A floresta de Dodona e a estátua de Memnon

Kardec inicia esse artigo contextualizando o leitor no ambiente de uma sala, como em inúmeras outras, onde ocorriam os fenômenos tiptológicos tão comuns naquela época. Afastando a possibilidade de fraude, por conhecer o meio em que se encontrava, para procurar hipóteses válidas para a causa desses fenômenos, segue desenrolando uma sequência lógica e racional de ideias, a fim de demonstrar a necessidade de nunca aceitar qualquer ideia, positiva ou negativa, de forma cega:

Um jovem bacharelando estava em seu quarto, estudando pontos do exame de Retórica, quando bateram à porta. Penso que todos admitem ser possível distinguir a natureza do ruído, e sobretudo na sua repetição, se é causado por um estalo da madeira, pela agitação do vento ou por qualquer outra causa fortuita, ou se é alguém que bate, querendo entrar. Neste último caso o ruído tem um caráter intencional, que não pode ser confundido. É o que pensa o nosso estudante. Entretanto, para não se incomodar inutilmente, quis certificar-se, pondo à prova o visitante. Se for alguém, diz ele, bata uma, duas, três, quatro, cinco, seis vezes; bata no alto, em baixo, à direita ou à esquerda; bata o compasso musical; bata a chamada militar, etc., e a cada um desses pedidos, o ruído obedece com a mais perfeita exatidão. Com certeza, pensa ele, não pode ser o estalo da madeira, nem o vento, nem mesmo um gato, por mais inteligente que seja. Eis um fato. Vejamos a que consequências seremos conduzidos pelos argumentos silogísticos.

Assim, ele fez o seguinte raciocínio: Ouço um barulho, logo, é alguma coisa que o produz. Esse barulho obedece às minhas ordens, portanto, a causa que o produz me compreende. Ora, o que compreende tem inteligência, portanto a causa desse barulho é inteligente. Se é inteligente, não é a madeira nem o vento; se, pois, não é a madeira nem o vento, é alguém. Então foi abrir a porta. Vejamos que não é preciso ser doutor para chegar a esta conclusão e julgamos nosso futuro bacharel suficientemente aferrado aos seus princípios para concluir do seguinte modo:

Suponhamos que ao abrir a porta ele não encontre ninguém, e que o barulho continue exatamente como antes. Ele seguira o seu sorites¹: “Acabo de provar a mim mesmo, sem contestação, que o barulho é produzido por um ser inteligente, uma vez que responde ao meu pensamento. Ouço sempre esse barulho à minha frente e é certo que não sou eu quem bate, portanto, é um outro. Ora, se esse outro eu não vejo, claro que ele é invisível. Os seres corporais que pertencem à Humanidade são perfeitamente visíveis. Este que bate, sendo invisível, não é um ser humano corpóreo. Ora, desde que chamamos Espíritos os seres incorpóreos, aquele que bate, não sendo corpóreo, é pois um Espírito”.

Embora Kardec tenha feito uma simplificação, pois não abordou a necessidade de procurar possíveis causas escondidas, responsáveis pelas “batidas na porta” (o que ele sempre buscava fazer) fica evidente uma linha de pensamentos lógicos bastante clara e simples que, se fosse seguida, faria muitos deixarem de cair em contradições e negações ante àquilo que é tão claro e evidente.

Era dessa forma, quando dos fenômenos de tiptologia, que se obtinham as respostas sobre os questionamentos feitos aos Espíritos: através de pancadas, de forma ou número definidos, indicava-se letras, números, respostas binárias e etc, além de, para uma comunicação mais desenvolvida, muitas vezes indicarem, por um sinal particular, que desejava escrever; “então o médium escrevente tomava o lápis e transmitia seu pensamento por escrito”.

Entre os assistentes, não falando dos que estavam em volta da mesa, mas de todas as pessoas que enchiam o salão, havia incrédulos autênticos, meio crentes e crentes fervorosos que, como se sabe, constituem uma mistura pouco favorável. Os primeiros, nós os deixamos à vontade, esperando que a luz se faça para eles. Respeitamos todas as crenças, mesmo a incredulidade, que constitui uma espécie de crença, quando essa se respeita suficientemente para não chocar as opiniões contrárias. Assim, pois, não diremos que suas observações sejam destituídas de utilidade. Seu raciocínio, muito menos prolixo que o do nosso estudante, geralmente pode ser assim resumido: Eu não creio em Espíritos, portanto, não podem ser Espíritos, e como não são Espíritos, é um truque. Tal suposição os leva a admitir que a mesa teria um maquinismo, à maneira de Robert Houdin.

Kardec cita os assistentes, ou testemunhas, destacando aqueles que estavam convencidos de que tudo era uma farsa, apresentando sua lógica de pensamento. Segue apresentando a resposta:

Primeiro, seria preciso que todas as mesas e todos os móveis tivessem maquinismos, uma vez que não os há privilegiados; segundo, não se conhece qualquer mecanismo suficientemente engenhoso para produzir à vontade todos os efeitos que acabamos de descrever; em terceiro lugar, seria necessário que a Sra. B… tivesse preparado propositalmente paredes e portas de seu apartamento, o que é pouco provável; em quarto lugar, enfim, teria sido necessário preparar ainda as mesas, as portas, as paredes de todas as casas onde semelhantes fenômenos se produzem diariamente, o que também não é de presumir-se, porque então seria conhecido o hábil construtor de tantas maravilhas.

Vê-se que esses não querem tomar o caminho do bacharelando e, de antemão, já se decidiram por desacreditar.

Temos, também os “meio-crentes”, aos quais Kardec recomenda que voltem aos argumentos do futuro bacharel.

E, dentre os crentes, há ainda três nuances, outros três tipos de crentes: os curiosos, que não tiram proveito moral dos fenômenos em questão; os instruídos e sérios, que o fazem; e os crentes de fé cega, que creem na mesa como creriam num oráculo (sacerdote encarregado da consulta à divindade e transmissão de suas respostas), sem refletir sobre suas respostas, aceitando-as sem submetê-las ao crivo da razão e da concordância.

Finalizando o artigo, Kardec volta vinte e cinco séculos no passado, na floresta sagrada existente no Épiro (Grécia), onde os carvalhos preferiam oráculos e onde, acrescentando-se “o prestígio do culto e a pompa religiosa”, facilmente se entende a veneração de um povo ignorante e crédulo. O sibilar do vento entre as folhas, os sons emitidos pelas estátuas e outros fenômenos, quando verdadeiros, eram os primórdios das comunicações espíritas que, contudo, eram tomadas como verdade absolutas e seguidas cegamente.


  1. Lógica ou raciocínio composto de uma série de proposições ligadas entre si de maneira que o predicado de uma torna-se o sujeito da seguinte, e assim até a conclusão, que tem como sujeito o sujeito da primeira e como predicado o predicado da última proposição anterior à conclusão.



Palestras de além-túmulo – Senhorita Clary D… – Evocação

Digno de nota, o artigo em questão, que resolvemos abordar de forma anacrônica, ou seja, fora da ordem original, traz alguns temas interessantes, na palestra com o Espírito da Srta Clary, falecida aos 13 anos de idade e que passou a ser o gênio, isto é, o Espírito protetor da família. Dentre eles, destaca-se a sua reencarnação, sem data definida, em outro mundo, a sensação do corpo, causada pela lembrança, o deslocamento do Espírito pelo espaço, com a velocidade do pensamento, a questão intrínseca do perispírito nesse deslocamento e, finalmente, o desfecho do artigo, quando, perguntada se poderiam ver, ali, seu “corpo” (perispírito) tal como é atualmente, são respondidos que, para isso, dependeria não dela, mas deles, sob as seguintes condições: “vocês se recolherem por algum tempo, com fé e fervor; estarem em menor número; isolarem-se um pouco e arranjarem um médium do gênero de Home”.

Entendendo, agora, que o Sr. Home era poderoso médium de efeitos físicos, doador dos fluidos necessários para tais fenômenos, entendemos muito bem o porque dessa necessidade.




Nossas considerações sobre os fenômenos materiais

Achamos importante destacar nossas próprias considerações a respeito dos fenômenos materiais, posto que ainda suscitam muitas dúvidas e descrédito, principalmente após o Espiritismo ter atravessado quase 150 anos de deturpações e falsos entendimentos.

Os fenômenos materiais ainda existem, assim como ainda existem os médiuns que os produzem, isto é lógico. Contudo, cremos que tais fenômenos, hoje, talvez não tenham tanta expressividade por conta de que, quando se davam, eram motivados para chamar a atenção para os fenômenos espíritas, o que, alguns apregoam, hoje não tem mais necessidade.

Essa é uma forma de ver. A outra seria a de que esses fenômenos apenas diminuíram após o desenrolar dos estudos de Kardec porque, então, já não eram mais necessários, posto que era muito mais fácil comunicar-se através da psicografia, principalmente, do que através de pancadas. Mas, mesmo então, esses fenômenos não interromperam totalmente, como podemos ver a exemplo do Sr Home e, mais tarde, a exemplo da conhecidíssima médium Eusápia Palladino, estudada por Cesare Lombroso com muita seriedade e dedicação.

Ora, tendo o Espiritismo ficado tão incompreendido através do tempo e tendo os estudos metodológicos sendo esquecidos no passado, deixando espaço para as mistificações e para o crescimento desenfreado do materialismo, mesmo dentre os espiritualistas, perguntamos: será que, hoje, tais fenômenos não viriam trazer novamente a atenção para os fatos espíritas? Não ousamos responder categoricamente, mas apenas relembramos os diversos relatos que todos os dias são colocados aos nossos olhos, nos diversos grupos sobre o tema, nas redes sociais, e sobre os quais, de momento, apenas destacamos: “e se?”




A avareza

Dissertação moral ditada por São Luis à Senhora Ermance Dufaux, a 6 de janeiro de 1858

A dissertação em questão tem cunho moral e, portanto, requer a análise e a reflexão de cada um, individualmente.

Contudo, anotamos a reflexão feita por Kardec ao fim, pois o Espírito São Luis fala em eternidade de sofrimentos, “quando todos os Espíritos superiores são concordes em combater tal crença”. Acontece que ele termina dizendo: “para te punir, Deus quer que assim o CREIAS”, que é o mesmo pensamento apresentado nas características gerais dos Espíritos de Terceira Ordem, em O Livro dos Espíritos.

“[…] quanto mais imperfeitos os Espíritos, mais restritas e circunscritas as suas ideias. Para eles o futuro é vago, e não o compreendem. Eles sofrem; seus sofrimentos são longos, e para quem sofre há muito tempo, isto é sofrer sempre. Este pensamento, por si só, é um castigo.”




Setembro amarelo: Espiritismo e prevenção ao suicídio

[Este artigo foi originalmente criado pela passagem do Setembro Amarelo de 2021, mas se estende para todos os momentos possíveis]

Em um século de desespero, onde a sociedade vive a materialidade de forma exagerada, talvez como nunca antes; onde os dogmas antigos e a imposição do medo não surtem mais efeito, desacreditados que estão pelo desenvolvimento das ciências e da razão; onde, enfim, o ser humano abandona a vida e seus sofrimentos adoçados pela falsa concepção de que, após a morte, existe apenas o “descanse em paz”, o Espiritismo vem, uma vez mais, mostrar a essência de sua doutrina, apresentando, aos indivíduos, a realidade da vida e uma nova forma de encará-la, com mais decisão e austeridade. Na prevenção do suicídio, o Espiritismo é a mais poderosa ferramenta existente.

O que é o suicídio na compreensão do Espiritismo

O suicídio, em si, é apenas o ato extremo, quase sempre desesperado, muitas vezes ocasionados pelas paixões humanas, levadas ao ato irrefletido do crime contra a própria vida. Mas ele começa antes, muito antes, com os primeiros ímpetos de desistência ante às dificuldades da vida. Somos, ainda, Espíritos imperfeitos e, sem uma base forte, sem uma boia onde nos agarrar, facilmente afundamos… E é justamente essa base que a Doutrina Espírita vem nos dar, não mais como artigo de fé, como algo imaginável, apenas, mas pelas provas dos fenômenos espíritas e das comunicações deles mesmos, os Espíritos, já libertos da matéria.

Onde, então, encontraremos essa bóia de salvação, em meio ao mar das dores?

O nada, o dogma e a razão

Os dogmas católicos de então afirmavam, sobre esse assunto, que o indivíduo que cometia suicídio sofreria eternamente no inferno; ora, entre sofrer aqui e sofrer no inferno, na cabeça de muitos, a diferença não seria grande, já que muitos já se imaginavam com um “pé no inferno”, por já se acreditarem pecadores. Tirar a própria vida não traria grande modificação, pensavam, mas pelo menos os livrariam das dores presentes. Vemos que o dogma não era mais suficiente para preencher o vazio humano.

O materialismo, por outro lado, afirmava que o homem era apenas máquina biológica, escrava dos sentidos e das vontades. Tirar a própria vida, então, para acabar com um sofrimento qualquer, muitas vezes sem explicação, seria a melhor saída, sob essa ótica – uma doutrina de teorias terríveis e de consequências desastrosas:

Todo homem sente a necessidade de viver, de aproveitar a vida, de amar, de ser feliz. A uma pessoa que sabe que está para morrer, diga-se que ela ainda viverá, ou que sua hora foi postergada. Diga-se, sobretudo, que ela será mais feliz do que nunca, e seu coração vibrará de alegria. Mas de que serviríam tais aspirações de felicidade se um leve sopro pudesse desfazê-las?

[…]

Há algo mais desesperador do que a ideia da destruição absoluta? As afeições sagradas, a inteligência, o progresso, o conhecimento laboriosamente adquirido, tudo seria desfeito, tudo estaria perdido! Qual a necessidade do esforço para nos tornarmos melhores, para reprimirmos as paixões, para enriquecermos nosso espírito, se daí não devemos colher fruto algum, sobretudo ante a ideia de que amanhã, talvez, isso não nos servirá mais para nada? Se assim fosse, a sorte do homem seria cem vezes pior do que a do selvagem, que vive inteiramente no presente, na satisfação de seus apetites materiais, sem aspirações com relação ao futuro. Uma secreta intuição nos diz que isso não é possível.

Allan Kardec, O Céu e o Inferno

Antes do Espiritismo, a vida após a morte era apenas algo vago. Sabíamos que “tínhamos” uma alma (melhor dizendo, somos uma alma, ligada a um corpo) mas o gênero de dificuldades a serem enfrentadas por ela após a morte era algo totalmente desconhecido, sendo tratado apenas de forma dogmática e, mesmo quando afastado do dogma, era conceito mais filosófico do que factual.

A Ciência Espírita vem trazer luz através do estudo racional dos fatos

Com o nascimento do Espiritismo, contudo, o conceito de alma foi complementado e expandido através do estudo dos fenômenos decorrentes de nossa relação com os Espíritos, que se mostraram como sendo as almas humanas, mas desligadas do corpo.

Isso foi um marco que, um dia, estará na história humana, como já se encontra, hoje, na história espírita, pois trouxe ao homem a certeza de que a vida realmente não acaba no túmulo nem se inicia na concepção, mas que transcende os limites da matéria, nas suscessivas encarnações, com a finalidade de aprender e se elevar, sempre, até não mais precisar da matéria, quando o Espírito se torna puro ou perfeito.

Através das comunicações com os Espíritos, intermediadas por médiuns, especialmente os psicógrafos mecânicos (ver mais sobre isso em O Livro dos Médiuns, na Segunda Parte), Allan Kardec obteve os mais valiosos ensinamentos sobre o futuro da alma, após a desencarnação. E foi assim que, após alguns anos de estudos, formulou a obra O Céu e o Inferno, onde trata de maneira filosófica, na primeira parte, e prática, na segunda, sobre o maior problema da humanidade: quem somos, de onde viemos e para onde vamos e por que e para que estamos aqui.

O Céu e o Inferno: o destino do Espírito após a morte do corpo

Nessa obra, impossível de ser resumida, na segunda parte, encontramos alguns depoimentos de Espíritos de vários matizes evolutivos – dentre eles, o de alguns suicidas. E a leitura, embora difícil, é importantíssima, pois aprendemos com eles sobre os efeitos de suas ações. Na Revista Espírita, de 1858 a 1869, também encontramos vários relatos de evocações a suicidas, que nos contam de suas dificuldades e dos efeitos de suas ações. Deles, tiramos o seguinte extrato:

Cada situação é uma, pois cada Espírito é um, com sua inteligência, sua evolução, seu entendimento, suas concepções e seu momento. Existem suicidas que afirmam sofrer dores físicas após a morte (o que, na verdade, é um sofrimento moral externalizado, já que o Espírito não sofre materialmente); existem os Espíritos que dizem se verem em uma situação infernal, o que pode ser apenas um quadro mental como também pode ser uma “realidade” vivida junto a outros Espíritos em sofrimento, que se agrupam por seu estado mental; existem os Espíritos que percebem que cometeram um erro ao tirar sua própria vida, num ato impensado; e existem até, embora sejam raros, aqueles que, num primeiro momento, se contentam por terem saído da vida, para mais tarde entenderem que isso não lhes serviu de nada e que terão que voltar a reencarnar, no mesmo gênero de encarnação, a fim de continuarem suas provas.

Não existe, portanto, essa correlação que muitos fazem, de que o suicida vai sofrer sentindo os vermes roerem seu corpo ou que na próxima vida reencarnarão em corpos deformados, nem que todos irão para o famoso “vale dos suicidas”, que nada mais é do que um dos infinitos agrupamentos de Espíritos em sofrimento e que, pela mentalidade perturbada, criam verdadeiras regiões infernais. Cada caso é um caso. A única certeza, repito, é que o suicídio apenas prolongará o estado de sofrimento que é ser imperfeito e ter que lidar com essas imperfeições através das reencarnações na matéria bruta e entre Espíritos tão imperfeitos que nós, ou mais.

Mais do que isso, porém, é muito importante entender a Doutrina Espírita em sua essência, de onde tiramos o seguinte:

Na vida, temos dois gêneros de sofrimentos: os causados por nós mesmos, pela nossa incúria, pela nossa impaciência, pelos nossos vícios, e aqueles que não causamos nesta vida. Os primeiros podem ser evitados por uma reforma interior, pela correção de nossas imperfeições. Os segundos, porém, compõem os gêneros de dificuldades que fazem parte de um planejamento reencarnatório, realizado por nós mesmos, com vistas a nos fazer aprender, nas provas difíceis e, assim, a corrigir nossas imperfeições, nos auxiliando a errar menos e a avançar mais rapidamente.

Portanto, até aqui, temos três pontos muito importantes:

  1. Matar o corpo não mata o Espírito e nem muito menos elimina a dor moral que nos faça sofrer. Muitas vezes, a aumenta e sempre a prolonga.
  2. Ante às dificuldades causadas por nós mesmos, pelas nossas imperfeições, apenas uma correção interna nos fará deixar de criar essas dificuldades que, muitas vezes, tantos sofrimentos nos trazem
  3. Ante às dificuldades trazidas pela vida e que não são resultado de nossas ações atuais, precisamos entender que se trata de uma oportunidade muito grande para nosso aprendizado, planejada por nós mesmos, como Espírito, e que dalí precisamos tirar algo de bom, aproveitando a oportunidade dolorida para olhar para dentro de nós mesmos e nos modificarmos com ainda mais energia e persistência.

A vida, enfim, não é um castigo. Não estamos aqui para pagar nada, mas sim para nos desenvolvermos, e é apenas através do exercício desse desenvolvimento, de nos livrarmos de nossas imperfeições e de conquistarmos virtudes, que alcançaremos um estado real de felicidade, cada vez maior.

O suicídio e nossas relações com os Espíritos

Sabemos, contudo, que nem sempre estamos prontos para lidar com as dificuldades que nos chegam, de forma que é muito fácil nos permitirmos abater. É nesse momento que precisamos estar muito atentos, pois, lembremos, esse abatimento não costuma vir apenas de dentro de nós, mas, muitas vezes – quase sempre – é alimentado e aumentado por Espíritos que não desejam o nosso bem.

Sabemos que os Espíritos estão o tempo todo ao nosso redor, e que são atraídos para nós conforme somos em nossa realidade interior, nua e crua. Assim, por nossas imperfeições, que muitas vezes gostamos de cultivar, passamos a atrair Espíritos inferiores que passam a se afeiçoar a nós e a alimentar o cultivo dessas imperfeições. Com o tempo, essa relação pode se tornar obsessiva, a ponto de nos vermos subjugados pela vontade de um ou mais Espíritos inferiores, que passam a comandar nossas ações. Esse é um estado perigoso que nos leva também a alimentar os pensamentos suicidas e que, em casos extremos, pode inativar nossa capacidade de agir pela própria vontade, e a vontade firme é a principal ferramenta para vencer as obsessões espirituais.

Nesses casos, é importante buscar apoio externo, pois, muitas vezes, nos encontramos em um estado de subjugação que nos tira a capacidade de raciocínio e de vontade firme. Essa ajuda pode ser encontrada de diversas formas – veja, ao final, a seção “Ferramentas para vencer as depressões e os pensamentos de desistência“.

As paixões

Aqui surge mais um aspecto importante nesse assunto: a questão das paixões, que Kardec sempre citava ao seu tempo, e que hoje podem ser compreendidos como “sentimentos”.

Por definição, paixão é um termo que designa um sentimento muito forte de atração por uma pessoa, objeto ou tema. A paixão é intensa, envolvente, um entusiasmo ou um desejo forte por qualquer coisa. O termo também é aplicado com frequência para designar um vívido interesse ou admiração por um ideal, causa ou atividade.

No estado da vivência das paixões, o indivíduo fica cego à racionalidade e, nesse estado, quantos já não foram os casos de suicídio praticados irrefletidamente? Quantas não foram as comunicações, com as quais já tivemos contato, do Espírito que, logo após realizar o ato, se arrependeu profundamente pela irreflexão do que realizou? Domar as paixões, portanto, é algo de suma importância. Kardec assim define, em A Gênese:

O instinto se aniquila por si mesmo; as paixões somente pelo esforço da vontade podem domar-se.

E hoje, enfim, com acesso à Doutrina Espírita, podemos reforçar a vontade pela razão, isto é, podemos desenvolver mais firmeza e calma para passar pelas provas da vida, sabendo que disso dependem a nossa felicidade futura, e que interromper nossa vida antes do tempo não encerrará nenhum sofrimento moral, mas apenas o prolongará.

Nessa situação, portanto, busquemos ajuda: busquemos o psicólogo, busquemos o centro espírita, busquemos um bom amigo, busquemos a oração, a música calma, a leitura e a prática do Evangelho, busquemos visitar um asilo para conversar com os velhinhos, enfim, busquemos algo que nos faça bem, mas busquemos com decisão e persistência.

Mas, acima de tudo, busquemos uma coisa muito especial e importante: estudar e praticar o Espiritismo em nossos lares, junto à nossa família, pois enquanto o indivíduo se supuser máquina passiva, refém da química corporal, sem alma e, portanto, sem livre arbítrio, apenas responderá maquinalmente a tudo e, ante à dor, encontrará o único resultado que disso emana, embora falso: desliga-se a máquina, termina a dor.

Entender o Espiritismo é entender a vida

É apenas com o retorno e desenvolvimento do entendimento do conceito de uma alma que sobrevive à morte do corpo e que avança sempre na direção da perfeição, se melhorando e se corrigindo através das sucessivas provas e oportunidades, e longe dos antigos e errados conceitos de pecado e punição por um Deus vingativo e cruel, que o suicídio deixará de existir na face da Terra.

A vida não acaba no túmulo e a alma, livre do corpo, apenas encontra sua realidade, ainda mais exacerbada. É justamente sobre essa realidade, que a leva à desistência, que ela precisa se debruçar, sem cessar, a fim de se fortalecer; mas, repito: isso nunca se dará enquanto, no corpo, se supuser apenas uma máquina, escrava da química dos sentidos.

E não nos esqueçamos. Deus não nos deixa abandonados nas dificuldades da vida e também não nos dá fardos maiores do que podemos carregar. É por conta das nossas ações ou da forma de enfrentar essas dificuldades que muitas vezes aumentamos o peso desse fardo até cairmos de joelhos ao chão, sob um peso além do programado. Ainda assim, é possível se recuperar e seguir em frente, se quisermos: basta pedir ajuda a Deus e ela virá, de uma forma ou de outra, para nos ajudar a diminuir o peso extra que carregamos. Estejamos atentos: essa ajuda vem através de um contato inesperado, um livro presenteado, um conteúdo que um amigo nos sugere ou mesmo através de um pensamento persistente para que procuremos determinado conteúdo na Internet. É a forma como Deus nos responde, mas precisamos estar abertos a ela.

Por fim, claro: se você nota alguém ao seu lado com os mínimos traços de depressão, tristeza constante, desânimo, recolhimento, etc, seja caridoso e converse com ela, com todo o carinho, toda a fraternidade e toda a atenção possível. Fale para ela da sua certeza de que a vida não termina no túmulo. Conte para ela que ela não está sozinha e que as dificuldades da vida, que todos temos, são provas necessárias para nosso próprio aprendizado, quase sempre solicitadas por nós mesmos. Isso pode salvar uma vida.

Ferramentas para vencer as depressões e os pensamentos de desistência

Vamos, aqui, elencar algumas ferramentas que serão mais ou menos úteis para uns e para outros, de acordo com o pensamento e o estado de cada um. Analise e fique com aquilo que te faz bem:

  • Ajuda psicológica: esse é um apoio substancial e necessário nesses casos. O terapeuta profissional vai conseguir dar um apoio que quase ninguém conseguirá, lhe auxiliando a entender conteúdos e dores que você nem mesmo percebe, mas que estão ali, te perturbando.
  • Evangelho no Lar: é uma prática que tem sido muito destacada, e que visa refletir, sob a luz do Evangelho Segundo o Espiritismo, sobre nossas próprias faltas e imperfeições, buscando nos modificar. Nesse sentido, um conteúdo que gosto muito e que já me ajudou é o Evangelho do centro espírita Terra de Ismael.
  • Estudo do Espiritismo: adquirir conhecimentos é de extrema importância para que nossa fé seja inabálvel e para que nos tornemos mais austeros e decididos para enfrentar as dificuldades. Estude as obras de Kardec!
  • Frequentar um centro espírita: embora a vivência do Espiritismo deva ser algo interior, contar com o apoio fraterno de um centro espírita pode ser muito importante. Busque algum próximo e no qual se sinta bem e acolhido.
  • Pratique atividades a fim de se colocar em contato social e te desligar um pouco do pensamento ou do ambiente perturbador. Atividades assistenciais, por exemplo, ajudam muito, pois, ao fazer o bem aos outros, fazemos a nós mesmos.
  • Pratique esportes e tente buscar uma vida mais saudável, pois não podemos esquecer que, enquanto encarnados, somos influenciados pelas indisposições do corpo.
  • Faça exames gerais, verificando se não está com problemas de saúde, dentre eles as deficiências vitamínicas e hormonais, que comumente causam estados de penúria e abatimento.
  • Não se cobre demais, pois isso causa decepção e amargura. Sabemos que precisamos nos melhorar, mas não adianta querer virar anjo da noite para o dia! A evolução é feita a passos decididos e constantes, mas milímetro a milímetro. Tropeçaremos muitas vezes nesse processo: então, não se deixe abater. Reconheça-se Espírito imperfeito, levante-se, bata o pó e retome o caminho.
  • Pratique a prece em todos os momentos em que sentir angústia qualquer. Não repita palavras de forma decorada, porém: faça essa prece vir do fundo do seu coração, ligando-o a Deus, e não se esqueça que nenhum de nós estamos abandonados na vida: do nosso lado, buscando nos ajudar, sempre temos nossos Espíritos protetores ou guardiães.
  • Esteja atento às oportunidades que a “vida” (os bons Espíritos, na verdade) te apresentam: um bom livro indicado por alguém, o convite a um grupo de estudos, a participação num centro espírita, enfim, as boas oportunidades que a vida nos apresenta e que cabe a nós não estarmos resistentes a elas.



Escala Espírita: como Kardec classificou os Espíritos

Allan Kardec, sob orientação de Espíritos superiores, classificou, em caráter decrescente de valor moral e de inteligência, os Espíritos em geral da seguinte forma. Conheça a escala espírita:

3ª ORDEM DE ESPÍRITOS IMPERFEITOS SEGUNDO A ESCALA ESPÍRITA

Ela começa da 10ª e vai até à 6ª classe. Acompanhe abaixo:

2ª ORDEM: ESPÍRITOS BONS

Inclui Espiritos da 5ª classe a 2ª classe:

1ª ORDEM – ESPÍRITOS PUROS

É a classe sublime que abarca os Espíritos Puros:

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Seria Allan Kardec racista, machista, homofóbico, etc?

Triste época, aquela da escravidão e da segregação, já em muito superada. Hoje, não falamos mais em “raças”, pois sabemos que só existe uma raça: a humana. Hoje, em grande maioria, sobretudo na nossa sociedade brasileira, os negros se integram e participam ativamente, enfrentando, ainda, algumas dificuldades, mas que decrescem dia após dia, com o avanço humano. Dessa época, surgem algumas falas de Allan Kardec, racistas aos olhos de hoje. Dizem, assim que ele seria racista, sem uma compreensão da época.

O erro, sempre, está em querer confundir Allan Kardec com o Espiritismo. O Espiritismo existe por si só, como fato da natureza. Kardec dedicou-se a estudá-lo. Nunca impôs suas ideias ou suas verdades para a Doutrina. Aliás, como veremos, foi por esse estudo que ele pôde verificar o negro, a mulher e até o homossexual, como veremos, por outro ângulo, como nunca antes nenhuma filosofia havia feito.

Resta lembrar que o conceito de raças era um conceito científico da época, que só veio ser superado no final do século XX.

A frase infamante

A frase em questão, utilizada para afirmarem que Allan Kardec seria racista, pertence a um artigo muito mais completo e profundo, publicado na Revista Espírita de abril de 1862 e que justamente vem de encontro com a ideia racista, demolindo-a:

“Assim, como organização física, os negros serão sempre os mesmos; como Espíritos, trata-se, sem dúvida, de uma raça inferior, isto é, primitiva; são verdadeiras crianças às quais muito pouco se pode ensinar […]”

Allan Kardec, R.E, abril de 1862

É, contudo, a velha mania do ser humano, cultivada até hoje: isola-se uma frase, retirando-a de todo um contexto, e apresenta-se como prova cabal do ponto contrário que se quer provar, quase sempre com vistas a denegrir a imagem de outrem.

Precisamos lembrar que Allan Kardec, ele se encontrava na França etnocêntrica de meados de 1800, quando toda a sociedade SEQUER atribuía uma alma aos negros e quando a própria ciência adotava um conceito racista:

No século XIX, iniciou-se o processo do neocolonialismo ou imperialismo europeu. A Inglaterra, a França, a Alemanha e outras potências capitalistas europeias investiram em novas políticas de expansão territorial e, praticamente, dividiram entre si os territórios da África, da Ásia e da Oceania.

Para justificar a exploração das riquezas daqueles lugares e a política de segregação racialos europeus tiveram que buscar uma justificativa científica, pois, no século XIX, a ciência já estava amplamente divulgada e a religião já não era mais suficiente para justificar qualquer tipo de ação autoritária.

Nesse sentido, a antropologia surgiu como uma tentativa de criar teorias científicas que justificassem a exploração dos povos de fora da Europa pelos povos europeus. As primeiras teorias dessa área, desenvolvidas pelo biólogo e geógrafo inglês Herbert Spencer, afirmavam que havia uma espécie de hierarquia das raças.

Nessa perspectiva, os brancos europeus eram superiores, seguidos pelos asiáticos, pelos índios e pelos africanos, sendo os últimos os menos desenvolvidos. Essa corrente ficou conhecida como darwinismo social ou evolucionismo social, pois se apropriou da teoria da evolução biológica de Charles Darwin e aplicou-a no campo sociológico[…]

Francisco Porfírio – Brasil Escola – https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/etnocentrismo.htm

Diz Paulo Henrique de Figueiredo, em A Gênese (ed. FEAL, 2022):

Quando Allan Kardec escreveu esta obra, a hierarquização evolutiva das então consideradas raças humanas não era vista como racismo, mas adotada por cientistas eminentes como Cuvier, Charles Darwin, Buchner, ou Carl Vogt, que afirmou: “Logo que os jovens negros atingem o período da puberdade, assiste-se a um fenômeno idêntico ao que ocorre nos macacos. Doravante, as faculdades intelectuais permanecem estacionárias e o indivíduo, tal como toda a raça, torna-se incapaz de qualquer progresso” (Leçons sur l’homme. p. 253).

Esse entendimento era hegemônico no meio científico, contextualizando assim as descrições ultrapassadas aqui desenvolvidas, pertencentes à Ciência da época, e não ao Espiritismo.

Allan Kardec, foi, por isso, levado a cometer esse erro de julgamento, racista para os olhos de hoje, baseado em alguns preconceitos e conceitos científicos da época. Por outro lado, demonstrou, pelos estudos do Espiritismo, que todos os seres humanos possuem almas que, inclusive, podem reencarnar onde quer que seja e sob qualquer cor, “raça” ou credo.

Vejamos: Kardec julgava os negros a partir do ponto de vista dos conceitos da época, que os admitia apenas como selvagens, oriundos das selvas africanas, todos muito aquém de qualquer civilização e cultura. É nesse erro de fundamento que Kardec se baseia para dizer: “como Espíritos, trata-se, sem dúvida, de uma raça inferior, isto é, primitiva”. Era um conceito da ciência da época, pautada pelo racismo, até mesmo por conta de interesses!

Contudo, se passarmos além desse pensamento de Allan Kardec, racista por definição, estudando a Doutrina Espírita a fundo, veremos que ela contraria, repito, todo e qualquer preconceito racial, sexual ou de castas.

Recuperemos, aliás, trechos do artigo em questão, muito importantes:

Diz-se a respeito dos negros escravos: “São seres tão brutos, tão pouco inteligentes, que seria vão esforço querer instruí-los. São uma raça inferior, incorrigível, profundamente incapaz.” A teoria que acabamos de apresentar permite encará-los sob outro prisma. Na questão do aperfeiçoamento das raças é sempre necessário levar em consideração dois elementos constitutivos do homem: o elemento espiritual e o corporal. É preciso conhecer ambos, e só o Espiritismo nos pode esclarecer quanto à natureza do elemento espiritual, o mais importante, por ser o que pensa e o que sobrevive, ao passo que o corporal se destrói.

Allan Kardec, R.E. abril de 1862

Aqui fica muito evidente, principalmente para quem leu todo o artigo, que Kardec justamente traz a questão em voga, naquele momento, para a análise sob outro prisma – o do Espiritismo – que poderia trazer uma outra forma de interpretar o assunto. Vamos seguir, apresentando o parágrafo completo de onde foi extraído a frase citada:

Assim, como organização física, os negros serão sempre os mesmos. Como Espíritos, são inquestionavelmente uma raça inferior, isto é, primitiva. São verdadeiras crianças às quais muito pouco se pode ensinar. Mas, por meio de cuidados inteligentes é sempre possível modificar certos hábitos, certas tendências, o que já representa um progresso que levarão para outra existência, e que lhes permitirá, mais tarde, tomar um envoltório de melhores condições. Trabalhando por sua melhoria, trabalha-se menos pelo seu presente que por seu futuro e, por pouco que se consiga, para eles é sempre uma aquisição. Cada progresso é um passo à frente que facilita novos progressos.

ibidem

Vemos, como apresentado, que Allan Kardec partiu de um fundamento errado, racista, baseado em conceitos científicos, sociais e culturais da época — o de que os negros seriam uma “raça” selvagem e sem conhecimentos e o de que os brancos constituiriam uma raça superior — num contexto, onde muito provavelmente, ou ele sequer tinha contato com negros, ou, hipótese mais razoável, que ele apenas os conhecia de sua posição socialmente inferior, posto que a escravatura na França foi apenas abolida em 1848. Contudo, logo em seguida, ele adiciona que, por mais que pudessem constituir uma “raça” inferior, esses Espíritos, que ora ocupavam um corpo tido como “inferior” ao branco — nada mais afastado da realidade — através de sua progressão espiritual, ocupariam “envoltórios melhores”. Isso está mais ou menos expresso no seguinte pensamento, da Revista Espírita de novembro de 1858: “a Doutrina Espírita é mais ampla do que tudo isto. Para ela, não existem várias espécies de homens; simplesmente existem homens cujo Espírito é mais ou menos atrasado, susceptível, entretanto, de progredir“.

Kardec segue adiante e reproduz o pensamento reinante, naquele momento, a respeito do corpo físico constituinte da “raça negra”: “Por isso a raça negra, enquanto raça negra, corporalmente falando, jamais atingirá os níveis das raças caucásicas, mas como Espíritos é outra coisa: pode tornar-se e tornar-se-á aquilo que somos. Apenas necessitará de tempo e de melhores instrumentos.

É repugnante aos nossos olhos, hoje? Sim, é. E é algo sobre o que precisamos discutir, de forma não anacrônica, a fim de entendermos e separarmos o pensamento do homem, imperfeito, do pensamento expresso pela ciência Espírita, como em tudo.

Observe que Kardec tomava um ponto de vista baseado na ciência humana e na ciência dos Espíritos. Pela primeira, baseou-se nas ideias de raças, exprimindo, assim, um pensamento errado. Pela segunda, acertou ao entender que somos todos iguais. O Espiritismo, portanto, não é racista, mas muito pelo contrário.

Compete, também, fazer uma outra observação: Kardec não via o negro como ser que não devesse ter os mesmos respeito, caridade, fraternidade e amor, como devemos a todos os outros. Vemos isso muito bem expresso na Revista Espírita de junho de 1859, quando um homem negro, falecido, é evocado, e se exprime assim:

4. ─ No entanto, éreis livre. Em que vos sentis mais feliz agora?
─ Porque meu Espírito não é mais negro.

Ao que Kardec faz a seguinte nota:

NOTA: Esta resposta é mais sensata do que parece à primeira vista. Com certeza jamais o Espírito é negro. Ele quer dizer que, como Espírito, não tem mais as humilhações às quais está sujeita a raça negra.

Ora, necessário, então, se faz entender essa questão, no contexto histórico certo, pelos dois lados: de um lado, Kardec, o branco, europeu, que acreditava ser o negro uma “raça” inferior, mas que entendia que se tratava de irmão nosso, Espírito como nós, que também sofria pelas humilhações e que desejava ser feliz. Do outro lado, o negro, que não apenas se sentia, mas que era humilhado e maltratado, por conta de sua cor de pele. Seria muito supor que, nesse contexto bem específico, muito diferente do que é hoje a sociedade moderna (em grande parte), o Espírito que encarnou em um corpo negro quisesse deixar de ser negro em uma próxima vida? Isso fica patente no pensamento do Espírito (Pai César):

10. (Ao Pai César) ─ Dissestes que procurais um corpo com qual possais avançar. Escolhereis um corpo branco ou preto?
─ Um branco, porque o desprezo me faria mal.

Partindo do ponto de vista que o negro era tratado como animal, enfrentando dificuldades acerbas, seria muito supor que, nessa época, um Espírito escolhesse encarnar em um corpo negro de modo a enfrentar as imensas dificuldades que essa vida lhe ofereceria, aprendendo com elas? Hoje, viver como negro não é mais tão sofrido como era nessa época e, com a evolução do ser humano, as expiações escolhidas pelos Espíritos seriam outras. A questão, sempre, para bem entender essas difíceis questões, é separar Espírito e corpo, além de contextualizar termos e ideias conforme época, história e contexto social.

Importa lembrar, também, que, se Kardec foi, de certa forma, preconceituoso, por outro lado não foi escravagista nem sequer segregacionista ou, se um dia o foi, mudou sua opinião quando de contato com a ciência espírita:

829. Haverá homens que estejam, por natureza, destinados a ser propriedade de outros homens?

“É contrária à lei de Deus toda sujeição absoluta de um homem a outro homem. A escravidão é um abuso da força. Desaparece com o progresso, como gradativamente desaparecerão todos os abusos.”

É contrária à natureza a lei humana que consagra a escravidão, pois que assemelha o homem ao irracional e o degrada física e moralmente (nota de Allan Kardec)

[…]

831. A desigualdade natural das aptidões não coloca certas raças humanas sob a dependência das raças mais inteligentes?

“Sim, mas para que estas as elevem, não para embrutecê-las ainda mais pela escravização. Durante longo tempo, os homens consideraram certas raças humanas como animais de trabalho, munidos de braços e mãos, e se julgaram com o direito de vender os dessas raças como bestas de carga. Consideram-se de sangue mais puro os que assim procedem. Insensatos! Nada veem senão a matéria. Mais ou menos puro não é o sangue, porém o Espírito.” (361–803.)

Allan Kardec – O Livro dos Espíritos

Não paremos, porém. Vamos seguir em frente, analisando outros assuntos importantes e correlatos.

Seria Kardec machista?

Para analisar esses temas, vou utilizar como base o artigo produzido por Paulo Henrique de Figueiredo, que pode ser apreciado, na íntegra, no link https://revolucaoespirita.com.br/kardec-homossexualidade/

Começando pela questão do machismo, Kardec faz uma interessantíssima abordagem na Revista Espírita de janeiro de 1866, no artigo de título “As mulheres tem alma?”. Sim, pasmem, era essa a questão de então.

As mulheres têm alma? Sabe-se que a coisa nem sempre foi tida como certa, pois, ao que se diz, foi posta em deliberação num concílio. A negação ainda é um princípio de fé em certos povos. Sabe-se a que grau de aviltamento essa crença as reduziu na maior parte das regiões do Oriente. Mesmo que hoje, nos povos civilizados, a questão seja resolvida em seu favor, o preconceito de sua inferioridade moral perpetuou-se a tal ponto que um escritor do século passado, cujo nome me foge, assim definia a mulher: “Instrumento de prazeres do homem”, definição mais muçulmana que cristã. Desse preconceito nasceu sua inferioridade legal, ainda não apagada de nossos códigos. Por muito tempo elas aceitaram essa escravização como uma coisa natural, tão poderosa é a força do hábito. É assim que acontece com aqueles que são submetidos à servidão de pai para filho, que acabam por se julgarem de natureza diversa da dos seus senhores.

Allan Kardec, R.E, Janeiro de 1866

Incrível, não? Ainda se questionava, em algumas sociedades, se a mulher realmente possuía alma e, nascida de um preconceito, sua inferioridade legal ainda existia. As mulheres não podiam sequer votar – fato muito bem conhecido ainda hoje. Notemos uma coisa: se Kardec pode ter sido preconceituoso com relação aos negros, ele, contudo, não os jugava animais que deveriam ser escravizados à vontade do branco, assim como a mulher não deveria ser escravizada à vontade do homem.

“Depois de ter reconhecido que elas têm uma alma, se lhes reconheceu o direito de conquistar os graus da ciência, é já alguma coisa. Mas a sua libertação parcial não é senão o resultado do desenvolvimento da urbanidade, do abrandamento dos costumes, ou, querendo-se, de um sentimento mais exato da justiça; é uma espécie de concessão que se lhe faz, e, é preciso bendizê-la, se lhes regateando o mais possível”.

ibidem

Comenta Paulo Henrique, em seu artigo:

Naquele tempo, apesar da questão da existência da alma da mulher ser considerada ridícula, ainda não se ponderava que a “igualdade de posição social entre o homem e a mulher fosse de direito natural”, e não uma concessão feita pelo homem. A contribuição do Espiritismo para o debate é extraordinária e atual. Enquanto atualmente se discute o fato de que as tradicionais diferenças de gênero se estabeleceram em função da cultura e não da natureza fisiológica (visando justificar o poder do homem), o Espiritismo demonstra o outro extremo da questão: a igualdade é natural, pois os espíritos não têm distinção sexual! Ou seja, se a divisão de sexo por gêneros é cultural (se sabe hoje), a igualdade é natural (explicam os espíritos).

Em O Livro dos Espíritos, Kardec se aprofunda nessa questão, de forma muito atual, criando, de uma vez por todas, através dos ensinamentos dos Espíritos Superiores, a mais profunda noção de igualdade já vista em uma Doutrina, por estar baseada nos princípios da Lei Natural, que transcende a matéria e o tempo:

817. São iguais perante Deus o homem e a mulher e têm os mesmos direitos?

“Não outorgou Deus a ambos a inteligência do bem e do mal e a faculdade de progredir?”

818. Donde provém a inferioridade moral da mulher em certas regiões?

“Do predomínio injusto e cruel que sobre ela assumiu o homem. É resultado das instituições sociais e do abuso da força sobre a fraqueza. Entre homens moralmente pouco adiantados, a força faz o direito.”

819. Com que fim mais fraca fisicamente do que o homem é a mulher?

“Para lhe determinar funções especiais. Ao homem, por ser o mais forte, os trabalhos rudes; à mulher, os trabalhos leves; a ambos o dever de se ajudarem mutuamente a suportar as provas de uma vida cheia de amargor.”

Allan Kardec – O Livro dos Espíritos

E, adiante, digno de nota, apresenta esse incrível e profundo pensamento:

821. As funções a que a mulher é destinada pela Natureza terão importância tão grande quanto as deferidas ao homem?

“Sim, maior até. É ela quem lhe dá as primeiras noções da vida.”

ibidem

Já vimos, até aqui, que Kardec vai na direção contrária do pensamento em vigência naquela época: a mulher, claro, possui alma e, sendo igual ao homem, deveria ser tratada com as mesmas condições garantidas pelo direito natural, dadas ao homem. O Espiritismo demonstra que a igualdade é natural, posto que o Espírito não tem sexo e, portanto, nem cor ou raça, como fica exemplificado na comunicação com o Espírito do senhor Sanson, um espírita da Sociedade de Paris, recém-desencarnado, em 1862, quando lhe fez a seguinte pergunta:

“Os Espíritos não têm sexo; entretanto, como há poucos dias ainda era homem, tende em vosso novo estado antes a natureza masculina do que a natureza feminina? Ocorre o mesmo com um Espírito que tivesse deixado seu corpo há muito tempo?”

E, por meio do médium, Sanson respondeu:

“Não temos que ser de natureza masculina ou feminina: os Espíritos não se reproduzem. Deus os cria à sua vontade, e se, por seus objetivos maravilhosos, quis que os Espíritos se reencarnem sobre a Terra, deveu acrescentar a reprodução das espécies para macho e a fêmea. Mas o sentis, sem que seja necessária nenhuma explicação, os Espíritos não podem ter sexo.”

É assim, enfim, que chegamos à questão:

Kardec homofóbico?

Prezado leitor, preciso dizer que nem sei de onde as pessoas tiram esses pensamentos. Na verdade, sei: do senso-comum, aquele conhecido “telefone sem fio”, que transmite ideias de um para o outro sem as analisarem com seriedade.

Quem realmente busca estudar e compreender o Espiritismo e Allan Kardec já entendeu, apenas pelo exposto acima, que ele não poderia ser homofóbico. Contudo, vamos finalizar o artigo com sua seguinte citação, na mesma edição da Revista Espírita, seguida da citação de Paulo Henrique de Figueiredo a respeito desse trecho:

“Se essa influência da vida corporal repercute na vida espiritual, o mesmo se dá quando o Espírito passa da vida espiritual para a corporal. Numa nova encarnação, ele trará o caráter e as inclinações que tinha como Espírito; se ele for avançado, será um homem avançado; se for atrasado, será um homem atrasado.

Mudando de sexo, poderá, pois, sob essa impressão e em sua nova encarnação, conservar os gostos, as tendências e o caráter inerentes ao sexo que acaba de deixar. Assim se explicam certas anomalias aparentes que se notam no caráter de certos homens e de certas mulheres”.

Portanto, só existe diferença entre o homem e a mulher em relação ao organismo material, que se aniquila com a morte do corpo. Mas, quanto ao Espírito, à alma, ao ser essencial, imperecível, ela não existe, porque não há duas espécies de almas.

Allan Kardec, R.E., Jan/1866

É muito importante destacar aqui que o termo “anomalia aparente”, usado por Kardec, estava presente nas ciências da época, se referindo aos fenômenos que fogem da explicação das teorias aceitas, não sendo para elas “normais”; mas que, ao se encontrar uma nova explicação natural para o fenômeno em novas teorias, elas deixam de ser “anomalias” e se tornam fenômenos naturais. Por isso ela é “aparente”

Paulo Henrique de Figueiredo, site Revolução Espírita, 25/08/2016

Considerações finais

Existem pessoas boníssimas de todas as cores, inclusive pessoas da pior espécie, também de todas as cores e opções sexuais. Há Espíritos elevados em corpos disformes, assim como há Espíritos terríveis nos corpos mais lindos. Precisamos aprender a deixar de julgar o próximo, bem como a deixar de criar conceitos e preconceitos baseados em como as pessoas se parecem, aos nossos olhos.

O entendimento do Espiritismo vem justamente nesse sentido, quando entendemos que o corpo é apenas um vaso, que pode conter água mais cristalina ou menos. O Espírito humano pode encarnar em qualquer tipo de corpo humano, de acordo com suas necessidades. Como pode, então, sabendo muito bem disso, Kardec ter emitido opinião tão errônea a respeito dos negros?

Em parte isso se explica por um forte preconceito etnocêntrico que, na França de meados de 1800, enxergava o negro como “raça” inferior, selvagens, sem conhecimentos e sem cultura. De outro lado, entendamos bem, Allan Kardec, partindo da ideologia racista da ciência vigente, supunha que os Espíritos que encarnavam nos negros, eram também Espíritos de menor evolução, em fase de infância espiritual. Nada, repito, nada mais afastado da verdade, visto que sabemos o quanto de valor moral e de conhecimentos tinham esses irmãos, ainda usados como escravos pouco tempo antes na França e, ainda, por muitas décadas à frente, no Brasil. Contudo, ao mesmo tempo que partia desse ponto de partida errado, adicionava: “são Espíritos como nós, fadados à evolução e à perfeição”.

Já foi um grande passo, para um homem daquela época, ter dado alma a um povo que era tratado como máquina. Mas, sabemos, a marcha do progresso avança e, como dizia sempre Kardec, deveríamos sempre acompanhar os avanços científicos, abandonando a opinião que se mostrasse errada frente à ciência. É isso o que fazemos aqui e é o mesmo que faria Allan Kardec se, hoje, se encontrasse encarnado entre nós.

Contudo, nada disso muda nossa forma de entender o Espiritismo, em sua verdadeira concepção, e nem mesmo com relação ao papel grandioso que Kardec teve em seu estudo, posto que foi um homem imperfeito, embora comprometido com a caridade e as ciências. Na verdade, acrescenta, à Doutrina dos Espíritos, a beleza real que ela tem, entendida em sua profundidade e sem os preconceitos e conceitos humanos que, afinal, ela não tem, mas, sim, desfaz.




As “supostas” adulterações em Allan Kardec: um chamamento aos espíritas

Supostas? Não, não são supostas. São factuais, com inúmeras provas e fortes evidências apresentadas, obtidas inclusive por pesquisa de campo e baseadas, outras, em documentos históricos de Allan Kardec que, aos poucos, vem à tona.

Infelizmente, a FEB, apoiada nos argumento de Carlos Seth, está se baseando em evidências muito fracas para argumentar a favor daquilo que acredita – a não adulteração – sem apresentar, como Kardec faria, a argumentação contrária, sem ir a fundo nelas. Trato sobre isso neste artigo: https://geolegadodeallankardec.com.br/2021/09/01/as-adulteracoes-nas-obras-de-kardec-e-o-csi-do-espiritismo/

Pior que isso, a defesa da não adulteração, frente às provas já existentes, fere a própria imagem de Allan Kardec, como se ele, que sempre realizou tudo com todo o cuidado necessário, sob todas as exigências da lei humana, tivesse então decido submeter uma alteração de forma ilegal, sem realizar o depósito legal, obrigatório naquela época, tornando-o um criminoso confesso. Creio que podemos e devemos fazer mais que isso, não apenas em nome de Allan Kardec, mas em nome de algo muito maior e mais sério: o Espiritismo, doutrina que vem para, finalmente, provocar e auxiliar as grande mudanças necessárias à humanidade.

Sinto um grande descontentamento ao verificar não que existem opiniões contrárias, mas, sim, que muitos espíritas sequer buscam seguir o exemplo de Kardec, probo e humilde, verificando todas as fontes sérias, mesmo contrárias às suas ideias previamente desenvolvidas, indo a fundo nelas e analisando o que, nelas, há de verdadeiro ou provável e, modificando a opinião própria frente às evidências científicas e, quando não, esmiuçando tais ideias a fim de mostrar onde elas falham.

Infelizmente muitos não tem agido assim, a despeito de inúmeros espíritas sérios, já desde o século XIX e, depois, passando por Silvino Canuto de Abreu e o próprio Herculano Pires, terem levantado graves acusações frente aos desvios que a Doutrina sofreu após Kardec.

Em verdade, não desejo que concordem comigo, mas, sim, que ajamos todos de forma conscienciosa, espelhados no exemplo do professor Rivail. Diversas obras, desde alguns anos, tem apresentado evidências sérias demais e por demais bem embasadas a ponto de serem colocadas de lado e descartadas. Se vamos discutir sobre adulterações, discutamos sob a luz da razão, frente ao raciocínio lógico e as provas e evidências, como Kardec faria.

Por nos dizermos Espíritas, que é uma ciência nascida da observação dos fatos e das evidências, uma vez mais peço: não deixemos essas obras de lado, pois o que elas trazem, ainda que fosse falso, é por demais importante e grave para ignorá-las, como o movimento espírita brasileiro tem feito.

São elas, mas não apenas:

  • O Legado de Allan Kardec, por Simoni Privato
  • Nem céu nem inferno: As leis da alma segundo o Espiritismo, por Lucas Sampaio e Paulo Henrique de Figueiredo
  • Muita Luz (BEAUCOUP DE LUMIÈRE), de Berthe Fropo
  • Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo, por Paulo Henrique de Figueiredo

Irmãos, leiam, estudem, se informe e espalhem essa motivação, por todo canto. Já é mais que hora de restaurarmos o entendimento original sobre o Espiritismo!




A dádiva da reencarnação

Muitas vezes nos pegamos perguntando: pra que reencarnar? Não poderíamos realizar todo o progresso no plano espiritual?

O Espiritismo, como em tudo aquilo que já nos é dado compreender, vem em nosso socorro, explicando mais esse ponto, na verdade fundamental para nossas vidas, posto que vemos tantos irmãos e, às vezes, nós mesmos, com pensamentos de esmorecimento e desistência. Quantos irmãos já não tiraram a própria vida do corpo, pelas vias do suicídio, interrompendo um planejamento reencarnatório tão importante para eles?

O que o Espiritismo nos ensina, prezado irmão ou irmã, é que, quando em Espírito, no estado de erraticidade, ou seja, no período entre uma encarnação e outra, nosso eu verdadeiro aflora com ênfase e transparência. Assim, nossas boas e más virtudes, incrustradas em nossas mentes, se mostram como eles são, e com maior verdade. É como se fôssemos um vaso de cristal que tem a água turva jogada fora e, então, passa a brilhar em sua clareza original, embora isso nem sempre mostre uma cristalidade de coração.

O Espírito que há tempos se degladia por conta de imperfeições morais – e até mesmo de vícios materiais – e que, de encarnação em encarnação, ainda não encontrou a decisão forte por sua mudança, ao desencarnar, passa a experimentar esse ambiente moral à sua disposição, já que se desloca, com a velocidade do pensamento, para as companhias e os ambientes que mais lhes apetecem. Assim, muitos Espíritos facilmente passam a inteirar as fileiras de Espíritos que agonizam na incompreensão de que, para dali saírem, basta a vontade firme, que até então, mesmo em vida física, muitas vezes não conseguiram ter.

Outrossim, há os casos dos Espíritos obsediados e perseguidos, dementados, muitas vezes, pela extensão de suas próprias culpa e incompreensão.

Vem, então, a oportunidade da reencarnação como valiosíssimo dispositivo que permite ao Espírito, pela obliteração da memória integral, retomada de fôlego e correção de imperfeições, sobretudo através do papel tão importante mas ainda tão esquecido dos pais ou cuidadores, desde a primeira infância material que o Espírito atravessa, fase na qual ele se torna mais dócil e maleável ao aprendizado – que deveria sempre ser feito nas bases do amor e da fraternidade, de forma construtiva e jamais violenta ou impositiva.

Mas, lembramos, a reencarnação, ou o planejamento reencarnatório, somente acontece de forma “impositiva” quando o Espírito ainda não tem a consciência desenvolvida a ponto de entender as necessidades para seu avanço. É nesse ponto que ele é constrangido a reencarnar, por Espíritos outros que, em nome da caridade, se dedicam a tal tarefa.

A partir do momento, contudo, em que o Espírito desenvolve sua própria consciência a respeito de suas próprias imperfeições e da necessidade de corrigi-las, passa a atuar positivamente nesse processo, muitas vezes solicitando uma nova encarnação, cheia de provas e expiações, com a finalidade de aprender e corrigir suas imperfeições.

Portanto, a encarnação, a vida atual, é uma dádiva divina, uma oportunidade abençoada para reajustarmos os fatores que, em nós mesmos, nos levam a errar e, por isso, a sofrer. Nunca foi e nunca será um castigo ou uma punição e, se nós mesmo não aumentarmos nossos sofrimentos por nossas próprias ações, conseguiremos passar pelas provas e expiações muitas vezes por nós escolhidas, pois jamais estaremos abandonados nessa empreitada e, além dos irmãos que nos assistem do plano espiritual, sempre haverão as pessoas, à nossa volta, prontas e, muitas vezes, devotadas a esse planejamento, para nos ajudar.

Queridos irmãos, espalhemos essa verdade tão simples e tão poderosa, a fim de que o irmão prestes a desistir da vida reconsidere sua posição e que não tenha que, apenas do plano espiritual, envolto em sofrimentos, olhar para trás e verificar que o sofrimento que atravessava estava prestes a acabar e que tinha muito a lhe auxiliaria a se modificar, para nunca mais sofrer daquela forma, se tivesse sua vontade muito firme e decidida. E, lembremos, sempre: todos nós chegaremos à felicidade e à perfeição, alguns mais rápido do que outros, pela ação de sua própria vontade:

133. Têm necessidade de encarnação os Espíritos que desde o princípio seguiram o caminho do bem?

“Todos são criados simples e ignorantes e se instruem nas lutas e tribulações da vida corporal. Deus, que é justo, não podia fazer felizes a uns, sem fadigas e trabalhos, conseguintemente sem mérito.”

a) — Mas, então, de que serve aos Espíritos terem seguido o caminho do bem, se isso não os isenta dos sofrimentos da vida corporal?

“Chegam mais depressa ao fim. Ademais, as aflições da vida são muitas vezes a consequência da imperfeição do Espírito. Quanto menos imperfeições, tanto menos tormentos. Aquele que não é invejoso, nem ciumento, nem avaro, nem ambicioso, não sofrerá as torturas que se originam desses defeitos.”

O Livro dos Espíritos

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A Caridade verdadeira, segundo o Espiritismo

Caridade: termo tão usado em toda parte, mas, ainda, tão mal compreendida. Que seria a Caridade verdadeira, segundo o Espiritismo?

Para nós, espíritas, ela aparece em todo canto, em toda literatura. Kardec a tornou base necessária para toda e qualquer felicidade, dizendo: “fora da caridade não há salvação”. A afirmativa, é claro, nasceu de uma certa oposição ao dogmatismo religioso, que tentava apregoar que a salvação estava em cada seita, de forma exclusivista e mesmo egoísta, mas não deixa de ser verdade, pois, sem caridade, não há amor ao próximo.

Contudo, o termo caridade tomou, hoje, conotação de assistencialismo, quase que exclusivamente, tornando-se sinônimo de doação material. Mas, para que realmente possamos entendemo-la dentro do contexto espírita, precisamos voltar ao contexto de Allan Kardec, na França de meados de 1850:

É importante destacar que o termo caridade utilizado por Kardec, para o Espiritualismo Racional, naquele tempo (divergindo da definição atual do termo, que se aproxima do assistencialismo), representava agir pelo dever, ou seja, de forma livre, consciente, intencional, independentemente de castigos e recompensas, com a plena compreensão da lei moral. A caridade é um princípio que orienta o agir integral do ser, e não uma atividade complementar, como se fosse um comportamento acessório […].

Paulo Henrique de Figueiredo – O Legado de Allan Kardec

Vemos, assim, que a caridade, bem entendida, deve constituir o ser, o modo de proceder, e não apenas se constituir de ações isoladas que, muitas vezes, falam mais pela necessidade de se fazer visto como “pessoa caridosa”, situação na qual não há real caridade, mas apenas ego e vaidade. Mais que isso, a caridade não se resume à doação material. Na verdade, eu diria, ela é, na maioria das vezes, oposta à doação material, visto que quem doa materialmente, seja dinheiro, seja comida, sejam coisas, muitas vezes o faz como uma forma de alívio de consciência.

O caro leitor que me perdoe, pois o intuito realmente não é julgar ninguém em suas ações. O próprio Cristo exemplificou, na “parábola do óbulo da viúva”, que a intenção real, ou, se quisermos, a fé, é quem fala mais alto. Muitas pessoas doam dinheiro ou outros recursos querendo realmente fazer o bem e, claro, isso conta muito. Mas quantas vezes nós nos limitamos a fazer uma doação material, sem mesmo refletir sobre o que estamos fazendo e sobre a situação real daquela pessoa que nos pede, num ato [enganoso], quase sempre, de desobrigação de ir além, ou apenas para nos sentirmos bem?

Pensemos: quantas pessoas utilizam doações para, revendendo recursos, obter dinheiro para obter entorpecentes? Quantas pessoas, dispondo de recursos fáceis, se lançam nos piores vícios e desregramentos, cavando mais e mais o próprio buraco em que se afundam? Será que doar a essas pessoas, regularmente, está realmente ajudando em suas situações? Será, realmente, que se os ricos simplesmente doassem suas fortunas, a miséria humana acabaria?

Não digo, de forma alguma, que não devemos doar recursos materiais; mas pensemos além, analisando cada situação e buscando ser fraternos com o irmão que nos busca, nos importando realmente com a situação dessa pessoa. Muitas vezes, uma simples pergunta do tipo “por que está na rua, irmão? O que está passando?” pode abrir caminho para uma relação muito mais frutífera que, não esqueçamos, beneficia os dois lados.

O indivíduo que realmente deseja fazer o bem, não faz a caridade uma vez por mês ou por semana: ele é caridoso, o tempo todo. E ser caridoso consiste em colocar o outro à frente de nossas próprias vontades e necessidades. Quantas vezes, pessoas passando pelos mais difíceis momentos de suas vidas, encontram forças para fazer a caridade de um dar sorriso a quem chora ainda mais? Minha avó, por exemplo, passando por uma grave e dolorida doença, encontrava forças para ser doce e afável, sorrindo a todos que vinham visitá-la em seus últimos dias da última encarnação. Não será isso um gênero de caridade – talvez dos maiores que existem?

Quando pensarmos, portanto, em caridade, precisamos pensar necessariamente em uma coisa: ir além. Se doamos algo material, que isso seja apenas a porta para criar um vínculo e uma abertura para aprofundar a relação com o irmão que pode estar em grande sofrimento. Mas, sobretudo, não esqueçamos que a maior caridade que podemos fazer ao próximo é lhe levar amor, fé e consolação, sobretudo através do exemplo de quem vivencia o que fala e não apenas como quem joga palavras ao vento.

É, portanto, um gênero de caridade com a humanidade nos esforçarmos em nosso próprio adiantamento moral, buscando modificarmo-nos à luz daquilo que nos consola e, em nosso caso, estudando dedicadamente O Espiritismo, doutrina que, muitas vezes na vida, nos salvou de escolhas ruins ou nos conduziu a melhores caminhos. Aprendamos a espalhá-lo sem chocar, isto é, sem iniciar as conversas falando em reencarnação e obsessão, mas, sim, apresentando a filosofia tão consoladora encontrada nessa Doutrina.

Sairemos, então, portão afora, e encontraremos por todos os lados pessoas precisando, desesperadamente, de algo que as console, que as ajude a tirar o pensamento de desistência de suas cabeças, que as auxilie a passar pelas provas da vida com fé inabalável e com firmeza decidida. São pessoas quase sempre difíceis, pelo momento de crise que vivem, e não seria caridade maior nos esforçarmos por ajudá-la, de forma persistente e fraterna, mesmo sabendo que, muitas vezes, viveremos dificuldades nesse contato inicialmente difícil?

Acreditem, irmãos: fazemos caridade muito maior deixando para trás nossas imperfeições e espalhando consolações e conhecimentos que podem mudar, para sempre, o rumo de um Espírito, do que apenas doando uma “coisa”, que ele vai usar e descartar, enquanto nós viramos nossas costas e seguimos nossa vida, sem vontade de ir além. Afinal, de que adianta doar um saco de arroz para alguém que pede no portão enquanto não somos caridosos, sequer, com os membros de nossa própria família ou com nossos subordinados no trabalho?

Encerro deixando a mensagem de “Um Espírito Protetor”, apresentada no capítulo XIII de O Evangelho Segundo o Espiritismo:

Meus amigos, a muitos dentre vós tenho ouvido dizer: Como hei de fazer caridade, se amiúde nem mesmo do necessário disponho?

Amigos, de mil maneiras se faz a caridade. Podeis fazê-la por pensamentos, por palavras e por ações. Por pensamentos, orando pelos pobres abandonados, que morreram sem se acharem sequer em condições de ver a luz. Uma prece feita de coração os alivia. Por palavras, dando aos vossos companheiros de todos os dias alguns bons conselhos, dizendo aos que o desespero, as privações azedaram o ânimo e levaram a blasfemar do nome do Altíssimo: “Eu era como sois; sofria, sentia-me desgraçado, mas acreditei no Espiritismo e, vede, agora, sou feliz.” Aos velhos que vos disserem: “É inútil; estou no fim da minha jornada; morrerei como vivi”, dizei: “Deus usa de justiça igual para com todos nós; lembrai-vos dos obreiros da última hora.” Às crianças já viciadas pelas companhias de que se cercaram e que vão pelo mundo, prestes a sucumbir às más tentações, dizei: “Deus vos vê, meus caros pequenos”, e não vos canseis de lhes repetir essas brandas palavras. Elas acabarão por lhes germinar nas inteligências infantis e, em vez de vagabundos, fareis deles homens. Também isso é caridade.

Dizem, outros dentre vós: “Ora! somos tão numerosos na Terra, que Deus não nos pode ver a todos.” Escutai bem isto, meus amigos: Quando estais no cume da montanha, não abrangeis com o olhar os bilhões de grãos de areia que a cobrem? Pois bem: do mesmo modo vos vê Deus. Ele vos deixa usar do vosso livre-arbítrio, como vós deixais que esses grãos de areia se movam ao sabor do vento que os dispersa. Apenas, Deus, em sua misericórdia infinita, vos pôs no fundo do coração uma sentinela vigilante, que se chama consciência. Escutai-a, que somente bons conselhos ela vos dará. Às vezes, conseguis entorpecê-la, opondo-lhe o espírito do mal. Ela, então, se cala. Mas, ficai certos de que a pobre escorraçada se fará ouvir, logo que lhe deixardes aperceber-se da sombra do remorso. Ouvi-a, interrogai-a e com freqüência vos achareis consolados com o conselho que dela houverdes recebido.

Meus amigos, a cada regimento novo o general entrega um estandarte. Eu vos dou por divisa esta máxima do Cristo: “Amai-vos uns aos outros.” Observai esse preceito, reuni-vos todos em torno dessa bandeira e tereis ventura e consolação. – Um Espírito protetor. (Lião, 1860.)