Palestras familiares de além-túmulo: Bernard Palissy (9 de março de 1858)

Por intermédio de evocações anteriores, soube-se que Bernard Palissy, um célebre oleiro do século XVI, habita o planeta Júpiter. Quando evocado, Allan kardec, como era de seu costume, fez-lhe perguntas cujas respostas foram, para mais praticidade de leitura, condensadas em texto do foi dito sobre esse planeta, em várias ocasiões, por outros Espíritos e através de diferentes médiuns. Vejamos o diálogo por tópicos:

Visão geral do Espírito de Bernard Palissy

Bernard Palissy ainda demorou a deixar a superfície do planeta. Confessou ter estado sob o aspecto de uma mulher amorosa e dedicada, em uma missão que durou trinta anos. Disse que era obscuro citar o nome da mulher.

O Espírito traçou, pela mão do Sr. Victorien Sardou, os admiráveis desenhos sobre o planeta Júpiter com o fim de nos inspirar o desejo de nos tornarmos melhores. Disse não se importar com as obras materiais dos esboços, mas, sim, com o sofrimento que o elevou.

Finalmente, argumentou que vem com frequência a esta Terra que habitou várias vezes. Sobre o seu estado físico e moral, estabeleceu uma comparação entre ela e Júpiter dizendo que veio ao nosso globo apenas como Espírito e que ele não tem mais sensações materiais.

Estado físico do globo

A temperatura de Júpiter não pode ser comparada a uma de nossas latitudes, pois ela é suave e temperada; é sempre igual, enquanto a nossa varia.

O Sol aparece aos habitantes de Júpiter em tamanho muito pequeno e, consequentemente, fornece muito pouca luz. Assim, Júpiter é cercado de uma espécie de luz espiritual, em relação com a essência de seus habitantes. A luz grosseira de nosso Sol não foi feita para eles. A atmosfera de Júpiter não é formada dos mesmos elementos que a atmosfera terrestre, pois os homens não são os mesmos. Suas necessidades mudaram.

Lá existe água e mares. A água é mais etérea que a nossa.

Não há vulcões. O globo não é atormentado como o nosso. Lá a Natureza não teve suas grandes crises. É a morada dos bem-aventurados. Nele, a matéria quase não existe. As plantas têm analogia com as nossas, mas são mais belas.

Júpiter com sua lua Europa à esquerda: novidades na atmosfera do planeta recente foto do telescópio Hubble captada em 2020.

Estado físico dos habitantes

A conformação do corpo dos seus habitantes tem relação, sendo considerada a mesma. Sua estatura, comparada com a dos habitantes da Terra, é de seres grandes e bem proporcionados. Maiores que os nossos maiores homens. O corpo do homem é como o molde de seu espírito: belo, onde ele é bom. O envoltório é digno dele: não é mais uma prisão. A densidade específica do corpo humano permite ao homem transportar-se de um a outro ponto, sem ficar, como aqui, preso ao solo.

Lá os os corpos inertes são opacos, diáfanos e translúcidos. Uns têm tal propriedade, outros têm outra, conforme a sua finalidade.

Em relação aos corpos humanos, o corpo envolve o Espírito sem ocultá-lo, como um tênue véu lançado sobre uma estátua. Nos mundos inferiores, o envoltório grosseiro oculta o Espírito aos seus semelhantes, mas os bons nada mais têm a ocultar: cada um pode ler no coração dos outros. Sendo o corpo dos habitantes de Júpiter menos denso que os nossos, é formado de matéria compacta e condensada ou vaporosa que é compacta para eles, mas não para nós. Ela é menos condensada e impenetrável.

Lá existe diferença de sexo. Sexo há por toda parte onde existe a matéria.

A base da alimentação dos habitantes é puramente vegetal, pois o homem é o protetor dos animais. Parte de sua alimentação é extraída do meio ambiente, cujas emanações eles aspiram.

Comparada com a nossa, a duração da vida é mais longa. Eles vivem mais ou menos cinco séculos. Na infância, o homem conserva sua superioridade: a infância não comprime a inteligência nem a velhice a extingue.

Os homens não são sujeitos a doenças.

A vida não está dividida entre o sono e a vigília, mas entre a ação e o repouso.

Sobre as várias ocupações dos homens que lá os eles têm, foi dito que muito teria a falar. Sua principal ocupação é o encorajamento dos Espíritos que habitam os mundos inferiores, a fim de que perseverem no bom caminho. Não havendo entre eles infortúnios a serem aliviados, vão procurá-los onde esses existem: são os bons Espíritos que vos amparam e vos atraem para o bom caminho.

Lá as artes são consideradas inúteis. Para eles, as nossas artes são brinquedos que distraem as nossas dores.

Não existem lá o tédio e o desgosto da vida. O desgosto da vida origina-se no desprezo de si mesmo.

Os habitantes não têm, como nós, uma linguagem articulada. Há entre eles a comunicação pelo pensamento. A segunda vista é, como nos informaram, uma faculdade normal e permanece entre eles. O Espírito não conhece entraves. Nada lhe é oculto. Eles se comunicam sempre e mais facilmente que nós com os outros Espíritos. Não existe mais a matéria entre eles e nós.

O conhecimento do futuro depende do grau de perfeição do Espírito: isso tem menos inconvenientes para eles do que para nós; é-lhes mesmo necessário, até certo ponto, para a realização das missões de que são incumbidos, mas dizer que conhecem o futuro sem restrições seria nivelá-los a Deus. A predição do futuro é por mérito.

A morte não inspira o mesmo horror e pavor que entre nós, pois entre eles já não existe o mal. Só o mau se apavora ante o seu último instante. Ele teme o seu juiz. Os habitantes de Júpiter depois da morte crescem sempre em perfeição, sem passar por mais provas. Não há em Júpiter Espíritos que se submetam a provas a fim de cumprir uma missão, pois só o amor do bem os leva ao sofrimento. Eles não podem falhar em sua missão porque são bons. Só existe fraqueza onde há defeitos.

Perguntado se poderia nomear alguns dos Espíritos habitantes de Júpiter que tenham desempenhado uma grande missão na Terra, foi enumerado São Luís. Não quis nomear outros, pois há missões desconhecidas, cujo objetivo é a felicidade de um só. Por vezes são as maiores e as mais dolorosas.

Júpiter é muito maior do que a Terra e consideravelmente menos denso: seu volume corresponde a 1.321 vezes o da Terra.

Dos Animais

O corpo dos animais é mais material que o dos homens, pois o homem é o rei, o deus planetário. Os animais não se estraçalham mutuamente. Vivem todos submetidos ao homem e se amam entre si. Não há porém animais que escapam à ação do homem, assim como os insetos, os peixes e os pássaros. Todos lhe são úteis.

Os animais são os operários e os capatazes que executam os trabalhos materiais, constroem as habitações etc. O homem não mais se rebaixa para servir ao semelhante. Os animais servidores estão ligados a uma família particular, sob o estado de submissão, sem remuneração.

As faculdades dos animais são desenvolvidas por si mesmos. Sua linguagem é mais precisa e caracterizada que a dos animais terrenos.

Estado moral dos habitantes

As habitações de que ele deu uma mostra nos teus desenhos estão reunidas em cidades como aqui. Aqueles que se amam se reúnem. Só as paixões estabelecem a solidão em torno do homem. Disse que, se o homem ainda mau procura o seu semelhante, que é para ele um instrumento de dor, o homem puro e virtuoso não deve fugir de seu irmão.

Os Espíritos são de diversos graus, mas da mesma ordem. Perguntado se poderia reportar-se especialmente à escala espírita que demos no segundo número da Revista e que nos dissesse a que ordem pertencem os Espíritos encarnados em Júpiter, disse que são todos bons, todos superiores. Por vezes, o bem desce até o mal; entretanto, o mal jamais se mistura com o bem.

Os habitantes formam diferentes povos como aqui na Terra, mas todos unidos entre si pelos laços do amor. As guerras são desconhecidas.

Argumentou que o homem poderá chegar, na Terra, a um tal grau de perfeição que a guerra seja desnecessária. A guerra desaparecerá com o egoísmo dos povos e à medida que melhor seja compreendida a fraternidade.

Os povos são governados por chefes. A autoridade dos chefes está em seu grau superior de perfeição. A superioridade e a inferioridade dos Espíritos em Júpiter, de vez que todos são bons, é medida pela maior ou menor soma de conhecimentos e de experiência; depuram-se à medida que se esclarecem.

Diferente Terra, lá não existem povos mais ou menos avançados que outros, mas entre os povos há diversos graus. Se o povo mais adiantado da Terra fosse transportado para Júpiter, ocuparia a função que os macacos possuem entre nós.

Os povos se regem por leis e não há leis penais, pois não há mais crimes. Quem faz as leis é Deus.

Não há ricos e pobres e nem homens que vivem na abundância e no supérfluo e outros a quem falta o necessário, pois todos são irmãos. Se um possuísse mais do que o outro, com esse repartiria; não seria feliz quando seu irmão fosse necessitado. A ninguém falta o necessário; ninguém tem o supérfluo. Por outras palavras, a fortuna de cada um está em relação com a sua condição. Aquele que tem menos não é infeliz em relação àquele que tem mais. Ele não pode sentir-se infeliz, se não é invejoso nem ciumento. A inveja e o ciúme produzem mais infelizes que a miséria.

Não quis responder em que consiste a riqueza em Júpiter, mas confirmou que existem desigualdades sociais nas leis da sociedade. Uns são mais adiantados que outros na perfeição. Os superiores têm sobre os outros uma espécie de autoridade, como um pai sobre os filhos.

As faculdades do homem são desenvolvidas pela educação. Pode o homem adquirir bastante perfeição na Terra para merecer passar imediatamente a Júpiter, mas na Terra o homem é submetido a imperfeições a fim de estar em relação com os seus semelhantes. Quando um Espírito deixa a Terra e deve reencarnar-se em Júpiter, fica errante durante algum tempo, até encontrar o corpo a que se deve unir para que se tenha livrado das imperfeições terrenas.

Não há várias religiões, pois todos professam o bem e todos adoram um só Deus. Não há templos e um culto, visto que, por templo há o coração do homem; por culto, o bem que ele faz.




Evocação de Espíritos na Abissínia

O Império Etíope, também conhecido como Abissínia, foi um império que ocupou os presentes territórios da Etiópia e da Eritreia, existindo desde aproximadamente o ano de 1270 (início da dinastia salomónica) até 1974, quando a monarquia foi deposta por um golpe de estado. Portanto, ainda existia na época de Allan Kardec.

Kardec abre o artigo citando uma narração de James Bruce (1730 – 1794), um explorador e escritor escocês, em sua obra Voyage aux sources du Nil, em que diz estar estarrecido com as práticas de bruxaria e evocação do diabo praticadas pelo rei de Gingiro, pequeno reinado na parte meridional de Abissínia.

Kardec assinala que, tivesse Bruce conhecido o Espiritismo, veria que não havia ali nada de absurdo (no que tange às evocações). Além disso, seria um povo que, com certeza, guardou grande número de tradições judaicas e algumas ideias rudimentares do Cristianismo em que, por falta de conhecimento, sorveram a ideia do diabo, não entendendo que eram para Espíritos inferiores que faziam seus sacrifícios.

Dois embaixadores que Socínios, ao rei da Abissínia, enviou ao papa, por volta de 1625, e que tiveram de atravessar o Gingiro. Foi, então, necessário que fosse pedido ao rei uma audiência para que a caravana atravessasse seu território. Aconteceu de o rei estar em cerimonial e determinou que o embaixador e seu acompanhante esperassem oito dias para a audiência com ele. Findo o prazo, a comitiva foi recebida.

A área central em laranja corresponde ao território abissiniano.

O que Kardec cogita é que a tão pouca distância ainda havia degradação e ignorância em se fazer tudo mediante consultas a Espíritos estando tão perto dos principais centros intelectuais. Mescla essa ideia com a temperatura local que, sendo quente, poderia ser potencializada em climas frios. Compara os etíopes, que abrangem quase toda a Abissínia, com os gingiranos que nem adoram o diabo, nem pretendem ter com ele qualquer comunicação; bem como não sacrificam homens em seus altares; enfim, entre eles nenhum traço se encontrava dessa revoltante atrocidade.

Nosso codificador continua a censura ao afirmar que o rei de Gingiro sacrificava ao diabo, naquela época de comércio escravo, os pobres coitados que teriam o destino de serem degredados, dado à proximidade daquele reino com o mar, pois, afastados da costa, sua segurança era garantida.

Como vimos, o Sr. Bruce é o narrador da história e, se ele tivesse visto aquilo que hoje testemunhamos, nada de assombroso acharia na prática das evocações usadas em Gingiro. Ele só viu nelas uma crença supersticiosa, enquanto nós encontramos a sua causa no fato de manifestações falsamente interpretadas, que puderam produzir-se lá como em outros lugares documentados.

Para terminar o artigo, ao sacrificar seres humanos, Kardec conclui, com total confiança à luz do Espiritismo, que não podiam atrair ao seu meio Espíritos superiores. Atribui-se à credulidade o fato de os povos bárbaros cultuarem a um poder maléfico os fenômenos que não podiam explicar, pois tratava-se de um povo bastante atrasado moral e espiritualmente.




Sobre “o caso A Gênese”

Este artigo foi inspirado pelo artigo “O caso A Gênese“, apresentado no Portal Luz Espírita. Nesse artigo, bastante extenso, são apresentados diversos detalhes, passo a passo, que levam afinal o autor, Ery Lopes, e os colaboradores — Adair Ribeiro, Adriano Calsone, Carlos Luiz, Carlos Seth Bastos, Jorge Hessen e Wanderlei dos Santos — a assumir que, não, a Gênese não foi adulterada e que podemos fiar confiança total de que a 5.ª edição, segundo eles editada e impressa em 1869, foi sim uma versão impressa por Allan Kardec.

Devo reconhecer que o artigo tem o mérito de ter tentado se manter imparcial, apresentando inclusive os trabalhos de Simoni Privato, em O Legado de Allan Kardec, onde apresenta uma enorme coleção de provas e de evidências das adulterações.

Em que ponto, então, o artigo passa a assumir que tais adulterações não existem e que todas as evidências estão erradas? Principalmente a partir do item 37 — “As pistas do Catálogo Racional — o qual reproduzo abaixo:

Nesse quadro, apresentam-se algumas pistas, obtidas através da análise da obra Catálogo Racional, que teria tido sua primeira edição distribuída em 1 de abril de 1869, um dia após a morte de Allan Kardec:

  1. Há uma citação à obra La clef de la vie (A chave da vida), de Michel de Figagnères, sobre a qual Kardec teria feito um comentário reportando-se aos itens 4 a 7 do capítulo VIII de A Gênese. O item 7, porém, A Alma da Terra, apenas passou a existir a partir da 5ª edição dessa obra.
  2. Logo a seguir, apresenta-se a evidência de que a obra Os quatro evangelhos, de Roustaing, já teria sido citada pelo próprio professor Rivail nessa primeira edição do Catálogo, diferentemente do que algumas pessoas teriam dito, supondo que tal citação apenas teria se dado por adulteração. 

Há, porém, uma informação muitíssimo importante que se deixou de fora neste ponto: a referência de Kardec aos itens 64 a 68 do capítulo XV de A Gênese. Acontece que o item 68 apenas existiu até a 4.ª edição dessa obra, transformado em item 67 a partir da 5.ª edição, quando o item 67 original foi retirado. Esse item era muito importante, por tratar da questão de que a desaparição do corpo de Jesus, até então, seria assunto não solucionável, pela ausência, até então, da sanção do duplo controle da confirmação pela lógica rigorosa e pelo ensinamento geral dos Espíritos, e sua retirada parece muito estratégica, se considerarmos que as ideias contrárias, vindas de Roustaing, não tinham como se sustentar, pela ausência desse duplo controle.

Ora, por que essa contradição nas referências de Kardec? Por que teria ele, simultaneamente, se referido, em um ponto, a um item que ainda seria inserido em A Gênese, na 5a edição, enquanto que, em outro, se referia a um item que dela seria retirado, na mesma edição?

A lógica me leva pelo seguinte caminho:

  • Kardec já havia preparado a impressão do Catálogo Racional, mas ainda estava em vias de finalizar a impressão de A Gênese, que ainda estava, ao que tudo indica, nos estágios finais de reimpressão para correções e edições.
  • No Catálogo, Kardec faz referência a um item que ainda não existia em A Gênese (Cap. VIII, item 7) e outro que, a partir da 5a edição conhecida, deixou de existir (item 68). Isso pode demonstrar que Kardec, no Catálogo, faria referência a um item da nova edição de A Gênese, e que manteria a referência ao item 68, citado acima. Um provável adulterador, determinado a retirar o importantíssimo princípio da sanção do duplo controle, não notou o problema.
  • O Catálogo já havia sido encomendado e impresso com o conhecimento de Kardec, mas isso não significa que ele seria prontamente distribuído. Muito provavelmente, pela lógica dos fatos, ele esperaria a impressão da nova versão de A Gênese.

Suponho, também, pela lógica dos fatos, que a 5ª edição de A Gênese, por nós conhecida, foi baseada em alterações sobre os nos clichês do próprio Allan Kardec, visto que, nessa edição, o item 7 do capítulo VIII apresenta conteúdo em conformidade com o estilo e com o pensamento do próprio (a meu ver). Assim, as alterações que conhecemos, suponho, não são todas adulterações, mas a hipótese de adulteração fica muito evidente por todas as provas e evidências já apresentadas, até hoje, e pela simples análise de alguns pontos alterados ou suprimidos, que destoam do pensamento, do estilo e dos propósitos de Kardec e, sobretudo, do ensinamento dos Espíritos durante toda a primeira fase do Espiritismo.

Adiciono que não vejo nenhum motivo para Kardec não ter citado a obra de Roustaing em seu Catálogo, visto que ele próprio sugere, logo abaixo à recomendação, que o leitor busque melhores esclarecimentos em A Gênese, nos itens mencionados. Aliás, na 5.ª edição de A Gênese, há uma referência à Revista Espírita de setembro de 1868, pág. 261, que se refere ao mesmo tema contido no item 7 da primeira obra: A Alma do Mundo.

Mais uma evidência que mostra que as alterações na 5.ª edição de A Gênese não são totalmente resultados de adulterações, embora, inclusive sobre esse item, eu não possa afirmar se teria sido, além de introduzido, também adulterado, visto que o trecho que na 5.ª edição de A Gênese finaliza o item 7 do cap. VIII, continua, na Revista Espírita, de uma forma muito importante: “O Espiritismo seria, com razão, ridicularizado por seus adversários, se se fizesse o editor responsável por utopias que não resistem a um exame. Se o ridículo não o matou, é porque só mata o que é ridículo.

Sobre a afirmação muito comum de que algumas cartas confirmam a impressão da 5.ª edição da obra pelas mãos do próprio Kardec, já abordei o caso no artigo “As adulterações nas obras de Kardec e o “CSI do Espiritismo” (clique aqui para ler).

O que quero afirmar com tudo isso é que, sim, é um assunto bastante profundo e complexo, com muitas informações cruzadas a serem analisadas sob uma metodologia muito racional, lógica e verdadeiramente imparcial. Infelizmente, parece que muitas pessoas tentam se agarrar desesperadamente a qualquer evidência de que as adulterações não ocorreram e, ao agirem assim, deixam de analisar os fatos com todo o cuidado que o assunto merece.

Sempre repito: o conteúdo apresentado nas obras “O Legado de Allan Kardec” e “Nem céu, nem inferno” é completo e profundo demais para ser tomado como se fosse apenas um erro qualquer, baseado em informações incompletas ou falsas. Ainda assim, se há espaço para dúvidas, que as demais informações sejam analisadas com o máximo de critério científico, como o próprio Kardec nos ensinou e, enquanto não possam ser sanadas, fiquemos na segurança das obras indubitavelmente impressas de seus próprios punho e bolso.

Quero, por fim, destacar o seguinte: uma das provas mais utilizadas para afirmar que a 5a edição foi de autoria integral do próprio Kardec, a tal 5a edição de 1869, apresenta em sua capa, como endereço de impressão, o novo endereço da sede da Sociedade Espírita Parisiense: “Librairie Spirite et des Sciences Psychologiques”, em “7, rue de Lille”.

Sabemos que Kardec morreu antes do estabelecimento da Sociedade no novo endereço, o que comprova que tal edição somente foi impressa após sua morte. Leia mais clicando aqui.




Autonomia, a moral do novo mundo

Vivemos em um mundo até agora dominado pelos conceitos de heteronomia. Para bem entender esse conceito, precisamos analisar a etimologia da palavra: heteronomia é formada do radical grego “hetero” que significa “diferente”, e “nomos” que significa “lei”, portanto, é a aceitação de normas que não são nossas, mas que reconhecemos como válidas para orientar a nossa consciência que vai discernir o valor moral de nossos atos. Esse entendimento é fundamental.

O mundo heterônomo

No mundo heterônomo, nós atribuímos tudo a algo externo: a culpa está no diabo ou no obsessor, o efeito está na ira divina e a reparação está na imposição carmática. Tudo, absolutamente tudo no mundo heterônomo, vem como imposição externa, através de leis que respeitamos por obrigação, e não por entendimento. E na ausência dela ou de seus atores, nos vemos sem limites e sequer sem amor-próprio.

A heteronomia é algo inerente e talvez mesmo necessário a uma condição de pouco avanço espiritual, quando, sem o entendimento mais profundo dos mecanismos da vida e da evolução, somos forçados a atender, por medo, às imposições de leis divinas, humanizadas, ou mesmo das leis humanas, divinizadas. Infelizmente, como já sabemos, também é algo extensamente utilizado pelas religiões para manter o controle sobre seus fieis. Mas isso é algo que, conforme podemos constatar, vai se modificando conforme o avanço do Espírito humano, tanto em ciência quanto em moralidade.

Um grande problema do conceito da heteronomia, ou, antes, da crença nele, é que ele entrava por certo tempo a evolução do Espírito: ora, se o indivíduo acredita que suas dificuldades na vida são um castigo imposto por Deus, ele apenas aceita seus efeitos, de forma submissa (o que, sim, é importante), mas sem fazer nada para se modificar. Aguarda apenas o fim de suas provações. Nem mesmo a caridade pode ser realmente entendida e praticada em um contexto heterônomo, pois o indivíduo pratica a caridade esperando um retorno, sem entender que ela é uma obrigação moral e natural do ser pensante.

Outro ponto muito problemático é que quando o indivíduo acredita no castigo divino — e, pior ainda, no castigo eterno — é muito comum que perca qualquer limite após cometer um erro. Com certeza o leitor já ouviu inúmeras vezes a afirmação: “já vou para o inferno mesmo, então, um pecado a mais, tanto faz”.

Mas nos enganamos se pensamos que o conceito heterônomo se encontra apenas nas religiões. Infelizmente, mesmo no meio espírita, tal conceito também se infiltrou, sobretudo com a adulteração das obras O Céu e o Inferno e A Gênese, de Allan Kardec. Se hoje ouvimos constantemente, da boca de espíritas, as palavras “carma”, “lei de ação e reação”, “resgate”, isso se dá em grande parte por essas adulterações, passadas de geração em geração e que hoje fazem muitos de nós, espíritas, ainda acreditarmos que o “carma” faz eu renascer nessa vida para “resgatar” um erro passado.

Vejamos bem: é justamente uma das mais sérias adulterações em O Céu e o Inferno que incutiu esse pensamento heterônomo, que atrasa o avanço do Espírito, no seio de uma Doutrina que era totalmente voltada à autonomia do ser. No capítulo VII, item 9 da obra citada, vamos ler: “Toda falta cometida, todo mal realizado é uma divida contraída que deverá ser paga; se não for em uma existência, será na seguinte ou seguintes”. Esse item não existia até a morte de Kardec, sendo que só apareceu em novas edições feitas mais de dois anos após a morte do Professor.

Não — insisto em dizer: no Espiritismo não existe carma, nem “lei de ação e reação” e, muito menos, “resgate”. São conceitos que, no fundo, tem o mesmo efeito da crença no castigo divino.

A Autonomia

Oposta ao conceito da heteronomia, a autonomia (auto — de si mesmo) coloca o indivíduo como peça central em sua evolução. Depende de sua vontade, única e exclusivamente, tanto suas ações, quanto seus pensamentos e os Espíritos atraídos ou repelidos por estes.

No conceito da autonomia, que não nasceu com o Espiritismo, mas que foi por essa Doutrina ampliado — e demonstrado — o Espírito é senhor de si mesmo e de suas escolhas desde o momento em que desenvolve a consciência e, com isso, passa a ter o livre-arbítrio. Escolhe, assim, entre bem e mau, ou melhor, escolhe sobre formas de agir frente às situações e se felicita ou não com seus efeitos. Contudo, quando o efeito é negativo, não significa que está sendo efetivamente castigado por um Deus punitivo, mas sim que está sofrendo as consequências morais de suas ações. E essas consequências morais só existem para o Espírito que já tem consciência de sua existência, razão pela qual os animais, por exemplo, não as tem.

É assim que, avaliando as consequências de nossos atos e, quando mais conscientes, as imperfeições morais que nos levam a cometer erros, nos impomos, a nós mesmos, vidas cheias de provas e de expiações, com o fim de tentar nos livrarmos dessas imperfeições, a partir do aprendizado:

“Uns, portanto, impõem a si mesmos uma vida de misérias e privações, objetivando suportá-las com coragem”, quando desejam conquistar paciência, resignação ou saber agir com poucos recursos. Outros desejam testar se já superaram as paixões inferiores e então “preferem experimentar as tentações da riqueza e do poder, muito mais perigosas, pelos abusos e má aplicação a que podem dar lugar”. Aqueles que lutam contra os abusos que cometeram, “decidem a experimentar suas forças nas lutas que terão de sustentar em contato com o vício” (O Livro dos Espíritos, p.220).

É claro: ao praticar o mal contra Espíritos Inferiores, teremos uma hipótese quase garantida de recebermos, em troca, a vingança; mas essa vingança, se houver, é efeito da escolha do outro Espírito, e não de uma reação “carmática” de uma suposta “lei de ação e reação” — que, aliás, é uma lei da Física Newtoniana, e não divina. Ao praticar a vingança, o outro Espírito também erra, pois dá margem ao hábito de suas imperfeições e, por isso, pode entrar em um círculo de erro e vingança com o outro que pode durar séculos. Quando isso não ocorre — e esse é o ponto-chave — o efeito é apenas o Espírito que erra permanecer por mais tempo afastado da felicidade dos bons Espíritos, por conta de suas próprias imperfeições.

Não existe “lei de ação e reação” no Espiritismo

Muitas pessoas, apegadas a velhos conceitos do passado, se sentem perplexas com tal afirmação, mas qualquer um que se tenha colocado dedicadamente a estudar o Espiritismo consegue perceber que a moral autônoma, em tudo, é colocada bastante clara aos nossos olhos, através da concordância universal dos ensinamentos dos Espíritos. O que ganhamos ao fazer o bem? Avançaremos mais rápido. E o que sofreremos ao praticar o mal? Ficaremos mais tempo retidos à inferioridade espiritual e à roda das sucessivas encarnações em mundos inferiores.

O Espiritismo nos demonstra que, ao entrarmos no círculo da consciência, passamos a versar sobre nossos próprios destinos, sendo que as provas e as expiações que enfrentamos na atual encarnação se devem às nossas próprias escolhas, realizadas antes de encarnarmos, ainda que muito difíceis, posto que, em estado de Espírito errante (libertos do corpo), avaliamos de forma muito mais clara nossas imperfeições e, assim, escolhemos oportunidades, ainda que sofridas, para aprendermos e nos elevarmos. O Espiritismo, aliás, quando bem compreendido, favorece muito a que tomemos melhores escolhas, pois paramos apenas de desejar a expiação de erros passados, numa mecânica de pecado e castigo, e passamos a escolher oportunidades que nos levem mais a fundo a aprender e a desenvolver melhores hábitos, abafando as imperfeições que tenhamos transformado em hábitos.

Já abordamos um caso bem típico, extraído da Revista Espírita, que trata da questão das escolhas do Espírito quanto às suas provas, tratado por Kardec na evocação do assassino Lemaire, na edição de março de 1858.

Outro caso bastante interessante é o de Antônio B, que, tendo emparedado viva sua esposa na vida anterior, não sabendo lidar com essa culpa, planejou uma encarnação onde terminou enterrado vivo, após ser pensado morto. Acordou no caixão e lá dentro padeceu horrivelmente até sua morte, como se tivesse “pagado” aquela dívida com sua própria consciência. O que realmente interessa nesse caso é que, efetivamente, em vida, foi um homem probo e bom, e não precisaria desse fim trágico para “quitar” qualquer coisa.

Uma prova racional de que não existe tal “lei”: se um Espírito inferior praticar o mal contra um Espírito superior, o que ele receberá em troca? Nada além de compreensão e amor. O próprio exemplo do assassino Lemaire nos demonstra isso. Onde estaria então o retorno? Num outro Espírito que Deus designaria para sua “vingança”, para “cobrar uma dívida”, tornando-o, assim então, também um Espírito em débito para com a Lei?

Não, prezado irmão: não existe retorno senão na constatação, cedo ou tarde, por parte do próprio Espírito, de que ele não é feliz enquanto for imperfeito. Claro, precisamos também lembrar: o Espírito se encontra no meio em que se apraz, e atrai para si os Espíritos de mesma vibração. Portanto, poderá até se sentir alegre, mas jamais será feliz o Espírito que, por suas predisposições, só atrai para si Espíritos inferiores. Nisso também consiste uma espécie de castigo.

A razão explica, conduz e conforta

A maior característica do Espiritismo é ser uma Doutrina científica racional, cuja teoria nasceu da observação lógica dos fatos e dos ensinamentos dos Espíritos. Ora, em se tratando de Deus, qual seria a razão de ele nos punir com castigos, sendo que ele nos criou e sabe que nossos erros nascem de nossas imperfeições? Não há racionalidade nisso. É como se puníssemos nossas crianças por errarem contas de matemática ou por colocarem o dedo na tomada: em ambos os casos, a dor ou a sensação de ficar para trás é a punição em si mesma e, ao adicionarmos a isso uma punição adicional, estamos apenas condicionando o ser a não pensar e apenas a ter medo de errar — e, portanto, a ter o medo de tentar.

Falávamos da razão: pois é por ela, principalmente, que o Espiritismo nos conduz a melhores escolhas evolutivas. Ao entender profundamente a Doutrina, deixamos de fazer escolhas por conta de imposições ou expectativas externas, seja porque “Deus quer”, porque “Jesus espera”, ou porque “o diabo assombra”. Passamos a fazer melhores escolhas, com uma vontade mais ativa, quando entendemos que, quanto mais tempo dermos margem às nossas imperfeições ou à nossa materialidade, mais tempo demoraremos para sair dessa “roda de encarnações” dolorosas e embrutecidas.

Também esse entendimento é um grande remédio contra o suicídio: não mais o vemos com as concepções de pecado e castigo — que ainda são divulgados e defendidos até no meio espírita — mas, sim, com o entendimento racional: se sou Espírito inferior, cheio de imperfeições, significa que a vida é rica oportunidade de aprendizado. Encurtá-la por minha escolha, além de ser uma enorme oportunidade perdida, será apenas perda de tempo, pois me verei, em Espírito, imperfeito como sou, talvez de forma ainda mais escancarada, e terei que voltar e recomeçar uma nova existência para poder aprender e me livrar das imperfeições que me impossibilitam de me tornar mais feliz.

A expiação explicada à luz da Doutrina Espírita

Define assim Kardec, em Instruções práticas sobre as manifestações espíritas, de 1858:

EXPIAÇÃO — pena que sofrem os Espíritos em punição de faltas cometidas durante a vida corpórea. Como sofrimento moral, a expiação se verifica no estado errante; como sofrimento físico, no estado de encarnado. As vicissitudes e os tormentos da vida corpórea são, ao mesmo tempo, provas para o futuro e expiação para o passado.

Parece, por esse texto, que Kardec então defendia que, sim, pagamos na vida atual pelos erros passados? Não exatamente. Não podemos esquecer que, para a Doutrina Espírita, a autonomia, ou o Espírito como ator central de tudo, é a peça-chave de tudo. Portanto, mesmo no caso da expiação, é algo que consiste na escolha do próprio Espírito, com o intuito de buscar superar uma imperfeição adquirida:

A duração do castigo está subordinada ao aperfeiçoamento do espírito culpado. Nenhuma condenação por um tempo determinado é pronunciada contra ele. O que Deus exige para pôr fim aos sofrimentos é o arrependimento, a expiação e a reparação – em resumo: um aperfeiçoamento sério, efetivo, assim como um retorno sincero ao bem.

KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. Tradução por Emanuel G. Dutra, Paulo Henrique de Figueiredo e Lucas Sampaio. Editora FEAL, 2021.

E, para bem entender o uso dos termos castigo e punição, por Allan Kardec, é necessário entender o contexto filosófico do Espiritualismo Racional, no qual ele estava inserido. Já falamos sobre isso no artigo “Punição e recompensa: você precisa estudar Paul Janet para entender Allan Kardec“.

Contudo, bem sabemos que “os tempos são chegados” e que o planeta Terra deixará, lentamente, de ser um planeta de provas e expiações para ser um mundo de regeneração, onde deverá haver encarnações um pouco mais felizes do que as atuais. Usemos, um momento, a razão para avaliar tudo isso que temos exposto até aqui:

Se a Doutrina Espírita, nos ensinando a moral autônoma, nos traça melhores rumos e melhores escolhas, pensemos: o que ensina mais ao indivíduo? Um sofrimento de mesmo gênero e mesmo grau, como no caso de Antônio B, acima, ou, entendendo as imperfeições que nos levaram a praticar o mal, em primeiro lugar, uma vida cheia de oportunidades, muitas vezes bastante desafiadores e trabalhosas, de exercitarmos o aprendizado e a prática do bem?

Entende onde estamos chegando? Tudo, absolutamente tudo, depende de nossas escolhas frente à nossa capacidade de entendimento consciente de nós mesmos, e, nisso, o estudo do Espiritismo nos alavanca em vários degraus.

É por isso que o mundo vai deixar de ser um mundo de provas e expiações: porque os Espíritos que aqui encarnam passarão a escolher melhor suas encarnações, deixando de aplicar a si mesmos a lei de talião (olho por olho, dente por dente) para, então, cuidarem de desenvolver hábitos morais mais saudáveis. Até nisso contatamos que tudo parte do indivíduo para fora, e não o contrário.

Conclusão

Portanto, irmãos, avante: estudemos o Espiritismo de forma aprofundada e, hoje sabendo das adulterações em O Céu e o Inferno e A Gênese, estudemos as versões originais (já disponibilizadas pela FEAL) de modo a não mais perdermos tempo com conceitos heterônomos e, sobretudo, de modo a não mais repetirmos, no meio Espírita, as lastimáveis afirmações como aquelas que dizem que “fulano nasceu com problemas mentais porque está pagando por um erro na vida passada”. Isso, além de ser um erro absurdo, afasta as pessoas do Espiritismo.

Veja um exemplo:

Pasmemos: essa frase não é de Kardec. Nem parece ser sua, nem pode ser encontrada em NENHUMA de suas obras. Essa é uma prova a mais do quanto o Espiritismo foi invadido por falsas ideias, quase sempre antidoutrinárias.

Nossas provas são ricas oportunidades, quase sempre escolhidas por nós mesmos, sendo impostas apenas nos casos em que não temos condições conscienciais para tais escolhas e, mesmo assim, se dão por ação de benevolência de Espíritos superiores, e não como castigo divino.

A alma ou Espírito sofre na vida espiritual as consequências de todas as imperfeições que não conseguiu corrigir na vida corporal. O seu estado, feliz ou desgraçado, é inerente ao seu grau de pureza ou impureza. (O céu e o inferno).

O maior castigo que há está em continuarmos por eras incontáveis nos arrastando na lama de nossas imperfeições. Isso já é o bastante.


Nota: o nome do artigo vem do texto de mesmo título, que serviu de inspiração a este, do livro Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo, de Paulo Henrique de Figueiredo.

Sugestões de estudos

Sugerimos ao leitor os seguintes conteúdos complementares:




Magnetismo e Espiritismo

revista espírita março 1858

O magnetismo já era um fenômeno estudado antes de o Espiritismo surgir como doutrina, filosofia e ciência.

Allan Kardec diz: com efeito, baseando-se ambas na existência e na manifestação da alma, longe de se combaterem, podem e devem prestar-se mútuo apoio, pois elas se completam e se explicam mutuamente. Entretanto, seus respectivos adeptos discordam em alguns pontos: certos magnetistas ainda não admitem a existência ou, pelo menos, a manifestação dos Espíritos.

Kardec enfatiza que, no começo de uma ciência ainda tão nova, é muito fácil com que cada um, olhando as coisas de seu ponto de vista, dela forme uma ideia diferente. As ciências mais positivas tiveram sempre, e têm ainda, suas escolas, que sustentam ardorosamente teorias contrárias. Os sábios têm levantado escola contra escola, bandeira contra bandeira e, muitas vezes, para sua dignidade, as polêmicas se tornaram irritantes e agressivas para o amor próprio ofendido e ultrapassaram os limites de uma sábia discussão.

Os magnetistas baseiam-se no fato de que tudo podem explicar pela ação dos fluidos. Ao contrário, os adeptos do Espiritismo são todos concordes com o magnetismo por meio de fenômenos sonambúlicos.

Passe: uma das formas de transferência do magnetismo animal e espiritual.

O magnetismo preparou o caminho para o Espiritismo, e os rápidos progressos desta última doutrina são incontestavelmente devidos à vulgarização das ideias sobre a primeira. Sua conexão é tal que, por assim dizer, é impossível falar de um sem falar do outro. Se tivermos que ficar fora da Ciência do magnetismo, nosso quadro ficará incompleto. Por meio do magnetismo induzido, segundo O Livro dos Espíritos, há a relação entre o sonambulismo natural e os sonhos, ou seja, de acordo com essa obra pioneira da Doutrina Espírita, durante o sonambulismo, a alma pode fluir livremente, fazendo com que o corpo reaja de acordo com o que a alma vê. 

Ele espera que os sectários do magnetismo e do Espiritismo, melhor inspirados, não deem ao mundo o escândalo de discussões muito pouco edificantes e sempre fatais à propagação da verdade, seja qual for o lado em que ela esteja.

Kardec é muito fiel aos leitores e, discorrendo sobre o inimigos do Espiritismo, diz: devíamos esta profissão de fé, que terminamos com uma justa homenagem aos homens de convicção que enfrentando o ridículo, o sarcasmo e os dissabores, dedicaram-se corajosamente à defesa de uma causa tão humanitária.

Finalizando o texto, o codificador, conclui que, graças aos esforços perseverantes de muitos contemporâneos da elite parisiense, o magnetismo, popularizado, fincou pé na Ciência oficial, onde já se fala dele aos cochichos. Este vocábulo passou à linguagem comum: já não afugenta e, quando alguém se diz magnetizador, já não riem mais na sua cara.

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O Período Psicológico

Kardec traz à reflexão o fato de que o Espiritismo entrava, passados os momentos iniciais de manifestações puramente materiais, no Período Psicológico.

Discorda, todavia, que a Ciência humana estaria encerrada: muito longe disso, ainda teria muito a se desenvolver, no futuro.  

Para melhor entender o artigo, precisamos entender o significado de Psicologia no contexto de Allan Kardec e no contexto atual.

A Psicologia atual

A Psicologia, nos dias atuais, de característica terapêutica materialista, tem 3 vertentes:

Behaviorismo
Tem como objeto de estudo o comportamento. Essa teoria psicológica defende que a psicologia humana ou animal pode ser objetivamente estudada por meio de observação de suas ações, ou seja, observando o comportamento.  Os Behavioristas acreditam que todos os comportamentos são resultados de experiência e condicionamentos.

Psicologia da forma (Gestalt)
É uma doutrina da psicologia baseada na ideia da compreensão da totalidade para que haja a percepção das partes.  A proposta deste modelo é associar praticas cognitivas com as emoções e sentimentos do paciente, para que ele possa enxergar novos meios de encarar as situações difíceis da vida.

Psicologia analítica (Psicanálise)
Psicologia analítica, também conhecida como psicologia junguiana ou psicologia complexa, é um ramo de conhecimento e prática da Psicologia, iniciado por Carl Gustav Jung. Ela enfatiza a importância da psique, do inconsciente, dos arquétipos e do processo de individuação.

A Psicologia no contexto de Kardec

No contexto de Kardec, a Psicologia não tinha a característica terapêutica materialista de hoje: ela era uma ciência moral, espiritualista, inserida no contexto do Espiritualismo Racional, e seu principal objetivo era investigar e analisar as leis naturais que regem a natureza humana, inclusive de forma experimental.

Nesse contexto, a Psicologia compreendia o ser humano como um ser constituído de corpo e de alma. A alma, que sobreviveria ao corpo, era a causa primária da psique, não sendo esta um efeito apenas material de química e estímulos.

Antes de Allan Kardec, ou antes do Espiritualismo Racional, a filosofia tradicional tratou da alma de forma especulativa, por meio de sistemas criados por pensadores como Platão, Aristóteles, Leibniz e Kant. O advento da psicologia experimental abriu novo caminho: o das ciências filosóficas, que o Espiritismo vem complementar. Nas palavras de Allan Kardec:

O Espiritismo, a seu turno, vem dar a sua teoria. Ele se apoia na psicologia experimental; ele estuda a alma, não só durante a vida, mas após a morte; ele a observa em estado de isolamento; ele a vê agir em liberdade, ao passo que a filosofia ordinária só a vê em união com o corpo, submetida aos entraves da matéria, razão pela qual muitas vezes confunde causa e efeito

 Allan Kardec – R.E. – Maio de 1864

A psicologia é a ciência que estuda os processos mentais (sentimentos, pensamentos, razão) e o comportamento humano. Deriva-se das palavras gregas: psiquê, que significa “alma” e logia, que significa “estudo de”.

E de que forma o Espiritismo estuda a alma? Através dos fenômenos espíritas que, contudo, não são mais estudados apenas pelo entretenimento ou pela curiosidade, mas, justamente, com o fim de investigar as leis naturais que regem a natureza humana!

E por que tudo isso acabou?

O fim do período psicológico, ou, antes, o crepúsculo das Ciências Filosóficas, segundo Paulo Henrique de Figueiredo, se deu por conta da união do poder da Igreja com o Estado Ditatorial, que eram hostis ao esclarecimento da sociedade e contra a doutrina liberal defendida pelo Espiritualismo Racional.

Importa dizer: o liberalismo nesse contexto não diz respeito a uma liberdade desenfreada, fruto do egoísmo, mas sim a uma liberdade conduzida pela razão e iluminada pela consciência.

Aliado a isso, um forte movimento materialista começa a se levantar na Alemanha, por volta de 1860, e acaba por invadir a França, onde destitui as Ciências Morais da cátedra oficial.

E no Brasil? O Espiritualismo Racional, que formou a primeira escola filosófica estabelecida no país e que chegou a ser implantado na estrutura curricular de ensino, também se deparou com

 […] condições adversas que os primeiros indivíduos conscientes da teoria original enfrentaram quando pretenderam criar um movimento espírita brasileiro. Uma Igreja combativa, lutando para manter seus privilégios e o poder que se esvaía desde o Segundo Império. E uma corrente científica materialista, embalada pelos pensamentos retrógrados de Comte e dos fisiologistas alemães, como Vogt, Moleschott, Virchow e Büchner. A corrente espiritualista racional, bravamente defendida pela liderança de Gonçalves de Magalhães e Porto-Alegre, que se tornaram divulgadores do magnetismo animal e depois do Espiritismo, apesar de contagiar professores e estudantes de seu tempo, logo foi silenciada e esquecida. Em realidade, não foi possível estabelecer em nossas terras o cenário favorável que Kardec encontrou na França

Paulo Henrique de Figueiredo – Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo

O resultado disso tudo é o que vemos hoje: uma sociedade totalmente materialista, voltada aos prazeres da carne e esquecida da espiritualidade, amedrontada ante a vida e desesperada ante o túmulo!

O que esperar para o futuro?

Apenas o melhor, porque, da mesma forma que o Espiritualismo Racional nasceu em oposição ao materialismo da época, vivemos agora um fervilhar de iniciativas como a nossa e ainda melhores, que, com certeza, produzirão, em alguns anos, frutos importantíssimos para esta época de mudanças que atravessamos!

Lembra Kardec, com o que encerramos o artigo:

Esses excessos, entretanto, têm a sua utilidade, a sua razão de ser. Eles assustam a sociedade, e o bem sai sempre do mal; é preciso o excesso do mal para fazer sentir a necessidade do melhor, sem isto o homem não sairia de sua inércia

(KARDEC, [RE] 1868, p. 201)




O Sr. Home II

revista espírita março 1858

O Sr Home já havia sido citado por Allan Kardec na edição da Revista Espírita do mês de fevereiro. Kardec parece manter uma afeição grande pela mediunidade e características pessoais do Sr. Home. Nele, vemos um homem dotado de uma faculdade surpreendente. É um jovem de 24 anos, estatura mediana, louro e cuja fisionomia melancólica nada tem de excêntrica; é de compleição muito delicada, de costumes simples e meigos, de caráter afável e benevolente, sobre o qual o contato das grandezas nem lançou arrogância nem ostentação. Dotado de excessiva modéstia, jamais faz alarde de sua maravilhosa faculdade.

Leia a Revista Espírita que aborda o primeiro artigo sobre o Sr. Home clicando AQUI!

O Sr. Home é um médium de diversas faculdades com destaque para as de fenômenos físicos e manifestações inteligentes que, por não ser escrevente, as respostas dos Espíritos são dadas por batidas vibradas.

O que chama a atenção do Sr. Home a despeito de sua mediunidade é que nele a faculdade está desenvolvida de modo excepcional. Sob a influência do Sr. Home fazem-se ouvir os ruídos mais retumbantes e todo o mobiliário de uma sala pode ser revirado e os móveis amontoados uns sobre os outros. Além disso, ele próprio gravita sem se aperceber do fato.

Outro dom notável de todas as suas manifestações produzidas é o das aparições, razão por que nelas mais Kardec insistiu rm comentar, à vista das graves consequências daí decorrentes e da luz que elas lançam sobre uma porção de outros fatos. O mesmo se dá com os sons produzidos no ar; instrumentos de música que tocam sozinhos, etc.

Kardec arremata o artigo falando que a religião nos ensina a existência da alma e a sua imortalidade; o Espiritismo dá-nos a sua prova viva e palpável, não mais pelo raciocínio, mas pelos fatos e que a Doutrina Espírita nos mostra a felicidade na prática das virtudes evangélicas; ela lembra ao homem os seus deveres para com Deus, para com a Sociedade e para consigo mesmo. 

Em nova investida, Kardec conclui que:

“Ajudar na sua propagação (do Espiritismo) é desferir um golpe mortal na chaga do cepticismo que nos invade como um mal contagioso. Honra, pois, aos que empregam nessa obra os bens com que Deus os favoreceu na Terra!”




Fluido Cósmico Universal – Princípios Gerais

Allan Kardec foi, acima de tudo, um estudioso. Logo no começo capítulo do Livro dos Espíritos (Capítulo II – Dos Elementos Gerais do Universo, 2. Espírito e Matéria item 27.), aparecem termos novos como Fluido Universal, ou FLUIDO CÓSMICO UNIVERSAL. É sobre ele que pretendemos tratar aqui.

De antemão recomendamos ao leitor o estudo da obra Mesmer: a ciência negada do magnetismo animal, de Paulo Henrique de Figueiredo.

O Fluido Cósmico Universal é uma hipótese que explica muito dos manifestações e fenômenos espirituais, por isso seu entendimento é tão importante para o estudante da Doutrina Espírita. No seu último livro, A Gênese os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo , Allan Kardec concluiu toda a Doutrina Espírita. Nela tem um capítulo todo dedicado aos Fluídos, capítulo XIV. Sugiro a Edição nova da FEAL por conter uma tradução mais fiel a primeira edição de Kardec de janeiro de 1868. Vale a leitura. (Nota: As edições publicadas atualmente no Brasil são de A Gênese da 5ª edição francesa em diante, que adulterada por um antigo auxiliar envolvido com outras ideias.)

O Fluído Cósmico Universal foi descrito pela primeira vez por Frans Anton Mesmer, em 1784. Ele era um médico alemão que viveu entre 1734 e 1815. Ele desenvolveu a Teoria do Magnetismo Animal.

Em 1775, após muitas experiências, Mesmer reconhece que pode curar mediante a aplicação de suas mãos. Ele declara: “De todos os corpos da Natureza, é o próprio homem que com maior eficácia atua sobre o homem”. A doença seria apenas uma desarmonia no equilíbrio da criatura, opina ele. Mesmer, que nada cobrava pelos tratamentos, preferia cuidar de distúrbios ligados ao sistema nervoso. Além da imposição das mãos sobre os doentes, para estender o benefício a maior número de pessoas, magnetizava água, pratos, cama, etc., cujo contato submetia os enfermos.

Artigo da FEB

Sua teoria é de que todos os fenômenos da natureza tem origem em um único principio, A matéria originária de todo universo: o Fluído Cósmico Universal, por quê? Porque todos os fenômenos se explicam a partir dele.
E como ele explica?

Ele vai conceber a hipótese de que a natureza funciona por meio de estados de vibração. Cada estado do Fluído Cósmico Universal, que é por onde há a vibração, teria graus de sutileza. E a vibração de cada um desses graus resultariam em fenômenos diferentes. Ele falava de que seriam ondas eletromagnéticas só que em outras palavras… O “probleminha” é que ainda não havia estudo sobre ondas eletromagnéticas ainda, nem se sabia se existiam… Na época, século XVIII, eles acreditavam que não existia nada entre as moléculas. O Fluido seria por onde o transmissão acontece.

Nota: Magnetismo é a denominação dada aos estudos dos fenômenos relacionados com as propriedades dos imãs. Os primeiros fenômenos magnéticos foram observados na Grécia antiga, em uma cidade chamada Magnésia. Os primeiros estudos realizados nessa área foram feitos no século VI a.C. por Tales de Mileto, que observou a capacidade de algumas pedrinhas, que hoje são chamadas de magnetita, de atraírem umas às outras e também ao ferro. Já a primeira aplicação prática do magnetismo foi encontrada pelos chineses: a bússola, que se baseia na interação do campo magnético de um imã (a agulha da bússola) com o campo magnético terrestre. No século VI, os chineses já dominavam a fabricação de imãs. Os estudos sobre o magnetismo somente ganharam força a partir do século XIII, quando alguns trabalhos e observações foram feitos sobre a eletricidade e o magnetismo, que ainda eram considerados fenômenos completamente distintos. Essa teoria foi aceita até o século XIX. Os estudos experimentais na área foram feitos pelos europeus. Pierre Pelerin de Maricourt, em 1269, descreveu uma grande quantidade de experimentos sobre magnetismo. Devem-se a ele as denominações polo norte e polo sul às extremidades do imã, bem como a descoberta de que a agulha da bússola apontava exatamente para o norte geográfico da Terra. A grande revolução nos estudos do magnetismo foi feita por Oesterd, em 1820. Ele descobriu que fenômenos elétricos e magnéticos estão inter-relacionados. De acordo com essa teoria, denominada eletromagnetismo, cargas elétricas em movimento geram campo magnético, e campo magnético em movimento gera corrente elétrica. Esses estudos foram finalizados por Maxwell que estabeleceu bases teóricas sólidas sobre a relação entre o campo elétrico e o magnético, ou seja, as ondas eletromagnéticas.

Dr. Mesmer acreditava que o MAGNETISMO ANIMAL, ou seja, do princípio vital, era força natural invisível possuída por todos os seres vivos/animados (humanos, animais, vegetais, etc.). Ele acreditava que tal força poderia ter efeitos físicos, incluindo propriedades de cura. Essa teoria é conhecida como MESMERISMO.

Ele dizia que a matéria mais densa está “vibrando” as ondas materiais através do fluido.

Vamos exemplificar, para ilustrar: imaginem o vento/pressão fazem ondas da água; depois as ondas do ar, um pouco mais sutis que a da água, resultariam no fenômeno do som; ondas mais sutis geram o fenômeno da luz, que seria, para ele, a vibração da matéria num estado mais sutil ainda. É o máximo que conseguimos observar.
Então, Mesmer vai conceder uma hipótese: depois do fluido da luz, teria algo ainda mais sutil, que receberia a vibração de nossos pensamentos e de nossa vontade. E esses vibrações de pensamentos e vontade, então, se estenderiam por todo o Universo a partir de um foco que é cada um de nós. E que o sistema nervoso de outros indivíduos poderiam interpretar esse pensamento.

Observação: Hoje se sabe que a luz é um tipo de onda eletromagnética visível, formada pela propagação em conjunto de um campo elétrico e um magnético. Como é característico da radiação eletromagnética, a luz pode propagar-se através de diversos meios e sofrer alterações de velocidade ao passar de um meio de propagação para outro. A luz pode propagar-se no vácuo com velocidade de aproximadamente 300 mil km/s. As frequências de luz que são visíveis ao olho humano são chamadas de espectro visível, essas ondas têm comprimentos entre 400 nm 700 nm. Ondas eletromagnéticas que apresentam frequências menores que a da luz visível são chamadas de infravermelho, enquanto as que apresentam frequências maiores são chamadas de ultravioleta. Na época de Mesmer não havia esse entendimento, ainda… Eles acreditavam que sempre havia um fluido, como fluido magnético, fluido elétrico, fluido clórico, etc. e a teoria vigente era mecanicista, ou seja, tudo era transmitido de uma molécula a para outra.

Dr. Mesmer realizou uma serie de experimentos com aplicações de suas mãos para cura das pessoas. Ele percebeu que seus pacientes, quando despertos, influenciavam a percepção na hora da cura. Ele, então, imaginou o seguinte: se eu colocar esse paciente em estado de sono, adormecendo o corpo (seria nossa hipnose de hoje), ele começaria a perceber a sutileza da vibração do pensamento dos outros. Essa foi a forma dele explicar a lucidez sonambúlica por esse método. Ele vai conceder a existência de um 6o. Sentido, que, para ele, estaria no nosso sistema nervoso(não pensava que era algo espiritual). Ele também vai perceber estados de vibração acima da luz, seria estado de vibração do fluido cósmico universal que teria ondas de pensamento. O Fluído é o meio por onde o pensamento da vontade da cura alcançava o paciente.

Mesmer diz assim: por isso que eu, somente pensando na pergunta, o sonâmbulo, que está percebendo tudo por meio do sexto sentido, capta meu pensamento.

Citação de Paulo Henrique de Figueiredo em palestra para o Canal Espiritismo Para Todos em 01/02/2021

A hipótese de Mesmer foi que a matéria é a mesma em estados diferentes. E quem age na matéria é o movimento deste sexto sentido a partir do nosso sistema nervoso.
Mesmer falou de condições da matéria muito quintessenciada, mais sutil, onde o pensamento pode agir. Isso seria o mundo espiritual só que ele, na época, não usou o “mundo espiritual” para explicar…
Ele sabia que num determinado ponto era tão sutil a matéria que era possível o pensamento agir lá.

Quando ele fazia as curas ele estava conversando com o eu fora da matéria. “Ele conversava com o Espírito, por pensamento. Era muito avançada sua proposta.”

Kardec diria sobre Mesmer.

Lá pela década de 1850, cerca de 70 anos depois, Allan Kardec começou seus estudos. Ele não teve acesso a toda obra de Mesmer, mas os Espíritos sabiam, conheciam e dialogavam sobre o princípio de Mesmer com ele. Os Espíritos vão explicar que não é um órgão da fisiologia do corpo que percebe as vibrações do pensamento, mas sim nosso Períspirito( que é um meio do qual o Espírito pode se comunicar com o corpo). Kardec, então, desenvolveu a hipótese de que o Espírito quem ativa o fluido através do pensamento-vontade e o movimenta. Seria o princípio inteligente.

Então tem uma diferença de Mesmer que concebeu uma Hipótese e o Espiritismo que trabalha a partir da observação dos Espíritos da realidade do mundo espiritual.

Mesmer nunca pensou em períspirito. Ele não podia “inventar” alguma coisa tão longe assim. Ele imaginava que era o sistema nervoso que percebia as vibrações do pensamento. Nunca que seria um fluido perispiritual de um princípio espiritual não pertencente ao mundo material. Kardec, então, explicava os fenômenos a partir dessas hipóteses de Mesmer quanto a matéria. E os Espíritos vão explicar a Kardec que não,  “o nosso pensamento vibra realmente uma matéria, mas essa matéria não pertence ao nosso universo “. Essa matéria é espiritual.

Então, os Espíritos explicaram assim: nós temos 3 coisas no Universo: Deus, matéria e Espírito. A matéria é inerte, e estaria representada pelo Fluido Cósmico Universal, por ela ser inerte, ela não tem forma nenhuma. Para que surja uma forma, alguém tem que pensar. Então o Espirito, na sua condição mais simples, quando ele pensa( ou tem vontade), a forma que surge na matéria é da mais simples partícula.

E o que é essa unidade do Fluido Universal? Ela é como se fosse o pensamento de Deus. Mas como Deus criou em todos os tempos, tem Espíritos de toda escala evolutiva: tem os seres que vivem no reino vegetal, no Reino animal, tem os Espíritos humanos que vão desde o simples ignorante até o Espirito puro, tudo isso concomitante.  E entre nós, Espíritos em processo evolutivo, nenhum é igual ao outro. Se um indivíduo, com suas características, vai refletir aquilo que é, que é diferente do que outra forma de outro encarnado, com outras virtudes, outras habilidade, e assim por diante. Cada um completamente diferente dos outros, em virtude das escolhas e conhecimentos que fez. De tal forma que nós apresentamos a mais absoluta variedade. E tudo dentro do Fluido Cósmico Universal.

Então, o mundo espiritual é invisível, obscuro, imponderável (não conseguimos medir).
Nós não possuímos as bases do mundo invisível e espiritual… Não sabemos do é feito…

O futuro nos reserva o conhecimento de novas leis, que nos permitirão compreender o que continua sendo um mistério.
Pode ser que o Eletromagnetismo explique muito do que Mesmer teorizou e depois Allan Kardec explicou com sua hipótese?

SIM!!!

Mas pode ser que o futuro nos diga que esse mecanismo seja todo diferente disso…

Fonte: Kardec, Allan, GÊNESE – Os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo, capítulo XIV – Fluídos, capítulo III, capítulo I; Kardec, Allan Livro dos Espiritos questão 223 e seguintes; Palestra proferida por Paulo Henrique de Figueiredo em 01/02/2021; Canal Espiritismo Para Todos, Estudo da Gênese por Allan Kardec; FEB – https://www.feeb.org.br/index.php/institucional/artigos/372-biografia-de-mesmer ; Figueiredo, Paulo Henrique Mesmer. A ciência negada do magnetismo animal ; https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/2/o-livro-dos-espiritos/64/parte-primeira-das-causas-primarias/capitulo-ii-dos-elementos-gerais-do-universo




Karma e Espiritismo

Karma e Espiritismo são como água e óleo: não se misturam. Cuidado com as pessoas que pregam a doutrina do karma dentro do meio espírita, pois o entendimento da Doutrina Espírita vai no sentido oposto: não estamos encarnados para pagar nada a ninguém, porque não devemos nada a ninguém, muito menos a Deus!

Encarnamos para vivenciar nossas escolhas e com elas aprender, através de provas e dificuldades, mas também através de abençoadas oportunidades, qual é a de ter o contato com o Espiritismo, que alavanca nosso progresso em muitos degraus, quando bem entendido e vivenciado.

Tudo faz parte de escolhas nossas, inclusive, na maior parte das vezes, a nossa forma de morrer. Mas, nisso, não há Karma. “Mas Paulo, fulano disse que as pessoas morreram queimadas na Boate Kiss porque mataram outras queimadas em outras vidas!”

Sinto dizer, mas fulano está quase totalmente errado. Que Deus seria esse, que castiga a ignorância na mesma moeda, à moda de Talião, em uma forma que nada ensina a ninguém? Isto posto, quero dizer: sim, existem Espíritos que ESCOLHEM castigos, seja durante a vida, seja na forma de morrer, por ACREDITAREM no karma e não saberem lidar com a culpa sobre seus erros. Veremos isso em O Céu e o Inferno, Segunda Parte, Capítulo VIII: tendo matado sua esposa emparedada, na vida precedente, mesmo tendo sido por ela perdoada, PLANEJOU uma morte horrível a fim de tentar se livrar dessa culpa. Vejam: planejou! E precisava? Não, porque na vida atual, foi bom homem, ou seja, buscou APRENDER a ser uma pessoa melhor.

Entende? Não estamos aqui para pagar dívidas, mas para aprender a sermos Espíritos mais felizes, através do abafamento de nossas imperfeições através do aprendizado! E isso, muitas vezes, é feito através de duras penas, inclusive no contato difícil com uma pessoa a quem, no passado, fizemos algum mal, e que, ainda sofrendo seus efeitos, tentamos auxiliar em uma nova encarnação. Mas, vejam: é questão de escolha consciente.

É nesse sentido que a Terra está deixando de ser um planeta de provas e expiações para ser um planeta de regeneração, pois a expiação consiste justamente no tipo de escolha de Antonio B, ou do assassino Lemaire (capítulo VI), enquanto que Espíritos melhor esclarecidos escolhem não apenas sofrer na pele, mas, sim, oportunidades melhores de aprenderem. E, junto a isso, chegamos ao tema da educação proposta por Pestalozzi, a cada dia mais tão necessária e importante.

Portanto, chega de se culpar. É claro: se fizemos um mal que ainda existe no momento em que nossa consciência desperta sobre ele, busquemos, sim, repará-lo, mas através do trabalho, e não da auto-flagelação. E isso vale para qualquer momento, seja na carne, seja na erraticidade. O que realmente importa é aprender, desenvolver melhores hábitos, desenvolver em si a humildade e a caridade. Isso sim interrompe o ciclo do mal e da dor.




O Livro dos Espíritos é a “Bíblia dos Espíritas”?

Hoje cedo me deparei com exatamente essa opinião, em uma discussão em certo grupo do Youtube. Compreensível que muitas pessoas a tenham, por não entenderem o que é o Espiritismo, mas inquestionável que só pode emiti-la aquele que não se dedicou a ler, sequer, a introdução de O Livro dos Espíritos – que dirá as demais obras de Allan Kardec. Mas, antes de adentrar por tais caminhos, vamos aqui fazer uma introdução explicativa ao assunto.

A Bíblia

Em primeiro lugar, é preciso compreender o que é, de fato, a Bíblia: um compêndio doutrinário constituído de histórias, afirmações e opiniões do homem a respeito da divindade e da Espiritualidade. Não podemos objetar, porém, que não tenha sido adulterado em diversos pontos pelos interesses pessoais e de grupos diversos, como o fez a Igreja Católica Romana em episódios historicamente conhecidos. Assim, em resumo, é uma obra repleta de muita moralidade, mas também permeada de erros humanos por toda a parte, inclusive introduzidos por uma interpretação anacrônica tanto da história, como da cultura e da língua original. Sabemos, hoje, que sobretudo no Velho Testamento, mas também no Novo Testamento, a linguagem era repleta de neologismos e figuras que, para aquele povo, naquela época, faziam todo sentido.

Há, ainda, uma enorme diferença entre os dois livros que compõem a Bíblia – O Velho Testamento e O Novo Testamento – posto que, entre eles, há um espaço de séculos que introduziram nova mentalidade na humanidade. No primeiro momento, os “textos sagrados” são repletos de ideias ainda mais atrasadas e permeados de leis e afirmações humanas, inaceitáveis nos dias atuais, que, naquele tempo, tinham a finalidade de legislar com poderes divinos sobre um povo que não tinha a menor capacidade de entender conceitos que, mais tarde, seriam aceitáveis. Já o Novo Testamento carrega um enorme conteúdo moral, inatacável em sua essência, ensinado e exemplificado por um Espírito Puro, conhecido por nós como Jesus. Kardec, em O Evangelho Segundo o Espiritismo, se ocupa apenas do Novo Testamento, por seu grau de elevação, deixando o Velho Testamento de lado.

A grande questão é que, através dos tempos, com adulterações ou não, a Bíblia, em seu todo, foi sempre utilizada como “palavra da salvação”, que deveria ser obedecida cegamente. Justamente aí as religiões encontraram largo campo para disseminarem as suas ideias próprias, introduzindo os diversos dogmas que, em verdade, não estavam lá, a fim de comandarem seus fieis segundo seus interesses políticos e materiais particulares.

O Espiritismo

Diferentemente da Bíblia, que nasceu de relatos e histórias de poucos homens, a teoria espírita, que constitui uma Ciência Filosófica, nasceu da observação racional dos fatos espalhados sobre todo o globo e por todos os tempos. É justamente sob essa autoridade que Kardec vê espaço e necessidade de buscar trazer à compreensão espírita os fatos ou as histórias narrados na Bíblia. O estudo aprofundado do Espiritismo nos demonstra, como sempre, que Allan Kardec não pode ser considerado “pai” ou “profeta” do Espiritismo, como nenhum outro poderia, pois sua qualidade foi apenas a de um pesquisador, como tantos outros, que, frente a uma “nova” descoberta, se coloca a analisá-la com paciência, persistência e método, juntando as peças de um quebra-cabeças para compor uma imagem que, em suas peças separadas, não pode ser compreendida ou que não faz sentido algum.

O Livro dos Espíritos foi a primeira obra por ele concluída, nascida de um vasto estudo sobre as diversas mensagens espirituais obtidas antes e após o início de seus estudos. Ainda assim, entre a primeira edição e a segunda há enormes diferenças, sobretudo em conceitos que foram posteriormente investigados mais a fundo e complementados ou corrigidos. Mas como Kardec realizava tal estudo?

O Estudo Metodológico do Espiritismo

O mundo dos Espíritos não pode ser vislumbrado como nós vemos o nosso mundo. Ele não produz os efeitos que em nossos sentidos produzem a matéria densa que constituem o nosso mundo: o ar, invisível aos olhos, através do vento é sentido pelo tato; o sabor é sentido pelas papilas gustativas; a luz é captada pelos olhos e processada pelo cérebro. Contudo, o mundo dos Espíritos só pode ser perebido por sentidos especiais, que constituem aquilo que chamamos mediunidade.

Na mediunidade existem diversos tipos de sentido – para fazer uma aproximação com o mundo que entendemos – e que dão, aos seus “portadores”, as capacidades de sentir e de se comunicar, ou de dar comunicação, aos seres que constituem esse mundo, sendo que esses seres são os Espíritos, mais ou menos libertos da matéria e mais adiantados e superiore ou bastante atrasados e inferiores. Através das mediunidades, podemos constatar a existência de algo acima do mundo material, de uma inteligência que sobrevive à matéria, sendo que algumas delas, como diversos pesquisadores, além do próprio Kardec, se mostram de forma apenas questionável pelo pior dos orgulhos, tais como são a mediunidade de efeitos físicos e o sonambulismo. A primeira obtem efeitos físicos sem grande extensão moral, enquanto que, na segunda, o conteúdo moral é muitas vezes vasto, totalmente fora das capacidades e dos conhecimentos do médium que a transmitem. Mas reservaremos esse assunto a outro artigo.

Importa dizer que era sobretudo nos médiuns sonambúlicos e nos psicógrafos mecânicos que Kardec mais buscava as comunicações, por percebê-las mais ricas e menos suscetíveis aos conteúdos próprios. Ainda assim, como pesquisador, Kardec sabia muito bem que não podia confiar apenas na opinião de um ou outro médium ou um ou outro Espírito: precisava buscar na generalidade e na concordância dos ensinamentos dos Espíritos a base inabalável da Doutrina Espírita:

Generalidade e concordância no ensino, esse o caráter essencial da doutrina, a condição mesma da sua existência, donde resulta que todo princípio que ainda não haja recebido a consagração do controle da generalidade não pode ser considerado parte integrante dessa mesma doutrina. Será uma simples opinião isolada, da qual não pode o Espiritismo assumir a responsabilidade.

Essa coletividade concordante da opinião dos Espíritos, passada, ao demais, pelo critério da lógica, é que constitui a força da doutrina espírita e lhe assegura a perpetuidade.

Allan Kardec – A Gênese

E não poderia ser diferente, afinal, do ponto de vista do pesquisador, o mundo dos Espíritos é inatingível e impossível de ser sondado e analisado. Façamos um breve esforço de imaginação: digamos que, querendo nos mudar para outro país, sem que o conheçamos, queiramos colher o máximo de informações a respeito desse lugar e do seu povo. Digamos que não tenhamos acesso à Internet e que dispomos apenas do meio telefônico. Pegamos um número de um habitante desse país e ligamos para ele – claro, pensamos que ambos falam uma mesma língua – a fim de obter um relato desse lugar: como são as pessoas lá? São boas ou más? Há violência ou não? Poderei contar com apoio ou não? Bem, é fácil se supor que o relato dessa única pessoa estará alinhado com sua capacidade de percepção cultural, política, educacional, histórica, social e mesmo com suas tendências e concepções próprias. Pode ser, aliás, que tenhamos inadvertidamente ligado para um criminoso, sem que o saibamos. Vamos, então, fiar nossa decisão ou nossa concepção daquele povo através de apenas um único relato? É claro que não: precisamos, nesse quadro, ligar para muitas outras pessoas, analisar obras bibliográficas e artísticas produzidas por seus habitantes, etc.

É exatamente o mesmo que Allan Kardec realizou, analisando incontáveis comunicações obtidas de todos os lados, por incontáveis médiuns e por incontáveis Espíritos, tirando, disso tudo, conclusões racionais e lógicas, postulados e, às vezes, teorias científicas, que somente estudos futuros poderiam sancionar ou derrogar.

Conclusão

Poderíamos, verdadeiramente, passar horas e horas falando muito mais sobre os estudos de Allan Kardec, mas o fato é que já existe muito material a respeito disso, sobretudo na obra do próprio Kardec que, como sempre demonstrava, não tinha um conteúdo nascido de suas próprias ideias. Deixamos ao leitor essa busca necessária. Nos limitamos a encerrar este artigo, depois de toda essa abordagem anterior, demonstrando que o Espiritismo não uma religião e que, como Ciência é uma Doutrina que apresenta seus estudos e suas conclusões, de forma racional e lógica, e deixa a cada um a tarefa que raciocinar por si mesmo sobre todo o conteúdo apresentado. Ora, como mesmo as Ciências Modernas, tão bem estabelecidas, encontram seus dissidentes com suas ideias mais absurdas, o Espiritismo não poderia esperar menos. Ainda assim, é questão de liberdade de cada um.

Nós, espíritas, acreditamos no Espiritismo não por medo ou imposição, mas, sim, porque compreendemos de forma natural a racionalidade contida nessa Doutrina Científica. Acreditamos na reencarnação não por provas incontundentes, mas por uma racionalidade incontundente; acreditamos na existência dos Espíritos e na sua comunicação conosco também pela razão, mas também pela seriedade dos pesquisadores que já se lançaram a estudar as manifestações com grande cuidado e que, por si próprios, constataram provas irrefutáveis de tal existência; mas não acreditamos de forma cega nos ensinamentos dos Espíritos, muito menos em qualquer suposto fenômeno. O próprio Kardec asseverava: O Espiritismo deve andar de mãos dadas com a Ciência. Se, um dia, esta desmentir alguns postulados de sua Doutrina, devemos abandoná-los e ficar com a Ciência. Ora, pelo contrário, a Ciência Moderna vem a cada dia mais se aproximando e dando confirmação aos postulados espíritas, assim como a Ciência do século XIX e início do século XX o fez.