Para alcançar o domínio sobre os outros, muitas vezes emprega-se a estratégia de fazer com que eles acreditem que o erro ou a falha reside em não obedecer, merecendo, por isso, punição. Ao mesmo tempo, é propagada a ilusão de que obedecer trará recompensas. Essa é a armadilha da maldade, conhecida como heteronomia. Aqueles que se submetem são então controlados por meio de condicionamentos, e é aí que reside a verdadeira violência do mal.
A maldade age por meio da violência e da mentira. Ela proclama: “Você deve obedecer! Se não obedecer, receberá punição!” Em seguida, ela afirma: “Essa é a única maneira de lidar com aqueles que se recusam a obedecer.” Isso é uma inversão de valores.
O mal se manifesta na falsa ideia que distorce a lei divina, buscando a satisfação dos interesses e da alegria pessoal às custas da submissão dos mais simples, sacrificando sua tranquilidade e felicidade. No entanto, não devemos nos deixar enganar pelo pensamento de que somos superiores por termos conhecimento. E sabe o erro daquele que sabe? A indiferença! Ter valores e não usar os valores para o bem.
Nesse sentido, o nosso dever que já sabe se intensifica! A responsabilidade daqueles que possuem conhecimento vai além de simplesmente ajudar os menos instruídos; eles devem também servir. Reflita: O dever de quem sabe é servir aos mais simples!
Não devemos pensar em tirar proveito de nosso conhecimento, mas sim em cooperar. Devemos empregar nossos esforços para disseminar este conhecimento e fazer com que muitos o compreendam. O futuro do mundo reside na cooperação, não na competição.
Qualquer novo valor, como da COOPERAÇÃO ao invés da competição, deve ser compartilhado pelo mundo para que todos possam se beneficiar.
Este artigo foi elaborado a partir de palestra proferida por Paulo Henrique de Figueiredo. Clique aqui para conhecê-la.
Várias vezes em suas obras, Kardec cita A obediência passiva e a fé cega. Agora reflitamos por qual motivo eles são os princípios da Falsa Ideia.
Os falsos profetas, para conquistar pela obediência passiva, precisavam impedir que as massas aprendessem pelo próprio esforço sem a experiência de erro e acerto para aprender. Eles, os profetas falsos, condenavam o erro, como se o erro fosse a causa do mal do mundo.
Porém, todos sabemos que só é possível aprender quando se tenta. Da tentativa, produz-se erro e acerto. A partir daí, avaliamos e percebemos a melhor maneira de agir. E Deus não condena o erro, pois o erro faz parte do aprender. Pense bem: muito diferente errar inconscientemente do que persistir no erro conscientemente.
“Para elevar-se, deve o homem ser provado. Impedir sua ação e pôr um entrave em seu livre-arbítrio seria ir contra Deus e neste caso as provas tornar-se-iam inúteis, porque os Espíritos não cometeriam faltas. O Espírito foi criado simples e ignorante. Para chegar às esferas felizes, é necessário que ele progrida e que se eleve em conhecimento e sabedoria, e é somente na adversidade que ele adquire um coração elevado e melhor compreende a grandeza de Deus.”
Allan Kardec. Revista Espírita — Jornal de Estudos Psicológicos — 1858 – Novembro
Ao mesmo tempo, quando alguém faz algo, seja no trabalho ou no cotidiano, tem que saber o que está fazendo e quais são os resultados do que está fazendo. Então, esse alguém pode estar fazendo o mal sem saber ou mesmo participando do mal sem consciência do mal. Portanto, o ideal seria nunca realizar uma atividade sem entender.
O bem é procurar agir com a consciência, compreendendo.
A falsa ideia, através dos dois princípios de obediência passiva e fé cega, leva a crer que o erro é o mal. Consequentemente, o erro gera medo. Será melhor obedecer sem entender e ter fé?
Desde tempos remotos, os sacerdotes que determinam o comportamento das pessoas, pois eles mesmos afirmam que Deus os escolheu para determinar Sua Lei. Os sacerdotes criaram o falso ensinamento de que o acerto está em obedecer a Deus para receber as recompensas divinas e se salvar. Eles propagam também que o erro representa o agir inspirado pelo diabo, que atenta o homem para se apossar dele. Kardec mostra este entendimento em A Genese:
A religião era, nesse tempo, um freio poderoso para governar. Os povos se curvavam voluntariamente diante dos poderes invisíveis, em nome dos quais eram subjugados e cujos governantes diziam possuir seu domínio, quando não se faziam passar por equivalentes a esses poderes. Para dar mais força à religião, era necessário apresentá-la como absoluta, infalível e imutável, sem os quais ela teria perdido a ascendência sobre esses seres quase primitivos, apenas iniciados para a racionalidade. Ela não poderia ser discutida, assim como as ordens de um soberano. Disso resultou o princípio da fé cega e da obediência passiva, que tinha, na origem, sua razão de ser e sua utilidade. A veneração aos livros sagrados, quase sempre considerados como tendo descido do céu, ou inspirados pela divindade, proibiam qualquer exame65.
Allan Kardec. A GÊNESE – Os milagres e as Predições Segundo o Espiritismo (Portuguese Edition) . cap IV, item 2. Edição do Kindle.((A Gênese – Os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo: https://amzn.to/3RM91hF ))
Qual é a tese dos sacerdotes: se você fizer o que mandamos, você fará o que Deus mandou, então fará o certo e você será salvo. Se você fizer diferente usando sua própria razão e consciência, você não vai fazer igual a Deus, então você fará errado. A consequência é que a pessoa vai deixar de pensar. Somente obedecerá. Para os sacerdotes, o mal é não obedecer. O bem é obedecer.
Quem desobedece ou não se arrepende, será entregue ao diabo, sofrendo castigos, vicissitudes, dores. Por meio dessa ideia falsa, os sacerdotes condicionaram as massas a acreditar sem raciocinar — Fé Cega — alegando que a razão não compreende a vontade divina. Obedecendo sem compreender — Obediência Passiva.
Quais são os instrumentos para tornar a pessoa submissa? Acreditar sem raciocinar!Obedecer sem compreender! Qualquer entendimento que parta desses dois princípios, é a Falsa Ideia!
Em qualquer área de atuação acontece a fé cega e a obediência passiva: ciência, filosofia, religião, no trabalho, no lar, nos relacionamentos. Na idade média, usava-se o dogma religioso para balizar as ações. Hoje se usa o dogma materialista. Dessa forma, é como se fosse a idade média da ciência!
Se a pessoa acredita que o seu trabalho não é nem pode ser espiritualizado, é excluído do meio. A exclusão é o mesmo instrumento que a igreja fazia, com condenação, excomunhão, perseguição, etc. Está certo que a condenação da igreja levava a morte, mas hoje a exclusão pela sociedade é praticamente morrer, ficando marginalizado. Existem os graduados no ensino superior( ou mesmo no ensino técnico) que tendem a acreditar no materialismo; os outros são os excluídos. E acontece a luta do superior contra inferior. O Espiritualismo é o diabo da ciência! E o Materialismo é o deus da ciência!
Por fim, atualmente, pela falsa ideia, os que pensam diferente, sejam de outros países ou outras religiões, são inimigos, são controlados pelo diabo, e devem ser combatidos e destruídos. Os que obedecem são protegidos pelo deus bom. Assim, criam o exclusivismo e a guerra. É um exclusivismo MATERIALISTA!
O Espiritismo não é exclusivista. O Espiritismo é uma ideia. E é por essa ideia que ele vai transformar o mundo.
Este artigo foi elaborado a partir de palestra proferida por Paulo Henrique de Figueiredo. Clique aqui para conhecê-la.
Ego Sum Via Veritas et Vita (Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida) pixabay – didgeman
Por um tempo, desprezaram a mensagem de Kardec trazendo ideias falsas para dentro de sua doutrina. Suas obras conclusivas tiveram suas melhores ideias adulteradas. Uma divulgação persistente dos falsos princípios por refratários (( “22. Ao lado dos materialistas propriamente ditos, há uma terceira classe de incrédulos que, embora espiritualistas, pelo menos de nome, não são menos refratários ao Espiritismo: são os incrédulos de má vontade. Esses não querem crer, porque isso lhes perturbaria o gozo dos prazeres. Temem encontrar a condenação de sua ambição, de seu egoísmo e das vaidades humanas com que se deliciam. Fecham os olhos para não ver e tapam os ouvidos para não ouvir. Lamentá-los é tudo o que se pode fazer. ” A. Kardec, O livros dos Mediuns, Noções Preliminares, cap. III Método )), implantou a mentira entre muitos espíritas, causando divisão.
No entanto, numa sequência crescente, os documentos, fatos e ideias originais de Allan Kardec retornaram à luz. Suas obras foram recuperadas, como as obras O Céu e o Inferno de 1865 e A Genese de 1868 em suas traduções de suas versões originais. Os conteúdos apresentados são de extrema importancia, pois são ideias muito mais aprofundadas por Kardec.
Os novos tempos já se anunciam, as ideias reformadoras se espalham pelo mundo. É interessante notar como pelo estudo iluminado pela dedicação sincera e desinteressada, a mensagem espírita, que é a de Jesus, vai chegar a todos. E o Espiritismo será a alavanca da revolução moral, que vai regenerar a humanidade, abrindo caminho para o mundo feliz.
O mal no mundo representa a mentalidade falsa, que divide o mundo visando justificar o orgulho e egoísmo dos que se consideram superiores e privilegiados. Desta forma, eles conseguem dominar e, ainda pior, abusar das massas. Eles a consideram inferiores e impuras. O bem, a boa nova ou mentalidade verdadeira visa despertar o dever pela razão e liberdade, elegendo a solidariedade pela cooperação e apoio mútuo, visando a felicidade de toda a humanidade, em todos os seus níveis. Pela orientação e direção dos bons espíritos, que são ministros de Deus. Todos percorrem o caminho do bem que leva a Deus. O Espiritismo, enfim, explica e desenvolve a ideia de Jesus, mentalidade verdadeira ou boa nova. Como todas as revelações, enfrenta a oposição dos orgulhosos e egoístas que defendem a mentalidade falsa.
Qual é a ideia da mentalidade falsa? Difundir falsamente que temos 2 Deuses no mundo, Deus e o Diabo; espalhar a ideia que o mundo espiritual está divido em 2 partes, céu e inferno; que as pessoas são dividas em puras e impuras, superiores e inferiores, etc. Esta é a FALSA IDEIA.
Para que nós consigamos superar a falsa ideia, não podemos usar as “mesmas armas” da falsa ideia. Ela usa da imposição, da violência, da divisão, da mentira, dos escolhidos que entendem dos ensinamentos como superioridade intelectual inexistente: diz que se não entendeu é inferior, só superior compreende
A VERDADEIRA IDEIA depende do esforço de cada um! Cada um de nós precisa entender a ideia verdadeira!!
Basta voce ser indiferente que voce ajude a manter Falsa Ideia.!
Há um artigo muito interessante de 1859 que vamos destacar alguns pontos referente a essa ideia de Jesus descrita também pelo Espiritismo:
“Assim, pois, o Espiritismo se fundamenta em princípios gerais independentes de toda questão dogmática. É verdade que ele tem consequências morais, como todas as ciências filosóficas. Essas consequências são compatíveis com o Cristianismo, porque o Cristianismo é, de todas as doutrinas, a mais esclarecida, a mais pura, razão por que, de todas as seitas religiosas do mundo, são as cristãs as mais aptas a compreender o Espiritismo em sua verdadeira essência.
A. Kardec, Revista Espirita, 1859 – Refutação de um artigo de “L ‘Univers” (( https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/893/revista-espirita-jornal-de-estudos-psicologicos-1859/4547/maio/refutacao-de-um-artigo-de-l-univers ))
O Espiritismo não é, pois, uma religião. (…) o Espiritismo ocupa-se da observação dos fatos e não das particularidades desta ou daquela crença; da pesquisa das causas; da explicação que os fatos podem dar dos fenômenos conhecidos, tanto na ordem moral quanto na ordem física, e não impõe nenhum culto aos seus partidários, do mesmo modo que a Astronomia não impõe o culto aos astros, nem a Pirotecnia o culto ao fogo. (…)
Hoje, graças às luzes do Cristianismo, podemos julgá-lo com mais segurança. Ele nos põe em guarda contra os sistemas errados, frutos da ignorância. E a própria religião pode haurir nele a prova palpável de muitas verdades contestadas por certas opiniões. Eis porque, contrariando a maior parte das ciências filosóficas, um dos seus efeitos é reconduzir às ideias religiosas aqueles que se tresmalharam num cepticismo exagerado.
Por uma estranha ideia, adotamos o princípio de que não podemos evocar os Espíritos, e que o único que pôde fazer isso foi Kardec, porque tinha a permissão ou um propósito muito peculiar.
À luz do conhecimento, precisamos corrigir um pouquinho essa ideia, pois, na verdade, os únicos que puderam fazer as evocações foram os milhares de indivíduos e pequenos grupos, espalhados pelo mundo, não só na época de Kardec, mas antes mesmo dele, pois, quando Kardec se interessou pela nova ciência e antes mesmo de se dar o pseudônimo de Allan Kardec, o Espiritismo já era praticado em muitos pontos do mundo.
Interessante, não? Por que será que hoje, então, não podemos ou não devemos evocar os Espíritos? Não conheço essa lei, nem nunca a vi escrita em qualquer lugar, senão numa frase tirada de contexto, metafórica de Chico Xavier: “o telefone só toca de lá para cá”. Muito pelo contrário, vamos encontrar, ao estudar as obras de Kardec, a recomendação da prática do Espiritismo pelos pequenos grupos, prática essa que consistia, a seu ver, uma ciência: a constante investigação, junto aos Espíritos, das leis que regem a Criação.
Por essa estranhíssima ideia, passamos a colocar os médiuns na posição das antigas secretárias telefônicas automáticas, cuja única missão era atender a uma ligação e gravar a mensagem, e nada mais. Os médiuns se transformaram nisso:
Não só isso: os grupos espíritas, que hoje praticamente inexistem fora da figura dos centros espíritas, passaram a adotar uma ideia ainda mais estranha: passaram a ouvir as “gravações telefônicas” sem as questionar! Isso mesmo: não se questiona a mensagem dada, apenas as tomam pelo princípio de que são sempre dotadas de verdade e sabedoria, e de propósitos de bem. É muito, muito estranha essa ideia, porque ontem mesmo minha mãe recebeu uma mensagem de uma pessoa que se dizia ser eu, e que queria três mil reais para pagar uma conta urgente. Imagine se minha mãe adotasse a prática de muitos grupos espíritas e simplesmente confiasse no interlocutor!
Os sistemas
Por um princípio ainda mais estranho, certos indivíduos passaram a criar e defender sistemas erigidos justamente sobre essas comunicações passivamente recebidas e não verificadas, gastando precioso tempo e causando enormes dificuldades ao movimento espírita, que deixou de estudar Kardec para confiar nesses sistemas. Incongruentemente, os indivíduos que agem assim são, muitas vezes, aqueles que teriam plena capacidade, por terem conhecimentos científicos, para investigarem essas questões.
Mas nem só de comunicações espíritas não checadas se forma esse triste cenário. Outros tantos erigem verdadeiros sistemas de ideias sobre metáforas utilizadas por Kardec em seus estudos, não conseguindo compreender que os cientistas, sobretudo naquela época, vislumbrando novos aspectos científicos que não tinham como compreender, criavam metáforas para tentar dar luz à ideia que buscavam expressar, confiando à continuidade da ciência melhores explicações. Todos os grandes cientistas fizeram isso, sobretudo no aspecto filosófico e especialmente no âmbito metafísico dessas ideias. Kardec fez isso, por exemplo, ao tentar explicar a presença divina como sendo um oceano, onde tudo estaria imerso. Uma metáfora((Ainda hoje as metáforas são utilizadas para dar explicações científicas, chegando certos cosmólogos a dizer que o Espaço é como se fosse um shampoo ou um queijo! Pobre sujeito que erija um sistema sobre essas metáforas!))!
Mas não só a ciência humana usou metáforas. Os Espíritos também as utilizaram, frequentemente. Espíritos sábios utilizaram sábias metáforas para explicar ideias que, de forma científica, ainda não podíamos compreender. Jesus usou metáforas para explicar princípios da ciência espírita que os homens daquele tempo não podiam compreender. Espíritos ignorantes usaram metáforas para explicar causas e efeitos que nem eles conseguiam compreender de forma científica, mas que sabiam existir e funcionar.
A questão toda, aqui, é uma só:
METÁFORAS
Apenas para ficar muito claro e não restar dúvida, vamos definir o significado do termo: metáfora é a “figura de linguagem em que uma palavra que denota um tipo de objeto ou ação é usada em lugar de outra, de modo a sugerir uma semelhança ou analogia entre elas; translação (por metáfora se diz que uma pessoa bela e delicada é uma flor, que uma cor capaz de gerar impressões fortes é quente, ou que algo capaz de abrir caminhos é a chave do problema); símbolo.”((MICHAELIS. Moderno Português – Busca – Português Brasileiro – Metáfora. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/metafora. Acesso em: 29 mai. 2023.)). Do grego, metaphōrá.
São verdadeiros sistemas de ideias erigidas, muitas vezes, sobre nada mais que metáforas, tomando-as como se fossem literais. No âmbito das comunicações espíritas, o estudo da comunicação do soldado zuavo (“O zuavo de Magenta“), na Revista Espírita de julho de 1858, nos dá uma interessante perspectiva, pois, ao ser questionado sobre sua aparência espiritual naquela evocação (ou perispiritual), ele responde:
42. ─ Se vos pudéssemos ver, como o veríamos? ─ De turbante e culote.
43. ─ Pois bem! Suponhamos que nos aparecêsseis de turbante e culote. Onde teríeis arranjado essas roupas, desde que deixastes as vossas no campo de batalha? ─ Ora, ora! Não sei como é isto mas Tenho um alfaiate que mE as arranja.
44. ─ De que são feitos o turbante e o culote que usais? Não tendes ideia? ─ Não. Isto é lá com o trapeiro.
OBSERVAÇÃO: Esta questão da vestimenta dos Espíritos, como várias outras não menos interessantes, ligadas ao mesmo princípio, foram completamente elucidadas por novas observações feitas no seio da Sociedade. Daremos notícias disso no próximo número. Nosso bom zuavo não é suficientemente adiantado para resolver sozinho. Foi-nos preciso, para isso, o concurso de circunstâncias que se apresentaram fortuitamente e que nos puseram no caminho certo.
Depois, questionado sobre seu general, também já morto, assim responde:
46. ─ Não seria por essa mesma razão que não vedes o general em seu uniforme? ─ Sim, mas ele não o veste todos os dias.
47. ─ Em que dias o veste? ─ Ora essa! Quando o chamam ao palácio((Os Espíritos, ignorantes de certas coisas, expressam-se como podem, e veem o mundo dos Espíritos conforme suas ideias, assim como uma criança, utilizando imagens mentais para descrever algo que ela não compreende, fala de coisas que imputamos apenas à imaginação, mas que, no fundo, tem seu significado. O erro, aqui, seria tomar o “palácio” como uma expressão da verdade espiritual permanente.)).
Poderíamos tomar essa comunicação como mais uma base de suporte para o sistema das cidades espirituais. Kardec, porém, agindo de forma científica, não sistematizou sobre essa ideia, mas apenas viu nela algo muito interessante para ser pesquisado. Daí, surgiu a hipótese de que, no mundo dos Espíritos, a matéria terrestre poderia ter um “duplo etérico”. No artigo “Mobiliário de além-túmulo”, da Revista de agosto de 1859, ele pergunta a São Luis:
5. ─ Haveria um desdobramento da matéria inerte? Haveria no mundo invisível uma matéria essencial, revestindo a forma dos objetos que vemos? Numa palavra, esses objetos teriam o seu duplo etéreo no mundo invisível, como os homens aí são representados em Espírito?
─ Isto não se passa dessa maneira. O Espírito tem sobre os elementos materiais disseminados em todo o espaço, na nossa atmosfera, um poder que estais longe de suspeitar. Ele pode, à vontade, concentrar esses elementos e lhes dar uma forma aparente, adequada a seus projetos.
Não ficando satisfeito com a resposta, questiona:
6. ─ Faço novamente a pergunta de maneira categórica, a fim de evitar qualquer equívoco. As roupas com que se cobrem os Espíritos são alguma coisa? ─ Parece que a minha resposta anterior resolve a questão. Não sabeis que o próprio perispírito é alguma coisa?
No mesmo artigo, pouco antes, Kardec se refere especialmente ao caso do Espírito de um encarnado, que se apresentou em outro lugar, para uma pessoa, com as mesmas características do corpo físico e carregando sua tabaqueira. Reproduzimo-la, por ser autoexplicativa:
3. ─ Essa tabaqueira tinha a forma daquela que ele usa habitualmente, e que estava em sua casa. O que era essa tabaqueira entre as mãos do Espírito? ─ Sempre aparência. Era para que as circunstâncias fossem notadas, como o foram, e para que a aparição não fosse tomada por uma alucinação produzida pelo estado de saúde da vidente. O Espírito queria que essa senhora acreditasse na realidade de sua presença e tomou todas as aparências da realidade.
4. ─ Dizeis que é uma aparência, mas uma aparência nada tem de real; é como uma ilusão de óptica. Eu gostaria de saber se essa tabaqueira não era senão uma imagem irreal, como, por exemplo, a de um objeto que se reflete num espelho.
(Um dos membros da Sociedade, o Sr. Sanson, faz observar que na imagem reproduzida pelo espelho há qualquer coisa de real. Se a imagem não fica no espelho, é que nada a fixa, mas se for projetada sobre uma chapa do daguerreótipo, deixa uma impressão, prova evidente de que é produzida por uma substância qualquer e que não é apenas uma ilusão de óptica).
─ A observação do Sr. Sanson é perfeitamente justa. Teríeis a bondade de nos dizer se existe alguma analogia com a tabaqueira, isto é, se existe algo de material nessa tabaqueira?
─ Certamente. É com o auxílio desse princípio material que o perispírito toma a aparência de vestimenta semelhante às que o Espírito usava quando vivo. OBSERVAÇÃO: Evidentemente o vocábulo aparência deve aqui ser tomado no sentido de imagem, de imitação. A tabaqueira real lá não estava. A que o Espírito tinha era apenas uma reprodução. Comparada à original, era apenas uma aparência, conquanto formada por um princípio material.
A experiência nos ensina que não devemos tomar ao pé da letra certas expressões usadas pelos Espíritos. Interpretando-as segundo as nossas ideias, expomo-nos a grandes equívocos, por isso devemos aprofundar o sentido de suas palavras, sempre que existe uma ambiguidade mínima. Eis uma recomendação feita constantemente pelos Espíritos. Sem a explicação que provocamos, o vocábulo aparência, repetido continuamente em casos análogos, poderia dar lugar a uma falsa interpretação.
A imagem do espelho é aqui tomada como uma metáfora. Naquela época, não se conhecia os princípios físicos dessa imagem, crendo-se, em geral, que ela era algo irreal, uma “aparência“. A justa observação do Sr. Sanson demonstra que o reflexo no espelho tem algo de real, pois, se em lugar do espelho, fosse uma chapa fotossensível, como a do daguerreótipo, essa imagem ficaria gravada. Eles não tinham como explicar o fenômeno, por isso utilizavam metáforas. O Espírito de São Luis responde com a exatidão confirmada pela ciência moderna: assim como o reflexo no espelho e a gravação da fotografia agem por efeito da interação com fótons de luz, a aparência que toma o perispírito resulta da interação da vontade do Espírito sobre o elemento tomado do fluido cósmico universal. Isto se conclui na questão n.º 25:
25. ─ Se o Espírito pode tirar do elemento universal os materiais para fazer todas essas coisas e dar a elas uma realidade temporária, com suas propriedades, também pode tirar dali o necessário para escrever. Consequentemente, isto nos dá a chave do fenômeno da escrita direta. ─ Finalmente o compreendeis.
O propósito deste artigo
Se o leitor nos acompanhou até aqui, entendeu que estamos traçando uma linha de raciocínios bastante clara: é um erro erigir sistemas sobre metáforas. Isso não é científico. Tendo-se colocado de lado a ciência espírita, os modernos espíritas têm formado complexos sistemas de ideias e princípios que, muitas vezes, fixam-se sobre uma frágil vareta fincada na areia. A questão toda é: nós precisamos retomar o Espiritismo como ciência e, antes de demonstrar nossa visão sobre isso, vamos deixar bem claro que, para isso, uma condição é imprescindível: estudar e conhecer o Espiritismo e os princípios dessa ciência (portanto, é lógico, estudar as obras de Allan Kardec), bem como estar compenetrado do assunto que se queira estudar.
O ponto interessante é que temos diversas pessoas plenamente capazes de retomar essa ciência nas áreas que lhes interessam. Temos grandes conhecedores do Espiritismo e das diversas ciências humanas, espalhados mundo afora: físicos, biólogos, filósofos, matemáticos, etc. A diferença está em que, na época de Kardec, as ciências estavam todas interconectadas pela metafísica e que praticamente todos os cientistas conheciam várias áreas da ciência((Sugestão de leitura: Autonomia – A História Jamais Contada do Espiritismo, por Paulo Henrique de Figueiredo)). Além disso, é interessante destacar que o princípio que rege o bom cientista é o desapego ao orgulho. Pode-se ter uma ideia prévia, como Kardec as teve; pode-se questionar respostas que divirjam dessa ideia, defendendo-a, como fez Kardec; porém, frente à evidência inegável do contrário, quando não sobram dúvidas de que a ideia prévia não se sustenta, deve o bom cientista deixar essa ideia de lado, escolhendo ficar com aquilo que atende à razão e à lógica.
É nesse ponto que o bom cientista e a boa ciência experimental divergem dos cientistas sistemáticos, que querem impor à Natureza a adequação às suas próprias ideias, como se isso fosse possível. São esses últimos que, baseando-se em metáforas, distorcidas e retorcidas à sua conveniência, elaboram intrincados sistemas que, não raramente, dominam a humanidade por um tempo expressivo. Vimos isso em várias áreas, e a ciência espírita não escapou desse problema.
Chegamos, enfim, ao ponto crucial deste artigo.
A retomada da ciência espírita
Imbuídos do propósito da retomada do estudo; interessados no restabelecimento da ciência espírita; aderentes ao propósito do abandono ou, ao menos, do questionamento dos sistemas; compenetrados do fato de que Kardec relegou ao futuro a continuidade e a elucidação das questões que ele não pôde tratar senão de maneira metafórica, vamos dar nossa visão sobre o que requer a recuperação da pesquisa espírita do ponto de vista da ciência experimental, detentores da compreensão de que, sim, podemos e devemos evocar espíritos para esse propósito. Basearemos, porém, nossas ideias, no verdadeiro guia do laboratório espírita dado por Allan Kardec: a Revista Espírita.
É muito fácil compreender, com o estudo dos primeiros anos da Revista Espírita, os princípios básicos necessários para a pesquisa científica do Espiritismo. Vamos dividi-los em duas seções: princípios morais e princípios práticos.
Princípios morais
Compromisso pessoal com a moral; desapego das próprias ideias.
Interesse na investigação legítima da verdade
Humildade e espírito de cooperação
Seriedade e responsabilidade na pesquisa
Formação de grupos coesos em ideias e princípios
Princípios práticos
Elaboração de grupos de pesquisa e estudo, onde só participem pessoas verdadeiramente conhecedoras do Espiritismo
Cooperação de médiuns, de preferência psicógrafos, com especial interesse nos psicógrafos mecânicos((Porque o controle dos centros motores necessários à fala é mais difícil e porque às respostas “psicofônicas” são mais difíceis de ser analisadas em sua independência com relação às ideias do próprio médium.)), desapegados de suas próprias personalidades e de seus próprios interesses nesse trabalho.
Organização cuidadosa de estudos, capacidade de analisar e separar o que é metafórico do que é literal nas comunicações
A pesquisa através das evocações
Dotados de princípios legítimos e da vontade de pesquisar, seriamente, determinado tema, os pequenos grupos – que devem operar em âmbito fechado ao público geral – serão dirigidos por um ou mais Espíritos mais elevados, cuja autoridade moral poderá ser facilmente estabelecida se o grupo for realmente compenetrado da ciência espírita. Esse Espírito, que, no caso de Kardec, seria São Luís, é aquele que cuidará de auxiliar na parte espiritual, encaminhando Espíritos comunicantes, complementando ideias, etc.
A pesquisa sobre um determinado tema ou princípio deve seguir, então, os seguintes passos, onde EG é o Espírito guia do grupo:
Ousei resumir em um fluxograma a complexidade das evocações com fins de pesquisa científica, mas é claro que o digrama apenas exemplifica os passos que o próprio Allan Kardec demonstrou tomar, sem demonstrar toda a complexidade por trás disso, no sentido da necessidade de conhecimentos, seriedade, compromisso moral, etc.
O fluxograma é bem simples e autoexplicativo, basta seguir as setas direcionais. Ele demonstra os passos da preparação prévia de questões, da seleção de Espíritos a evocar (porque evocar Espíritos sem um propósito sério dá na mesma que ficar à disposição de qualquer Espírito, e pode ser ainda pior), da verificação da evocabilidade e da utilidade da evocação daquele Espírito em particular, da realização da evocação e da realização das perguntas e do registro das respostas, antes às quais, frente a questionamentos pontuais presentes, poderão ser realizadas novas questões para esclarecimento, ao próprio Espírito ou ao Espírito guia e, enfim, da documentação e da posterior análise das respostas dadas, com a criação de uma “base de dados” do grupo e com a disponibilização, quando pertinente, da evocação e do estudo para outros grupos, que poderão analisá-las e buscar confirmações ou refutações em seus próprios estudos. O médium não faz parte do fluxograma, mas é claro que também tem um papel fundamental, tratado com dedicação na obra O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec.
É evidente que cada resposta precisará ser analisada com um grande cuidado pelo grupo, considerando a Psicologia e sabendo que os Espíritos, simplesmente por estarem livre do corpo, não ganham plenas luzes instantaneamente – por isso, sempre, a recomendação do estudo da Revisa Espírita, que evidencia o fato de Kardec nunca ter formado sistemas sobre ideias incompletas ou de um só Espírito, o que teria condenado o Espiritismo ao misticismo, logo em seu primeiro ano de estudos.
E o que podemos perguntar? Com seriedade, honestidade e conhecimento do Espiritismo, tudo. Isto é: é claro que, satisfazendo as condições expressas, não iremos realizar uma evocação para pedir a previsão da loteria, nem para fazer o mal, isto é evidente. Mas, por exemplo, poderíamos evocar alguns Espíritos para buscar compreender mais a fundo essas ideias de fluidos, frente ao conhecimento da física moderna. Por que não? Talvez isso possa ser aprofundado ou, quem sabe, recebamos uma resposta do tipo “ainda faltam conhecimentos para que o ser humano possa compreender esses conceitos”.
As falsas ideias
É um erro pensar que os tempos modernos vão atrapalhar esse trabalho, imaginando que a facilidade da comunicação vai “contaminar” as ideias entre os grupos. Os Espíritos não revelam um conhecimento de forma exclusiva, mas, antes, o espalham por toda parte, onde houverem pessoas aptas ao estudo. Se uma falsa ideia for aceita por um grupo e divulgada aos outros, se os outros forem grupos sérios, facilmente a rejeitarão, porque verão os Espíritos demonstrando seu erro. A facilidade de comunicação, antes, vai facilitar esse trabalho, desde que exista a seriedade nos grupos que se comunicam.
Também é falso supor que o pesquisador espírita tenha que ser uma tela em branco. Não! O pesquisador sempre vai partir de uma ou mais hipóteses, que ele precisará testar numa população – no caso, a dos Espíritos. Ele pode ter uma ideia prévia porque, com base nos seus conhecimentos, é para onde lhe aponta a razão, e pode ver essa ideia ser confirmada ou refutada na prática das evocações. Se o pesquisador não tiver apego às suas próprias ideias, isto é, se não houver orgulho, ele as abandonará quando a razão apontar em outra direção, por novos fatos e evidências.
Eis aí, amigos, tudo o que é necessário para a retomada da pesquisa espírita. Ao invés de se apegarem às ideias erigidas sobre metáforas e figuras, arregacemos as mangas e nos coloquemos ao trabalho, que deve começar com o estudo e o entendimento da obra de Kardec, em seu contexto. Muito em breve, cremos, teremos um material ainda mais completo para essa correta compreensão. Sem atropelações, portanto, tomemos o primeiro passo e estudemos((Lembrando que, de acordo com o que nos mostram os fatos, as obras O Céu e o Inferno e A Gênese foram adulterados em suas respectivas 4.ª e 5.ª edições, motivo pelo qual indicamos a leitura das recentes edições da editora FEAL, que trazem na capa o termo “versão original” e com preciosas notas explicativas de Paulo Henrique de Figueiredo e outros)). O que virá disso será a consequência, pois bem sabemos que não estamos abandonados à própria sorte.
As adulterações
Outro fator importante nesse conjunto é a questão das adulterações das obras O Céu e o Inferno, a partir da 4.ª edição, e de A Gênese, a partir da 5.ª edição. Digam o que quiserem aqueles que querem transformar evidências em provas: para nós, a esta altura, não há outra forma de concluir senão pela adulteração dessas obras, posto que elas não condizem, nas edições alteradas, nem sequer com o que Kardec desenvolvia na Revista Espírita, além de introduzem pontos desconexos entre si e que mutuamente se contradizem. Baseados nessas edições, alguns sistemas foram elaborados, sendo um dos mais danosos a ideia do pagamento de dívidas através da encarnação, como um castigo. O restabelecimento das obras originais, sendo especialmente realizado pela Editora FEAL, foi de substancial importância nesse sentido.
A condição principal
Para que o desenvolvimento doutrinário seja retomado, será necessário desapego da personalidade, não só do pesquisador e do médium, mas também do Espírito evocado. A Doutrina demonstra a condição coletiva dos Espíritos e demonstra que, ao evocar, por exemplo, São Luis, outro Espírito pode responder em seu lugar. Para que esse seja um bom Espírito, que represente a mesma ideia, é necessário que o grupo esteja imbuído de tudo aquilo que demonstramos acima, evocando os bons Espíritos e, sob a tutela desses, realizando os estudos com Espíritos que, por ventura, sejam menos elevados. Além disso, para a retomada do Espiritismo, além da necessidade de recuperar a Doutrina “em Kardec”, de forma muito bem compreendida (porque os Espíritos só podem ensinar a partir de princípios verdadeiros), será necessário que isso se espalhe por diversos grupos pelo mundo, para que possa voltar a existir as condições de concordância universal do ensinamento.
O artigo presente, “Deus não se vinga”, foi extraído textualmente de Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1865 > Maio > Dissertações espíritas.
I – As idéias preconcebidas
Nós vos temos dito muitas vezes que examineis as comunicações que vos são dadas, submetendo-as à análise da razão, e que não tomeis sem exame as inspirações que vêm agitar o vosso espírito, sob a influência de causas por vezes muito difíceis de constatar pelos encarnados, submetidos a distrações sem número.
As ideias puras que, por assim dizer, flutuam no espaço (segundo a ideia platônica), levadas pelos Espíritos, nem sempre podem alojar-se sós e isoladas no cérebro dos vossos médiuns. Muitas vezes elas encontram o lugar ocupado por ideias preconcebidas que se escoam com o jacto de inspiração, que o perturbam e o transformam de maneira inconsciente, é certo, mas algumas vezes de maneira bastante profunda para que a ideia espiritual seja, assim, inteiramente desnaturada.
A inspiração encerra dois elementos: o pensamento e o calor fluídico destinado a aquecer o espírito do médium, dando-lhe o que chamais a verve da composição. Se a inspiração encontrar o lugar ocupado por uma ideia preconcebida, da qual o médium não pode ou não quer desligar-se, nosso pensamento fica sem intérprete, e o calor fluídico se gasta em aquecer um pensamento que não é o nosso. Quantas vezes, em vosso mundo egoísta e apaixonado, vimos trazer o calor e a ideia! Desdenhais a ideia, que vossa consciência deveria fazer-vos reconhecer, e vos apoderais do calor em proveito de vossas paixões terrestres, assim por vezes dilapidando o bem de Deus em proveito do mal. Assim, quantas contas terão que prestar um dia todos os advogados das causas perdidas!
Sem dúvida seria desejável que as boas inspirações pudessem dominar sempre as ideias preconcebidas, mas, então, nós entravaríamos o livre-arbítrio da vontade do homem, e este último escaparia, assim, à responsabilidade que lhe pertence. Mas se somos apenas os conselheiros auxiliares da Humanidade, quantas vezes nos temos que felicitar, quando nossa ideia, batendo à porta de uma consciência reta, triunfa da ideia preconcebida e modifica a convicção do inspirado! Contudo, não se deveria crer que nosso auxílio mal-empregado não traia um pouco o mau uso que dele podem fazer. A convicção sincera encontra acentos que, partidos do coração, chegam ao coração; a convicção simulada pode satisfazer a convicções apaixonadas, vibrando em uníssono com a primeira, mas carrega um frio particular, que deixa a consciência insatisfeita e denota uma origem duvidosa.
Quereis saber de onde vêm os dois elementos da inspiração medianímica? A resposta é fácil: a ideia vem do mundo extraterreno, é a inspiração própria do Espírito. Quanto ao calor fluídico da inspiração, nós o encontramos e o tomamos de vós mesmos; é a parte quintessenciada do fluido vital em emanação. Algumas vezes tomamo-la do próprio inspirado, quando este é dotado de um certo poder fluídico (ou medianímico, como dizeis); o mais das vezes nós o tomamos em seu ambiente, na emanação de benevolência de que ele está mais ou menos rodeado. É por isto que se pode dizer com razão que a simpatia torna eloquente.
Se refletirdes atentamente nestas causas, encontrareis a explicação de muitos fatos que a princípio causam admiração, mas dos quais cada um possui uma certa intuição. Só a ideia não bastaria ao homem, se não lhe dessem a força para exprimila. O calor é para a ideia o que o perispírito é para o Espírito, o que o vosso corpo é para a alma. Sem o corpo a alma seria impotente para agitar a matéria; sem o calor, ideia seria impotente para comover os corações.
A conclusão desta comunicação é que jamais deveis abdicar de vossa razão, no exame das inspirações que vos são submetidas. Quanto mais ideias adquiridas tem o médium, mais é ele susceptível de ideias preconcebidas; também mais deve fazer tábula rasa de seus próprios pensamentos, depositar as influências que o agitam e dar à sua consciência a abnegação necessária a uma boa comunicação.
II – Deus não se vinga
O que precede é apenas um preâmbulo destinado a servir de introdução a outras ideias. Falei de ideias preconcebidas, mas há outras além das que vêm das inclinações do inspirado; há as que são consequência de uma instrução errônea, de uma interpretação acreditada num tempo mais ou menos longo, que tiveram sua razão de ser numa época em que a razão humana estava insuficientemente desenvolvida e que, passadas ao estado crônico, não podem ser modificadas senão por heróicos esforços, sobretudo quando têm por si a autoridade do ensino religioso e de livros reservados. Uma destas ideias é esta: Deus se vinga. Que um homem, ferido em seu orgulho, em sua pessoa ou em seus interesses se vingue, isto se concebe. Essa vingança, embora culposa, está dentro dos limites das imperfeições humanas, mas um pai que se vinga em seus filhos levanta a indignação geral, porque cada um sente que um pai, com a tarefa de formar os seus filhos, pode redirecionálos nos seus erros e corrigir seus defeitos por todos os meios ao seu alcance, mas que a vingança lhe é interdita, sob pena de tornar-se estranho a todos os direitos da paternidade.
Sob o nome de vindita pública, a Sociedade que está desaparecendo vingava-se dos culpados; a punição infligida, muitas vezes cruel, era a vingança que ela tomava do homem perverso. Ela não tinha a menor preocupação com a reabilitação desse homem e deixava a Deus o cuidado de puni-lo ou de perdoá-lo. Bastava-lhe ferir pelo terror, que julgava salutar, os futuros culpados. A Sociedade que vêm não mais pensa assim; se ela ainda não age em vista da emenda do culpado, ao menos compreende o que a vingança encerra de odioso por si mesma; salvaguardar a Sociedade contra os ataque de um criminoso lhe basta, auxiliada pelo medo de um erro judiciário. Em breve a pena capital desaparecerá dos vossos códigos.
Se hoje a Sociedade se sente grande demais diante de um culpado, para se deixar ir à cólera e dele vingar-se, como quereis que Deus, participando de vossas fraquezas, se tome de um sentimento irascível e fira por vingança um pecador chamado ao arrependimento? Crer na cólera de Deus é um orgulho da Humanidade, que imagina ter um grande peso na balança divina. Se a planta do vosso jardim vem mal, se se desvia, ireis encolerizar-vos e vos vingar dela? Não; endireitá-la-eis, se puderdes, dar-lhe-eis um apoio, forçareis, por entraves, as suas más tendências, se necessário a transplantareis, mas não vos vingareis. Assim faz Deus.
Deus vingar-se, que blasfêmia! Que diminuição da grandeza divina! Que ignorância da distância infinita que separa a criação de sua criatura! Que esquecimento de sua bondade e de sua justiça!
Deus viria, numa existência em que não vos resta nenhuma lembrança de vossos erros passados, fazer-vos pagar caro pelas faltas que podeis ter cometido numa época apagada em vosso ser! Não, não! Deus não age assim. Ele entrava o impulso de uma paixão funesta, corrige o orgulho inato por uma humildade forçada, endireita o egoísmo do passado pela urgência de uma necessidade presente que leva a desejar a existência de um sentimento que o homem não conheceu nem experimentou. Como pai, ele corrige, mas, também como pai, Deus não se vinga.
Guardai-vos dessas ideias preconcebidas de vingança celeste, restos dispersos de um erro antigo. Guardai-vos dessas tendências fatalistas, cuja porta está aberta para vossas doutrinas novas, e que vos conduziriam diretamente ao quietismo oriental. A parte de liberdade do homem já não é bastante grande para apequená-la ainda mais por crenças errôneas. Quanto mais sentirdes vossa liberdade, sem dúvida maior será a vossa responsabilidade, e tanto mais os esforços de vossa vontade vos conduzirão à frente, na via do progresso.
Pascal
A joia cristalina, ofuscada pelo descuido
Ao iniciante espírita, disse assim uma colega:
– Comece pelas obras do Kardec. Depois Chico Xavier com André Luiz! Os livros do Luiz Sérgio também possuem grandes informações do mundo espiritual.
Ao que respondo:
– Se o “comece por Kardec” for realizado com um estudo sério, por anos a fio, passando inclusive pela Revista Espírita, ótimo, pois assim o indivíduo poderá entender e identificar os erros trazidos nas comunicações isoladas, a ponto de, por exemplo, compreender que Vale dos Suicidas, umbral e a Nosso Lar não passam de uma ilusão ou de uma criação de Espíritos em perturbação. Também poderá verificar que, apesar de muitos acertos, a obra de André Luiz tem erros, e que o livro Brasil, Coração do Mundo foi ditado por um ou mais Espíritos com a clara intenção de causar dano à Doutrina.
Como é muito difícil que o neófito espírita tome esse caminho compenetrado de estudos, eu, hoje, me abstenho totalmente de indicar qualquer coisa fora da “codificação”, preferindo recomendar que NÃO sejam lidas, senão depois do processo mencionado.
A Doutrina tem sofrido muito pela falta de empenho e de cuidado daqueles que dizem professa-la, de forma que, hoje, algo que antes era uma ciência, fácil de ser compreendida por aquele de boa vontade, tornou-se uma joia recoberta de inúmeras camadas de carvão e rochas, representadas pelo misticismo e pelos erros de opiniões, que precisam ser removidas para uma mera aceitação de se dedicar a estudá-la.
Desculpe, mas é isso. Tínhamos uma joia dilapidada, mas, por falta de cuidado e empenho, escolhemos recobri-la novamente, a ponto de quase não se enxergar mais seu brilho.
A prezada colega replica:
– Entendo sua opinião, mas tenho estudado muito essas obras e o que vejo é que uma obra prova a veracidade de outras! Mas sei que tem uma legião de espíritos inferiores influenciando e tentando acabar com a religião! Quando digo, Kardec, falo no Pentateuco!
Ao que respondo:
– Cuidado, pois a concordância dos Espíritos não é o único fator para construir a Doutrina. Muitos Espíritos podem passar a partilhar de uma mesma ideia errada, quando estão ainda na faixa de apego à matéria. Além disso, temos o problema das ideias fixadas paulatinamente no meio espírita e nos médiuns, que passam a traduzir as ideias do Espírito conforme as suas próprias.
Também não estamos falando de religião, mas de ciência espírita. Por isso a necessidade de cuidado, que não parte de uma opinião minha, mas dos fatos exaustivamente demonstrados por Kardec.
Revista Espírita, prezada amiga: lá está a compreensão da formação da Doutrina, dos passos tomados por Kardec, de suas observações sobre a psicologia dos Espíritos… Inclusive, lá ele conta que recebia milhares de comunicações espirituais, das quais, analisadas frente ao Espiritismo, poucas dezenas ou centenas eram aproveitáveis.
Essa ciência é seríssima, pois detém a chave para o avanço moral da humanidade. Atualmente, essa chave está bem enferrujada, por descuido.
E eu te provo esse ponto, em Kardec. Hoje a noite estudaremos a evocação do Espírito de Humboldt, apresentada na RE de junho de 1859. Em certa altura, temos o seguinte:
39. ─ A Geologia achará um dia os traços materiais da existência do homem na Terra antes do período adâmico?
─ A Geologia, não; o bom-senso, sim.
Esse Espírito, que foi um explorador, um cientista, não tinha informações ainda de que existiam os fósseis humanos datados de milhões de anos. Isso porque o Espírito não ganha sabedoria e conhecimento não adquiridos previamente, simplesmente por desencarnar. Assim, se suas palavras fossem levadas como regra, estaríamos, hoje, negando a existência desses fósseis.
E esse Espírito era até que bem esclarecido, humilde e em paz consigo mesmo. Imagine se ele estivesse em estado de perturbação, apegado a certas imperfeições e atavismos. Imagine o tipo de ideia e de ilusão ele poderia dizer. Imagine, enfim, pelo meio de que palavras o faria.
Espiritismo não se constrói sem metodologia racional de investigação. Esse é o problema que sempre temos alertado, relembrando o que Kardec demonstrou na prática.
Kardec não imaginou, não supôs, não pressupôs, não buscou opiniões sobre a forma como agiam os Espíritos e os cuidados que seriam necessários na comunicação com eles. Não: ele aprendeu na prática, e deixou esse aprendizado registrado para todos que queiram aprender, na Revista Espírita, de 1858 a 1869.
Kardec nem sequer supunha a existência de Espíritos após a morte do corpo. Foi a investigação dos fatos, que ele relutou em fazer, que o levou a essa constatação. Como, então, sondar algo que não se pode ver nem ouvir diretamente? Através da metodologia. Foi através da investigação cuidadosa que Kardec verificou que a reencarnação, cuja ideia ele relutou em aceitar, era um princípio fundamental, e foi através da mesma investigação que ele constatou que o Espírito que deixa a matéria não ganha sabedoria e conhecimento que não possuía. Repito: constatou.
Constatou, da mesma forma, que os Espíritos podem mentir, podem falar do que acham que sabem, sem realmente saberem, podem falar de suas ilusões que os perturbam, podem falar do que realmente sabem, por mais limitado que seja, e podem falar, quando são realmente superiores, de uma sabedoria superior, o que se atesta pela concordância, pela lógica e pela razão.
O Movimento Espírita está ruindo e, nesse processo, causando grande entrave na propagação do Espiritismo, justamente por não observar esse ponto mais que fundamental da psicologia espírita! É todo um prédio construído sobre pilares apoiados na argila, que, enquanto racha e afunda, compromete o solo abaixo.
Cada um tem a liberdade, garantida por Deus, de acreditar e concluir conforme a razão lhe convenha, ou mesmo conforme os apegos que escolhe cultivar. Contudo, ao dar compartilhar informações erradas sobre algo tão sério, torna-se responsável pelo efeito de suas ações, sobretudo quando o não conhecer deve-se a uma resistência em estudar e se flagrar errado.
É passada a hora de mudar essa mentalidade estagnada, mesquinha e egoísta. Queremos fazer o bem? Então, se temos, ao nosso alcance, a oportunidade de conhecer, conheçamos, porque, se podemos nos desculpar, ante nossa própria consciência, por produzir o mal por impossibilidade de acesso ao conhecimento, já não podemos fazer o mesmo quando esse conhecimento é constantemente apresentado em nosso caminho e, muitas vezes por vaidade e orgulho, escolhemos não conhecer, para continuar falando com base em nossas próprias opiniões.
E essa resistência, como anda?
E então, meu amigo, como anda essa resistência? Sim, essa mesma, de mergulhar sobre Kardec. Não mentiremos: não é fácil. Mas quem disse que aprender é fácil? Leva tempo e esforço, sim. Ah, falta tempo? Será que falta, mesmo? E esse tempo que você deve estar gastando vendo vídeos no Facebook ou no Instagram? Não, de forma alguma dizemos que relaxar de mente “vazia” não seja importante, sobretudo após um longo dia de trabalho… Mas será que não daria para encaixar uma leitura antes de dormir? Meia horinha, que seja, já ajuda muito. Ah, você aprende melhor ouvindo? Resolvido: hoje, os aplicativos como Google Books e Amazon Alexa fazem leitura instantânea, em voz, para você.
Não, de forma alguma nos colocamos na condição do aluno exemplar. Longe disso. Tem gente que está muito mais à frente, muito mais envolvida, muito mais dedicada. Mas cada um faz o que pode. A questão é que o “não posso”, muitas vezes, simplesmente dá lugar à ocupação inútil do tempo… E você já conhece aquele ditado: “mente vazia é oficina do diabo”. Não do diabo, propriamente, mas vai saber o tipo de companhia que nos rodeia quando nossa mente está apenas mergulhada nessa materialidade do dia-a-dia…
Será que, no fundo, o que existe não é uma resistência? Analise-se — não precisa contar para ninguém. Será que o que existe não é uma acomodação, porque é mais fácil acreditar no pouco que se sabe — nas próprias luzes, diria Kardec — ou naquilo que te dizem? Bom, aqui temos uma má notícia: a Criação é fundamentada na autonomia, e só existe um ser no espaço universal capaz de te fazer progredir — e não é Deus: é você mesmo. O progresso, porém, é feito de dois componentes: inteligência e moral. Para o Espírito progredir em moral, é necessário haver inteligência — não essa inteligência de um Einstein, mas a inteligência que raciocina, baseada em conhecimentos. E eis que a Doutrina Espírita, formada pelo estudo científico de Kardec (sim, científico) nos trouxe um conhecimento incrivelmente profundo e transformador.
Sim, eu sei: ler romances e histórias sobre lugares fantásticos é muito gostoso e ativa a imaginação. Mas será que a ausência dos estudos de Kardec, preferindo os romances, não se deve também a uma resistência de sua parte, ligada, quem sabe, a uma pontinha de orgulho em imaginar que detém a verdade — sobretudo quando se estudou essa “verdade” por décadas a fio?
Sim, eu também sei: é uma droga estar errado. Ninguém gosta de se constatar em erro. Mas, ei!, é assim mesmo: a evolução é baseada em tentativa e erro, ou em acerto. “Errar é humano”. O problema é se apegar ao erro. E, outra má notícia: ao estudar Kardec, sim, veremos que estamos, muitas vezes, apegados a uma série de erros flagrantes. Sim, é chato verificar que gastamos longas décadas aprendendo Espiritismo do jeito errado, mas, bem, quem não erra? Além disso, muito dificilmente teremos errado por vontade. Muitas vezes, a própria força das circunstâncias nos leva a isso: crescemos no meio, que aprendeu também da forma errada. O que tínhamos ao nosso alcance era o produto dessa cultura. Ok, acontece.
Não, a finalidade do Espiritismo não é a mediunidade, sobretudo essa mediunidade que só serve como telefone à espera de um chamado, bem como não é analisar a vida alheia para identificar se fulano está passando por tal dificuldade por ter, como muitos supõem, “chutado cachorro” na vida passado. Não.
Então, chegando a esse ponto, eu novamente pergunto: e essa resistência? Por que essa resistência? Os próprios Espíritos superiores — sim, também sinto dizer, mas a gente está bem lá no fim da fila, bem no primeiro degrau da escala evolutiva consciente — eles próprios dedicam um esforço muito grande, por caridade desinteressada, por dever moral, para nos ajudar a compreender. E a codificação está aí para isso. Mas — caramba, outra má notícia! — não basta ler O Livro dos Espíritos como código sagrado, nem abrir O Evangelho Segundo o Espiritismo aleatoriamente, seguindo as comunicações dos Espíritos como tábua da salvação, sem raciocinar. Não, sinto dizer. Espiritismo é ciência e, como ciência, é progressiva.
– Quer dizer que os Espíritos não deram algo pronto para seguirmos?
Não, de forma alguma, nunca. E isso está muito bem demonstrado naquela tal publicação que você certamente já ouviu falar, mas continua resistente em estudar: a Revista Espírita. Pois é. Essa publicação mensal, de 1858 a 1869, foi elaborada por Kardec com uma finalidade muito sábia: após O Livro dos Espíritos, ele precisava de uma forma de disseminar o conhecimento, ao mesmo tempo em que pudesse firmar correspondência com gente de toda parte, recebendo, assim, de toda parte, as confirmações ou as negações das comunicações dadas isoladamente pelos Espíritos. A Revista Espírita era o laboratório de Kardec, onde podemos compreender muito bem a formação da Doutrina Espírita, culminando, enfim, nas suas duas obras finais — O Céu e o Inferno e A Gênese.
Então, novamente, por que a resistência em estudá-la? Sim, já disse: eu sei que não é fácil, sobretudo se for sozinho, mas hoje temos a facilidade da comunicação instantânea pela Internet. Será que é mesmo assim tão impossível encontrar uma horinha da semana para um estudo em grupo? Reflita. Mas já adianto: não existe professor de Espiritismo. Cada um tem a liberdade de tomar conclusões racionais sobre o que conhece, sem dar, contudo, palavras finais sobre o que não está estabelecido. Isso não passaria de opinião, e opinião não é ciência, nem constrói nada além de erros religiosos, no sentido aqui abordado.
Mas será que essa resistência é medo? Medo de se ver em erro? Medo de perceber que já falou coisas erradas para outras pessoas? Medo, talvez, de notar que agiu errado e afastou pessoas da Doutrina, por expressar coisas erradas? Talvez? Bem, medo de se flagrar em erro é apego, e é uma capa protetora para algo muito mais profundo: o orgulho. Já dissemos: todo mundo erra. De nossa parte, você não faz ideia de quanto já erramos! Mas, de nossa parte, podemos dizer: como é bom perceber o erro em tempo, reconhecê-lo e, quem sabe, retomar contato com essas pessoas, dizendo: “eu estava errado, e tudo ou quase tudo o que eu te disse sobre o Espiritismo era falso. Veja, esta é a realidade.”.
No caminho da evolução, sempre haverá tempo. Nunca será tarde. Mas o apego nos faz viver por mais tempo afastados da felicidade. Fomos ensinados que estamos aqui pagar dívidas, como se a encarnação fosse um castigo? Bom, se o Espiritismo não apenas diz, mas demonstra o contrário, que ótimo! Fomos ensinados sobre uma vida plenamente material no mundo dos Espíritos, mas o Espiritismo demonstra ser isso uma ilusão do Espírito apegado? Bom, então não quero desenvolver esse apego! Fomos ensinados que não podemos evocar, mas apenas aguardar a comunicação dos Espíritos, às quais tomamos pela verdade, mas o Espiritismo demonstra que não é assim que funciona? Bom, então vamos corrigir e nos colocar no caminho novamente. Fomos ensinados que só se pratica Espiritismo no centro, mas Kardec demonstra uma realidade totalmente oposta — resguardada a necessidade de seriedade, conhecimento e propósito para isso? Bom, vamos perseguir essa realidade.
Podemos dizer, de nós: não temos medo de atestar nossa ignorância. Na verdade, o que tem se desacortinado à nossa frente sobre o Espiritismo, a nós, que mal podemos nos dizer estudantes aplicados, é maravilhoso, é empolgante, afasta o sobrenatural, derruba o misticismo e mostra que o Espiritismo tem uma profundidade nunca antes compreendida.
Vamos estudar? Estamos aqui para ajudar com o que pudermos! Quer dicas? Quer estudar conosco? Quer criar um canal de dúvidas e debate sobre aquilo que cada grupo estuda? Quer sugestões de como e por onde começar? Estamos aqui. Estamos longe de possuirmos o modelo ideal que se aplique a qualquer situação, mas já passamos por algum aprendizado, nesses quase dois anos de estudos. Conte conosco.
O estudo da Revista Espírita, logo no primeiro ano, desconstrói muitos erros inseridos no meio espíritas, sendo o mais sério e presente deles o hábito de nos guiar cegamente pelas opiniões de Espíritos isolados, mas também nos mostra muitas verdades antes desconhecidas, além de nos deixar com muitas dúvidas sobre outras coisas, dúvidas essas que somente serão respondidas com o estudo continuado dessa obra. Por isso a recomendação de que ninguém se coloque na posição de ter a palavra final, nem de tomar conclusões precipitadas. Conjecturar, com base em conhecimentos prévios, não é proibido. Chegar a conclusões distintas, também não é proibido. O que importa é buscar a construção conjunta do entendimento, em cooperação, e não em disputa. O importante é que o único meio de conhecer o Espiritismo é esse: estudando Kardec, de preferência de posse do conhecimento do contexto científico no qual a Doutrina Espírita se desenvolveu (vide Obras Recomendadas).
Você já parou para refletir sobre as oportunidades perdidas? No dia-a-dia, tendemos a esquecer que não estamos esquecidos, e que existe um bom Espírito frequentemente nos inspirando. Quantas vezes será que ele já não te levou ao contato de estudos importantes, e quantas vezes será que você já não deixou de lado essa oportunidade? Dizemos isso de nossa própria parte.
Então, chega de resistência, chega de culpar o que é externo, e vamos estudar?
Ps: não custa dizer que, na ilustração da capa, o diabinho é nosso próprio apego, que nos conduz ao mal, e não uma figura externa qualquer. Da mesma forma que escolhemos, por nossa própria vontade, não ouvir os bons conselhos dos Espíritos superiores, escolhemos ouvir ou não ouvir os maus conselhos dos Espíritos imperfeitos que afeiçoam a nós pelos nossos apegos.
O Espiritismo tem preconceito contra a umbanda?
Talvez muitos espíritas tenham, da mesma forma que muitos umbandistas tem, em relação ao Espiritismo, e da mesma forma que praticamente todo ser humano pode ter preconceitos. Ficar apontando e definindo “lados” é, definitivamente, algo que não ajuda muito no progresso humano. De qualquer forma, aproveito o ensejo para lembrar o seguinte:
Em primeiro lugar, é necessário separar o que Espiritismo do que é o “Movimento Espírita”. O primeiro é uma doutrina sólida e científica, racional, baseada no ensinamento concorde dos Espíritos, dados por toda a parte e por todos os tempos. O segundo, é o conjunto das pessoas que se consideram atraídas pelas ideias dessa Doutrina e que, contudo, nem sempre agem de acordo com seus postulados – infelizmente é o que mais acontece hoje em dia.
O Espiritismo, como Doutrina Científica, não força nada a ninguém: apresenta suas conclusões e deixa a cada um a liberdade de aceitá-las ou não. Contudo, muitas pessoas, ditas espiritualistas, mesmo tendo conhecimento da existência dessa Doutrina, escolhem não se informar a respeito dela, julgando o livro pela capa, isto é, agindo preconceituosamente a seu respeito, afirmando que se trata de mais uma religião, ou que se trata de mais uma opinião, ou que, ainda, O Livro dos Espíritos – obra básica dessa Doutrina – não passa de mais um livro, escrito por Kardec, conforme suas próprias ideias.
Quantas são as pessoas que se metem em dificuldades, no que tange ao contato com os Espíritos, e que, quando convidadas a estudar a Doutrina Espírita (que se chama assim porque pertence aos Espíritos, e não a um só homem ou grupo) preferem continuar em suas velhas concepções, resistindo a buscar novos conhecimentos?
Diz-se que a umbanda nasceu de uma cisão dentro de um centro Espírita, quando os participantes daquele grupo não aceitaram a comunicação de um “preto velho” naquele meio. Ora, se é verdade, também não são menos culpáveis do que os outros indivíduos, que insistem em considerar a base da Ciência Espírita como “letra morta e superada”.
Disso tudo, fica um aprendizado: para entender o Espiritismo, sendo ele uma ciência, nascido, aliás, como um desenvolvimento do Espiritualismo Racional, que também era uma doutrina científica que abarcava o estudo da psicologia, da metafísica e da moral, não prescinde do estudo de suas obras básicas, assim como, para entender a Física não prescinde do estudo de Isaac Newton e de Einstein. Assim como a Física apresenta seus postulados, mas muitas pessoas insistam em ignorá-la para dizer que a força gravitacional não existe, o mesmo é feito a respeito do Espiritismo, que não é uma “religião superior”, onde existem as “únicas verdades”, mas que é, sim, a única Doutrina Científica, até hoje, dedicada a estudar racionalmente as nossas relações com os Espíritos.
Aliás, quem estuda o Espiritismo sabe que ele, frente às outras religiões, vem demonstrar a verdade sobre tudo aquilo que sempre existiu mas, que nem sempre foi bem compreendido, da mesma forma que mostra os erros, frutos da inobservância da razão ou mesmo do desconhecimento de certas informações que, a seu tempo, começaram a ser ensinadas. São os demais indivíduos que, por orgulho ou interesses pessoais, muitas vezes não suportam ver um dogma desmentido, e escolhem atacar de volta à Doutrina Espirita. Reflitamos. Ao invés de escolher lados, entendamos: o Espiritismo, como ciência, pode ser estudado por todos os espiritualistas modernos, assim como o Magnetismo, ciência irmã da primeira. Mas, sem estudar e entender, tudo vai continuar na mesma: espíritas criando falsos conceitos a respeito das comunicações espíritas (espirituais) nas religiões diversas e as religiões diversas deixando de sorver conhecimentos tão libertadores, consoladores e progressistas como os do Espiritismo.
Espiritismo e Saúde Mental
Hoje, 10 de outubro, é Dia Internacional da Saúde Mental. E, como assunto de tal importância, não poderíamos deixá-lo passar em branco.
Iniciamos afirmando que, por ser de extrema importância, os menores sinais de inquietação e desequilíbrio, sejam eles de estresse descontrolado, melancolia/depressividade e outros transtornos, deveriam sempre motivar a busca por um acompanhamento psicológico profissional. Muitas de nossas inquietações partem não só de aspectos profundamente enraizados dentro de nós, mas também, muitas vezes, de desequilíbrios orgânicos. Somos Espíritos encarnados em um corpo, sendo que estes estão sujeitos às vicissitudes da matéria.
Isto colocado, avancemos para o aspecto espiritual de nossa saúde mental. Para nós, espíritas e, de forma global, para todo espiritualista, o cérebro não é apenas um reflexo químico e orgânico, mas é, antes, o órgão de expressão do Espírito, embora abafado em sua face real. Assim sendo, o Espírito – ou a alma – é quem preside à vontade, às escolhas e, numa palavra, ao livre-arbítrio.
Reconhecendo-nos, portanto, numa espécie de dualidade entre Espírito e matéria, compreendemos que todo tratamento que aborde a mente deveria abordar o indivíduo de forma holística, ou seja, integral, integrando corpo e Espírito. É claro que um bom acompanhamento psicológico profissional muito fará nesse sentido, mas não podemos negar que, ao abarcar a esfera espiritual existente, o tratamento sempre trará muito mais proveito nesse sentido.
O que estamos aqui tentando fazer é demonstrar que, em se tratando de saúde mental, não podemos ver tudo apenas pelo aspecto espiritual – sobretudo a respeito das prováveis obsessões espirituais – mas também pelo aspecto orgânico e fisiológico da questão. Por exemplo: podemos pensar que uma pessoa que vive estressada e que tenha eventos de descontrole emocional esteja sendo vítima de uma obsessão espiritual, quando, porém, ela apenas tem sintomas de pré-diabetes, o que lhe causa hipoglicemia, que leva a tais descontroles.
Não podemos, portanto, como espíritas, no acolhimento de quem e onde quer que seja tratar tudo como se fosse “problema espiritual”, o que seria muita irresponsabilidade. É sempre importante investigar o que se passa com o indivíduo, buscando saber se está fazendo acompanhamento psicológico, se está se tratando e, se não estiver, buscar encaminhar o irmão para tal tratamento.
Por outro lado, é importante destacar, sim, que o Espiritismo apresenta uma faceta importantíssima nesse aspecto, à medida que esclarece o indivíduo sobre as razões das dificuldades da vida e sobre a nossa relação constante com o mundo espiritual à nossa volta. Ora, quantos casos de loucura não se iniciam, também, por uma mente aberta e invigilante aos pensamentos de Espíritos da terceira ordem? Quantas vezes não somos alimentados, por conta de nossas imperfeições, nos mais sutis processos de alienação mental que, lentamente, vão nos provocando manias, medos e distúrbios variados?
Posto que somos Espíritos encarnados em um corpo e que quem comanda a nossa vontade é nosso Espírito, é claro que a raiz de todos os nossos problemas estará sempre no Espírito – mesmo no caso do pré-diabético, já que é por um mau hábito na alimentação, provocado por “seu Espírito”, que tal mal se instalou. Portanto, nesse sentido também, quanto mais o Espírito entende dos dispositivos e dos propósitos da vida, da necessidade da correção de suas imperfeições, do benefício da oração sobre a mente e do fato da associação mental, com encarnados e com desencarnados, segundo nossas inclinações mentais, mais lhe será fácil se manter mais equilibrado mentalmente.
Mas, e no caso de um processo de desequilíbrio já instalado? Aqui, como já dissemos, em primeira instância não podemos dispensar o tratamento psicológico profissional. Isso é imprescindível. Em segundo lugar, através do Espiritismo e do Magnetismo, podemos oferecer também um tratamento muito proveitoso:
Através da oração, buscar auxiliar o encarnado e os possíveis desencarnados na melhoria de seu campo mental;
Através do passe magnético, que pode ser feito inclusive pelos familiares, podemos buscar auxiliar diminuir os distúrbios e reflexos de tais desequilíbrios;
Afinal, porém, não podemos nos esquecer que o indivíduo que está passando por um grave distúrbio mental, como é o caso da esquizofrenia, pode ter uma necessidade em vivenciá-lo, fazendo mesmo parte de um planejamento reencarnatório, por razões como, por exemplo, fazê-lo se desligar um pouco de processos mentais antigos, que muito o afligem. Portanto, orar e buscar ajudar sempre, com fé, mas não esmorecendo ante à não cessação completa da doença.
Finalizando o assunto, gostaríamos de destacar que diferenciar os distúrbios patológicos dos casos de obsessão mediúnica é sempre muito importante, visto, como Kardec já identificou àquela época, que no último caso a medicação pode ser até prejudicial:
Não confundamos a loucura patológica com a obsessão; esta não provém de lesão alguma cerebral, mas da subjugação que Espíritos malévolos exercem sobre certos indivíduos, e que, muitas vezes, tem as aparências da loucura propriamente dita. Esta afecção, muito frequente, é independente de qualquer crença no Espiritismo e existiu em todos os tempos. Neste caso, a medicação comum é impotente e mesmo prejudicial.
Allan Kardec – O que é o Espiritismo?
Também não poderíamos de deixar de citar, aqui, na íntegra, o texto “O suicídio e a loucura”, de Allan Kardec, no cap. V do Evangelho Segundo o Espiritismo:
14. A calma e a resignação hauridas da maneira de considerar a vida terrestre e da confiança no futuro dão ao espírito uma serenidade que é o melhor preservativo contra a loucura e o suicídio. Com efeito, é certo que a maioria dos casos de loucura se deve à comoção produzida pelas vicissitudes que o homem não tem a coragem de suportar. Ora, se encarando as coisas deste mundo da maneira por que o Espiritismo faz que ele as considere, o homem recebe com indiferença, mesmo com alegria, os reveses e as decepções que o houveram desesperado noutras circunstâncias, evidente se torna que essa força, que o coloca acima dos acontecimentos, lhe preserva de abalos a razão, os quais, se não fora isso, a conturbariam.
15. O mesmo ocorre com o suicídio. Postos de lado os que se dão em estado de embriaguez e de loucura, aos quais se pode chamar de inconscientes, é incontestável que tem ele sempre por causa um descontentamento, quaisquer que sejam os motivos particulares que se lhe apontem. Ora, aquele que está certo de que só é desventurado por um dia e que melhores serão os dias que hão de vir, enche-se facilmente de paciência. Só se desespera quando nenhum termo divisa para os seus sofrimentos. E que é a vida humana, com relação à eternidade, senão bem menos que um dia? Mas, para o que não crê na eternidade e julga que com a vida tudo se acaba, se os infortúnios e as aflições o acabrunham, unicamente na morte vê uma solução para as suas amarguras. Nada esperando, acha muito natural, muito lógico mesmo, abreviar pelo suicídio as suas misérias.
16. A incredulidade, a simples dúvida sobre o futuro, as ideias materialistas, numa palavra, são os maiores incitantes ao suicídio; ocasionam a covardia moral. Quando homens de ciência, apoiados na autoridade do seu saber, se esforçam por provar aos que os ouvem ou leem que estes nada têm a esperar depois da morte, não estão de fato levando-os a deduzir que, se são desgraçados, coisa melhor não lhes resta senão se matarem? Que lhes poderiam dizer para desviá-los dessa consequência? Que compensação lhes podem oferecer? Que esperança lhes podem dar? Nenhuma, a não ser o nada. Daí se deve concluir que, se o nada é o único remédio heroico, a única perspectiva, mais vale buscá-lo imediatamente e não mais tarde, para sofrer por menos tempo. A propagação das doutrinas materialistas é, pois, o veneno que inocula a ideia do suicídio na maioria dos que se suicidam, e os que se constituem apóstolos de semelhantes doutrinas assumem tremenda responsabilidade. Com o Espiritismo, tornada impossível a dúvida, muda o aspecto da vida. O crente sabe que a existência se prolonga indefinidamente para lá do túmulo, mas em condições muito diversas; donde a paciência e a resignação que o afastam muito naturalmente de pensar no suicídio; donde, em suma, a coragem moral.
17. O Espiritismo ainda produz, sob esse aspecto, outro resultado igualmente positivo e talvez mais decisivo. Apresenta-nos os próprios suicidas a informar-nos da situação desgraçada em que se encontram e a provar que ninguém viola impunemente a lei de Deus, que proíbe ao homem encurtar a sua vida. Entre os suicidas, alguns há cujos sofrimentos, nem por serem temporários e não eternos, não são menos terríveis e de natureza a fazer refletir os que porventura pensam em daqui sair, antes que Deus o haja ordenado. O espírita tem, assim, vários motivos a contra por à ideia do suicídio: a certeza de uma vida futura, em que, sabe-o ele, será tanto mais ditoso, quanto mais inditoso e resignado haja sido na Terra: a certeza de que, abreviando seus dias, chega, precisamente, a resultado oposto ao que esperava; que se liberta de um mal, para incorrer num mal pior, mais longo e mais terrível; que se engana, imaginando que, com o matar-se, vai mais depressa para o céu; que o suicídio é um obstáculo a que no outro mundo ele se reúna aos que foram objeto de suas afeições e aos quais esperava encontrar; donde a consequência de que o suicídio, só lhe trazendo decepções, é contrário aos seus próprios interesses. Por isso mesmo, considerável já é o número dos que têm sido, pelo Espiritismo, obstados de suicidar-se, podendo daí concluir-se que, quando todos os homens forem espíritas, deixará de haver suicídios conscientes. Comparando-se, então, os resultados que as doutrinas materialistas produzem com os que decorrem da Doutrina Espírita, somente do ponto de vista do suicídio, forçoso será reconhecer que, enquanto a lógica das primeiras a ele conduz, a da outra o evita, fato que a experiência confirma.