Deus não se vinga

O artigo presente, “Deus não se vinga”, foi extraído textualmente de Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1865 > Maio > Dissertações espíritas.

I – As idéias preconcebidas

Nós vos temos dito muitas vezes que examineis as comunicações que vos são dadas, submetendo-as à análise da razão, e que não tomeis sem exame as inspirações que vêm agitar o vosso espírito, sob a influência de causas por vezes muito difíceis de constatar pelos encarnados, submetidos a distrações sem número.

As ideias puras que, por assim dizer, flutuam no espaço (segundo a ideia platônica), levadas pelos Espíritos, nem sempre podem alojar-se sós e isoladas no cérebro dos vossos médiuns. Muitas vezes elas encontram o lugar ocupado por ideias preconcebidas que se escoam com o jacto de inspiração, que o perturbam e o transformam de maneira inconsciente, é certo, mas algumas vezes de maneira bastante profunda para que a ideia espiritual seja, assim, inteiramente desnaturada.

A inspiração encerra dois elementos: o pensamento e o calor fluídico destinado a aquecer o espírito do médium, dando-lhe o que chamais a verve da composição. Se a inspiração encontrar o lugar ocupado por uma ideia preconcebida, da qual o médium não pode ou não quer desligar-se, nosso pensamento fica sem intérprete, e o calor fluídico se gasta em aquecer um pensamento que não é o nosso. Quantas vezes, em vosso mundo egoísta e apaixonado, vimos trazer o calor e a ideia! Desdenhais a ideia, que vossa consciência deveria fazer-vos reconhecer, e vos apoderais do calor em proveito de vossas paixões terrestres, assim por vezes dilapidando o bem de Deus em proveito do mal. Assim, quantas contas terão que prestar um dia todos os advogados das causas perdidas!

Sem dúvida seria desejável que as boas inspirações pudessem dominar sempre as ideias preconcebidas, mas, então, nós entravaríamos o livre-arbítrio da vontade do homem, e este último escaparia, assim, à responsabilidade que lhe pertence. Mas se somos apenas os conselheiros auxiliares da Humanidade, quantas vezes nos temos que felicitar, quando nossa ideia, batendo à porta de uma consciência reta, triunfa da ideia preconcebida e modifica a convicção do inspirado! Contudo, não se deveria crer que nosso auxílio mal-empregado não traia um pouco o mau uso que dele podem fazer. A convicção sincera encontra acentos que, partidos do coração, chegam ao coração; a convicção simulada pode satisfazer a convicções apaixonadas, vibrando em uníssono com a primeira, mas carrega um frio particular, que deixa a consciência insatisfeita e denota uma origem duvidosa.

Quereis saber de onde vêm os dois elementos da inspiração medianímica? A resposta é fácil: a ideia vem do mundo extraterreno, é a inspiração própria do Espírito. Quanto ao calor fluídico da inspiração, nós o encontramos e o tomamos de vós mesmos; é a parte quintessenciada do fluido vital em emanação. Algumas vezes tomamo-la do próprio inspirado, quando este é dotado de um certo poder fluídico (ou medianímico, como dizeis); o mais das vezes nós o tomamos em seu ambiente, na emanação de benevolência de que ele está mais ou menos rodeado. É por isto que se pode dizer com razão que a simpatia torna eloquente.

Se refletirdes atentamente nestas causas, encontrareis a explicação de muitos fatos que a princípio causam admiração, mas dos quais cada um possui uma certa intuição. Só a ideia não bastaria ao homem, se não lhe dessem a força para exprimila. O calor é para a ideia o que o perispírito é para o Espírito, o que o vosso corpo é para a alma. Sem o corpo a alma seria impotente para agitar a matéria; sem o calor, ideia seria impotente para comover os corações.

A conclusão desta comunicação é que jamais deveis abdicar de vossa razão, no exame das inspirações que vos são submetidas. Quanto mais ideias adquiridas tem o médium, mais é ele susceptível de ideias preconcebidas; também mais deve fazer tábula rasa de seus próprios pensamentos, depositar as influências que o agitam e dar à sua consciência a abnegação necessária a uma boa comunicação.

II – Deus não se vinga

O que precede é apenas um preâmbulo destinado a servir de introdução a outras ideias. Falei de ideias preconcebidas, mas há outras além das que vêm das inclinações do inspirado; há as que são consequência de uma instrução errônea, de uma interpretação acreditada num tempo mais ou menos longo, que tiveram sua razão de ser numa época em que a razão humana estava insuficientemente desenvolvida e que, passadas ao estado crônico, não podem ser modificadas senão por heróicos esforços, sobretudo quando têm por si a autoridade do ensino religioso e de livros reservados. Uma destas ideias é esta: Deus se vinga. Que um homem, ferido em seu orgulho, em sua pessoa ou em seus interesses se vingue, isto se concebe. Essa vingança, embora culposa, está dentro dos limites das imperfeições humanas, mas um pai que se vinga em seus filhos levanta a indignação geral, porque cada um sente que um pai, com a tarefa de formar os seus filhos, pode redirecionálos nos seus erros e corrigir seus defeitos por todos os meios ao seu alcance, mas que a vingança lhe é interdita, sob pena de tornar-se estranho a todos os direitos da paternidade.

Sob o nome de vindita pública, a Sociedade que está desaparecendo vingava-se dos culpados; a punição infligida, muitas vezes cruel, era a vingança que ela tomava do homem perverso. Ela não tinha a menor preocupação com a reabilitação desse homem e deixava a Deus o cuidado de puni-lo ou de perdoá-lo. Bastava-lhe ferir pelo terror, que julgava salutar, os futuros culpados. A Sociedade que vêm não mais pensa assim; se ela ainda não age em vista da emenda do culpado, ao menos compreende o que a vingança encerra de odioso por si mesma; salvaguardar a Sociedade contra os ataque de um criminoso lhe basta, auxiliada pelo medo de um erro judiciário. Em breve a pena capital desaparecerá dos vossos códigos.

Se hoje a Sociedade se sente grande demais diante de um culpado, para se deixar ir à cólera e dele vingar-se, como quereis que Deus, participando de vossas fraquezas, se tome de um sentimento irascível e fira por vingança um pecador chamado ao arrependimento? Crer na cólera de Deus é um orgulho da Humanidade, que imagina ter um grande peso na balança divina. Se a planta do vosso jardim vem mal, se se desvia, ireis encolerizar-vos e vos vingar dela? Não; endireitá-la-eis, se puderdes, dar-lhe-eis um apoio, forçareis, por entraves, as suas más tendências, se necessário a transplantareis, mas não vos vingareis. Assim faz Deus.

Deus vingar-se, que blasfêmia! Que diminuição da grandeza divina! Que ignorância da distância infinita que separa a criação de sua criatura! Que esquecimento de sua bondade e de sua justiça!

Deus viria, numa existência em que não vos resta nenhuma lembrança de vossos erros passados, fazer-vos pagar caro pelas faltas que podeis ter cometido numa época apagada em vosso ser! Não, não! Deus não age assim. Ele entrava o impulso de uma paixão funesta, corrige o orgulho inato por uma humildade forçada, endireita o egoísmo do passado pela urgência de uma necessidade presente que leva a desejar a existência de um sentimento que o homem não conheceu nem experimentou. Como pai, ele corrige, mas, também como pai, Deus não se vinga.

Guardai-vos dessas ideias preconcebidas de vingança celeste, restos dispersos de um erro antigo. Guardai-vos dessas tendências fatalistas, cuja porta está aberta para vossas doutrinas novas, e que vos conduziriam diretamente ao quietismo oriental. A parte de liberdade do homem já não é bastante grande para apequená-la ainda mais por crenças errôneas. Quanto mais sentirdes vossa liberdade, sem dúvida maior será a vossa responsabilidade, e tanto mais os esforços de vossa vontade vos conduzirão à frente, na via do progresso.

Pascal




Deus interfere em nossas vidas?

Permanece, em muitas mentes, a antiga imagem de Deus, atrelada aos conceitos de uma humanidade que não podia compreender aquilo que estava fora da matéria e das figuras humanas. Assim, criaram um Deus à sua imagem: um senhor barbudo, sentado num trono acima das nuvens, olhando – e julgando – a tudo e a todos.

Contudo, a mentalidade humana não é mais assim. Em mais de dois mil anos, se desenvolveu em razão e em ciência, e já não aceita mais, tão facilmente, os velhos dogmas das religiões humanas. Aliás, em questão de ciência, desde que sabemos que o céu não é uma abóbada e que, para todos os lados, se estende o Universo infinito, já não podemos mais supor essa imagem de Deus. Além disso, a razão mostra que Deus não se ocupa de nós diretamente, controlando nossas vidas. Longe disso, está demonstrado, pelo estudo do Espiritismo, que Deus age através de suas Leis, que são as Leis Naturais, que governam a tudo com perfeição.

Nasce, porém, uma dúvida: será que Deus está por toda a parte, como dizem? Será que Deus nos ouve? Será que aquele provérbio que diz que “nem uma folha cai sem a vontade de Deus” está correto?

Como sempre, o estudo do Espiritismo clareia o horizonte pela razão irretorquível. Vamos demonstrar a beleza das conclusões de Kardec, em A Gênese, mas lembramos ser importante se basear na nova edição, da FEAL, que é uma tradução baseada na quarta edição dessa obra, já que a quinta edição – a que deu base a todas as outras edições e traduções – foi adulterada.

Assim se expressa Allan Kardec, na obra citada:

20. A providência é a solicitude de Deus para com todas as criaturas. Deus está por toda parte, tudo vê e a tudo preside, mesmo as pequenas coisas; e é nisso que consiste sua ação providencial.“Como Deus, tão grande, tão poderoso, tão superior a tudo, pode imiscuir-se em detalhe ínfimos, preocupar-se com os menores atos e pensamentos de cada indivíduo? Essa é a pergunta que a incredulidade faz a si mesma, de onde ela conclui que, admitindo a existência de Deus, sua ação só deva se fazer sobre as leis gerais do Universo; que este funciona por toda eternidade, em virtude dessas leis, às quais cada criatura acha-se submetida em sua esfera de atividade, sem que seja necessário o concurso incessante da providência.

21. Em seu estado atual de inferioridade, os homens dificilmente compreendem um Deus infinito, porque, sendo eles mesmos restritos e limitados, só o entendem restrito e limitado como eles. Representam-no como um ser circunscrito e fazem dele uma imagem semelhante a si próprios. Os quadros que o pintam com traços humanos só contribuem para manter esse erro no espírito dos povos, que nele adoram mais a forma do que o pensamento. Para muita gente, ele é um soberano poderoso, sentado em um trono inacessível, perdido na imensidão dos céus; e por terem suas faculdades e percepções limitadas, não compreendem que Deus possa ou se digne a intervir diretamente nas pequenas coisas.

22. Ante a impossibilidade de compreender a essência da divindade, o homem só pode fazer dela uma ideia aproximada por meio de comparações, necessariamente muito imperfeitas, mas que podem, pelo menos, mostrar-lhe a possibilidade daquilo que, num primeiro momento, lhe parece impossível.

Suponhamos um fluido bastante sutil para penetrar em todos os corpos. É evidente que cada molécula desse fluido, encontrando-se com cada molécula da matéria, produzirá sobre os corpos uma ação idêntica àquela que produziria a totalidade do fluido. É o que a Química demonstra todos os dias, em proporções limitadas.

Esse fluido, não sendo inteligente, age mecanicamente, somente pelas forças materiais; mas, se o supusermos dotado de inteligência, de faculdades perceptivas e sensitivas, já não agirá às cegas, mas com discernimento, com vontade e liberdade; ele verá, entenderá e sentirá.

[…]

23. Por mais elevados que sejam, os Espíritos são criaturas limitadas em suas faculdades, em seu poder e na extensão de suas percepções, e não saberiam, sob esse aspecto, aproximar-se de Deus. Mas podemos nos servir deles, como ponto de comparação. O que o Espírito não pode executar, senão em um limite restrito, Deus, que é infinito, executa-o em proporções infinitas. Há ainda a diferença de que a ação do Espírito está momentaneamente subordinada às circunstâncias, e a de Deus é permanente; o pensamento do Espírito abarca durante um tempo um espaço circunscrito, o de Deus abarca o Universo e a eternidade. Em uma palavra, entre os Espíritos e Deus existe a distância do finito ao infinito.

24. O fluido perispiritual não é o pensamento do Espírito, mas o agente e o intermediário desse pensamento; como é ele que o transmite, de alguma forma, impregnado dele. Pela impossibilidade em que estamos de isolar o pensamento, parece-nos que ele e o fluido se confundem, como acontece com o som e o ar, de maneira que podemos, por assim dizer, materializá-lo. Da mesma forma que dizemos que o ar se torna sonoro, tomando o efeito pela causa, podemos dizer que o fluido se torna inteligente.

25. Que seja ou não assim quanto ao pensamento de Deus, quer dizer, que ele atue diretamente ou por intermédio de um fluido, para nosso raciocínio, vamos representá-lo sob a forma concreta de um fluido inteligente, preenchendo o Universo infinito, penetrando todas as partes da criação: a natureza inteira está imersa no fluido divino. Ora, em virtude do princípio de que as partes de um todo são da mesma natureza e têm as mesmas propriedades do todo, cada átomo desse fluido, se assim podemos nos exprimir, possuiria o pensamento, isto é, os atributos essenciais da divindade, e estando esse fluido por toda parte, tudo está sujeito à sua ação inteligente, à sua previsão, à sua solicitude. Não haverá um ser, por mais ínfimo que seja, que não esteja de alguma forma imerso nele. Estamos, assim, constantemente em presença da divindade e não podemos subtrair uma só de nossas ações, do seu olhar; nosso pensamento está em contato incessante com seu pensamento, e é com razão que se diz que Deus lê nas mais profundas entranhas do nosso coração; estamos nele, como ele está em nós, conforme a palavra de Cristo.

Para estender sua solicitude sobre todas as criaturas, Deus não tem necessidade de lançar seu olhar do alto da imensidão. Para que ouça nossas preces, não tem necessidade de transpor o espaço, nem que elas sejam ditas com voz retumbante, porque estando Deus incessantemente ao nosso lado, nossos pensamentos repercutem nele; são como os sons de um sino que fazem vibrar todas as moléculas do ar ambiente.

26. Longe de nós o pensamento de materializar a divindade. A imagem de um fluido inteligente universal é, evidentemente, apenas uma comparação capaz de dar uma ideia mais justa de Deus, que as pinturas que o representam sob uma figura humana. Essa comparação só objetiva a compreensão da possibilidade de Deus estar por toda parte e de se ocupar de tudo.

Vemos, portanto, que o Fluido Cósmico Universal, que origina toda a matéria, em qualquer estado possível, permeia a tudo. É esse fluido, conforme demonstra o Espiritismo, que conduz o pensamento por toda a parte. É por isso que é fácil entender que Deus está em tudo e que não é necessário se ajoelhar, olhar para o alto e formular certas palavras: ele ouve e conhece nossos mais íntimos pensamentos e necessidades.

Aliás, é esse mesmo fluido que conduz o nosso pensamento através do espaço infinito e chega até o pensamento de um Espírito em que pensemos:

Os fluidos espirituais que constituem um dos estados do fluido cósmico universal são a atmosfera dos seres espirituais. É o elemento de onde eles extraem os materiais sobre os quais agem; o meio onde se passam os fenômenos especiais, perceptíveis à vista e ao ouvido do Espírito e que escapam aos sentidos carnais impressionados somente pela matéria tangível. É, enfim, o veículo do pensamento, como o ar é o veículo do som

ibidem

É por esse motivo, que os Espíritos – bons ou maus – vêm, quase sempre prontamente, ao nosso chamado mental. E é em decorrência desse princípio que precisamos reconhecer que nunca estamos desprovidos de companhia, já que essa companhia não precisa ser “física”, como um Espírito que fique conosco durante todo o tempo. Um bom Espírito, inclusive um Espírito protetor ou anjo guardião, não precisa estar “plantado” ao nosso lado: basta que seu pensamento esteja projetado sobre nós e, da mesma forma, que o nosso pensamento esteja projetado sobre o dele.

É pela mesma ação dos fluidos que nos fazemos capazes de assimilar intuições e influências boas ou más, mesmo que de forma inconsciente. Se estamos nos esforçando em viver no bem (e não apenas fazer o bem, o que é muito diferente) nossos pensamentos moldam a vibração dos fluidos à nossa volta, nos tornando mais acessíveis aos bons Espíritos. O mesmo ocorre, em sentido contrário, quando estamos desligados do bem, isto é, mergulhados nas paixões e nos maus hábitos. É por isso que, nesse estado, é dito, nas obras do Espiritismo, que os bons Espíritos se afastam de nós. Não é que eles voltem suas costas para nós e nossas necessidades, pois, mesmo o Espírito mais apegado ao mal, ainda assim contará com a simpatia de Espíritos superiores, mas é que, nesse estado mental, adensamos nossos perispírito e os fluidos ao nosso redor, nos tornando inacessíveis aos bons fluidos, isto é, aos bons pensamentos dos Espíritos superiores.

Perguntamos, então: como sair do último estado? Ora, relativamente simples: através do esforço constante e dedicado na melhoria dos próprios pensamentos e ações, o que pode ser muito auxiliado pela ação da prece, que é (deve ser) uma ação honesta de buscar, pelo pensamento, modificar as próprias disposições mentais a fim de pedir auxílio, o que já ficou demonstrado que não é difícil, já que Deus está à nossa volta e em nós. Basta desejar a própria modificação, honestamente, reconhecendo a própria situação de penúria, causada pelo mau uso das faculdades da inteligência, e os bons Espíritos virão em nosso socorro, para dar suporte à nossa ação, mas jamais para fazer o trabalho que deve ser feito por nós. E de que forma eles agirão? Nos influenciando, e as pessoas à nossa volta, para nos conduzir às oportunidades, e também às provas, necessárias para a nossa modificação.

O fato de serem os Espíritos que vêm nos acudir, e não o próprio Deus em pessoa, não O diminui em absolutamente nada, pois é por Sua Criação e por Suas Leis que tudo age. É nesse sentido que podemos explicar aquele provérbio citado acima: “nem uma folha cai sem que Deus queira”, quer dizer que até mesmo uma folha que cai de uma árvore está respondendo a uma Lei da Natureza, Criação de Deus, e não que Deus tome de Sua atenção para dizer “esta folha vai cair agora, mas aquela outra, não”. É lógico entender que Deus sabe de tudo, pois, se não soubesse, não seria Deus, mas, da mesma forma, é lógico entender que ele não precisa interferir em nada, por sua criação ser perfeita.

Chegados a este ponto, não podemos deixar de destacar a total incoerência pregada pelas religiões humanas, por todos os tempos, que visam, para fins de controle de seus fiéis, “roubar” Deus para si, afirmando que Deus está somente dentro da Igreja, ou que Deus beneficia mais àqueles que seguem aquela religião, lhes conferindo prêmios e títulos de posses, riquezas materiais, etc.

A Kardec, um Espírito disse que “Deus não permitiria” que um Espírito inferior se materializasse numa forma horrenda, para assustar. Nós havíamos constatado que é claro que existia uma lei que ainda não conhecemos. Então, num dos últimos estudos da Revista Espírita, outro Espírito deu a entender que as materializações e os fenômenos físicos, causados por Espíritos inferiores, sempre se dão por “comando” de Espíritos superiores, com um propósito. É por isso, segundo entendemos, que um Espírito inferior não poderia se materializar de forma horrenda: porque um Espírito superior não o ajudaria a fazê-lo.

A criação divina é, entendemos, autônoma. Deus, intervindo, praticaria a heteronomia. Então, se ele poderia intervir em certos aspectos, por que não interviria em todos? Por que Ele próprio não interviria, por exemplo, para extinguir uma guerra ou a violência, ou, antes, para sequer deixá-la iniciar? Caímos, então, nas questões que aqueles que se guiam pelos princípios heterônomos das religiões caem, muitas vezes causando, neles, um completo abandono da espiritualidade.

Racionalmente, entendemos que Deus fez suas leis, e são elas que agem no Universo. Sua própria criação, que nos parece imperfeita, quando olhamos de um aspecto muito mesquinho de nossas vistas inferiores, é, na verdade, perfeita no todo, e se regula por si própria no caminho da evolução.

Isso tudo explicado dessa forma, fica racionalmente fácil entender que não existe destino predeterminado por Deus em nossas vidas, e que nós agimos segundo nosso livre-arbítrio, sempre, desde que conquistamos nossa consciência. Mas isso é assunto para outro artigo.

Encerremos com essa belíssima reflexão, dada por São Luís e Santo Agostinho, a respeito da doutrina dos anjos guardiões, em O Livro dos Espíritos:

495. Poderá dar-se que o Espírito protetor abandone o seu protegido, por se lhe mostrar este rebelde aos conselhos?

“Afasta-se, quando vê que seus conselhos são inúteis e que mais forte é, no seu protegido, a decisão de submeter-se à influência dos Espíritos inferiores. Mas não o abandona completamente e sempre se faz ouvir. É então o homem quem tapa os ouvidos. O protetor volta desde que este o chame.

“É uma doutrina, esta, dos anjos guardiães, que, pelo seu encanto e doçura, deveria converter os mais incrédulos. Não vos parece grandemente consoladora a ideia de terdes sempre junto de vós seres que vos são superiores, prontos sempre a vos aconselhar e amparar, a vos ajudar na ascensão da abrupta montanha do bem; mais sinceros e dedicados amigos do que todos os que mais intimamente se vos liguem na Terra? Eles se acham ao vosso lado por ordem de Deus. Foi Deus quem aí os colocou e, aí permanecendo por amor de Deus, desempenham bela, porém penosa missão. Sim, onde quer que estejais, estarão convosco. Nem nos cárceres, nem nos hospitais, nem nos lugares de devassidão, nem na solidão, estais separados desses amigos a quem não podeis ver, mas cujo brando influxo vossa alma sente, ao mesmo tempo que lhes ouve os ponderados conselhos.

“Ah! se conhecêsseis bem esta verdade! Quanto vos ajudaria nos momentos de crise! Quanto vos livraria dos maus Espíritos! Mas, oh! Quantas vezes, no dia solene, não se verá esse anjo constrangido a vos observar: “Não te aconselhei isto? Entretanto, não o fizeste. Não te mostrei o abismo? Contudo, nele te precipitaste! Não fiz ecoar na tua consciência a voz da verdade? Preferiste, no entanto, seguir os conselhos da mentira!” Oh! Interrogai os vossos anjos guardiães; estabelecei entre eles e vós essa terna intimidade que reina entre os melhores amigos. Não penseis em lhes ocultar nada, pois que eles têm o olhar de Deus e não podeis enganá-los. Pensai no futuro; procurai adiantar-vos na vida presente. Assim fazendo, encurtareis vossas provas e mais felizes tornareis as vossas existências. Vamos, homens, coragem! De uma vez por todas, lançai para longe todos os preconceitos e pensamentos ocultos. Entrai na nova senda que diante dos passos se vos abre. Caminhai! Tendes guias, segui-os, que não falhareis em atingir a meta, porquanto essa meta é o próprio Deus.

“Aos que considerem impossível que Espíritos verdadeiramente elevados se consagrem a tarefa tão laboriosa e de todos os instantes, diremos que nós vos influenciamos as almas, estando embora muitos milhões de léguas distantes de vós. O espaço, para nós, nada é, e não obstante viverem noutro mundo, os nossos Espíritos conservam suas ligações com os vossos. Gozamos de qualidades que não podeis compreender, mas ficai certos de que Deus não nos impôs tarefa superior às nossas forças e de que não vos deixou sós na Terra, sem amigos e sem amparo. Cada anjo guardião tem o seu protegido, pelo qual vela, como o pai pelo filho. Alegra-se, quando o vê no bom caminho; sofre, quando ele lhe despreza os conselhos.

“Não receeis fatigar-nos com as vossas perguntas. Ao contrário, procurai estar sempre em relação conosco. Sereis assim mais fortes e mais felizes. São essas comunicações de cada um com o seu Espírito familiar que fazem sejam médiuns todos os homens, médiuns ignorados hoje, mas que se manifestarão mais tarde e se espalharão qual oceano sem margens, levando de roldão a incredulidade e a ignorância. Homens doutos, instruí os vossos semelhantes; homens de talento, educai os vossos irmãos. Não imaginais que obra fazeis desse modo: a do Cristo, a que Deus vos impõe. Para que vos outorgou Deus a inteligência e o saber, senão para os repartirdes com os vossos irmãos, senão para fazerdes que se adiantem pela senda que conduz à bem-aventurança, à felicidade eterna?”
São Luís, Santo Agostinho




Deus e o Diabo — a origem do bem e do mal

FONTE DO BEM E DO MAL
Extraído de A Gênese, 4.ª edição, FEAL — Allan Kardec

1. Sendo Deus o princípio de todas as coisas e, sendo esse princípio todo sabedoria, todo
bondade e todo justiça, tudo o que provém dele deve compartilhar esses atributos, pois o
que é infinitamente sábio, justo e bom não pode produzir nada irracional, mau e injusto. O mal que observamos não pode ter originado dele.

2. Se o mal estivesse nas atribuições de um ser especial, seja ele chamado Ahriman, seja Satã, de duas, uma: ou ele seria igual a Deus e, por consequência, também poderoso e eterno, ou seria inferior.

No primeiro caso, haveria duas potências rivais, lutando sem cessar, cada uma procurando desfazer o que o outro está fazendo, opondo-se mutuamente. Essa hipótese é inconciliável com a harmonia que se revela, na ordem do Universo.

No segundo caso, sendo inferior a Deus, esse ser estaria subordinado a ele. Não podendo ser eterno como ele sem ser seu igual; só poderia ter sido criado por Deus. Se foi criado, só poderia ter sido por Deus. Nesse caso, Deus teria criado o Espírito do mal, o que seria a negação de sua infinita bondade.

3. Conforme certa doutrina, o Espírito do mal, criado bom, teria se tornado mau, e Deus,
para puni-lo, teria o condenado a permanecer eternamente mau, dando-lhe a missão de
seduzir os homens para lhes induzir ao mal. Ora, podendo uma única queda((A queda, para as religiões dogmáticas representa um evento no qual o homem, em sua origem, cometendo falta grave contra Deus, perdendo sua santidade, justiça e sabedoria originais, caindo por castigo na condição presente: com sofrimento, ignorância, arrastamento ao pecado e morte. Ou seja, haveria degradação da alma. A Doutrina Espírita, fundada no conceito de evolução da alma desde simples e ignorante por seu esforço, estabelece por essa sólida lógica sua teoria. (N. do E.))) custar-lhes os mais cruéis castigos pela eternidade, sem esperança de perdão, nisso não haveria só uma falta de bondade. Porém, uma crueldade premeditada, porque, para tornar a sedução mais fácil e melhor ocultar a armadilha, Satã estaria autorizado a se transformar em anjo de luz e a simular as obras próprias de Deus, até o ponto de enganar. Assim, haveria mais iniquidade e imprevidência da parte de Deus, porque dando toda a liberdade para Satã emergir das trevas e se entregar aos prazeres mundanos para arrastar os homens, o provocador do mal seria menos punido que as vítimas de suas artimanhas, pois estas, caindo por fraqueza, uma vez no abismo, não mais podem sair. Deus lhes recusa um copo de água para saciar sua sede e, durante toda a eternidade, com os anjos, ouve seus gemidos, sem se deixar comover, ao mesmo tempo que permite a Satã todo o prazer que desejar.

De todas as doutrinas sobre a teoria do mal, esta é, sem dúvida, a mais irracional e a
mais ofensiva para com a divindade. (Ver O Céu e o Inferno segundo o Espiritismo.
Primeira parte, capítulo IX, Os demônios.)

4. Entretanto, o mal existe e possui uma causa.

Há várias classes de mal((Na época de Allan Kardec, a Filosofia ensinada na universidade, na escola normal (atual magistério) e nos colégios era o Espiritualismo racional. Na disciplina de moral teórica (uma das Ciências Filosóficas), ensinava-se a diferença entre o mal físico e o moral, para demonstrar uma revolucionária teoria fundamentada na liberdade pessoal, contrária ao dogma da queda e do castigo divino das religiões ancestrais e da coação externa, pelo materialismo: “O mal físico consiste em dor, doença, morte. São consequências inevitáveis da organização dos seres sencientes, estimulante essencial para sua atividade. O mal moral é a condição fundamental da liberdade. Sem o mal, o bem não é possível no mundo, pois, se o homem não pudesse errar, não estaria livre nem seria capaz de fazer o bem. Essa vida é uma época de provação e, sem o mal físico e moral, não há lugar para coragem, paciência, dedicação e demais virtudes”. (Le Mansois-Duprey. Cours de Philosophie Élémentaire em L’école normale: journal de l’enseignement pratique. v. 13. Paris: Larousse et Boyer, 1864. p. 235.) A teoria moral espírita foi um desenvolvimento do Espiritualismo racional: “O Espiritismo repousa, pois, sobre princípios gerais independentes de todas as questões dogmáticas. Ele tem, é verdade, consequências morais como todas as Ciências Filosóficas”. (Revista Espírita, 1859.). (N. do E.))). Em primeiro lugar há o mal físico e o mal moral. Também podemos classificar os males entre aqueles que o homem pode evitar e os que são independentes de sua vontade. Entre estes últimos, é preciso incluir os flagelos naturais.

O homem, cujas faculdades são limitadas, não pode compreender todos nem abranger o conjunto dos desígnios do Criador; julga as coisas do ponto de vista de sua personalidade, dos interesses e das convenções artificiais que criou para si mesmo, não pertencentes à ordem da natureza. É por isso que, em geral, lhe parece prejudicial e injusto aquilo que consideraria justo e admirável, se conhecesse sua causa, seu objetivo e o resultado definitivo. Ao investigar a razão de ser e a utilidade de cada coisa, reconhecerá que tudo tem a marca da sabedoria infinita e se curvará ante a essa sabedoria, mesmo em relação a coisas que não compreenda.

5. O homem recebeu uma inteligência por meio da qual ele pode afastar, ou ao menos
diminuir bastante os efeitos dos flagelos naturais. Quanto mais conhecimento adquire e
avança na civilização, menos essas calamidades são desastrosas. Com sábia organização
social, poderá até mesmo neutralizar seus efeitos, quando não puderem ser totalmente
evitadas. Dessa forma, para os mesmos flagelos que são úteis na ordem geral da natureza e para o futuro, mas que nos atacam no presente, Deus deu ao homem, com as faculdades com as quais dotou seu Espírito, os meios para paralisar seus efeitos.

Assim, o homem limpa regiões insalubres, neutraliza os miasmas pestilentos, fertiliza
terras não cultivadas, preserva-as de inundações; constroem-se casas mais saudáveis, mais fortes para suportar os ventos, tão necessários para a purificação da atmosfera, e se protege do clima. É assim, finalmente, que, pouco a pouco, a necessidade o fez criar as Ciências, com a ajuda das quais ele melhora as condições de habitabilidade do globo e amplia o conjunto de seu bem-estar.

Como o homem deve progredir, os males aos quais está exposto constituem um incentivo para o exercício de sua inteligência e de todas as suas faculdades físicas e morais, convidando-o à pesquisa dos meios para evitá-los. Se ele nada tivesse a temer, nenhuma
necessidade o levaria à busca do melhor; ele se entorpeceria na inatividade de sua mente; não inventaria nem descobriria nada. A dor é o aguilhão que empurra o homem a seguir adiante, no caminho do progresso.

6. Mas os males mais numerosos são aqueles que o homem cria pelos próprios vícios;
provenientes de seu orgulho, de seu egoísmo, de sua ambição, de sua ganância, de seus
excessos em todas as coisas. Essa é a causa das guerras e calamidades que causam
desavenças, injustiças, a opressão do fraco pelo forte e, finalmente, a maioria das doenças.

Deus estabeleceu leis cheias de sabedoria, cujo objetivo é o bem. O homem encontra
em si mesmo tudo o que é necessário para segui-las. Seu caminho é traçado por sua
consciência, e a lei divina está gravada em seu coração. Além do mais, Deus o recorda,
constantemente, por seus messias e profetas, por todos os Espíritos encarnados que
receberam missão de esclarecer, moralizar e contribuir para seu aperfeiçoamento, assim
como, nesses últimos tempos, pela multidão de Espíritos desencarnados que se manifestam por todos os lados. Se os homens se conformarem rigorosamente com as leis divinas, não há dúvida de que evitariam os males mais graves, vivendo felizes na Terra. Se não o faz, é em virtude de seu livre-arbítrio, e deve aceitar as consequências.

7. Mas, Deus, cheio de bondade, colocou o remédio ao lado do mal; quer dizer, do próprio mal faz nascer o bem. Chega um momento em que o excesso do mal moral se torna intolerável e faz o homem sentir a necessidade de mudar de vida. Instruído pela experiência, sente-se obrigado a procurar no bem o remédio que precisa, sempre em virtude de livrearbítrio. Quando toma um caminho melhor, é por sua vontade e porque reconheceu as desvantagens da outra estrada. A necessidade o compele a melhorar moralmente para ser mais feliz, pois essa mesma necessidade o obrigou a melhorar as condições materiais de sua existência.

Pode-se dizer que o mal é a ausência do bem, como o frio é a ausência do calor. O mal
não é mais um atributo distinto, assim como o frio não é um fluido especial; um é a
negação do outro. Onde o bem não existe, há necessariamente o mal. Não fazer o mal já é o começo do bem. Deus só quer o bem, o mal somente vem do homem. Se houvesse na Criação um ser encarregado do mal, o homem não poderia evitá-lo. Contudo, tendo a causa do mal em si mesmo e, ao mesmo tempo, tendo seu livre-arbítrio e por guia as leis divinas, ele o evitará quando desejar.

Tomemos um fato comum, por comparação: um proprietário sabe que, na extremidade
de sua terra, há um local perigoso, no qual pode se ferir ou morrer. O que faz para evitar
acidentes? Coloca, próximo do lugar, um aviso para se afastar, por causa do perigo. Essa é a lei; ela é sábia e previdente. Se, apesar disso, um imprudente ignora o aviso e sofre um acidente, quem poderia ser responsabilizado, senão ele próprio?

Assim acontece em relação ao mal. O homem o evitaria se observasse as leis divinas.
Deus, por exemplo, colocou um limite para a satisfação das necessidades; o homem é
avisado pela saciedade; se ele ultrapassa esse limite, age voluntariamente. As doenças, as fraquezas do corpo, a morte que podem resultar disso são obra sua, e não de Deus.

8. Sendo o mal resultado das imperfeições do homem, e o homem criado por Deus, dirão, que se ele não criou o mal, pelo menos teria criado a causa dele. Se tivesse criado o homem perfeito, o mal não existiria.

Se o homem tivesse sido criado perfeito, estaria fatalmente inclinado ao bem. Agora,
em virtude de seu livre-arbítrio, não tende fatalmente nem para o bem nem para o mal. Deus quis que ele fosse submetido à lei do progresso, e que esse progresso fosse fruto do próprio trabalho, a fim de que o mérito fosse seu, mesmo tendo a responsabilidade pelo mal que pratica por sua vontade. A questão, portanto, está em saber qual é, no homem, a origem da sua propensão ao mal((O erro consiste em pretender que a alma tenha saído perfeita das mãos do Criador, quando ele, ao contrário, quis que a perfeição fosse o resultado do refinamento gradual do espírito e sua própria obra. Quis Deus que a alma, em virtude de seu livre-arbítrio, pudesse escolher entre o bem e o mal, chegando aos seus derradeiros fins por uma vida dedicada e pela resistência ao mal. Se tivesse criado a alma com uma perfeição à sua semelhança – e que, saindo de suas mãos, ele a tivesse ligado à sua beatitude eterna –, Deus a teria feito, não à sua imagem, mas semelhante a si próprio, como já dito. Conhecedora de todas as coisas em razão de sua essência e sem ter aprendido nada, mas movida por um sentimento de orgulho nascido da consciência de seus atributos divinos, a alma seria induzida a renegar sua origem, a desconhecer o autor de sua existência, ficando em estado de rebelião contra seu Criador. (Bonnamy, juiz de instrução. A razão do Espiritismo, capítulo VI.) (Nota de Allan Kardec.))).

9. Se estudarmos todas as paixões, e até mesmo todos os vícios, vemos que eles têm seu princípio no instinto de conservação. Esse instinto, em toda sua força nos animais e nos seres primitivos que estão mais próximos da vida animal, ele domina sozinho, porque, entre eles, ainda não há de contrapeso o senso moral. O ser ainda não nasceu para a vida intelectual. O instinto enfraquece, ao contrário, à medida que a inteligência se desenvolve, porque domina a matéria. Com a inteligência racional, nasce o livre-arbítrio que o homem usa à sua vontade: então somente, para ele, começa a responsabilidade de seus atos((Na teoria moral espírita, o livre-arbítrio surge após o desenvolvimento da inteligência racional. Desse modo, a responsabilidade moral só aí se inicia e se amplia gradualmente, na proporção direta do desenvolvimento racional. Nos animais e nos seres ainda simples e ignorantes, não surgiu o livre-arbítrio, o senso moral e a responsabilidade pelos seus atos. Esses conceitos psicológicos afastam completamente os dogmas do pecado original, da queda e da encarnação como castigo. Também são falsas as hipóteses científicas do egoísmo e do sentimento antissocial inatos em todos os indivíduos. Traz alento, pois quanto maior a inteligência, maior a responsabilidade. Por fim, para uma evolução moral plena da humanidade é necessário garantir para todos os indivíduos a oportunidade do desenvolvimento racional pela educação. (N. do E.))).

10. O destino do Espírito é a vida espiritual. Mas, nas primeiras fases de sua existência
corporal, ele só possui necessidades materiais para satisfazer. Com essa finalidade, o
exercício das paixões é uma necessidade para a conservação da espécie e dos indivíduos,
materialmente falando. Porém, saindo desse período, possui outras necessidades, a princípio semimorais e semimateriais, e depois exclusivamente morais. É então que o Espírito domina a matéria. Na medida em que se liberta de seu jugo, avança pela vida adequada e se aproxima de seu destino final. Se, ao contrário, deixar-se dominar pela matéria, se atrasa e se identifica com os irracionais. Nessa situação, o que antes era um bem, por ser uma necessidade da sua natureza, torna-se um mal, não só por não ser mais uma necessidade, mas porque se torna nocivo para a espiritualização do ser. Por isso, o mal é relativo, e a responsabilidade é proporcional ao grau de adiantamento.

Todas as paixões têm sua utilidade providencial, sem o que Deus teria feito algo inútil
e nocivo. É o abuso que constitui o mal, e o homem abusa, conforme seu livre-arbítrio. Mais tarde, esclarecido pelo próprio interesse, ele escolhe, livremente, entre o bem e o mal