Obsedados e Subjugados — Os perigos do Espiritismo
Kardec abre o mês de setembro de 1858 realizando uma longa e profunda digressão – uma verdadeira aula sobre os PERIGOS DO ESPIRITISMO. Como naquele tempo, hoje ainda se fala que a mediunidade pode representar perigos aos médiuns e aos assistentes. Em uma palavra, que o contato com os Espíritos pode ser perigoso. Será?
“[…] se quiséssemos proscrever da Sociedade tudo quanto pode oferecer perigo e dar margem a abusos, não saberíamos muito o que haveria de restar, mesmo daquelas coisas de primeira necessidade, a começar pelo fogo, causa de tantas desgraças; depois, as estradas de ferro, etc. etc”.
Pensamento de Kardec, RE 1858
Isso denota que, sim, existem alguns perigos, mas, tomando as devidas precauções, se as vantagens compensam os inconvenientes, então não se deve proscrever tal investigação.
Kardec continua, destacando:
“Na verdade, o Espiritismo apresenta um perigo real, mas não é aquele que se supõe. É preciso ser-se iniciado nos princípios da Ciência para bem compreendê-lo. Não nos dirigimos àqueles que lhe são alheios, mas aos próprios adeptos, àqueles que o praticam, pois que para esses é que há perigo.”
Idem
Observação: Médiuns e estudiosos. Por exemplo: Roustaing se fascinou por aquilo que recebia através de uma médium.
Veja também o estudo em grupo que fizemos sobre o tema.
No que consiste esse perigo, enfim? Ele consiste na pressa ou no entusiasmo exagerado que aquele que se coloca em contato com os Espíritos, que muitas vezes se deixa incidir. Ora, ao obterem um fenômeno mediúnico qualquer, quantos não são os que não se maravilham por ele – e por ele se afundam?
Aqui, a grande questão é justamente no que concerne ao conhecimento do médium: ele poderia lhe evitar muitos males, inclusive à sua moral. Nós já sabemos que os Espíritos não são seres especiais, mas apenas seres humanos fora da carne e que, portanto, como demonstram, guardam seus vícios e suas virtudes.
Também sabemos que estamos incessantemente cercados por uma “nuvem” de Espíritos, das mais diversas classes e inclinações, os quasi se ligam a nós conforme se afeiçoam à nossa realidade espiritual, em agir e em pensar, ou seja, às nossas mais profundas inclinações para as paixões ou para as virtudes.
Paixão é um termo que designa um sentimento muito forte de atração por uma pessoa, objeto ou tema. A paixão é intensa, envolvente, um entusiasmo ou um desejo forte por qualquer coisa. O termo também é aplicado com frequência para designar um vívido interesse ou admiração por um ideal, causa ou atividade. No século XIX, a psicologia chamava de paixões o que hoje chamamos de emoções.
Pela condição de nosso planeta, sabemos que os Espíritos inferiores são aqui mais abundantes do que os superiores. Isso nos deveria colocar em estado de alerta, a nós, iniciados na ciência Espírita, com relação aos Espíritos que atraímos para nós.
Sabemos, também, que os Espíritos imperfeitos, quando acham uma brecha no coração humano, podem a ele se ligar e, se sua ascendência moral – por mais inferior que esta seja – for aceita, pode chegar ao ponto de subjugar, fascinar e obsidiar o encarnado.
- Subjugação:
- É uma ligação moral que paralisa a vontade de quem a sofre e que impele a pessoa às mais desarrazoadas atitudes, frequentemente as mais contrárias ao seu próprio interesse. [RE, out/1858]
- A subjugação pode ser moral ou corporal. No primeiro caso, o subjugado é constrangido a tomar resoluções muitas vezes absurdas e comprometedoras que, por uma espécie de ilusão, ele julga sensatas: é um tipo de fascinação. No segundo caso, o Espírito atua sobre os órgãos materiais e provoca movimentos involuntários. Traduz-se, no médium escrevente, por uma necessidade incessante de escrever, ainda nos momentos menos oportunos. Vimos alguns que, à falta de pena ou lápis, simulavam escrever com o dedo, onde quer que se encontrassem, mesmo nas ruas, nas portas, nas paredes. [OLM]
Obsessão [AG]:
- A obsessão é a ação persistente que um malvado Espírito exerce sobre um indivíduo. Apresenta caracteres muito distintos, desde a simples influência moral sem marcas externas sensíveis até a perturbação completa do organismo e das faculdades mentais. Oblitera todas as faculdades mediúnicas. Na mediunidade auditiva e psicográfica, ela se traduz pela obstinação de um Espírito em se manifestar com a exclusão dos demais.
- A obsessão é quase sempre o fato de uma vingança exercida por um Espírito e que o mais frequente tem origem nas relações que o obsedado tenha tido com aquele em uma existência anterior.
- Nos casos de obsessão grave, o obsidiado é envolvido e impregnado por um fluido pernicioso que neutraliza a ação dos fluidos salutares e os repulsa. É desse fluido que se torna necessário se desembaraçar; ora, um mau fluido não pode ser repelido por outro mau fluido. Por uma ação idêntica à do médium curador, no caso de doenças, é necessário expulsar o fluido mau com a ajuda de um fluido melhor.
- Essa é a ação mecânica, mas que nem sempre é suficiente. É preciso também, e sobretudo, atuar sobre o ser inteligente, ao qual é preciso ter o direito de falar com autoridade, e essa autoridade só é dada pela superioridade moral; quanto maior ela for, maior será a autoridade.
Fascínio – O Livro dos Médiuns
- A fascinação tem consequências muito mais graves. É uma ilusão produzida pela ação direta do Espírito sobre o pensamento do médium e que, de certa maneira, lhe paralisa o raciocínio, relativamente às comunicações. O médium fascinado não acredita que o estejam enganando: o Espírito tem a arte de lhe inspirar confiança cega, que o impede de ver o embuste e de compreender o absurdo do que escreve, ainda quando esse absurdo salte aos olhos de toda gente. A ilusão pode mesmo ir até ao ponto de o fazer achar sublime a linguagem mais ridícula.
- […] O Espírito conduz o indivíduo de quem ele chegou a apoderar-se, como faria com um cego, e pode levá-lo a aceitar as doutrinas mais estranhas, as teorias mais falsas, como se fossem a única expressão da verdade. Ainda mais, pode levá-lo a situações ridículas, comprometedoras e até perigosas
Possessão:
- Dava-se outrora o nome de possessão ao império exercido por maus Espíritos, quando a influência deles ia até à aberração das faculdades da vítima. A possessão seria, para nós, sinônimo da subjugação. [OLM]
- Na possessão, em lugar de agir exteriormente, o Espírito livre se substitui, por assim dizer, ao Espírito encarnado; faz eleição de domicílio em seu corpo sem que, contudo, este o deixe definitivamente, o que não pode ter lugar senão com a morte. A possessão é, pois, sempre temporária e intermitente porque um Espírito desencarnado não pode tomar definitivamente o lugar e a dignidade de um Espírito encarnado, atentando que a união molecular do perispírito e do corpo só pode se operar no momento da concepção.
- O Espírito, na posse momentânea do corpo, serve-se dele como do seu próprio; fala por sua boca, vê pelos seus olhos, atua com seus braços como se tivesse feito de sua vivência. Não é mais como na mediunidade psicofônica, na qual o Espírito encarnado fala transmitindo o pensamento de um Espírito desencarnado. É este último ele próprio que fala e que atua e se o tiver conhecido em vida, reconhecê-lo-á pela sua linguagem, sua voz, pelos seus gestos e até pela expressão de sua fisionomia. [AG]
- Dava-se outrora o nome de possessão ao império exercido por maus Espíritos, quando a influência deles ia até à aberração das faculdades da vítima. A possessão seria, para nós, sinônimo da subjugação. [OLM]
- Na possessão, em lugar de agir exteriormente, o Espírito livre se substitui, por assim dizer, ao Espírito encarnado; faz eleição de domicílio em seu corpo sem que, contudo, este o deixe definitivamente, o que não pode ter lugar senão com a morte. A possessão é, pois, sempre temporária e intermitente porque um Espírito desencarnado não pode tomar definitivamente o lugar e a dignidade de um Espírito encarnado, atentando que a união molecular do perispírito e do corpo só pode se operar no momento da concepção.
- O Espírito, na posse momentânea do corpo, serve-se dele como do seu próprio; fala por sua boca, vê pelos seus olhos, atua com seus braços como se tivesse feito de sua vivência. Não é mais como na mediunidade psicofônica, na qual o Espírito encarnado fala transmitindo o pensamento de um Espírito desencarnado. É este último ele próprio que fala e que atua e se o tiver conhecido em vida, reconhecê-lo-á pela sua linguagem, sua voz, pelos seus gestos e até pela expressão de sua fisionomia. [AG]
Voltando aos médiuns, Kardec observa:
“O homem frio, ao contrário [do entusiasmado], é impassível. Ele não se ilude; combina, pesa, examina maduramente e não se deixa seduzir por subterfúgios. É isto o que lhe dá força. Os Espíritos malévolos, que sabem disto tão bem ou melhor do que nós, sabem também tirar proveito da situação para subjugar os que desejam ter sob sua dependência.”
idem
Recordemos o Espírito impostor do Padre Ambrósio, questionado por Kardec (julho/1858):
“16. ─ Por que não sustentas a impostura em nossa presença? ─ Porque minha linguagem é uma pedra de toque, com a qual não vos podeis enganar.”
Vejamos, amigos, que Kardec, aqui, está dando bases sólidas para a formação e a manutenção das pesquisas espíritas.
“Seja por entusiasmo, seja por fascínio dos Espíritos, ou seja por amor próprio, em geral o médium psicógrafo é levado a crer que os Espíritos que se comunicam com ele são superiores, e tanto mais, quanto mais os Espíritos, vendo sua propensão, não deixam de ornar-se com títulos pomposos, conforme a necessidade”
“Da crença cega e irrefletida na superioridade dos Espíritos que se comunicam, à confiança em suas palavras há apenas um passo, assim como acontece entre os homens.” – E Kardec vai dar um exemplo muito prático disso.
Conta Allan Kardec que um jovem rapaz, instruído, de esmerada educação, de caráter suave e benevolente, mas um pouco fraco e indeciso, tornou-se médium psicógrafo com muita rapidez e se tornou obsidiado por um Espírito. Esse Espírito passou a lhe ditar verdadeiros absurdos, que, em consequência, quase levaram o rapaz ao adoecimento e à loucura:
“A subjugação havia chegado a um ponto em que se lhe tivessem dito para atirar-se na água ou partir para os antípodas [outro lado da Terra], ele o teria feito. Quando queriam obrigá-lo a fazer qualquer coisa que lhe repugnava, era arrastado por uma força invisível.”
“Quando a criatura conseguiu substituir o demônio por Jesus, ainda não possui a verdade. Para tê-la, é necessário crer. Deus não dá a verdade aos que duvidam: seria fazer algo de inútil e Deus nada faz em vão. Como a maioria dos médiuns novos duvidam do que dizem e escrevem, os bons Espíritos, a contragosto, por ordem formal de Deus, são obrigados a mentir e não têm outro jeito senão mentir até que o médium fique convencido; mas assim que ele acredita numa dessas mentiras, os Espíritos elevados se apressam em lhe desvelar os segredos do céu: a verdade inteira dissipa num instante essa nuvem de erros com que tinham sido obrigados a envolver o seu protegido.
“Chegado a esse ponto, nada mais tem o médium a temer. Os bons Espíritos jamais o deixarão. Contudo, ele não deve crer que tenha sempre a verdade e só a verdade. Seja para experimentá-lo, seja para puni-lo de faltas passadas, seja ainda para castigá-lo por perguntas egoísticas ou curiosas, os bons Espíritos lhe infligem correções físicas e morais, vindo atormentá-lo por ordem de Deus.”
RE outubro, 1858 (citações das psicografias do Espírito fascinado
O relato que Kardec dá, obtido das próprias psicografias desses Espíritos obsessores, através do rapaz, chega a ser difícil até de ler, quanto mais de entender, tal é o nível de disparidade das ideias ali apresentadas. Por sua extensão, faremos abstração da citação. Convém destacar a observação de Kardec, apenas:
“Observe-se que em tudo isto nada há de grosseiro ou banal. É uma série de raciocínios sofísticos encadeando-se com aparência de lógica. Nos meios empregados para enganá-lo há realmente uma arte infernal e, se nos tivesse sido possível relatar todas essas manifestações, ver-se-ia até que ponto era levada a astúcia e com que habilidade para isso eram empregadas palavras melífluas.”
Em meio a toda essa luta, porém, Kardec destaca que era fácil reconhecer um outro Espírito, bondoso, que lutava para se fazer ouvido. Era seu pai, que, em certo momento, escreveu: “Sim, meu filho, coragem! Sofres uma rude prova, que será para o teu bem no futuro. Infelizmente, no momento, nada posso fazer para te libertar, e isto muito me custa. Vai ver Allan Kardec; escuta-o, e ele te salvará”
O rapaz, ouvindo o bom conselho, vai procurar Kardec, que inicia o que hoje chamaríamos de desobsessão:
“Empreguei toda a minha força de vontade para chamar os bons Espíritos por seu intermédio; toda a minha retórica para lhe provar que era vítima de Espíritos detestáveis; que aquilo que escrevia não tinha senso, além de ser profundamente imoral. Para essa obra de caridade juntei-me a um colega, o Sr. T… e pouco a pouco conseguimos que escrevesse coisas sensatas. Ele tomou aversão àquele mau gênio, repelindo-o por vontade própria cada vez que tentava manifestar-se, e lentamente os bons Espíritos triunfaram.”
Para modificar suas ideias, ele seguiu o conselho dos Espíritos, de entregar-se a um trabalho rude, que lhe não deixasse tempo para ouvir as sugestões más.
- Mas a desobsessão não visa apenas o encarnado, que pode afastar os maus Espíritos por sua vontade, mas pode atingir positivamente o Espírito também (e frequentemente o faz):
O próprio Dillois acabou confessando-se vencido e manifestou o desejo de progredir em nova existência. Confessou o mal que tinha tentado fazer e deu provas de arrependimento. A luta foi longa e penosa e ofereceu ao observador particularidades realmente curiosas. Hoje o Sr. F. sente-se livre e feliz. É como se tivesse deposto um fardo. Recuperou a alegria e agradece-nos o serviço que lhe prestamos.
Kardec inicia a conclusão do artigo fazendo uma reflexão: longe de provar o perigo da mediunidade, casos como esses mostram sua utilidade. Ora, os Espíritos estão à nossa volta, com ou sem mediunidade, e com ou sem ela podem nos obsidiar, se permitirmos.
A mediunidade apenas nos coloca em contato direto com eles, o que fornece importante ferramenta para que os próprios Espíritos se revelem e se acusem, permitindo ao médium ou a outrem tentar lhe abrir os olhos – exatamente como deu-se com o rapaz.
A mediunidade, enfim, não é o que torna exclusiva a comunicação de ideias provenientes de Espíritos inferiores. Diz Kardec:
“Quem diz que entre todas essas elucubrações ridículas ou perigosas não haverá algumas cujos autores são impulsionados por Espíritos malévolos? Três quartas partes de nossas ações más e de nossos maus pensamentos são frutos dessa sugestão oculta.”
“Em resumo, o perigo não está propriamente no Espiritismo, pois ele pode, ao contrário, servir de controle[…]. O perigo está na propensão de certos médiuns para, mui levianamente, se crerem instrumentos exclusivos de Espíritos superiores e numa espécie de fascinação que não os deixa compreender as tolices de que são intérpretes. Até mesmo aqueles que não são médiuns podem ser arrastados.”
Encerrando, Kardec tece algumas considerações. Algumas já tratamos recentemente, no que tange à linguagem dos Espíritos e às contradições:
1.º ─ Todo médium deve prevenir-se contra a irresistível empolgação que o leva a escrever sem cessar e até em momentos inoportunos; deve ser senhor de si e não escrever senão quando queira;
2.º ─ Não dominamos os Espíritos superiores, nem mesmo aqueles que, não sendo superiores, são bons e benevolentes, mas podemos dominar e domar os Espíritos inferiores. Aquele que não é senhor de si não o pode ser dos Espíritos;
3.º ─ Não há outro critério senão o bom-senso para discernir o valor dos Espíritos. Qualquer fórmula dada para esse fim pelos próprios Espíritos é absurda e não pode emanar de Espíritos superiores;
4.º ─ Os Espíritos, como os homens, são julgados por sua linguagem. Toda expressão, todo pensamento, todo conceito, toda teoria moral ou científica que choque o bom-senso ou não corresponda à ideia que fazemos de um Espírito puro e elevado, emana de um Espírito mais ou menos inferior;
5.º ─ Os Espíritos superiores têm sempre a mesma linguagem com a mesma pessoa e jamais se contradizem;
6.º ─ Os Espíritos superiores são sempre bons e benevolentes. Em sua linguagem jamais encontramos acrimônia, arrogância, aspereza, orgulho, gabolice ou tola presunção. Eles falam com simplicidade, aconselham e se retiram quando não são ouvidos;
7.º ─ Não devemos julgar os Espíritos por sua forma material nem pela correção da linguagem, mas sondar-lhes o íntimo, perscrutar suas palavras, pesá-las friamente, maduramente e sem prevenção. Qualquer fuga ao bom-senso, à razão e à sabedoria não pode deixar dúvidas quanto à sua origem, seja qual for o nome com que se mascare o Espírito;
8.º ─ Os Espíritos inferiores receiam os que lhes analisam as palavras, desmascaram as torpezas e não se deixam prender por seus sofismas. Às vezes eles tentam resistir, mas acabam sempre fugindo, quando percebem que são os mais fracos;
9.º ─ Aquele que em tudo age tendo em vista o bem, eleva-se acima das vaidades humanas, expele do coração o egoísmo, o orgulho, a inveja, o ciúme e o ódio e perdoa aos seus inimigos, pondo em prática esta máxima do Cristo: “Fazei aos outros o que quereis que se vos faça”; simpatiza com os bons Espíritos, ao passo que os maus o temem e dele se afastam.
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