A eutanásia de Alain Delon e o Espiritismo

O ator francês Alain Delon afirmou que praticará eutanásia, segundo informa a matéria da Veja SP. Alain, que considera o suicídio assistido “a coisa mais lógica e natural”, disse, numa postagem no Instagram:

“Tomei a minha decisão há muito tempo, acho que a minha vida foi linda mas também muito difícil. Nunca gostei de envelhecer. Todas essas dores e desafios do cotidiano me deixam paralisado”

Infelizmente o ator não conhece o Espiritismo, o que seria quase cômico, se não fosse trágico, por ser, justamente, nascido na terra onde a Doutrina Espírita nasceu, há mais de 160 anos. Mas não falo, aqui, do Espiritismo-religião do movimento espírita atual, aquele que diz que o suicida sentirá o corpo sendo roído por vermes, ou que ficará sofrendo no “vale dos suicidas”, ou que renascerá em um corpo defeituoso. Já falamos sobre a irrealidade dessas afirmações genéricas neste artigo.

Não: aqui falamos do Espiritismo em sua essência científica, doutrina cuja teoria nasceu da observação racional dos ensinamentos universalmente concordantes dos Espíritos. Essa Doutrina, em sua essência, nos mostra o seguinte: a vida é uma oportunidade de aprendizado e elevação. Terminá-la antes do tempo, por conta própria, é uma grande perda de tempo, pois nos distancia da elevação e do aprendizado possibilitado pelas provas e pelas oportunidades da vida.

Acontece que cada segundo sobre a Terra, por difícil que seja, se bem enfrentado e vencido, nos aproxima do objetivo final, que é a felicidade dos bons e dos justos. Como alcançar, porém, esse estado de felicidade, sem nos livrarmos das imperfeições e das paixões — o que somente se faz através das provas da vida, da vontade e do aprendizado?

Isso, é claro, é totalmente diferente do caso da eutanásia animal.

O ator, infelizmente, não está atento para esse fato da nossa realidade espiritual. Do outro lado, após cometer o ato, provavelmente um dia verá a inutilidade do mesmo… E é isso. Não há punição: há erro, nascido da ignorância. Entender melhor essas questões alavanca nosso progresso, nos permitindo alcançar mais cedo a felicidade, de acordo com nosso empenho em nos elevarmos pelo próprio esforço. Desejamos a ele, e a outros, que possam cedo compreender essas questões.

Encerro deixando para reflexão o assunto, conforme abordagem em O Evangelho Segundo o Espiritismo:

Será lícito abreviar a vida de um doente que sofra sem esperança de cura?
28. Um homem está agonizante, presa de cruéis sofrimentos. Sabe-se que seu estado é desesperador. Será lícito pouparem-se-lhe alguns instantes de angústias, apressando-se-lhe o fim?

Quem vos daria o direito de prejulgar os desígnios de Deus? Não pode ele conduzir o homem até à borda do fosso, para daí o retirar, a fim de fazê-lo voltar a si e alimentar ideias diversas das que tinha? Ainda que haja chegado ao último extremo um moribundo, ninguém pode afirmar com segurança que lhe haja soado a hora derradeira. A iência não se terá enganado nunca em suas previsões?

Sei bem haver casos que se podem, com razão, considerar desesperadores; mas, se não há nenhuma esperança fundada de um regresso definitivo à vida e à saúde, existe a possibilidade, atestada por inúmeros exemplos, de o doente, no momento mesmo de exalar o último suspiro, reanimar-se e recobrar por alguns instantes as faculdades! Pois bem: essa hora de graça, que lhe é concedida, pode ser-lhe de grande importância. Desconheceis as reflexões que seu Espírito poderá fazer nas convulsões da agonia e quantos tormentos lhe pode poupar um relâmpago de arrependimento.

O materialista, que apenas vê o corpo e em nenhuma conta tem a alma, é inapto a compreender essas coisas; o espírita, porém, que já sabe o que se passa no além-túmulo, conhece o valor de um último pensamento. Minorai os derradeiros sofrimentos, quanto o puderdes; mas, guardai-vos de abreviar a vida, ainda que de um minuto, porque esse minuto pode evitar muitas lágrimas no futuro.

S. Luís.
Paris, 1860




Espiritismo e a eutanásia (sacríficio) de animais terminais

Surgiu esse assunto, sempre tão presente, em um grupo do Facebook: segundo o Espiritismo, há problema em sacrificar um animal em estado terminal, isto é, em submetê-lo à eutanásia?

Adianto que não — e não se trata de opinião minha. Mas, antes de mais nada, é importante lembrar que não devemos fazê-los sofrer desnecessariamente, em nenhum caso — e isso corrobora a visão aqui apresentada.

Aqui, precisamos recuperar alguns postulados da Doutrina Espírita, obtidos, como sempre, através da análise racional e concordante dos ensinamentos dos Espíritos. Em O Livro dos Espíritos, vamos encontrar uma importante elucidação a esse respeito:

O livre-arbítrio e o sofrimento moral nos animais

595. Gozam de livre-arbítrio os animais, para a prática dos seus atos?

“Os animais não são simples máquinas, como supondes. Contudo, a liberdade de ação de que desfrutam é limitada pelas suas necessidades, e não se pode comparar à do homem. Sendo bem inferiores a este, não têm os mesmos deveres que ele. A liberdade, possuem-na restrita aos atos da vida material.”

Animais possuem certa liberdade, é claro, e nós podemos constatar que alguns deles a tem de forma superior a outros, como uma espécie de inteligência mais avançada, que, contudo, ainda está restrita aos atos da vida material. Assim, os animais estão preocupados em sobreviver, e tudo fazem para isso. Por mais difícil que seja de admitir, há mais de relação de dependência, hábito e necessidade do que de amor, neles, em relação a nós, pois o amor é algo que se desenvolve com o avanço do Espírito. Claro: não podemos julgar o ponto no qual essa capacidade espiritual começa a existir, de forma que não podemos julgar absolutamente sobre isso.

O ponto mais importante, aqui, é constatar que os animais não tem livre-arbítrio, isto é, não tem consciência, como nós temos, sobre seus atos. A partir do momento em que o livre-arbítrio se desenvolve, mesmo nos estados mais latentes, o Espírito passa a ter livre-arbítrio, isto é, passa a escolher sobre suas ações e, dessas escolhas, se felicita ou sofre pelos seus resultados. Assim, enfim, constatamos que os animais não podem fazer mal: eles matam uns aos outros, atacam o ser humano, reproduzem-se, mas tudo submetido ao instinto. Não há mal no leão que mata a zebra: há necessidade instintiva de sobreviver. Também não houve mal na orca que matou sua treinadora afogada: há curiosidade, instinto, mas não um ato refletido.

Dissemos que o animal ainda não possui livre-arbítrio. Se ainda não possui, um dia possuirá. E o que é o livre-arbítrio, senão um atributo do Espírito, princípio inteligente da Criação? Então os animais tem alma? Sim:

597. Pois que os animais possuem uma inteligência que lhes faculta certa liberdade de ação, haverá neles algum princípio independente da matéria?

“Há, e que sobrevive ao corpo.”

a) – Será esse princípio uma alma semelhante à do homem?

“É também uma alma, se quiserdes, dependendo isto do sentido que se der a esta palavra. É, porém, inferior à do homem. Há entre a alma dos animais e a do homem distância equivalente à que medeia entre a alma do homem e Deus.”

598. Após a morte, conserva a alma dos animais a sua individualidade e a consciência de si mesma?

“Conserva sua individualidade; quanto à consciência do seu eu, não. A vida inteligente lhe permanece em estado latente.”

Vemos que é um Espírito — ou uma alma, sendo o Espírito encarnado — ainda em estágio evolutivo muito distante daquele do Espírito humano terrestre: como se fosse a mesma distância, segundo os Espíritos, que nos separa de Deus. Sequer tem consciência de si mesmos. É uma distância gigantesca, mas a informação importante é: sim, eles têm Espíritos. Resta então uma questão: os animais sofrem? De que forma?

O sofrimento do animal

Nós, Espíritos em estágio humano, sofremos de duas formas: moralmente, como resultado de nossas escolhas, e materialmente, quando encarnados (o Espírito não sofre materialmente quando desencarnado, de forma que todos os relatos do tipo são resultados de uma exteriorização mental de um sofrimento moral).

A dor moral, como dissemos, nasce da constatação de um erro que cometemos. E não poderia haver erro se não tivéssemos a capacidade de escolha, pois, sem ela, estaríamos apenas respondendo a estímulos externos, através do instinto. Ora, sendo esse exatamente o caso dos animais, é racional supor que eles não possam sofrer dores morais por conta de seus atos — afinal, imagine a dor moral que um leão teria após matar, de quando em quando, um outro animal para comer!

O Espírito no estágio do animal não precisa sequer do tempo na erraticidade que o Espírito humano precisa, onde analisa seu passado, suas escolhas, suas dificuldades, etc.:

600. Sobrevivendo ao corpo em que habitou, a alma do animal vem a achar-se, depois da morte, num estado de erraticidade, como a do homem?

“Fica numa espécie de erraticidade, pois que não mais se acha unida ao corpo, mas não é um Espírito errante. O Espírito errante é um ser que pensa e obra por sua livre vontade. De idêntica faculdade não dispõe o dos animais. A consciência de si mesmo é o que constitui o principal atributo do Espírito. O do animal, depois da morte, é classificado pelos Espíritos a quem incumbe essa tarefa e utilizado quase imediatamente; não lhe é dado tempo de entrar em relação com outras criaturas.”

Vemos, no trecho destacado, uma informação importante, que desmente algumas teorias de “céu de cachorros”, “paraíso dos animais”, etc. O Espírito, nesse estado evolutivo, precisa apenas experienciar reencarnações sucessivas, onde se desenvolvem e, de forma alguma, expia suas faltas – porque não as cometem:

602. Os animais progridem, como o homem, por ato da própria vontade, ou pela força das coisas?

“Pela força das coisas, razão por que não estão sujeitos à expiação.”

Afinal, há problema em submeter um animal à eutanásia?

Racionalmente, após os conhecimentos apresentados, é fácil constatar que não, pois, como o animal ainda não tem sofrimento moral, não necessita passar por sofrimentos materiais a fim de obter um aprendizado qualquer. Isso é justamente o oposto do caso do Espírito em estágio de livre-arbítrio, pois as dores físicas, muitas vezes planejadas por ele próprio antes de encarnar, oferecem preciosos cadinhos de purificação do Espírito, que reflete sobre seus atos, suas escolhas, seus erros e acertos.

Note, porém, que de forma alguma estamos afirmando, com isso, que o Espírito precise sempre passar por uma dor para aprender alguma coisa, como é apregoado pelos defensores da doutrina da “lei de ação e reação”, onde, para esses, o Espírito sempre precisará passar por uma dor de mesmo gênero e de mesma intensidade a fim de entender que a dor que ele tenha feito outro passar, dói. Esquecem-se que o Espírito pode constatar seu erro, sofrer por isso, mas, então, com mais lucidez, planejar uma vida com oportunidades e provas — e, às vezes, expiações — onde possa enfrentar suas imperfeições e buscar se livrar delas através do aprendizado.

Conclusão

Não precisamos fazer o animal passar por dores desnecessárias — dores essas, muitas vezes, frutos dos estilos de vida e de alimentação aos quais os submetemos — pois ele não colhe frutos morais dessa dor, que é apenas física. Já o caso é outro para o Espírito humano, que jamais deve ser submetido à eutanásia, como ensinam os Espírito em O Livro dos Espíritos:

Questão 953- Quando uma pessoa vê diante de si um fim inevitável e horrível, será culpada se abreviar de alguns instantes os seus sofrimentos, apressando voluntariamente sua morte?

“É sempre culpado aquele que não aguarda o termo que Deus lhe marcou para a existência. E quem poderá estar certo de que, malgrado às aparências, esse termo tenha chegado; de que um socorro inesperado não venha no último momento?”