ardec apresenta um caso acontecido por volta de dezembro de 1761, na cidade de Dibbelsdorf – Alemanha, cujos documentos foram publicados em 1811. O artigo original, escrito pelo Dr. Kerner, foi traduzido para o francês por Alfred Pireaux.
É mais um artigo de interesse a respeito dos fatos espíritas, que sempre ocorreram por toda a parte e por todo o tempo. Contudo, a ciência ainda não estava pronta para analisá-los seriamente, ainda menos no caso da Alemanha daquele tempo.
Apesar de os fatos – batidas inteligentes em um canto da casa do casal Kettelhut – terem sido analisados por todos os aspectos possíveis, tendo-se chegado ao ponto de demolir paredes e um fundo buraco, além de confinarem todos os moradores às suas casas e colocarem em observação os suspeitos, nada foi encontrado. A única resposta possível jamais foi aceita, e terminaram por julgar e condenar, sob uma confissão coercitiva, o casal Kettelhut.
Destacamos a observação de Kardec, sempre cirúrgico em suas palavras:
OBSERVAÇÃO: Se prestarmos atenção à data em que tais coisas se passaram e as compararmos com as que ocorrem em nossos dias, nelas encontraremos perfeita identidade no modo da manifestação e até na natureza das perguntas e respostas. Nem a América nem a nossa época descobriram os Espíritos batedores, como não descobriram os outros, como o demonstraremos por inúmeros fatos autênticos e mais ou menos antigos.
KARDEC, RE ago/1858
Há, entretanto, entre os fenômenos atuais e os de outrora uma diferença capital: é que esses últimos eram quase todos espontâneos, enquanto que os nossos se produzem quase que à vontade de certos médiuns especiais. Esta circunstância permitiu que fossem mais bem estudados e sua causa mais aprofundada. À conclusão dos juízes de que “talvez o futuro nos esclareça a respeito”, hoje o autor não responderia: “o futuro ainda não ensinou nada.” Se esse autor ainda vivesse, saberia, ao contrário, que o futuro tudo ensinou e que a justiça de nossos dias, mais esclarecida do que há um século atrás, não cometeria, em relação às manifestações espíritas, erros que lembram os da Idade Média. Os nossos próprios sábios já penetraram muito nos mistérios da Natureza para não jogar com causas desconhecidas. Eles são bastante sagazes e não se expõem, como os seus predecessores, a um desmentido da posteridade, em detrimento de sua reputação. Se algo aparece no horizonte, eles não correm a proclamar: “Isto não é nada”, com receio de que seja um navio. Se não o veem, calam e esperam. Isto é a verdadeira sabedoria.
A Caridade pelo Espírito de São Vicente de Paulo
Nesse artigo, São Vicente de Paulo traz uma grande reflexão sobre a caridade.
Analisemos, além da necessária aplicação moral que esse texto vem trazer, a sua forma e seu conteúdo, já que se trata de uma comunicação atribuída a esse Espírito. Que há nessas, senão elevação espiritual?
“Vede a multidão de homens de bem, cuja lembrança piedosa a vossa história relembra. Eu poderia citar aos milhares aqueles cuja moral não tinha por objetivo senão melhorar o vosso globo. Não vos disse o Cristo tudo quanto concerne às virtudes da caridade e do amor? Por que são postos de lado os seus divinos ensinamentos? Por que os ouvidos são tapados às suas divinas palavras e o coração é fechado para todas as suas máximas suaves?
Eu gostaria que a leitura do Evangelho fosse feita com mais interesse pessoal. Mas abandonam esse livro; transformam-no em expressão vazia e letra morta; deixam ao esquecimento esse código admirável. Vossos males provêm do abandono voluntário em que deixais esse resumo das leis divinas. Lede, pois, essas páginas de fogo do devotamento de Jesus e meditai-as. Eu mesmo me sinto envergonhado de ousar prometer-vos um trabalho sobre a caridade, quando penso que nesse livro encontrais todos os ensinamentos que vos devem levar às regiões celestes.”
A caridade, no contexto de Kardec, era compreendida de forma diferente:
[…] a moral racional se fundamenta na psicologia e na definição de um ser humano ativo. Ou seja, o ato moral é caracterizado por um ato livre e consciente, que se definiu como sendo o ato do dever. É a moral da liberdade, portanto absolutamente livre, por definição, de qualquer recompensa ou castigo. Desse modo, como definiram os pensadores do Espiritualismo Racional, o dever fundamenta a caridade como ação livre e desinteressada. A beleza da caridade está justamente em sua liberdade, afirmava Victor Cousin, principal líder dessa escola na Universidade Sorbonne, em Paris. (Figueiredo 2019)
Isso quer dizer que precisamos apenas do Evangelho?
Supondo o Evangelho de Jesus muito bem entendido, sem sofismas e adulterações, sim, precisamos apenas dele. Contudo é necessário levar em conta que seus ensinamentos, mesmo que científicos, têm aspecto moral, segundo as Ciências Morais. Portanto, é um erro abandonar esse estudo para cair apenas no estudo Evangélico, dadas as presente necessidades de Espíritos de nossa categoria.
Seguindo no artigo sobre Caridade, segundo São Vicente: “Homens fortes, armai-vos; homens fracos, forjai as vossas armas de vossa doçura e de vossa fé; tende mais persuasão, mais constância na propagação de vossa nova doutrina. Nós só vimos trazer-vos um encorajamento; é apenas para vos estimular o zelo e as virtudes que Deus permite nos manifestemos a vós. Mas, se quisésseis, não necessitaríeis senão do auxílio de Deus e de vossa própria vontade. “
Isso quer dizer que não necessitamos do Espiritismo?
Moralmente falando, se nós soubéssemos aplicar todas as lições já apresentadas até hoje, sequer estaríamos falando disso agora. Mas não é assim que o progresso espiritual acontece – a solavancos. Ele é lento e gradual e, pelo que sabemos, é assim por toda a parte do Universo. Portanto, a Ciência Espírita, que, no limite, é a ciência da Criação, é parte necessária de nosso progresso, pois o conhecimento desenvolve a moral.
Vamos analisar de forma um pouco mais crítica, o conteúdo dessa mensagem. Chamou muito nossa atenção o seguinte trecho:
“Quando deixardes que o vosso coração se abra à súplica do primeiro infeliz que vos estender a mão; quando lhe derdes sem se perguntar se sua miséria é fingida ou se seu mal tem um vício como causa; quando deixardes toda a justiça nas mãos de Deus; quando deixardes a cargo do Criador o castigo de todas as falsas misérias; enfim, quando praticardes a caridade pelo só prazer que ela proporciona, sem questionardes a sua utilidade, então sereis os filhos que Deus amará e que chamará para si.“
Esse Espírito, que segue dizendo se felicitar pelo início de um movimento (Sociedade de São Vicente de Paulo), movimento esse muito importante e necessário, dá a entender que devemos atender a qualquer súplica, sem verificar se é algo fingido ou não. Em realidade, será que podemos e devemos fazer isso, principalmente hoje em dia?
Não devemos seguir cegamente qualquer Espírito, sobretudo quando não faz sentido à nossa própria razão. Mas Kardec vem ao nosso socorro:
Continuando a conversa com S. Vicente de Paulo, através da psicografia de um médium assistente, Kardec informa-se de que, nesse trecho anterior, esse Espírito fala especificamente da esmola. O professor então pergunta:
“[…] parece-nos que dar sem discernimento àqueles que não necessitam ou que poderiam ganhar a vida por um trabalho honesto, é encorajar o vício e a preguiça. Se os preguiçosos achassem facilmente aberta a bolsa alheia, multiplicar-se-iam ao infinito, em prejuízo dos verdadeiramente necessitados”
S.V.P. responde:
“Podeis identificar os que podem trabalhar e então a caridade vos obriga a tudo fazer para lhes proporcionar trabalho. Entretanto, também há pobres mentirosos, que sabem muito bem simular misérias que não padecem. Esses é que devem ser deixados à justiça de Deus.”
Kardec continua com algumas questões de interesse:
6. ─ Disse Jesus: “Que a vossa mão direita não saiba o que faz a esquerda.” Têm algum mérito aqueles que dão por ostentação? ─ Têm apenas o mérito do orgulho, pelo qual serão punidos.
7. ─ A caridade cristã, na sua mais larga acepção, não compreende também a doçura, a benevolência e a indulgência para com as fraquezas alheias? ─ Fazei como Jesus. Ele vos disse tudo isso. Escutai-o mais do que nunca.
8. ─ É bem entendida a caridade, quando exclusiva entre as criaturas da mesma opinião ou do mesmo partido? ─ Não. É sobretudo o espírito de seita e de partido que deve ser abolido, porquanto todos os homens são irmãos. É sobre isso que concentramos os nossos esforços.
9. ─ Admitamos que uma pessoa veja dois homens em perigo, mas não possa salvar senão um. Um é seu amigo e o outro, inimigo. A quem deve salvar? ─ Deve salvar o amigo, pois esse amigo poderia acusá-lo de não lhe ter amizade. Quanto ao outro, Deus há de tomar conta.
Foi consenso que essa ultima pergunta (9.) nos pareceu estranha, mas ela deve ter uma razão de ser para aquele momento.
Curiosidades: fotografia de pensamentos e de Espíritos
A obra Pensamento e Vontade, de Ernesto Bozzano, nos trás um complemento bastante oportuno sobre esse assunto:
“Ao empregar neste momento, em acepção genérica, o termo fotografia do pensamento, direi que as primeiras tentativas deste gênero remontam ao ano de 1896, quando o comandante Darget e mais um seu amigo, persuadidos de que o pensamento era uma força exteriorizável, resolveram concentrar o próprio pensamento em determinada imagem, a fim de projetá-lo sobre uma placa fotográfica.
A 27 de Maio de 1896, ele, Darget, fixou em chapa sensibilizada a imagem muito nítida de uma garrafa, na qual pensara com tanta intensidade, que lhe acarretou forte dor de cabeça.”
“Esta experiência foi repetida a 5 de Junho do mesmo ano, com pleno êxito […]
Mas, no dia seguinte, ao fazermos à revelação em papel, o que mais nos impressionou foi uma figura de mulher, com uma cabeleira característica. Tratava-se, incontestavelmente, de um Espírito que pretendera fotografar-se.
[…]
Somente passados alguns dias, no curso de uma sessão em casa do conhecido escritor Sr. Leon Denis, é que tiveram a manifestação de uma personalidade que se denominou Sofia e declarou ter sido ela quem, auxiliada por outros Espíritos, realizara o fenômeno.
[…]
Aliás, a sua identidade foi estabelecida, como mercadora de legumes em Amiens, falecida pouco tempo antes. A Revista Científica e Moral do Espiritismo reproduziram essa escotografia, na qual o rosto da manifestada está bem visível, acima da garrafa”
Sir William Crookes também foi um grande estudioso dos fenômenos espíritas, tendo conseguido obter fotografias de espíritos.
“Florence Cook, que à época tinha apenas 15 anos de idade, sozinha na casa de Crookes e com a família e amigos dele como testemunhas, materializou o espírito de Katie King, que caminhou na casa, conversou, permitiu ser pesada e medida, e ainda segurou em seus braços o bebê da família. As sessões eram feitas no escuro, pois assim as materializações apresentavam-se melhor, apesar de ocasionalmente ter sido usada luz vermelha para obtenção de fotografias“.
O relatório de Crookes, publicado em 1874, afirmava que Florence Cook, bem como os médiuns Kate Fox e Daniel Dunglas Home, produziam genuínos fenômenos espirituais. A publicação deste causou grande alvoroço, e o seu testemunho sobre Katie King foi considerado o ponto mais polêmico no relatório. Crookes quase perdeu a sua posição de membro da Royal Society, não mais se envolvendo em investigações espíritas.
Tivemos no Brasil um dos mais espetaculares médiuns que o mundo conheceu: Carmine Mirabelli, cujo nome foi mais tarde mudado para Carlos ou Carlo Mirabelli. Por ele, algumas fotos de fenômenos de materializações também foram obtidas.
Considerações sobre a fotografia espontânea
Kardec observa: “[…] Geralmente o perispírito é invisível, entretanto, em certas circunstâncias, condensa-se e, combinando-se com outros fluidos, torna-se perceptível à vista e por vezes até mesmo tangível. É o que se vê nas aparições”.
“Sejam quais forem a sutileza e a imponderabilidade do perispírito, não deixa de ser uma espécie de matéria, cujas propriedades físicas ainda nos são desconhecidas. Uma vez que é matéria, pode agir sobre a matéria. Essa ação é patente nos fenômenos magnéticos.”
Por uma ação de leis materiais desconhecidas, o perispírito do Sr. Badet ficou impresso sobre a matéria do vidro, embora invisível, até que uma ação fortuita de outra força, talvez atmosférica (ou, quem sabe, espiritual?), a tenha vindo revelar.
Kardec cita, a título de comparação, o daguerreótipo, desenvolvido em 1837 por Louis Jacques Mandé Daguerre: antes de Daguerre, não haviam imagens daguerreotipadas, embora ele não tenha inventado nem a luz, nem as placas de cobre, nem a prata, nem os cloretos.
É preciso que o ser humano cumpra a sua evolução, adquira e desenvolva a ciência, para que, então, novas descobertas espirituais possam ser atingidas. Lembramos que é uma época em que uma simples combustão causada por uma garrafa com água, que vira um lente, era causa de espanto e admiração
Curiosidade: o processo dos espíritas
O artigo “uma nova descoberta fotográfica”, da Revista Espírita de Julho de 1858, abriu margem para relembrar esse fato bastante conhecido no meio espírita.
Recebeu tal nome o triste caso do processo instaurado contra o sr. Pierre-Gaëtan Leymarie e os srs. Buguet e Firman, em 1875, após estes passarem a publicar, na Revista Espírita, supostas fotografias espirituais.
Para alguns, o processo se baseou em falsas acusações de que esse senhor estava publicando fotografias fraudulentas de Espíritos desencarnados (ver “Processo dos Espíritas”, por Marina Leymarie).
Para outros, a fraude foi real e bem documentada. Cita Simoni Privato, em sua obra O Legado de Allan Kardec, que Leymarie não tomou os devidos cuidados que o próprio mestre teria cuidado, de forma que se sujeitou a apoiar práticas nitidamente controversas, dentre elas a promoção, na R.E., das sessões mediúnicas pagas que o médium Alfred Henry Firman realizava, duas vezes por semana.
Cita Simoni Privato, em O Legado de Allan Kardec:
“Ao tomar conhecimento de que o fotógrafo Édouard Buguet estava obtendo, em Paris, fotografias de Espíritos, Leymarie, juntamente com um grupo de pessoas, investigou esses fenômenos no final de 1873. Naquela ocasião, Leymarie era o único administrador e o representante de todos os membros da Sociedade Anônima, além de secretário-gerente e redator da Revista Espírita.”
“Leymarie começou a anunciar, na Revista Espírita, o trabalho fotográfico de Buguet. Apresentou o fotógrafo como “um artista sem pretensões, pleno de amabilidade, que aprecia muito sua faculdade pelo que esta é, ou seja, um ato puro e simples de mediunidade”. Informou também as condições que os interessados deveriam cumprir para realizar as experiências com Buguet e o preço do serviço. Em suma, Leymarie apoiava e incentivava publicamente, na Revista Espírita, a prática mediúnica remunerada”.
Uma nova descoberta fotográfica
Nesse artigo, Kardec traz um caso muito peculiar: após a morte de um homem, o Sr. Badet, que tinha por hábito ficar observando a rua, de sua janela, algumas pessoas passaram a notar sua imagem impressa no vidro – um fenômeno até então desconhecido.
Apresentando o fato à família, esta prontamente destruiu aquela vidraça, encerrando, porventura, uma possibilidade de estudos bastante oportuna.
Kardec, vendo a oportunidade de aprendizado pelo próprio Espírito, faz sua evocação. Este dá algumas informações importantes:
O fenômeno foi verdadeiro, mas involuntário. Produziu-se através de agentes físicos que até então eram desconhecidos – e cremos que ainda são – que, atuando sobre o perispírito, imprimiu sua imagem na vidraça.
Respondendo à indagação de Kardec sobre a possibilidade de revelar os fatores que produziram tal fenômeno, ele responde: “Eu gostaria, mas isto é tarefa de outros Espíritos e do trabalho humano”
Enquanto os assistentes discutiam sobre algumas hipóteses, o próprio Espírito do Sr. Badet comunicou-se espontaneamente:
“E não levais em conta a eletricidade e a galvanoplastia, que agem também sobre o perispírito?”
-O fato da destruição do vidro, pela família, arranca de Kardec a seguinte expressão, com a qual termina o artigo:
Tão curioso monumento teria facilitado as pesquisas e as observações para o adequado estudo da questão. Talvez tivessem visto nessa imagem uma arte do diabo. Em todo caso, se de alguma sorte o diabo está metido nisso, é seguramente na destruição do vidro, porque ele é inimigo do progresso.
Imaginamos o quão indignado Kardec se sentia ante a tais acontecimentos.
A inveja
Kardec inicia o mês trazendo uma dissertação moral, desta vez através do “Sr. D.”¹, médium que, até o presente momento, não pudemos identificar.
São interessantes as observações que o professor faz a respeito desse médium, pois, destaca, estava apenas iniciando o desenvolvimento de sua mediunidade e, por isso, duvidava um pouco de suas capacidades.
Tendo o Sr. D. expressado sua vontade de intermediar uma comunicação de São Luis, foi de pronto atendido, não como forma de provar qualquer coisa, mas porque o pedido foi genuíno e sincero, sem segundas intenções. Apenas duvidava de si mesmo.
“Hoje, o Sr. D… é um dos médiuns mais completos, não só pela grande facilidade de atuação, como por sua aptidão em servir de intérprete a todos os Espíritos, mesmo os das mais elevadas categorias, os quais por seu intermédio se exprimem facilmente e de boa vontade”
“São essas, sobretudo, as qualidades que devemos procurar nos médiuns e que podem sempre ser adquiridas com paciência, vontade e exercício. O Sr. D… não necessitou de muita paciência; dispunha da vontade e do fervor, aliados à aptidão natural. Poucos dias bastaram para levar sua faculdade ao mais alto grau”
E segue com a apresentação da dissertação moral, do qual destacamos o seguinte trecho:
“Ele se debate na sua impotência, vítima do horrível suplício da inveja, feliz ainda se essas ideias funestas não o levam às bordas de um abismo. Entrando nessa via, a si mesmo pergunta se não deve obter pela violência aquilo que julga ser-lhe devido; se não irá expor aos olhos de todos o terrível mal que o devora. Se esse infeliz tivesse olhado somente para baixo de sua posição, teria visto a quantidade daqueles que sofrem sem um lamento e ainda bendizem o Criador, porque a desgraça é um benefício de que Deus se serve para fazer a pobre criatura avançar até o seu trono eterno.”
Comentários
Vejamos o espaço que Kardec dava aos conteúdos de fundo moral, sem tirar espaço do aspecto principal do Espiritismo, que era a investigação científica para a ininterrupta formação de toda uma Doutrina.
Hoje, infelizmente, se faz o contrário. Espiritismo virou apenas moral, centros espíritas se resumem a palestras e passes e chegamos ao cúmulo de ouvir opiniões do tipo “neste momento, precisamos deixar de lado até mesmo as reuniões de assistência aos Espíritos, pois o que mais importa é nossa mudança urgente a fim de não perder o direito de continuar reencarnando na Terra, que está entrando em uma nova era”.
1. Alfred Jean Baptiste Didier?
Esse médium foi muito ativo na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas – SPEE, sendo muito utilizado por Lamennais. Após sua saída da Sociedade, em 1865, se dedicou à pintura
Correspondência – Marius M
Nessa carta, um assinante da Revista Espírita diz que há cerca de 18 meses evocavam em seu pequeno círculo íntimo um antigo antepassado, falecido em 1756, virtuoso e superior.
Esse Espírito disse a eles estar encarnado em Júpiter e reproduziu os mesmos detalhes que Mozart (e outros) também descreveu a Kardec, tanto fisicamente quanto moralmente, e até mesmo quanto à condição dos animais.
Como houvesse coisas que tínhamos dificuldade de compreender, nosso parente ajuntou estas palavras notáveis: “Não é de admirar que não compreendais coisas para as quais não foram feitos os vossos sentidos, mas, à medida que avançardes na Ciência, compreendê-las-eis melhor pelo pensamento e elas deixarão de vos parecer extraordinárias. Não está longe a época em que recebereis mais completos esclarecimentos sobre este ponto. Estão os Espíritos encarregados de vos instruir a respeito, a fim de vos dar um objetivo e de vos motivar para bem.” Lendo vossa descrição e o anúncio dos desenhos de que falais, naturalmente pensamos que era chegado o momento.
O Sr. Marius segue fazendo observações a respeito das conclusões morais que tiraram dessas comunicações, sendo que, para eles, se tornou muito importante a necessidade de se elevarem pelo aperfeiçoamento próprio a fim de que possam merecer viver, um dia, em um lugar como esse. Também fala a respeito dos céticos, que jamais acreditariam em tais relatos.
Fazemos uma ideia de países que nunca vimos, pela descrição dos viajantes, quando entre eles há coincidência. Por que não se daria o mesmo em relação aos Espíritos?
Por que não poderíamos ou não deveríamos, portanto, acreditar nos vários relatos mais atuais que existem a respeito de “cidades espirituais”? Já vamos falar sobre isso.
Em resposta, Kardec diz:
Somos felizes pela comunicação que nos promete a respeito de Júpiter. A coincidência que assinala não é a única, como podemos ver no artigo sobre o assunto. Ora, seja qual for a opinião que se tenha a respeito, não deixa de ser matéria de observação. O mundo espírita está cheio de mistérios que devem ser estudados com muito cuidado. As consequências morais que daí extrai o nosso correspondente são caracterizadas por uma lógica que a ninguém passará despercebida.
Sobre os desenhos, dos quais o Sr. Marius solicitou uma impressão, Kardec diz que seria demasiado complicado e caro para reproduzi-los. Diz, porém, que o assunto estava em solução, pois o médium desenhista, Sr. Sardou, tornara-se médium gravador, passando a fazer os desenhos diretamente sobre o cobre!
Conclusões
Se Kardec e seu correspondente, dentre tantos outros, apresentaram relatos de cidades diáfanas em Júpiter, porque, então, não poderíamos aceitar os relatos sobre os mais diversos tipos de lugares no plano espiritual, conforme outros relatos mais atuais atestam?
Bem, aqui temos alguns problemas a considerar. O primeiro deles é que, na época de Kardec, pela enorme dificuldade de comunicação entre as distâncias, os relatos que eram obtidos em pontos distintos da Europa e das Américas poderia ser mais facilmente aceito sem a sombra das ideias pré-concebidas ou “contaminadas”.
Além disso, precisamos considerar o que fica muito evidente em toda a obra de Kardec: a importância da Concordância Universal do Ensinamento dos Espíritos.
Outro problema a se destacar é que os relatos de Júpiter falam de um planeta, onde existe uma civilização de Espíritos encarnados, embora em matéria muito mais sutil que a nossa, sendo que as estruturas moleculares gerais respeitam as mesmas características de sutileza.
Já os relatos como os de André Luiz, dentre tantos outros, fazem entender que tais cidades estariam localizadas no espaço errante, isto é, os Espíritos entre as encarnações fariam criação e uso dessas cidades. Isso não é de todo impossível, embora alguns detalhes desses relatos não pareçam fazer muito sentido. Contudo…
É algo do qual nunca antes nenhum Espírito havia falado. Na verdade, os relatos de Espíritos errantes apontam para o contrário: o de que apenas os Espíritos muito materialistas se prenderiam a tais conceitos e “locais”.
A grande questão aqui, portanto, é apenas destacar o cuidado que devemos ter. Não devemos descartar nem aceitar uma ideia ou conceito que não tenha passado pela CUEE. E aqui, fica uma lição de modo geral, porque, junto com tais ideias, muitas vezes são transmitidas ideias controversas, complicadas e, às vezes, até contrárias à Doutrina.
Lembramos que Ramatis (supostamente) também se aventurou a dar tais tipos de descrições, no caso sobre Marte. Contudo, foi uma comunicação isolada, com detalhes estranhos e supérfluos, além de muitos deles já terem sido desmentidos pela Ciência humana.
Hoje, a disseminação fácil de certas ideias torna muito fácil a “contaminação” das comunicações, até porque os psicógrafos mecânicos parecem estar em falta e, como tais médiuns eram comumente colocados em estado de “transe hipnótico”, o magnetismo também precisa voltar a ser estudado, entendido e praticado.
Portanto, para investigar esses temas de importância, será necessário tomar um caminho diverso, com ainda mais rigor científico do que aquele já empregado por Kardec.
O caminho ainda é longo.
Correspondência – Sr. Jobard
Nessa seção são apresentadas algumas correspondências de interesse. A primeira delas é uma carta do Sr. Jobard (Marcellin Jobard), uma verdadeira proclamação de suas crenças no Espiritismo:
Recebo e leio com avidez a vossa Revista Espírita e recomendo aos meus amigos, não a simples leitura, mas o estudo aprofundado do vosso Livro dos Espíritos. Muito lamento que minhas preocupações físicas não me deixem tempo para os estudos metafísicos, embora os tenha levado bastante longe para sentir quanto estais perto da verdade absoluta, sobretudo quando vejo a perfeita coincidência que existe entre as respostas que nos dão ─ a mim e a vós. Os próprios Espíritos que vos atribuem pessoalmente a redação dos vossos escritos ficam estupefatos com a profundidade e com a lógica que aí encontram.
Marcellin Jobard (17 de maio de 1792, Baissey – 27 de outubro de 1861, Bruxelas) foi um litógrafo, fotógrafo e inventor belga de origem francesa.
Fundador do primeiro estabelecimento importante de litografia da Bélgica, primeiro fotógrafo belga, diretor do Museu da Indústria de Bruxelas de 1841 a 1861, Marcellin Jobard desempenhou um papel hoje pouco conhecido no desenvolvimento artístico, científico e industrial da Bélgica durante o século XIX.
Kardec apresenta uma comunicação desse Espírito (após sua morte, em 1861) em O Céu e o Inferno – Segunda Parte – Capítulo II – Espíritos felizes » Sr. Jobard
Quanto a mim, que conheço o fenômeno e a vossa lealdade, não duvido da exatidão das explicações que vos são dadas e abjuro todas as ideias que a respeito publiquei, quando, com o Sr. Babinet, eu pensava que só houvesse nisso fenômenos físicos ou palhaçadas indignas da atenção dos sábios.
Não desanimeis, como eu não desanimo, ante a indiferença de vossos contemporâneos. O que está escrito, está escrito; o que está semeado germinará. A ideia de que a vida é uma afinação das almas, uma prova e uma expiação, é grande, consoladora, progressiva e natural.
Em resposta, Kardec elogia a posição do Sr. Jobard, sendo homem tão reconhecido, e o questiona sobre a possibilidade de publicar sua “adesão” na Revista Espírita.
Importante, antes, notar a índole de Kardec: Os elogios contidos na carta do Sr. Jobard nos teriam impossibilitado de publicá-la, se tivessem sido dirigidos pessoalmente a nós.
Em resposta, Jobard teria se afirmado “humilhado” pelas perguntas de Kardec, como se ele se sentisse comparado com os tolos. Contudo, informando-se consciente das dificuldades dos adeptos das novas ideias, reafirma suas decisões, fazendo uma interessante e profunda digressão.
A propósito do magnetismo, há mais de quarenta anos, fiz este raciocínio simples: é impossível que homens tão apreciáveis escrevam milhares de volumes para me fazerem crer na existência de uma coisa inexistente. Então fiz experiências por muito tempo, mas em vão, enquanto não tinha fé em obter aquilo que buscava. Fui, entretanto, bem recompensado por minha perseverança, pois consegui produzir todos os fenômenos de que ouvia falar. Depois fiz uma pausa de quinze anos. As mesas tinham surgido e eu quis ter uma ideia clara. Hoje surge o Espiritismo e eu ajo da mesma maneira.
Quando aparecer algo de novo, correrei com o mesmo ardor que emprego em acompanhar todas as descobertas modernas. É a curiosidade que me arrasta, e lamento que os selvagens não sejam curiosos, pois assim continuam selvagens. A curiosidade é a mãe da instrução.
Sei perfeitamente que essa febre de aprender, muito me prejudicou e que se tivesse ficado nessa respeitável mediocridade que conduz às honras e à fortuna, eu teria tirado a minha fatia, mas há muito tempo eu disse, de mim para mim, que me achava apenas de passagem neste albergue ordinário, onde não vale a pena fazer as malas. O que me fez suportar sem dor as adversidades, as injustiças e os roubos de que fui vítima privilegiada, foi a ideia de que aqui não existe uma felicidade ou uma desgraça pela qual valha a pena nos alegrarmos ou nos afligirmos.
Vi evocar uma pessoa viva. Ela teve uma síncope até que seu Espírito voltou. Evocai-me, para ver o que vos direi. Evocai também o Dr. Muhr, falecido no Cairo, a 4 de junho. Ele era um grande espírita e médico homeopata. Perguntai-lhe se ainda crê nos gnomos. Certamente está em Júpiter, pois era um grande Espírito, mesmo aqui na Terra; um verdadeiro profeta a ensinar, e meu melhor amigo. Estará ele contente com o artigo necrológico que lhe escrevi?
Nota: Kardec faz a evocação e a apresenta na edição de novembro de 1858
Um pouquinho sobre a psicografia
O estudo da Revista Espírita de Julho de 1858 nos abriu espaço para um aparte importante, a respeito da Psicografia. Falamos sobre os tópicos seguintes em nosso encontro, conforme poderão ver abaixo.
De O Livro dos Médiuns
178. De todos os meios de comunicação, a escrita manual é o mais simples, mais cômodo e, sobretudo, mais completo. Para ele devem tender todos os esforços, porquanto permite se estabeleçam, com os Espíritos, relações tão continuadas e regulares, como as que existem entre nós. Com tanto mais afinco deve ser empregado, quanto é por ele que os Espíritos revelam melhor sua natureza e o grau do seu aperfeiçoamento, ou da sua inferioridade. Pela facilidade que encontram em exprimir-se por esse meio, eles nos revelam seus mais íntimos pensamentos e nos facultam julgá-los e apreciar-lhes o valor. Para o médium, a faculdade de escrever é, além disso, a mais suscetível de desenvolver-se pelo exercício.
Médiuns Mecânicos
São aqueles cujo movimento do lápis, da caneta ou mesmo das mãos sobre um teclado se dão de forma independente à sua vontade. O movimento é ininterrupto e o médium não tem a menor consciência do que escreve.
179. […] Quando se dá, no caso, a inconsciência absoluta, têm-se os médiuns chamados passivos ou mecânicos. É preciosa esta faculdade, por não permitir dúvida alguma sobre a independência do pensamento daquele que escreve.
Médiuns Intuitivos
São aqueles que escrevem sob a influência do Espírito, tendo consciência do que escrevem.
180. […] é possível reconhecer-se o pensamento sugerido, por não ser nunca preconcebido; nasce à medida que a escrita vai sendo traçada e, amiúde, é contrário à ideia que antecipadamente se formara. Pode mesmo estar fora dos limites dos conhecimentos e capacidades do médium.
Médiuns Semimecânicos
181. No médium puramente mecânico, o movimento da mão independe da vontade; no médium intuitivo, o movimento é voluntário e facultativo. O médium semimecânico participa de ambos esses gêneros. Sente que à sua mão uma impulsão é dada, mau grado seu, mas, ao mesmo tempo, tem consciência do que escreve, à medida que as palavras se formam. No primeiro o pensamento vem depois do ato da escrita; no segundo, precede-o; no terceiro, acompanha-o. Estes últimos médiuns são os mais numerosos.
Médiuns Inspirados
São aqueles que escrevam conscientemente, mas cuja origem do conteúdo seja do contato com outros Espíritos. São como intuitivos, com a diferença que a intervenção de uma força oculta é aí muito menos sensível. Nesse caso, é muito mais difícil distinguir o pensamento próprio do que aquele que lhe é sugerido.
182. […] Pode dizer-se que todos são médiuns, porquanto não há quem não tenha seus Espíritos protetores e familiares, a se esforçarem por sugerir aos protegidos salutares ideias.
Se todos estivessem bem compenetrados desta verdade, ninguém deixaria de recorrer com frequência à inspiração do seu anjo de guarda, nos momentos em que se não sabe o que dizer, ou fazer. Que cada um, pois, o invoque com fervor e confiança, em caso de necessidade, e muito frequentemente se admirará das ideias que lhe surgem como por encanto, quer se trate de uma resolução a tomar, quer de alguma coisa a compor. Se nenhuma ideia surge, é que é preciso esperar.
Médiuns de Pressentimentos
184. O pressentimento é uma intuição vaga das coisas futuras. Algumas pessoas têm essa faculdade mais ou menos desenvolvida. Pode ser devida a uma espécie de dupla vista, que lhes permite entrever as consequências das coisas atuais e a filiação dos acontecimentos. Mas, muitas vezes, também é resultado de comunicações ocultas, e sobretudo neste caso é que se pode dar aos que dela são dotados o nome de médiuns de pressentimentos, que constituem uma variedade dos médiuns inspirados.