Dufaux).

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