A Propósito dos Desenhos de Júpiter

Kardec retoma o assunto das gravuras, reproduzidas pelo médium Victorien Sardou, que, segundo Kardec, não sabe desenhar nem gravar, a respeito das moradias de Júpiter.

Supondo mesmo que esse desenho seja uma fantasia do Espírito que o traçou, o simples fato de sua execução não seria um fenômeno menos digno de atenção […] não para satisfazer à curiosidade das pessoas fúteis, mas como assunto de estudo para as pessoas sérias que querem aprofundar-se em todos os mistérios da Ciência Espírita” – Até onde se sabe, apenas através de Sardou se obtiveram esses desenhos.

Seria erro pensar que fazemos da revelação dos mundos desconhecidos o objeto capital da doutrina. Isto nunca será para nós mais que um acessório, que consideramos útil como estudo complementar; o principal será sempre para nós o ensino moral e nas comunicações de além-túmulo buscaremos sobretudo aquilo que pode esclarecer a Humanidade e conduzi-la para o bem, único meio de lhe assegurar a felicidade neste e no outro mundo.




O Espírito Batedor de Dibbelsdorf

ardec apresenta um caso acontecido por volta de dezembro de 1761, na cidade de Dibbelsdorf – Alemanha, cujos documentos foram publicados em 1811. O artigo original, escrito pelo Dr. Kerner, foi traduzido para o francês por Alfred Pireaux.

É mais um artigo de interesse a respeito dos fatos espíritas, que sempre ocorreram por toda a parte e por todo o tempo. Contudo, a ciência ainda não estava pronta para analisá-los seriamente, ainda menos no caso da Alemanha daquele tempo. 

Apesar de os fatos – batidas inteligentes em um canto da casa do casal Kettelhut – terem sido analisados por todos os aspectos possíveis, tendo-se chegado ao ponto de demolir paredes e um fundo buraco, além de confinarem todos os moradores às suas casas e colocarem em observação os suspeitos, nada foi encontrado. A única resposta possível jamais foi aceita, e terminaram por julgar e condenar, sob uma confissão coercitiva, o casal Kettelhut.

Destacamos a observação de Kardec, sempre cirúrgico em suas palavras:

OBSERVAÇÃO: Se prestarmos atenção à data em que tais coisas se passaram e as compararmos com as que ocorrem em nossos dias, nelas encontraremos perfeita identidade no modo da manifestação e até na natureza das perguntas e respostas. Nem a América nem a nossa época descobriram os Espíritos batedores, como não descobriram os outros, como o demonstraremos por inúmeros fatos autênticos e mais ou menos antigos.

KARDEC, RE ago/1858

Há, entretanto, entre os fenômenos atuais e os de outrora uma diferença capital: é que esses últimos eram quase todos espontâneos, enquanto que os nossos se produzem quase que à vontade de certos médiuns especiais. Esta circunstância permitiu que fossem mais bem estudados e sua causa mais aprofundada. À conclusão dos juízes de que “talvez o futuro nos esclareça a respeito”, hoje o autor não responderia: “o futuro ainda não ensinou nada.” Se esse autor ainda vivesse, saberia, ao contrário, que o futuro tudo ensinou e que a justiça de nossos dias, mais esclarecida do que há um século atrás, não cometeria, em relação às manifestações espíritas, erros que lembram os da Idade Média. Os nossos próprios sábios já penetraram muito nos mistérios da Natureza para não jogar com causas desconhecidas. Eles são bastante sagazes e não se expõem, como os seus predecessores, a um desmentido da posteridade, em detrimento de sua reputação. Se algo aparece no horizonte, eles não correm a proclamar: “Isto não é nada”, com receio de que seja um navio. Se não o veem, calam e esperam. Isto é a verdadeira sabedoria.




A Caridade pelo Espírito de São Vicente de Paulo

Nesse artigo, São Vicente de Paulo traz uma grande reflexão sobre a caridade.

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Analisemos, além da necessária aplicação moral que esse texto vem trazer, a sua forma e seu conteúdo, já que se trata de uma comunicação atribuída a esse Espírito. Que há nessas, senão elevação espiritual? 

“Vede a multidão de homens de bem, cuja lembrança piedosa a vossa história relembra. Eu poderia citar aos milhares aqueles cuja moral não tinha por objetivo senão melhorar o vosso globo. Não vos disse o Cristo tudo quanto concerne às virtudes da caridade e do amor? Por que são postos de lado os seus divinos ensinamentos? Por que os ouvidos são tapados às suas divinas palavras e o coração é fechado para todas as suas máximas suaves?

Eu gostaria que a leitura do Evangelho fosse feita com mais interesse pessoal. Mas abandonam esse livro; transformam-no em expressão vazia e letra morta; deixam ao esquecimento esse código admirável. Vossos males provêm do abandono voluntário em que deixais esse resumo das leis divinas. Lede, pois, essas páginas de fogo do devotamento de Jesus e meditai-as. Eu mesmo me sinto envergonhado de ousar prometer-vos um trabalho sobre a caridade, quando penso que nesse livro encontrais todos os ensinamentos que vos devem levar às regiões celestes.”

A caridade, no contexto de Kardec, era compreendida de forma diferente:

[…] a moral racional se fundamenta na psicologia e na definição de um ser humano ativo. Ou seja, o ato moral é caracterizado por um ato livre e consciente, que se definiu como sendo o ato do dever. É a moral da liberdade, portanto absolutamente livre, por definição, de qualquer recompensa ou castigo. Desse modo, como definiram os pensadores do Espiritualismo Racional, o dever fundamenta a caridade como ação livre e desinteressada. A beleza da caridade está justamente em sua liberdade, afirmava Victor Cousin, principal líder dessa escola na Universidade Sorbonne, em Paris. (Figueiredo 2019)

Isso quer dizer que precisamos apenas do Evangelho?

Supondo o Evangelho de Jesus muito bem entendido, sem sofismas e adulterações, sim, precisamos apenas dele. Contudo é necessário levar em conta que seus ensinamentos, mesmo que científicos, têm aspecto moral, segundo as Ciências Morais. Portanto, é um erro abandonar esse estudo para cair apenas no estudo Evangélico, dadas as presente necessidades de Espíritos de nossa categoria.

Seguindo no artigo sobre Caridade, segundo São Vicente: “Homens fortes, armai-vos; homens fracos, forjai as vossas armas de vossa doçura e de vossa fé; tende mais persuasão, mais constância na propagação de vossa nova doutrina. Nós só vimos trazer-vos um encorajamento; é apenas para vos estimular o zelo e as virtudes que Deus permite nos manifestemos a vós. Mas, se quisésseis, não necessitaríeis senão do auxílio de Deus e de vossa própria vontade

Isso quer dizer que não necessitamos do Espiritismo?

Moralmente falando, se nós soubéssemos aplicar todas as lições já apresentadas até hoje, sequer estaríamos falando disso agora. Mas não é assim que o progresso espiritual acontece – a solavancos. Ele é lento e gradual e, pelo que sabemos, é assim por toda a parte do Universo. Portanto, a Ciência Espírita, que, no limite, é a ciência da Criação, é parte necessária de nosso progresso, pois o conhecimento desenvolve a moral.

Vamos analisar de forma um pouco mais crítica, o conteúdo dessa mensagem. Chamou muito nossa atenção o seguinte trecho:

Quando deixardes que o vosso coração se abra à súplica do primeiro infeliz que vos estender a mão; quando lhe derdes sem se perguntar se sua miséria é fingida ou se seu mal tem um vício como causa; quando deixardes toda a justiça nas mãos de Deus; quando deixardes a cargo do Criador o castigo de todas as falsas misérias; enfim, quando praticardes a caridade pelo só prazer que ela proporciona, sem questionardes a sua utilidade, então sereis os filhos que Deus amará e que chamará para si.

Esse Espírito, que segue dizendo se felicitar pelo início de um movimento (Sociedade de São Vicente de Paulo), movimento esse muito importante e necessário, dá a entender que devemos atender a qualquer súplica, sem verificar se é algo fingido ou não. Em realidade, será que podemos e devemos fazer isso, principalmente hoje em dia?

Não devemos seguir cegamente qualquer Espírito, sobretudo quando não faz sentido à nossa própria razão. Mas Kardec vem ao nosso socorro:

Continuando a conversa com S. Vicente de Paulo, através da psicografia de um médium assistente, Kardec informa-se de que, nesse trecho anterior, esse Espírito fala especificamente da esmola. O professor então pergunta:

“[…] parece-nos que dar sem discernimento àqueles que não necessitam ou que poderiam ganhar a vida por um trabalho honesto, é encorajar o vício e a preguiça. Se os preguiçosos achassem facilmente aberta a bolsa alheia, multiplicar-se-iam ao infinito, em prejuízo dos verdadeiramente necessitados”

S.V.P. responde:

Podeis identificar os que podem trabalhar e então a caridade vos obriga a tudo fazer para lhes proporcionar trabalho. Entretanto, também há pobres mentirosos, que sabem muito bem simular misérias que não padecem. Esses é que devem ser deixados à justiça de Deus.”

Kardec continua com algumas questões de interesse:

6. ─ Disse Jesus: “Que a vossa mão direita não saiba o que faz a esquerda.” Têm algum mérito aqueles que dão por ostentação? ─ Têm apenas o mérito do orgulho, pelo qual serão punidos.

7. ─ A caridade cristã, na sua mais larga acepção, não compreende também a doçura, a benevolência e a indulgência para com as fraquezas alheias? ─ Fazei como Jesus. Ele vos disse tudo isso. Escutai-o mais do que nunca.

8. ─ É bem entendida a caridade, quando exclusiva entre as criaturas da mesma opinião ou do mesmo partido? ─ Não. É sobretudo o espírito de seita e de partido que deve ser abolido, porquanto todos os homens são irmãos. É sobre isso que concentramos os nossos esforços.

9. ─ Admitamos que uma pessoa veja dois homens em perigo, mas não possa salvar senão um. Um é seu amigo e o outro, inimigo. A quem deve salvar? ─ Deve salvar o amigo, pois esse amigo poderia acusá-lo de não lhe ter amizade. Quanto ao outro, Deus há de tomar conta.

Foi consenso que essa ultima pergunta (9.) nos pareceu estranha, mas ela deve ter uma razão de ser para aquele momento.




Fluido Cósmico Universal – Princípios Gerais

Allan Kardec foi, acima de tudo, um estudioso. Logo no começo capítulo do Livro dos Espíritos (Capítulo II – Dos Elementos Gerais do Universo, 2. Espírito e Matéria item 27.), aparecem termos novos como Fluido Universal, ou FLUIDO CÓSMICO UNIVERSAL. É sobre ele que pretendemos tratar aqui.

De antemão recomendamos ao leitor o estudo da obra Mesmer: a ciência negada do magnetismo animal, de Paulo Henrique de Figueiredo.

O Fluido Cósmico Universal é uma hipótese que explica muito dos manifestações e fenômenos espirituais, por isso seu entendimento é tão importante para o estudante da Doutrina Espírita. No seu último livro, A Gênese os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo , Allan Kardec concluiu toda a Doutrina Espírita. Nela tem um capítulo todo dedicado aos Fluídos, capítulo XIV. Sugiro a Edição nova da FEAL por conter uma tradução mais fiel a primeira edição de Kardec de janeiro de 1868. Vale a leitura. (Nota: As edições publicadas atualmente no Brasil são de A Gênese da 5ª edição francesa em diante, que adulterada por um antigo auxiliar envolvido com outras ideias.)

O Fluído Cósmico Universal foi descrito pela primeira vez por Frans Anton Mesmer, em 1784. Ele era um médico alemão que viveu entre 1734 e 1815. Ele desenvolveu a Teoria do Magnetismo Animal.

Em 1775, após muitas experiências, Mesmer reconhece que pode curar mediante a aplicação de suas mãos. Ele declara: “De todos os corpos da Natureza, é o próprio homem que com maior eficácia atua sobre o homem”. A doença seria apenas uma desarmonia no equilíbrio da criatura, opina ele. Mesmer, que nada cobrava pelos tratamentos, preferia cuidar de distúrbios ligados ao sistema nervoso. Além da imposição das mãos sobre os doentes, para estender o benefício a maior número de pessoas, magnetizava água, pratos, cama, etc., cujo contato submetia os enfermos.

Artigo da FEB

Sua teoria é de que todos os fenômenos da natureza tem origem em um único principio, A matéria originária de todo universo: o Fluído Cósmico Universal, por quê? Porque todos os fenômenos se explicam a partir dele.
E como ele explica?

Ele vai conceber a hipótese de que a natureza funciona por meio de estados de vibração. Cada estado do Fluído Cósmico Universal, que é por onde há a vibração, teria graus de sutileza. E a vibração de cada um desses graus resultariam em fenômenos diferentes. Ele falava de que seriam ondas eletromagnéticas só que em outras palavras… O “probleminha” é que ainda não havia estudo sobre ondas eletromagnéticas ainda, nem se sabia se existiam… Na época, século XVIII, eles acreditavam que não existia nada entre as moléculas. O Fluido seria por onde o transmissão acontece.

Nota: Magnetismo é a denominação dada aos estudos dos fenômenos relacionados com as propriedades dos imãs. Os primeiros fenômenos magnéticos foram observados na Grécia antiga, em uma cidade chamada Magnésia. Os primeiros estudos realizados nessa área foram feitos no século VI a.C. por Tales de Mileto, que observou a capacidade de algumas pedrinhas, que hoje são chamadas de magnetita, de atraírem umas às outras e também ao ferro. Já a primeira aplicação prática do magnetismo foi encontrada pelos chineses: a bússola, que se baseia na interação do campo magnético de um imã (a agulha da bússola) com o campo magnético terrestre. No século VI, os chineses já dominavam a fabricação de imãs. Os estudos sobre o magnetismo somente ganharam força a partir do século XIII, quando alguns trabalhos e observações foram feitos sobre a eletricidade e o magnetismo, que ainda eram considerados fenômenos completamente distintos. Essa teoria foi aceita até o século XIX. Os estudos experimentais na área foram feitos pelos europeus. Pierre Pelerin de Maricourt, em 1269, descreveu uma grande quantidade de experimentos sobre magnetismo. Devem-se a ele as denominações polo norte e polo sul às extremidades do imã, bem como a descoberta de que a agulha da bússola apontava exatamente para o norte geográfico da Terra. A grande revolução nos estudos do magnetismo foi feita por Oesterd, em 1820. Ele descobriu que fenômenos elétricos e magnéticos estão inter-relacionados. De acordo com essa teoria, denominada eletromagnetismo, cargas elétricas em movimento geram campo magnético, e campo magnético em movimento gera corrente elétrica. Esses estudos foram finalizados por Maxwell que estabeleceu bases teóricas sólidas sobre a relação entre o campo elétrico e o magnético, ou seja, as ondas eletromagnéticas.

Dr. Mesmer acreditava que o MAGNETISMO ANIMAL, ou seja, do princípio vital, era força natural invisível possuída por todos os seres vivos/animados (humanos, animais, vegetais, etc.). Ele acreditava que tal força poderia ter efeitos físicos, incluindo propriedades de cura. Essa teoria é conhecida como MESMERISMO.

Ele dizia que a matéria mais densa está “vibrando” as ondas materiais através do fluido.

Vamos exemplificar, para ilustrar: imaginem o vento/pressão fazem ondas da água; depois as ondas do ar, um pouco mais sutis que a da água, resultariam no fenômeno do som; ondas mais sutis geram o fenômeno da luz, que seria, para ele, a vibração da matéria num estado mais sutil ainda. É o máximo que conseguimos observar.
Então, Mesmer vai conceder uma hipótese: depois do fluido da luz, teria algo ainda mais sutil, que receberia a vibração de nossos pensamentos e de nossa vontade. E esses vibrações de pensamentos e vontade, então, se estenderiam por todo o Universo a partir de um foco que é cada um de nós. E que o sistema nervoso de outros indivíduos poderiam interpretar esse pensamento.

Observação: Hoje se sabe que a luz é um tipo de onda eletromagnética visível, formada pela propagação em conjunto de um campo elétrico e um magnético. Como é característico da radiação eletromagnética, a luz pode propagar-se através de diversos meios e sofrer alterações de velocidade ao passar de um meio de propagação para outro. A luz pode propagar-se no vácuo com velocidade de aproximadamente 300 mil km/s. As frequências de luz que são visíveis ao olho humano são chamadas de espectro visível, essas ondas têm comprimentos entre 400 nm 700 nm. Ondas eletromagnéticas que apresentam frequências menores que a da luz visível são chamadas de infravermelho, enquanto as que apresentam frequências maiores são chamadas de ultravioleta. Na época de Mesmer não havia esse entendimento, ainda… Eles acreditavam que sempre havia um fluido, como fluido magnético, fluido elétrico, fluido clórico, etc. e a teoria vigente era mecanicista, ou seja, tudo era transmitido de uma molécula a para outra.

Dr. Mesmer realizou uma serie de experimentos com aplicações de suas mãos para cura das pessoas. Ele percebeu que seus pacientes, quando despertos, influenciavam a percepção na hora da cura. Ele, então, imaginou o seguinte: se eu colocar esse paciente em estado de sono, adormecendo o corpo (seria nossa hipnose de hoje), ele começaria a perceber a sutileza da vibração do pensamento dos outros. Essa foi a forma dele explicar a lucidez sonambúlica por esse método. Ele vai conceder a existência de um 6o. Sentido, que, para ele, estaria no nosso sistema nervoso(não pensava que era algo espiritual). Ele também vai perceber estados de vibração acima da luz, seria estado de vibração do fluido cósmico universal que teria ondas de pensamento. O Fluído é o meio por onde o pensamento da vontade da cura alcançava o paciente.

Mesmer diz assim: por isso que eu, somente pensando na pergunta, o sonâmbulo, que está percebendo tudo por meio do sexto sentido, capta meu pensamento.

Citação de Paulo Henrique de Figueiredo em palestra para o Canal Espiritismo Para Todos em 01/02/2021

A hipótese de Mesmer foi que a matéria é a mesma em estados diferentes. E quem age na matéria é o movimento deste sexto sentido a partir do nosso sistema nervoso.
Mesmer falou de condições da matéria muito quintessenciada, mais sutil, onde o pensamento pode agir. Isso seria o mundo espiritual só que ele, na época, não usou o “mundo espiritual” para explicar…
Ele sabia que num determinado ponto era tão sutil a matéria que era possível o pensamento agir lá.

Quando ele fazia as curas ele estava conversando com o eu fora da matéria. “Ele conversava com o Espírito, por pensamento. Era muito avançada sua proposta.”

Kardec diria sobre Mesmer.

Lá pela década de 1850, cerca de 70 anos depois, Allan Kardec começou seus estudos. Ele não teve acesso a toda obra de Mesmer, mas os Espíritos sabiam, conheciam e dialogavam sobre o princípio de Mesmer com ele. Os Espíritos vão explicar que não é um órgão da fisiologia do corpo que percebe as vibrações do pensamento, mas sim nosso Períspirito( que é um meio do qual o Espírito pode se comunicar com o corpo). Kardec, então, desenvolveu a hipótese de que o Espírito quem ativa o fluido através do pensamento-vontade e o movimenta. Seria o princípio inteligente.

Então tem uma diferença de Mesmer que concebeu uma Hipótese e o Espiritismo que trabalha a partir da observação dos Espíritos da realidade do mundo espiritual.

Mesmer nunca pensou em períspirito. Ele não podia “inventar” alguma coisa tão longe assim. Ele imaginava que era o sistema nervoso que percebia as vibrações do pensamento. Nunca que seria um fluido perispiritual de um princípio espiritual não pertencente ao mundo material. Kardec, então, explicava os fenômenos a partir dessas hipóteses de Mesmer quanto a matéria. E os Espíritos vão explicar a Kardec que não,  “o nosso pensamento vibra realmente uma matéria, mas essa matéria não pertence ao nosso universo “. Essa matéria é espiritual.

Então, os Espíritos explicaram assim: nós temos 3 coisas no Universo: Deus, matéria e Espírito. A matéria é inerte, e estaria representada pelo Fluido Cósmico Universal, por ela ser inerte, ela não tem forma nenhuma. Para que surja uma forma, alguém tem que pensar. Então o Espirito, na sua condição mais simples, quando ele pensa( ou tem vontade), a forma que surge na matéria é da mais simples partícula.

E o que é essa unidade do Fluido Universal? Ela é como se fosse o pensamento de Deus. Mas como Deus criou em todos os tempos, tem Espíritos de toda escala evolutiva: tem os seres que vivem no reino vegetal, no Reino animal, tem os Espíritos humanos que vão desde o simples ignorante até o Espirito puro, tudo isso concomitante.  E entre nós, Espíritos em processo evolutivo, nenhum é igual ao outro. Se um indivíduo, com suas características, vai refletir aquilo que é, que é diferente do que outra forma de outro encarnado, com outras virtudes, outras habilidade, e assim por diante. Cada um completamente diferente dos outros, em virtude das escolhas e conhecimentos que fez. De tal forma que nós apresentamos a mais absoluta variedade. E tudo dentro do Fluido Cósmico Universal.

Então, o mundo espiritual é invisível, obscuro, imponderável (não conseguimos medir).
Nós não possuímos as bases do mundo invisível e espiritual… Não sabemos do é feito…

O futuro nos reserva o conhecimento de novas leis, que nos permitirão compreender o que continua sendo um mistério.
Pode ser que o Eletromagnetismo explique muito do que Mesmer teorizou e depois Allan Kardec explicou com sua hipótese?

SIM!!!

Mas pode ser que o futuro nos diga que esse mecanismo seja todo diferente disso…

Fonte: Kardec, Allan, GÊNESE – Os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo, capítulo XIV – Fluídos, capítulo III, capítulo I; Kardec, Allan Livro dos Espiritos questão 223 e seguintes; Palestra proferida por Paulo Henrique de Figueiredo em 01/02/2021; Canal Espiritismo Para Todos, Estudo da Gênese por Allan Kardec; FEB – https://www.feeb.org.br/index.php/institucional/artigos/372-biografia-de-mesmer ; Figueiredo, Paulo Henrique Mesmer. A ciência negada do magnetismo animal ; https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/2/o-livro-dos-espiritos/64/parte-primeira-das-causas-primarias/capitulo-ii-dos-elementos-gerais-do-universo




Finalidade de Certas Evocações

Nesse artigo, Kardec demonstra a utilidade da evocação dos Espíritos de todos os gêneros, desde os Espíritos com intuito sério e construtivo até os que cometeram crimes hediondos, pois, “para conhecer os costumes de um povo, é preciso estudá-lo em todos os graus da escala”.

Sendo assim, há sempre o impasse, pois Espíritos superiores tem muito a ensinar, mas nossa distância com relação a eles é bastante grande. Os Espíritos mais “burgueses”, ou seja, Espíritos como nós, mais comuns, presos ainda às preocupações cotidianas, apresentam muitos ensinamentos importantes, por nos tornar capazes de nos vermos em suas próprias ações e seus efeitos. Todos nos mostram a aplicação prática das grandes e sublimes verdades, cuja teoria nos ensinam os Espíritos superiores.

Outra vantagem de algumas evocações é constatar a identidade dos Espíritos de modo mais preciso. Quando um Espírito se apresenta sob um grande nome do passado, só é possível crer sob palavra e julgar seu conteúdo sobre o que se conhece. Se o conteúdo atende aos critérios necessários, julgamo-lo Espírito superior, e isso basta. O nome não importa realmente.

Contudo, quando um Espírito de menor evolução se apresenta e dá detalhes que comprovem sua identidade, teremos, aí, grandes exemplos muito “palatáveis”: “é o romance dos costumes da vida espírita sem a ficção”.

Discutimos, também, sobre as nossas vivencias pessoais a respeito de evocações de familiares e amigos.

Particularmente, temos sempre que tomar muito cuidado quanto ao conteúdo do Espírito comunicante, pois ele pode não ser quem diz quem é. Algumas comunicações trazem algum consolo a nós.

A seguir, 3 evocações de 3 Espíritos diferentes: o primeiro é o Assassino Lemaire ( cerca de um mês após desencarne); A Rainha de Oude ( cerca de um mês após desencarne) e Dr. Xavier ( evocação depois de muitos meses após desencarne).




Mademoiselle Clairon e o fantasma

https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/20/revista-espirita-jornal-de-estudos-psicologicos-1858/4367/fevereiro/mademoiselle-clairon-e-o-fantasma

Kardec traz a história de uma atriz, escrita por ela mesma, já em seus 60 anos de idade. Nela, Clairon conta que, um homem que por ela se apaixonou, após morrer, passou a assombrá-la por dois longos anos – por raiva de sua indiferença.

Conta ela que, dia após dia, e testemunhado por muitas outras pessoas, inclusive policiais, passou a sofrer diversos episódios bastante singulares:

  • Gritos lancinantes sob sua janela, quase todas as noites, às 23 horas.
  • A certa altura, os gritos se transformaram em “tiros de fuzil” que, embora não atingissem materialmente a nada, nem mesmo aos vidros, promoviam distúrbios sonoros e luminosos, acreditando-se, quem os presenciava, alvo de um atirador.
  • Certa feita, teriam eles sido “atingidos” por uma bofetada, proferida pelo fantasma:

“Acostumada ao meu fantasma, que eu considerava um pobre diabo que se limitava a fazer estripulias, não me apercebi da hora. Como fazia calor, abri a janela malsinada e, com o intendente, nos debruçamos no balcão. Batem as onze horas, ouve-se o tiro e ambos somos atirados ao meio da sala, onde caímos como mortos. Tornando a nós mesmos e sentindo que tudo havia passado, examinando-nos para constatar que ambos havíamos recebido ─ ele na face esquerda e eu na face direita ─ a mais terrível bofetada que jamais poderia ser aplicada, nos pusemos a rir como dois loucos”

Um escritor anônimo teceu comentário atribuindo os relatos à imaginação da moça, posto que tudo teria acontecido na época em que “ela tinha de vinte e dois anos e meio a vinte e cinco anos, que é a idade da inspiração e que esta faculdade nela era continuamente exercitada e exaltada pelo gênero de vida que levava, no teatro e fora dele”. Segue o autor: “É preciso ainda lembrar que ela disse, no começo de suas memórias, que na infância foi entretida apenas com aventuras de aparições e de feiticeiros, que lhe diziam tratar-se de histórias verídicas.”.

O comentário sem assinatura parece remeter ao fato de que Clairon demonstrava, em tudo, que apenas exagerava uma imaginação fértil. Contudo, Kardec contrapõe:

“Só conhecemos o fato através do relato de Mademoiselle Clairon. Assim, só podemos julgar por indução. Ora, nosso raciocínio é o seguinte: Descrito pela mesma Mademoiselle Clairon nos seus mais minuciosos detalhes, o fato tem mais autenticidade do que se fora relatado por terceiros. Acrescente-se que quando escreveu a carta onde o fato vem descrito, contava cerca de sessenta anos e, pois, havia passado da idade da credulidade, de que fala o autor da nota. Esse autor não põe em dúvida a boa-fé de Mademoiselle Clairon quanto à sua aventura: apenas admite tenha ela sido vítima de uma ilusão. Que o tivesse sido uma vez, nada tem de extraordinário, mas que o tivesse sido durante dois anos e meio já se nos afigura mais difícil. Mais difícil ainda é supor que tal ilusão tenha sido partilhada por tantas pessoas, testemunhas auriculares e oculares dos fatos, inclusive pela própria polícia.”

Kardec segue, dizendo que o relato parece provável, mas, como bom pesquisador, não a aceita como absoluta verdade, posto que não a pôde analisar mais de perto. Sobre os fatos, lembramos que não estão em desacordo com os ensinamentos espíritas e os fatos já conhecidos, tais como os de efeitos físicos diversos. Aliás, lembramos que existem estudos bastante sérios sobre tais fatos, conforme relatados e analisados, com muita seriedade, pelo pesquisador Espírita Ernesto Bozzano. Citamos as obras “Fenômenos de Transporte” e “O Espiritismo e as Manifestações Supranormais”, recomendando a leitura, além de O Livro dos Médiuns, que apresenta importante introdução teórica aos fenômenos do tipo.

Sobre o fantasma, nota-se, diz Kardec, que se trata não de um Espírito necessariamente mau, mas, sim, de um Espírito inferior (palavra nossa), cheio de paixões e imperfeições:

A paixão violenta sob a qual sucumbiu como homem, prova que nele predominavam as ideias terrenas. Os traços profundos dessa paixão, que sobreviveu à destruição do corpo, provam que, como Espírito, ainda se achava sob a influência da matéria. Sua vingança, por mais inofensiva que fosse, denota sentimentos pouco elevados. Se, pois, nos reportarmos ao nosso quadro da classificação dos Espíritos, não será difícil determinar-lhe a classe: a ausência de maldade real o afasta naturalmente da última classe, a dos Espíritos impuros, mas evidentemente tinha muito das outras classes da mesma ordem, pois nada nele poderia justificar uma posição superior.

Sugestões de Leitura

  • “Fenômenos de Transporte”, por Ernesto Bozzano
  • “O Espiritismo e as Manifestações Supranormais”, idem
  • O Livro dos Médiuns, por Allan Kardec



Isolamento dos corpos pesados

O movimento imprimido aos corpos inertes pela vontade é hoje de tal modo conhecido que seria quase pueril relatar fatos do gênero.

Kardec inicia assim esse artigo, dizendo algo mais ou menos assim: “que as mesas podem ser elevadas do chão pela força psíquica, isso já é fato conhecido”. Hoje nos parece muito estranho pensar dessa forma. Por quê?

O fenômeno já era amplamente aceito – e estudado

Precisamos compreender que o Espiritismo surgiu em meio ao movimento chamado Espiritualismo Racional, adotado, na França, principalmente, como oposição ao movimento materialista e às velhas religiões escravizadoras do pensamento. Segundo FIGUEIREDO, 2019, o Movimento, “caracteriza- se pela adoção de metodologia científica, buscando fazer com o ser humano o que se conquistou com sucesso ao estudar a matéria: a compreensão das leis naturais que o fundamentam. Ou seja, substituiu a fé cega por uma fé racional, exigência dos novos tempos”¹. 

Naquela época e naquele contexto, as ciências morais estudavam tudo o que nascesse da ação humana, e isso incluía o estudo dos fenômenos psicológicos¹ do magnetismo e do sonambulismo, dentre tantos outros. Pois bem: o Espiritismo, tendo nascido em momento tão favorável, se desenrolou facilmente e, justamente por isso, conquistou rapidamente incontáveis adeptos, dentre os quais muitos, talvez a maioria, eram pessoas cultas, sérias e dedicadas às ciências. Tudo isso para trazer o relevante entendimento de que o Espiritualismo Racional já se ocupava, antes do nascimento do Espiritismo, dos fenômenos “supranormais”, como chama Bozzano, dentre os quais a magnetização de um objeto pesado, como uma mesa, que então se movia e se levantava, contra as leis conhecidas da Física, era fato conhecido e estudado.

As ciências psicológicas tratam das leis naturais que regem a natureza humana. E essas leis são de duas espécies, as experimentais ou empíricas, exprimindo os resultados da experiência do espírito humano tal como ele é, e as outras são ideais, representando o fim para o qual devemos encaminhar nossas faculdades por meio da evolução, ou tal qual elas deveriam ser. O estudo do ser humano em seu estado real é a psicologia experimental propriamente dita. (FIGUEIREDO, 2019)

Kardec, o Sr Fortier e as mesas girantes

Aliás, neste momento, interrompemos para voltar a Kardec, que conta sobre seu contato com o Sr. Fortier, conhecido magnetizador:

Foi em 1854 que pela primeira vez ouvi falar das mesas girantes. Encontrei um dia o Senhor Fortier a quem eu conhecia desde muito e que me disse: Já sabe da singular propriedade que se acaba de descobrir no Magnetismo? Parece que já não são somente as pessoas que se podem magnetizar, mas também as mesas, conseguindo-se que elas girem e caminhem à vontade. – ‘É, com efeito, muito singular, respondi; mas, a rigor, isso não me parece radicalmente impossível. O fluido magnético, que é uma espécie de eletricidade, pode perfeitamente atuar sobre os corpos inertes e fazer que eles se movam’. Os relatos, que os jornais publicaram, de experiências feitas em Nantes, em Marselha, e em algumas outras cidades, não permitiam dúvidas acerca da realidade do fenômeno.

Kardec, A., Obras Póstumas, Rio: FEB, 1964. p. 237

Nota-se que Kardec aceitava tranquilamente os fenômenos em questão, sendo que a mesa girante não foi seu primeiro contato com o magnetismo. Contudo, pouco tempo depois, um novo episódio vai marcar para sempre sua história com o Espiritismo nascente: 

Algum tempo depois, encontrei-me novamente com o Sr. Fortier, que me disse: Temos uma coisa muito mais extraordinária; não só se consegue que uma mesa se mova, magnetizando-a, como também que fale. Interrogada, ela responde. – Isto agora, repliquei-lhe, é outra questão. Só acreditarei quando o ver e quando me provarem que uma mesa tem cérebro para pensar, nervos para sentir e que possa tornar-se sonâmbula. Até lá, permita que eu não veja no caso mais do que um conto para fazer-nos dormir em pé.” [grifos nossos]

ibidem

Voltando ao artigo em questão…

Tudo que foi acima exposto nos serve para possamos compreender, racionalmente, a lógica que levava Kardec a aceitar tão tranquilamente isolamento (e o movimento) dos corpos pesados. Segue ele fazendo análise parecida com aquela feita ante ao relato do sr Fortier, quando dissera que as mesas respondiam inteligentemente: se há inteligência, há uma causa inteligente. Onde, pois, estará essa causa?

É importante destacar, conforme Kardec demonstra no artigo, que precisamos ter muita calma para analisar tais fatos e seus relatos, a fim de que a imaginação sobreexcitada não faça o fenômeno parecer “passe de mágica”: para se chegar ao levantamento de um corpo pesado, são necessárias muita concentração e diversas investidas, com as quais o fenômeno parece ganhar cada vez mais força, não acontecendo num estalar de dedos.

Também é digno de nota que Kardec menciona que os fatos obtidos “em casa do Sr. B…” se deram repetidamente, mesmo sem o contato das mãos e na presença de diversas testemunhas, inclusive daquelas “muito pouco simpáticas” e que não deixariam de levantar suspeita se tivessem motivo para tal. O mesmo tipo de fenômeno também ocorria facilmente em diversas outras casas.

Recomendações de Leitura

Para aprofundar o estudo, recomendamos, além das obras “Fenômenos de Transporte” e “O Espiritismo e as Manifestações Supranormais”, de Ernesto Bozzano, o estudo de O Livro dos Médiuns, onde, nos capítulos I, II, III, IV e V da Segunda  Parte, uma extensa abordagem teórica sobre o assunto é realizada.

Também recomendamos o livro “Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo“, por Paulo Henrique de Figueiredo


  1. É por isso que a Revista Espírita recebe o nome “Jornal de Estudos Psicológicos”, em perfeita concordância com o entendimento das ciências morais no contexto histórico e social de Allan Kardec.
  2. FIGUEIREDO, Paulo Henrique de. Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo, 2019, editora FEAL



Seria Allan Kardec racista, machista, homofóbico, etc?

Triste época, aquela da escravidão e da segregação, já em muito superada. Hoje, não falamos mais em “raças”, pois sabemos que só existe uma raça: a humana. Hoje, em grande maioria, sobretudo na nossa sociedade brasileira, os negros se integram e participam ativamente, enfrentando, ainda, algumas dificuldades, mas que decrescem dia após dia, com o avanço humano. Dessa época, surgem algumas falas de Allan Kardec, racistas aos olhos de hoje. Dizem, assim que ele seria racista, sem uma compreensão da época.

O erro, sempre, está em querer confundir Allan Kardec com o Espiritismo. O Espiritismo existe por si só, como fato da natureza. Kardec dedicou-se a estudá-lo. Nunca impôs suas ideias ou suas verdades para a Doutrina. Aliás, como veremos, foi por esse estudo que ele pôde verificar o negro, a mulher e até o homossexual, como veremos, por outro ângulo, como nunca antes nenhuma filosofia havia feito.

Resta lembrar que o conceito de raças era um conceito científico da época, que só veio ser superado no final do século XX.

A frase infamante

A frase em questão, utilizada para afirmarem que Allan Kardec seria racista, pertence a um artigo muito mais completo e profundo, publicado na Revista Espírita de abril de 1862 e que justamente vem de encontro com a ideia racista, demolindo-a:

“Assim, como organização física, os negros serão sempre os mesmos; como Espíritos, trata-se, sem dúvida, de uma raça inferior, isto é, primitiva; são verdadeiras crianças às quais muito pouco se pode ensinar […]”

Allan Kardec, R.E, abril de 1862

É, contudo, a velha mania do ser humano, cultivada até hoje: isola-se uma frase, retirando-a de todo um contexto, e apresenta-se como prova cabal do ponto contrário que se quer provar, quase sempre com vistas a denegrir a imagem de outrem.

Precisamos lembrar que Allan Kardec, ele se encontrava na França etnocêntrica de meados de 1800, quando toda a sociedade SEQUER atribuía uma alma aos negros e quando a própria ciência adotava um conceito racista:

No século XIX, iniciou-se o processo do neocolonialismo ou imperialismo europeu. A Inglaterra, a França, a Alemanha e outras potências capitalistas europeias investiram em novas políticas de expansão territorial e, praticamente, dividiram entre si os territórios da África, da Ásia e da Oceania.

Para justificar a exploração das riquezas daqueles lugares e a política de segregação racialos europeus tiveram que buscar uma justificativa científica, pois, no século XIX, a ciência já estava amplamente divulgada e a religião já não era mais suficiente para justificar qualquer tipo de ação autoritária.

Nesse sentido, a antropologia surgiu como uma tentativa de criar teorias científicas que justificassem a exploração dos povos de fora da Europa pelos povos europeus. As primeiras teorias dessa área, desenvolvidas pelo biólogo e geógrafo inglês Herbert Spencer, afirmavam que havia uma espécie de hierarquia das raças.

Nessa perspectiva, os brancos europeus eram superiores, seguidos pelos asiáticos, pelos índios e pelos africanos, sendo os últimos os menos desenvolvidos. Essa corrente ficou conhecida como darwinismo social ou evolucionismo social, pois se apropriou da teoria da evolução biológica de Charles Darwin e aplicou-a no campo sociológico[…]

Francisco Porfírio – Brasil Escola – https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/etnocentrismo.htm

Diz Paulo Henrique de Figueiredo, em A Gênese (ed. FEAL, 2022):

Quando Allan Kardec escreveu esta obra, a hierarquização evolutiva das então consideradas raças humanas não era vista como racismo, mas adotada por cientistas eminentes como Cuvier, Charles Darwin, Buchner, ou Carl Vogt, que afirmou: “Logo que os jovens negros atingem o período da puberdade, assiste-se a um fenômeno idêntico ao que ocorre nos macacos. Doravante, as faculdades intelectuais permanecem estacionárias e o indivíduo, tal como toda a raça, torna-se incapaz de qualquer progresso” (Leçons sur l’homme. p. 253).

Esse entendimento era hegemônico no meio científico, contextualizando assim as descrições ultrapassadas aqui desenvolvidas, pertencentes à Ciência da época, e não ao Espiritismo.

Allan Kardec, foi, por isso, levado a cometer esse erro de julgamento, racista para os olhos de hoje, baseado em alguns preconceitos e conceitos científicos da época. Por outro lado, demonstrou, pelos estudos do Espiritismo, que todos os seres humanos possuem almas que, inclusive, podem reencarnar onde quer que seja e sob qualquer cor, “raça” ou credo.

Vejamos: Kardec julgava os negros a partir do ponto de vista dos conceitos da época, que os admitia apenas como selvagens, oriundos das selvas africanas, todos muito aquém de qualquer civilização e cultura. É nesse erro de fundamento que Kardec se baseia para dizer: “como Espíritos, trata-se, sem dúvida, de uma raça inferior, isto é, primitiva”. Era um conceito da ciência da época, pautada pelo racismo, até mesmo por conta de interesses!

Contudo, se passarmos além desse pensamento de Allan Kardec, racista por definição, estudando a Doutrina Espírita a fundo, veremos que ela contraria, repito, todo e qualquer preconceito racial, sexual ou de castas.

Recuperemos, aliás, trechos do artigo em questão, muito importantes:

Diz-se a respeito dos negros escravos: “São seres tão brutos, tão pouco inteligentes, que seria vão esforço querer instruí-los. São uma raça inferior, incorrigível, profundamente incapaz.” A teoria que acabamos de apresentar permite encará-los sob outro prisma. Na questão do aperfeiçoamento das raças é sempre necessário levar em consideração dois elementos constitutivos do homem: o elemento espiritual e o corporal. É preciso conhecer ambos, e só o Espiritismo nos pode esclarecer quanto à natureza do elemento espiritual, o mais importante, por ser o que pensa e o que sobrevive, ao passo que o corporal se destrói.

Allan Kardec, R.E. abril de 1862

Aqui fica muito evidente, principalmente para quem leu todo o artigo, que Kardec justamente traz a questão em voga, naquele momento, para a análise sob outro prisma – o do Espiritismo – que poderia trazer uma outra forma de interpretar o assunto. Vamos seguir, apresentando o parágrafo completo de onde foi extraído a frase citada:

Assim, como organização física, os negros serão sempre os mesmos. Como Espíritos, são inquestionavelmente uma raça inferior, isto é, primitiva. São verdadeiras crianças às quais muito pouco se pode ensinar. Mas, por meio de cuidados inteligentes é sempre possível modificar certos hábitos, certas tendências, o que já representa um progresso que levarão para outra existência, e que lhes permitirá, mais tarde, tomar um envoltório de melhores condições. Trabalhando por sua melhoria, trabalha-se menos pelo seu presente que por seu futuro e, por pouco que se consiga, para eles é sempre uma aquisição. Cada progresso é um passo à frente que facilita novos progressos.

ibidem

Vemos, como apresentado, que Allan Kardec partiu de um fundamento errado, racista, baseado em conceitos científicos, sociais e culturais da época — o de que os negros seriam uma “raça” selvagem e sem conhecimentos e o de que os brancos constituiriam uma raça superior — num contexto, onde muito provavelmente, ou ele sequer tinha contato com negros, ou, hipótese mais razoável, que ele apenas os conhecia de sua posição socialmente inferior, posto que a escravatura na França foi apenas abolida em 1848. Contudo, logo em seguida, ele adiciona que, por mais que pudessem constituir uma “raça” inferior, esses Espíritos, que ora ocupavam um corpo tido como “inferior” ao branco — nada mais afastado da realidade — através de sua progressão espiritual, ocupariam “envoltórios melhores”. Isso está mais ou menos expresso no seguinte pensamento, da Revista Espírita de novembro de 1858: “a Doutrina Espírita é mais ampla do que tudo isto. Para ela, não existem várias espécies de homens; simplesmente existem homens cujo Espírito é mais ou menos atrasado, susceptível, entretanto, de progredir“.

Kardec segue adiante e reproduz o pensamento reinante, naquele momento, a respeito do corpo físico constituinte da “raça negra”: “Por isso a raça negra, enquanto raça negra, corporalmente falando, jamais atingirá os níveis das raças caucásicas, mas como Espíritos é outra coisa: pode tornar-se e tornar-se-á aquilo que somos. Apenas necessitará de tempo e de melhores instrumentos.

É repugnante aos nossos olhos, hoje? Sim, é. E é algo sobre o que precisamos discutir, de forma não anacrônica, a fim de entendermos e separarmos o pensamento do homem, imperfeito, do pensamento expresso pela ciência Espírita, como em tudo.

Observe que Kardec tomava um ponto de vista baseado na ciência humana e na ciência dos Espíritos. Pela primeira, baseou-se nas ideias de raças, exprimindo, assim, um pensamento errado. Pela segunda, acertou ao entender que somos todos iguais. O Espiritismo, portanto, não é racista, mas muito pelo contrário.

Compete, também, fazer uma outra observação: Kardec não via o negro como ser que não devesse ter os mesmos respeito, caridade, fraternidade e amor, como devemos a todos os outros. Vemos isso muito bem expresso na Revista Espírita de junho de 1859, quando um homem negro, falecido, é evocado, e se exprime assim:

4. ─ No entanto, éreis livre. Em que vos sentis mais feliz agora?
─ Porque meu Espírito não é mais negro.

Ao que Kardec faz a seguinte nota:

NOTA: Esta resposta é mais sensata do que parece à primeira vista. Com certeza jamais o Espírito é negro. Ele quer dizer que, como Espírito, não tem mais as humilhações às quais está sujeita a raça negra.

Ora, necessário, então, se faz entender essa questão, no contexto histórico certo, pelos dois lados: de um lado, Kardec, o branco, europeu, que acreditava ser o negro uma “raça” inferior, mas que entendia que se tratava de irmão nosso, Espírito como nós, que também sofria pelas humilhações e que desejava ser feliz. Do outro lado, o negro, que não apenas se sentia, mas que era humilhado e maltratado, por conta de sua cor de pele. Seria muito supor que, nesse contexto bem específico, muito diferente do que é hoje a sociedade moderna (em grande parte), o Espírito que encarnou em um corpo negro quisesse deixar de ser negro em uma próxima vida? Isso fica patente no pensamento do Espírito (Pai César):

10. (Ao Pai César) ─ Dissestes que procurais um corpo com qual possais avançar. Escolhereis um corpo branco ou preto?
─ Um branco, porque o desprezo me faria mal.

Partindo do ponto de vista que o negro era tratado como animal, enfrentando dificuldades acerbas, seria muito supor que, nessa época, um Espírito escolhesse encarnar em um corpo negro de modo a enfrentar as imensas dificuldades que essa vida lhe ofereceria, aprendendo com elas? Hoje, viver como negro não é mais tão sofrido como era nessa época e, com a evolução do ser humano, as expiações escolhidas pelos Espíritos seriam outras. A questão, sempre, para bem entender essas difíceis questões, é separar Espírito e corpo, além de contextualizar termos e ideias conforme época, história e contexto social.

Importa lembrar, também, que, se Kardec foi, de certa forma, preconceituoso, por outro lado não foi escravagista nem sequer segregacionista ou, se um dia o foi, mudou sua opinião quando de contato com a ciência espírita:

829. Haverá homens que estejam, por natureza, destinados a ser propriedade de outros homens?

“É contrária à lei de Deus toda sujeição absoluta de um homem a outro homem. A escravidão é um abuso da força. Desaparece com o progresso, como gradativamente desaparecerão todos os abusos.”

É contrária à natureza a lei humana que consagra a escravidão, pois que assemelha o homem ao irracional e o degrada física e moralmente (nota de Allan Kardec)

[…]

831. A desigualdade natural das aptidões não coloca certas raças humanas sob a dependência das raças mais inteligentes?

“Sim, mas para que estas as elevem, não para embrutecê-las ainda mais pela escravização. Durante longo tempo, os homens consideraram certas raças humanas como animais de trabalho, munidos de braços e mãos, e se julgaram com o direito de vender os dessas raças como bestas de carga. Consideram-se de sangue mais puro os que assim procedem. Insensatos! Nada veem senão a matéria. Mais ou menos puro não é o sangue, porém o Espírito.” (361–803.)

Allan Kardec – O Livro dos Espíritos

Não paremos, porém. Vamos seguir em frente, analisando outros assuntos importantes e correlatos.

Seria Kardec machista?

Para analisar esses temas, vou utilizar como base o artigo produzido por Paulo Henrique de Figueiredo, que pode ser apreciado, na íntegra, no link https://revolucaoespirita.com.br/kardec-homossexualidade/

Começando pela questão do machismo, Kardec faz uma interessantíssima abordagem na Revista Espírita de janeiro de 1866, no artigo de título “As mulheres tem alma?”. Sim, pasmem, era essa a questão de então.

As mulheres têm alma? Sabe-se que a coisa nem sempre foi tida como certa, pois, ao que se diz, foi posta em deliberação num concílio. A negação ainda é um princípio de fé em certos povos. Sabe-se a que grau de aviltamento essa crença as reduziu na maior parte das regiões do Oriente. Mesmo que hoje, nos povos civilizados, a questão seja resolvida em seu favor, o preconceito de sua inferioridade moral perpetuou-se a tal ponto que um escritor do século passado, cujo nome me foge, assim definia a mulher: “Instrumento de prazeres do homem”, definição mais muçulmana que cristã. Desse preconceito nasceu sua inferioridade legal, ainda não apagada de nossos códigos. Por muito tempo elas aceitaram essa escravização como uma coisa natural, tão poderosa é a força do hábito. É assim que acontece com aqueles que são submetidos à servidão de pai para filho, que acabam por se julgarem de natureza diversa da dos seus senhores.

Allan Kardec, R.E, Janeiro de 1866

Incrível, não? Ainda se questionava, em algumas sociedades, se a mulher realmente possuía alma e, nascida de um preconceito, sua inferioridade legal ainda existia. As mulheres não podiam sequer votar – fato muito bem conhecido ainda hoje. Notemos uma coisa: se Kardec pode ter sido preconceituoso com relação aos negros, ele, contudo, não os jugava animais que deveriam ser escravizados à vontade do branco, assim como a mulher não deveria ser escravizada à vontade do homem.

“Depois de ter reconhecido que elas têm uma alma, se lhes reconheceu o direito de conquistar os graus da ciência, é já alguma coisa. Mas a sua libertação parcial não é senão o resultado do desenvolvimento da urbanidade, do abrandamento dos costumes, ou, querendo-se, de um sentimento mais exato da justiça; é uma espécie de concessão que se lhe faz, e, é preciso bendizê-la, se lhes regateando o mais possível”.

ibidem

Comenta Paulo Henrique, em seu artigo:

Naquele tempo, apesar da questão da existência da alma da mulher ser considerada ridícula, ainda não se ponderava que a “igualdade de posição social entre o homem e a mulher fosse de direito natural”, e não uma concessão feita pelo homem. A contribuição do Espiritismo para o debate é extraordinária e atual. Enquanto atualmente se discute o fato de que as tradicionais diferenças de gênero se estabeleceram em função da cultura e não da natureza fisiológica (visando justificar o poder do homem), o Espiritismo demonstra o outro extremo da questão: a igualdade é natural, pois os espíritos não têm distinção sexual! Ou seja, se a divisão de sexo por gêneros é cultural (se sabe hoje), a igualdade é natural (explicam os espíritos).

Em O Livro dos Espíritos, Kardec se aprofunda nessa questão, de forma muito atual, criando, de uma vez por todas, através dos ensinamentos dos Espíritos Superiores, a mais profunda noção de igualdade já vista em uma Doutrina, por estar baseada nos princípios da Lei Natural, que transcende a matéria e o tempo:

817. São iguais perante Deus o homem e a mulher e têm os mesmos direitos?

“Não outorgou Deus a ambos a inteligência do bem e do mal e a faculdade de progredir?”

818. Donde provém a inferioridade moral da mulher em certas regiões?

“Do predomínio injusto e cruel que sobre ela assumiu o homem. É resultado das instituições sociais e do abuso da força sobre a fraqueza. Entre homens moralmente pouco adiantados, a força faz o direito.”

819. Com que fim mais fraca fisicamente do que o homem é a mulher?

“Para lhe determinar funções especiais. Ao homem, por ser o mais forte, os trabalhos rudes; à mulher, os trabalhos leves; a ambos o dever de se ajudarem mutuamente a suportar as provas de uma vida cheia de amargor.”

Allan Kardec – O Livro dos Espíritos

E, adiante, digno de nota, apresenta esse incrível e profundo pensamento:

821. As funções a que a mulher é destinada pela Natureza terão importância tão grande quanto as deferidas ao homem?

“Sim, maior até. É ela quem lhe dá as primeiras noções da vida.”

ibidem

Já vimos, até aqui, que Kardec vai na direção contrária do pensamento em vigência naquela época: a mulher, claro, possui alma e, sendo igual ao homem, deveria ser tratada com as mesmas condições garantidas pelo direito natural, dadas ao homem. O Espiritismo demonstra que a igualdade é natural, posto que o Espírito não tem sexo e, portanto, nem cor ou raça, como fica exemplificado na comunicação com o Espírito do senhor Sanson, um espírita da Sociedade de Paris, recém-desencarnado, em 1862, quando lhe fez a seguinte pergunta:

“Os Espíritos não têm sexo; entretanto, como há poucos dias ainda era homem, tende em vosso novo estado antes a natureza masculina do que a natureza feminina? Ocorre o mesmo com um Espírito que tivesse deixado seu corpo há muito tempo?”

E, por meio do médium, Sanson respondeu:

“Não temos que ser de natureza masculina ou feminina: os Espíritos não se reproduzem. Deus os cria à sua vontade, e se, por seus objetivos maravilhosos, quis que os Espíritos se reencarnem sobre a Terra, deveu acrescentar a reprodução das espécies para macho e a fêmea. Mas o sentis, sem que seja necessária nenhuma explicação, os Espíritos não podem ter sexo.”

É assim, enfim, que chegamos à questão:

Kardec homofóbico?

Prezado leitor, preciso dizer que nem sei de onde as pessoas tiram esses pensamentos. Na verdade, sei: do senso-comum, aquele conhecido “telefone sem fio”, que transmite ideias de um para o outro sem as analisarem com seriedade.

Quem realmente busca estudar e compreender o Espiritismo e Allan Kardec já entendeu, apenas pelo exposto acima, que ele não poderia ser homofóbico. Contudo, vamos finalizar o artigo com sua seguinte citação, na mesma edição da Revista Espírita, seguida da citação de Paulo Henrique de Figueiredo a respeito desse trecho:

“Se essa influência da vida corporal repercute na vida espiritual, o mesmo se dá quando o Espírito passa da vida espiritual para a corporal. Numa nova encarnação, ele trará o caráter e as inclinações que tinha como Espírito; se ele for avançado, será um homem avançado; se for atrasado, será um homem atrasado.

Mudando de sexo, poderá, pois, sob essa impressão e em sua nova encarnação, conservar os gostos, as tendências e o caráter inerentes ao sexo que acaba de deixar. Assim se explicam certas anomalias aparentes que se notam no caráter de certos homens e de certas mulheres”.

Portanto, só existe diferença entre o homem e a mulher em relação ao organismo material, que se aniquila com a morte do corpo. Mas, quanto ao Espírito, à alma, ao ser essencial, imperecível, ela não existe, porque não há duas espécies de almas.

Allan Kardec, R.E., Jan/1866

É muito importante destacar aqui que o termo “anomalia aparente”, usado por Kardec, estava presente nas ciências da época, se referindo aos fenômenos que fogem da explicação das teorias aceitas, não sendo para elas “normais”; mas que, ao se encontrar uma nova explicação natural para o fenômeno em novas teorias, elas deixam de ser “anomalias” e se tornam fenômenos naturais. Por isso ela é “aparente”

Paulo Henrique de Figueiredo, site Revolução Espírita, 25/08/2016

Considerações finais

Existem pessoas boníssimas de todas as cores, inclusive pessoas da pior espécie, também de todas as cores e opções sexuais. Há Espíritos elevados em corpos disformes, assim como há Espíritos terríveis nos corpos mais lindos. Precisamos aprender a deixar de julgar o próximo, bem como a deixar de criar conceitos e preconceitos baseados em como as pessoas se parecem, aos nossos olhos.

O entendimento do Espiritismo vem justamente nesse sentido, quando entendemos que o corpo é apenas um vaso, que pode conter água mais cristalina ou menos. O Espírito humano pode encarnar em qualquer tipo de corpo humano, de acordo com suas necessidades. Como pode, então, sabendo muito bem disso, Kardec ter emitido opinião tão errônea a respeito dos negros?

Em parte isso se explica por um forte preconceito etnocêntrico que, na França de meados de 1800, enxergava o negro como “raça” inferior, selvagens, sem conhecimentos e sem cultura. De outro lado, entendamos bem, Allan Kardec, partindo da ideologia racista da ciência vigente, supunha que os Espíritos que encarnavam nos negros, eram também Espíritos de menor evolução, em fase de infância espiritual. Nada, repito, nada mais afastado da verdade, visto que sabemos o quanto de valor moral e de conhecimentos tinham esses irmãos, ainda usados como escravos pouco tempo antes na França e, ainda, por muitas décadas à frente, no Brasil. Contudo, ao mesmo tempo que partia desse ponto de partida errado, adicionava: “são Espíritos como nós, fadados à evolução e à perfeição”.

Já foi um grande passo, para um homem daquela época, ter dado alma a um povo que era tratado como máquina. Mas, sabemos, a marcha do progresso avança e, como dizia sempre Kardec, deveríamos sempre acompanhar os avanços científicos, abandonando a opinião que se mostrasse errada frente à ciência. É isso o que fazemos aqui e é o mesmo que faria Allan Kardec se, hoje, se encontrasse encarnado entre nós.

Contudo, nada disso muda nossa forma de entender o Espiritismo, em sua verdadeira concepção, e nem mesmo com relação ao papel grandioso que Kardec teve em seu estudo, posto que foi um homem imperfeito, embora comprometido com a caridade e as ciências. Na verdade, acrescenta, à Doutrina dos Espíritos, a beleza real que ela tem, entendida em sua profundidade e sem os preconceitos e conceitos humanos que, afinal, ela não tem, mas, sim, desfaz.




As “supostas” adulterações em Allan Kardec: um chamamento aos espíritas

Supostas? Não, não são supostas. São factuais, com inúmeras provas e fortes evidências apresentadas, obtidas inclusive por pesquisa de campo e baseadas, outras, em documentos históricos de Allan Kardec que, aos poucos, vem à tona.

Infelizmente, a FEB, apoiada nos argumento de Carlos Seth, está se baseando em evidências muito fracas para argumentar a favor daquilo que acredita – a não adulteração – sem apresentar, como Kardec faria, a argumentação contrária, sem ir a fundo nelas. Trato sobre isso neste artigo: https://geolegadodeallankardec.com.br/2021/09/01/as-adulteracoes-nas-obras-de-kardec-e-o-csi-do-espiritismo/

Pior que isso, a defesa da não adulteração, frente às provas já existentes, fere a própria imagem de Allan Kardec, como se ele, que sempre realizou tudo com todo o cuidado necessário, sob todas as exigências da lei humana, tivesse então decido submeter uma alteração de forma ilegal, sem realizar o depósito legal, obrigatório naquela época, tornando-o um criminoso confesso. Creio que podemos e devemos fazer mais que isso, não apenas em nome de Allan Kardec, mas em nome de algo muito maior e mais sério: o Espiritismo, doutrina que vem para, finalmente, provocar e auxiliar as grande mudanças necessárias à humanidade.

Sinto um grande descontentamento ao verificar não que existem opiniões contrárias, mas, sim, que muitos espíritas sequer buscam seguir o exemplo de Kardec, probo e humilde, verificando todas as fontes sérias, mesmo contrárias às suas ideias previamente desenvolvidas, indo a fundo nelas e analisando o que, nelas, há de verdadeiro ou provável e, modificando a opinião própria frente às evidências científicas e, quando não, esmiuçando tais ideias a fim de mostrar onde elas falham.

Infelizmente muitos não tem agido assim, a despeito de inúmeros espíritas sérios, já desde o século XIX e, depois, passando por Silvino Canuto de Abreu e o próprio Herculano Pires, terem levantado graves acusações frente aos desvios que a Doutrina sofreu após Kardec.

Em verdade, não desejo que concordem comigo, mas, sim, que ajamos todos de forma conscienciosa, espelhados no exemplo do professor Rivail. Diversas obras, desde alguns anos, tem apresentado evidências sérias demais e por demais bem embasadas a ponto de serem colocadas de lado e descartadas. Se vamos discutir sobre adulterações, discutamos sob a luz da razão, frente ao raciocínio lógico e as provas e evidências, como Kardec faria.

Por nos dizermos Espíritas, que é uma ciência nascida da observação dos fatos e das evidências, uma vez mais peço: não deixemos essas obras de lado, pois o que elas trazem, ainda que fosse falso, é por demais importante e grave para ignorá-las, como o movimento espírita brasileiro tem feito.

São elas, mas não apenas:

  • O Legado de Allan Kardec, por Simoni Privato
  • Nem céu nem inferno: As leis da alma segundo o Espiritismo, por Lucas Sampaio e Paulo Henrique de Figueiredo
  • Muita Luz (BEAUCOUP DE LUMIÈRE), de Berthe Fropo
  • Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo, por Paulo Henrique de Figueiredo

Irmãos, leiam, estudem, se informe e espalhem essa motivação, por todo canto. Já é mais que hora de restaurarmos o entendimento original sobre o Espiritismo!




A Caridade verdadeira, segundo o Espiritismo

Caridade: termo tão usado em toda parte, mas, ainda, tão mal compreendida. Que seria a Caridade verdadeira, segundo o Espiritismo?

Para nós, espíritas, ela aparece em todo canto, em toda literatura. Kardec a tornou base necessária para toda e qualquer felicidade, dizendo: “fora da caridade não há salvação”. A afirmativa, é claro, nasceu de uma certa oposição ao dogmatismo religioso, que tentava apregoar que a salvação estava em cada seita, de forma exclusivista e mesmo egoísta, mas não deixa de ser verdade, pois, sem caridade, não há amor ao próximo.

Contudo, o termo caridade tomou, hoje, conotação de assistencialismo, quase que exclusivamente, tornando-se sinônimo de doação material. Mas, para que realmente possamos entendemo-la dentro do contexto espírita, precisamos voltar ao contexto de Allan Kardec, na França de meados de 1850:

É importante destacar que o termo caridade utilizado por Kardec, para o Espiritualismo Racional, naquele tempo (divergindo da definição atual do termo, que se aproxima do assistencialismo), representava agir pelo dever, ou seja, de forma livre, consciente, intencional, independentemente de castigos e recompensas, com a plena compreensão da lei moral. A caridade é um princípio que orienta o agir integral do ser, e não uma atividade complementar, como se fosse um comportamento acessório […].

Paulo Henrique de Figueiredo – O Legado de Allan Kardec

Vemos, assim, que a caridade, bem entendida, deve constituir o ser, o modo de proceder, e não apenas se constituir de ações isoladas que, muitas vezes, falam mais pela necessidade de se fazer visto como “pessoa caridosa”, situação na qual não há real caridade, mas apenas ego e vaidade. Mais que isso, a caridade não se resume à doação material. Na verdade, eu diria, ela é, na maioria das vezes, oposta à doação material, visto que quem doa materialmente, seja dinheiro, seja comida, sejam coisas, muitas vezes o faz como uma forma de alívio de consciência.

O caro leitor que me perdoe, pois o intuito realmente não é julgar ninguém em suas ações. O próprio Cristo exemplificou, na “parábola do óbulo da viúva”, que a intenção real, ou, se quisermos, a fé, é quem fala mais alto. Muitas pessoas doam dinheiro ou outros recursos querendo realmente fazer o bem e, claro, isso conta muito. Mas quantas vezes nós nos limitamos a fazer uma doação material, sem mesmo refletir sobre o que estamos fazendo e sobre a situação real daquela pessoa que nos pede, num ato [enganoso], quase sempre, de desobrigação de ir além, ou apenas para nos sentirmos bem?

Pensemos: quantas pessoas utilizam doações para, revendendo recursos, obter dinheiro para obter entorpecentes? Quantas pessoas, dispondo de recursos fáceis, se lançam nos piores vícios e desregramentos, cavando mais e mais o próprio buraco em que se afundam? Será que doar a essas pessoas, regularmente, está realmente ajudando em suas situações? Será, realmente, que se os ricos simplesmente doassem suas fortunas, a miséria humana acabaria?

Não digo, de forma alguma, que não devemos doar recursos materiais; mas pensemos além, analisando cada situação e buscando ser fraternos com o irmão que nos busca, nos importando realmente com a situação dessa pessoa. Muitas vezes, uma simples pergunta do tipo “por que está na rua, irmão? O que está passando?” pode abrir caminho para uma relação muito mais frutífera que, não esqueçamos, beneficia os dois lados.

O indivíduo que realmente deseja fazer o bem, não faz a caridade uma vez por mês ou por semana: ele é caridoso, o tempo todo. E ser caridoso consiste em colocar o outro à frente de nossas próprias vontades e necessidades. Quantas vezes, pessoas passando pelos mais difíceis momentos de suas vidas, encontram forças para fazer a caridade de um dar sorriso a quem chora ainda mais? Minha avó, por exemplo, passando por uma grave e dolorida doença, encontrava forças para ser doce e afável, sorrindo a todos que vinham visitá-la em seus últimos dias da última encarnação. Não será isso um gênero de caridade – talvez dos maiores que existem?

Quando pensarmos, portanto, em caridade, precisamos pensar necessariamente em uma coisa: ir além. Se doamos algo material, que isso seja apenas a porta para criar um vínculo e uma abertura para aprofundar a relação com o irmão que pode estar em grande sofrimento. Mas, sobretudo, não esqueçamos que a maior caridade que podemos fazer ao próximo é lhe levar amor, fé e consolação, sobretudo através do exemplo de quem vivencia o que fala e não apenas como quem joga palavras ao vento.

É, portanto, um gênero de caridade com a humanidade nos esforçarmos em nosso próprio adiantamento moral, buscando modificarmo-nos à luz daquilo que nos consola e, em nosso caso, estudando dedicadamente O Espiritismo, doutrina que, muitas vezes na vida, nos salvou de escolhas ruins ou nos conduziu a melhores caminhos. Aprendamos a espalhá-lo sem chocar, isto é, sem iniciar as conversas falando em reencarnação e obsessão, mas, sim, apresentando a filosofia tão consoladora encontrada nessa Doutrina.

Sairemos, então, portão afora, e encontraremos por todos os lados pessoas precisando, desesperadamente, de algo que as console, que as ajude a tirar o pensamento de desistência de suas cabeças, que as auxilie a passar pelas provas da vida com fé inabalável e com firmeza decidida. São pessoas quase sempre difíceis, pelo momento de crise que vivem, e não seria caridade maior nos esforçarmos por ajudá-la, de forma persistente e fraterna, mesmo sabendo que, muitas vezes, viveremos dificuldades nesse contato inicialmente difícil?

Acreditem, irmãos: fazemos caridade muito maior deixando para trás nossas imperfeições e espalhando consolações e conhecimentos que podem mudar, para sempre, o rumo de um Espírito, do que apenas doando uma “coisa”, que ele vai usar e descartar, enquanto nós viramos nossas costas e seguimos nossa vida, sem vontade de ir além. Afinal, de que adianta doar um saco de arroz para alguém que pede no portão enquanto não somos caridosos, sequer, com os membros de nossa própria família ou com nossos subordinados no trabalho?

Encerro deixando a mensagem de “Um Espírito Protetor”, apresentada no capítulo XIII de O Evangelho Segundo o Espiritismo:

Meus amigos, a muitos dentre vós tenho ouvido dizer: Como hei de fazer caridade, se amiúde nem mesmo do necessário disponho?

Amigos, de mil maneiras se faz a caridade. Podeis fazê-la por pensamentos, por palavras e por ações. Por pensamentos, orando pelos pobres abandonados, que morreram sem se acharem sequer em condições de ver a luz. Uma prece feita de coração os alivia. Por palavras, dando aos vossos companheiros de todos os dias alguns bons conselhos, dizendo aos que o desespero, as privações azedaram o ânimo e levaram a blasfemar do nome do Altíssimo: “Eu era como sois; sofria, sentia-me desgraçado, mas acreditei no Espiritismo e, vede, agora, sou feliz.” Aos velhos que vos disserem: “É inútil; estou no fim da minha jornada; morrerei como vivi”, dizei: “Deus usa de justiça igual para com todos nós; lembrai-vos dos obreiros da última hora.” Às crianças já viciadas pelas companhias de que se cercaram e que vão pelo mundo, prestes a sucumbir às más tentações, dizei: “Deus vos vê, meus caros pequenos”, e não vos canseis de lhes repetir essas brandas palavras. Elas acabarão por lhes germinar nas inteligências infantis e, em vez de vagabundos, fareis deles homens. Também isso é caridade.

Dizem, outros dentre vós: “Ora! somos tão numerosos na Terra, que Deus não nos pode ver a todos.” Escutai bem isto, meus amigos: Quando estais no cume da montanha, não abrangeis com o olhar os bilhões de grãos de areia que a cobrem? Pois bem: do mesmo modo vos vê Deus. Ele vos deixa usar do vosso livre-arbítrio, como vós deixais que esses grãos de areia se movam ao sabor do vento que os dispersa. Apenas, Deus, em sua misericórdia infinita, vos pôs no fundo do coração uma sentinela vigilante, que se chama consciência. Escutai-a, que somente bons conselhos ela vos dará. Às vezes, conseguis entorpecê-la, opondo-lhe o espírito do mal. Ela, então, se cala. Mas, ficai certos de que a pobre escorraçada se fará ouvir, logo que lhe deixardes aperceber-se da sombra do remorso. Ouvi-a, interrogai-a e com freqüência vos achareis consolados com o conselho que dela houverdes recebido.

Meus amigos, a cada regimento novo o general entrega um estandarte. Eu vos dou por divisa esta máxima do Cristo: “Amai-vos uns aos outros.” Observai esse preceito, reuni-vos todos em torno dessa bandeira e tereis ventura e consolação. – Um Espírito protetor. (Lião, 1860.)