Menino de 12 anos assassina outras 5 crianças

Este é um dos causos da Revista Espírita de 1858, onde Kardec estuda o caso de um menino de 12 anos que assassina outras 5 crianças. Resumidamente: um menino de 12 anos colocou cinco crianças dentro de um baú, trancou o baú e os deixou lá até a morte. Tendo sido visto por outra menina, o menino de 12 anos foi delatado e então confessou tudo, com o maior sangue-frio e sem manifestar arrependimento.

Cabe aqui, também, uma reflexão a respeito de um crime como esses. Será que, como muitos dizem, essas cinco crianças foram mortas para cumprirem o “resgate de débitos do passado”? Se assim fosse, qual seria o grau de responsabilidade do outro? Tratamos desse assunto nesse outro artigo, clique aqui

Outra pergunta: seria o Espírito do menino assassino necessariamente mau? Em O Livro dos Espiritos, Kardec esclarece:

“Com efeito, ponderai que nos vossos lares possivelmente nascem crianças cujos Espíritos vêm de mundos onde contraíram hábitos diferentes dos vossos, e dizei-me como poderiam estar no vosso meio esses seres, trazendo paixões diversas das que nutris, inclinações, gostos, inteiramente opostos aos vossos; como poderiam enfileirar-se entre vós, senão como Deus o determinou, isto é, passando pelo tamis da infância?”

OLE, questão 385

Seguindo no artigo, Kardec interroga o Espírito da irmã de um médium, “que desencarnou há doze anos e sempre mostrou superioridade como Espírito”. Vamos apresentar os pontos principais dessas perguntas e suas respostas:

2. ─ Que motivos teriam impelido um menino daquela idade a cometer uma ação tão atroz e com tamanho sangue-frio? ─ A maldade não tem idade. Ela é natural numa criança e raciocinada no homem adulto.

Observação: “a criança não é boa ou má antes de ter o discernimento de um ou do outro. É o que se chama estado de inocência, que de algum modo é o sono da consciência.” Paul Janet, Pequenos Elementos da Moral. Já no adulto, ou homem que faz as distinções de sua consciência moral, que emprega a razão, ele escolhe fazer ou não uma ação, do que resulta uma boa ou má ação. Ainda assim, se age no “mal”, é apenas porque não tem a consciência do bem, ainda não progrediu o suficiente para entender.

3. ─ Sua existência numa criança, sem raciocínio, não denotará a encarnação de um Espírito muito inferior? ─ Ela vem diretamente da perversidade do coração: é seu próprio Espírito que o domina e o impele à perversidade.

5. ─ Em sua anterior existência, pertenceria ele à Terra ou a um mundo ainda inferior? ─ Não sei bem, mas deveria pertencer a um mundo bem mais atrasado que a Terra. Ele ousou (?) vir para a Terra. Será duplamente punido.

Comentário: Quando o Espírito evocado explica sobre a dupla punição, entendemos que ele quis dizer que esse Espírito adquiriu alguma consciência e escolheu vir para a Terra. Aqui, nascendo, preferiu vivenciar suas paixões e imperfeições, ao invés de tentar superá-las. Muito provavelmente ainda não entendeu as leis divinas, como a lei do progresso.

6. ─ Nessa idade teria o menino suficiente consciência do crime que cometeu? Caber-lhe-á responsabilidade como Espírito? ─ Ele tinha a idade da consciência. Isto basta.

7. ─ De vez que esse Espírito ousou vir à Terra, para ele muito elevada, pode ser constrangido a regressar a um mundo em relação com a sua natureza? ─ Sua punição é justamente retrogradar; é o próprio inferno. Eis a punição de Lúcifer, do homem espiritual que se rebaixou ao nível da matéria; é o véu que doravante lhe oculta os dons de Deus e sua divina proteção. Esforçai-vos, pois, na reconquista desses bens perdidos e tereis reconquistado o paraíso que o Cristo veio abrir para vós. É a presunção, o orgulho do homem que queria conquistar aquilo que só Deus podia ter (?).

Neste ponto, com a resposta 7, chegamos em vários entendimentos:

  • Ousar significa escolher. O principio da autonomia está sempre presente em Kardec.
  • O Espírito não retrograda. Aqui, é uma retrogradação material, de acordo o estado de desenvolvimento do Espírito. É como o estudante que é obrigado a voltar a repetir o ano, pois, de fato, não aprendeu;
  • Entendemos que enquanto o Espírito vivencia os hábitos negativos, os vícios, ele está afastado do entendimento do bem;
  • Pode parecer o quadro da queda pelo pecado, mas podemos entender do ponto de vista do afundamento nos hábitos que levam às imperfeições.

É o quadro do pecado original explicado pelo Espiritismo: o Espírito não é criado pleno, puro e sábio, mas ignorante e simples e, quando vive na matéria, vai adquirindo experiências. Quando ele erra, não comete um pecado, mas apenas erra. O erro pode ser totalmente inconsciente, de onde nasce o aprendizado, ou pode ser, de certa forma, consciente, isto é, por escolha que é quando o Espírito desenvolveu um hábito que originou uma imperfeição. Daí temos o seguinte: se o Espírito não entende que a imperfeição lhe causa atraso e sofrimento, ele apenas continua seguindo nas encarnações, até que adquira conhecimento para compreender o mal que fez, e arrepende-se. Então, passa a expiar o fruto de suas imperfeições, pela escolha livre de suas provas, através das encarnações, com o fim de lidar com esse hábito, com vistas a se livrar dele.

Todos nós passamos por isso, e todo nós alcançaremos a perfeição relativa.

As perguntas seguem ao Espirito evocado:

8. ─ Em que é a Terra superior ao mundo ao qual pertencia o Espírito de quem acabamos de falar? ─ Ali há uma fraca ideia de justiça. É um começo de progresso.

9. ─ Depreende-se disto que em mundos inferiores à Terra não há nenhuma ideia de justiça? ─ Não. Os homens ali vivem apenas para si e não têm por móvel senão a satisfação de suas paixões e de seus instintos.

10. ─ Qual será a posição desse Espírito numa nova existência? ─ Se o arrependimento vier a apagar, senão totalmente, pelo menos em parte, a enormidade de suas faltas, então ficará na Terra; se, ao contrário, persistir no que chamais de impenitência final, irá para um lugar onde o homem se encontra no nível dos animais.

Observação: Kardec desenvolveu esse entendimento bem depois, na obra O Céu e o Inferno: “O arrependimento é inútil quando é apenas consequência do sofrimento. O arrependimento proveitoso é aquele que tem por base o desgosto de haver ofendido a Deus, e o ardente desejo de reparação. Não cheguei a esse ponto ainda, infelizmente. Recomendai-me às preces de todos aqueles que se dedicam aos sofredores, porque delas tenho necessidade”. O Céu e o Inferno, Allan Kardec

“O arrependimento sincero é um ato da livre vontade do Espírito, predispondo-o a libertar-se da condição de infelicidade por seu esforço. Assim, o arrependimento da alma não é o medo de continuar sofrendo, que o constrange, submetendo-o a uma vontade externa (heteronomia). Em verdade, ele representa a conscientização das leis divinas, que o faz compreender a capacidade própria de conquistar a felicidade pelo aprimoramento (autonomia). Essa condição o faz reconhecer a força de sua vontade e desperta sua autoestima, reconduzindo-o ao caminho do bem”
Ou seja: se ele se arrepender, poderá reencarnar aqui, que é um planeta de provas e expiações. Se não, terá que reencarnar num planeta que lhe dê condições de aprendizado pelo próprio exercício reencarnatório.

nota de Paulo Henrique de Figueiredo em O Céu e o Inferno

11. ─ Então pode ele encontrar na Terra os meios de expiar sua falta, sem ser obrigado a regressar a um mundo inferior? ─ Aos olhos de Deus, o arrependimento é sagrado, porque é o homem que a si mesmo se julga, o que é raro no vosso planeta.




O Suicida da Samaritana

Nesse artigo, Kardec faz a evocação de um Espírito que havia cometido o suicídio do corpo apenas 6 dias antes. Conforme se pode verificar no texto original, esse homem não foi reconhecido por ninguém, tendo sido enterrado como indigente. É possível levantar várias considerações sobre esse artigo.

“O telefone só toca de lá pra cá”

A primeira dessas considerações, colocaríamos, é a respeito da própria evocação: numa época em que reina o mote “o telefone só toca de lá pra cá”, que tem um fundo de razão, mas que é repetido de forma irrefletida por tantos, nos deparamos com a base doutrinária do Espiritismo, erigida em grande parte sob evocações – ou seja, o telefone também toca daqui pra lá. Apenas que, como num telefone, quem vai atender e se vai atender é o problema da questão, sempre abordado por Kardec.

O sofrimento do suicida

É importante entender que o Espírito do suicida não sofrerá castigos divinos por um pecado cometido – não dessa forma. Qualquer Espírito sempre terá o perdão e novas chances, pois tudo parte da ignorância relativa a Espíritos em evolução.

Existem infinitas variantes entre cada caso, do que resulta que existem infinitos efeitos relacionados a cada caso, porque, essencialmente, tais efeitos estarão ligados à mentalidade geral do Espírito que comete o suicídio. Enquanto alguns se jogarão num verdadeiro inferno, por acreditarem terem cometido pecado, outros poderão até se verem aliviados, num primeiro momento – porque depois, quando realmente entender tudo, muito provavelmente lastimará a vida desperdiçada.

De qualquer forma, conforme atesta São Luis, compreendemos que o primeiro efeito para todo suicida – ou, pelo menos, para a maioria deles – haverá uma grande dificuldade para se desligar do corpo, dada a violência do ato, seu estado mental e o fato de o corpo ainda estar saturado de vitalidade. Isso, contudo, é apenas o que podemos afirmar de momento, com base no que entendemos do artigo, pois, realmente, é um assunto que requer desenvolvimento e maiores investigações.

Também é importante destacar que o Espírito não sofre nenhum tipo de dor física. É sempre sua moral, sua consciência, que externaliza e coloca em fatores externos a dor que está, na verdade, dentro de si mesmo. O suicida (como outros Espíritos), portanto, poderá afirmar sofrer de frio ou sede, quando, na verdade, ele está sofrendo moralmente, e não fisicamente. Na verdade, nós mesmos fazemos isso, com a diferença que, através dos processos psicossomáticos, podemos desenvolver danos ou doenças reais no corpo físico.

É por isso que, quando entramos em contato com qualquer Espírito em sofrimento, podemos e devemos travar conversação natural e sadia com ele, esclarecendo sobre tais pontos. É de enorme ajuda para eles entenderem que o sofrimento é moral, interno, e não externo e imposto.

O vale dos suicidas

De forma curta e grossa: não existe “o” vale dos suicidas, assim como não existe “o” inferno. É importante que o Espírita aprenda a tirar de seu imaginário esse tipo de conceito e, sobretudo, de espalhá-los para outro, pois bem sabemos que, como Espírito não muito esclarecido, nós buscamos ambientes e outros Espíritos que estejam de acordo com a nossa mentalidade que, aliás, plasmam em conjunto esses ambientes de sofrimento. Portanto, quando um Espírito sofredor fala que está “no” inferno, age como um encarnado que, numa situação muito difícil para ele, se expressa da mesma forma, com a diferença que o Espírito plasma, sozinho ou em conjunto, o seu próprio inferno.

Uma vez mais, é muito importante buscar esclarecer tais Espíritos, quando em contato com ele.

Sobretudo, é importante lembrar que não existe tão conexão fatídica entre um suicídio e o exílio do Espírito em um “vale”, como uma penalidade.

Os efeitos do suicídio sobre a encarnação seguinte

Há algo muito errado no meio espírita em geral, atualmente, e que não é doutrinário – na verdade, é algo antidoutrinário, nascido da falta de estudo da Doutrina: é fazer as deprimentes afirmações de que tal indivíduo nasceu sob tais provas ou deformações porque na vida anterior fez isto ou aquilo.

No caso em particular, sobre o suicídio, há uma terrível afirmação feita por aí: a de que o indivíduo que hoje tem problemas físicos assim o é porque estaria “resgatando” um suicídio cometido na vida anterior. Irmãos, essa afirmação é criminosa, porque:

  1. Afasta as pessoas que, sofrendo na pele ou tendo uma pessoa querida nessas situações, se sentem (com razão) ultrajadas por esse tipo de afirmação.
  2. É falaciosa, porque não se baseia na realidade: nós sabemos, sim, que para todo efeito existe uma causa, mas não nos cabe sondar as provas de cada um, tanto por imposição da caridade, que devemos praticar, quanto porque um Espírito pode escolher um corpo deformado não só como prova, a fim de tentar se livrar de uma imperfeição, mas também como missão frente a outros Espíritos ou também como oportunidade de aprendizado de outras virtudes que ainda sinta necessidade de exercitar. De qualquer forma, é sempre uma escolha consciente do Espírito, não o efeito de uma mecânica divina de pecado e castigo. Notemos, aliás, que em todas as comunicações espirituais estudadas até agora, eles sempre asseveram, mesmo para o caso do louco monomaníaco, que a prova é o resultado de uma escolha prévia e pessoal.

O suicídio não se combate pelo medo

Lembramos, enfim, que o suicídio jamais será combatido pela imposição do medo de um sofrimento, mas, sim, através do esclarecimento. Apresentemos a tais indivíduos a essência do Espiritismo. Tentemos levá-los ao seguinte raciocínio:

Dores e alegrias são passageiras, relativas à vida encarnada. A felicidade, que é o que realmente buscamos, somente será atingida após deixarmos para trás nossas imperfeições – já que, por exemplo, alguém muito preocupado, ou muito ansioso, ou muito raivoso, ou muito ciumento, ou muito orgulhoso, ou muito sensual, etc, não consegue ser realmente feliz. Para tanto, no plano espiritual, ao ficarmos cientes de nossas imperfeições, planejamos vidas com oportunidades e com dificuldades, às vezes bastante pesadas, que, ao nosso julgamento, poderão nos ajudar a vencer tais imperfeições. Portanto, desistir de uma vida, com a extinção da própria vida corpórea, não resultará em nenhum avanço, pois, não havendo aproveitado justamente a prova difícil para o aprendizado, não teremos nos aperfeiçoado e, portanto, precisaremos – por nossas próprias vontade e constatação – reiniciar uma nova vida, carregando um fardo talvez ainda maior, pela sensação de culpa causada pela desistência e, quem sabe, pelos efeitos funestos que tal ato pode causar nos Espíritos encarnados que nos cercam.

Ninguém está dizendo que é fácil. Cada um sabe onde o calo aperta e, quando aperta, dói bastante. Mas precisamos aprender a separar dores físicas de dores morais, nos colocando, ante a nós mesmos e ante ao Criador, desnudos de qualquer máscara de egoísmo ou vaidade e de todas as imperfeições que destas nascem. Precisamos buscar, em cada dura prova, como também nas fartas oportunidades que nos são apresentadas, as necessidades profundas que temos de aprendizado e, não esquecendo que jamais estamos sozinhos, confiar nos bons Espíritos, que não nos abandonam, para atravessar tais momentos difíceis.

Aqui, aliás, surge um último pensamento, sustentado pelo Espiritismo: Deus não nos dá um fardo maior do que aquele que podemos carregar. Na maioria das vezes, a vida nos apresenta oportunidades que nos permitiriam aprender de forma muito mais “leve”, mas nós, quase sempre, movidos pelo orgulho, tentamos vestir uma máscara nos nos confunda de nós mesmos e, assim, escolhemos deixar de lado o caminho reto, a fim de nos enveredarmos pelos caminhos sinuosos e tortuosos das paixões (não falando aqui em amor, mas no sentimento profundo provocado pelas sensações). É assim, por exemplo, que muitos escolhem deixar de lado o estudo do Espiritismo, que tanto pode alavancar nossa evolução, para viver a vida na preguiça.

Portanto, aproveitemos as oportunidades que a vida nos oferece para nossos aprendizado e evolução. Algumas vezes, elas são espinhosas, escolhidas por nós mesmos; de outras, são campos de relva suave e macia, cheia de ensinamentos dados pelo amor. Cabe a nós reconhecê-los.

NOTA: Esta evocação está no livro O Céu e Inferno de Allan Kardec, primeiro relato do capítulo V – Suicidas , da Segunda Parte. Vale a leitura do capítulo V inteiro com vários relatos de evocações de suicidas com muitas considerações do autor.