O Suicida da Samaritana

Nesse artigo, Kardec faz a evocação de um Espírito que havia cometido o suicídio do corpo apenas 6 dias antes. Conforme se pode verificar no texto original, esse homem não foi reconhecido por ninguém, tendo sido enterrado como indigente. É possível levantar várias considerações sobre esse artigo.

“O telefone só toca de lá pra cá”

A primeira dessas considerações, colocaríamos, é a respeito da própria evocação: numa época em que reina o mote “o telefone só toca de lá pra cá”, que tem um fundo de razão, mas que é repetido de forma irrefletida por tantos, nos deparamos com a base doutrinária do Espiritismo, erigida em grande parte sob evocações – ou seja, o telefone também toca daqui pra lá. Apenas que, como num telefone, quem vai atender e se vai atender é o problema da questão, sempre abordado por Kardec.

O sofrimento do suicida

É importante entender que o Espírito do suicida não sofrerá castigos divinos por um pecado cometido – não dessa forma. Qualquer Espírito sempre terá o perdão e novas chances, pois tudo parte da ignorância relativa a Espíritos em evolução.

Existem infinitas variantes entre cada caso, do que resulta que existem infinitos efeitos relacionados a cada caso, porque, essencialmente, tais efeitos estarão ligados à mentalidade geral do Espírito que comete o suicídio. Enquanto alguns se jogarão num verdadeiro inferno, por acreditarem terem cometido pecado, outros poderão até se verem aliviados, num primeiro momento – porque depois, quando realmente entender tudo, muito provavelmente lastimará a vida desperdiçada.

De qualquer forma, conforme atesta São Luis, compreendemos que o primeiro efeito para todo suicida – ou, pelo menos, para a maioria deles – haverá uma grande dificuldade para se desligar do corpo, dada a violência do ato, seu estado mental e o fato de o corpo ainda estar saturado de vitalidade. Isso, contudo, é apenas o que podemos afirmar de momento, com base no que entendemos do artigo, pois, realmente, é um assunto que requer desenvolvimento e maiores investigações.

Também é importante destacar que o Espírito não sofre nenhum tipo de dor física. É sempre sua moral, sua consciência, que externaliza e coloca em fatores externos a dor que está, na verdade, dentro de si mesmo. O suicida (como outros Espíritos), portanto, poderá afirmar sofrer de frio ou sede, quando, na verdade, ele está sofrendo moralmente, e não fisicamente. Na verdade, nós mesmos fazemos isso, com a diferença que, através dos processos psicossomáticos, podemos desenvolver danos ou doenças reais no corpo físico.

É por isso que, quando entramos em contato com qualquer Espírito em sofrimento, podemos e devemos travar conversação natural e sadia com ele, esclarecendo sobre tais pontos. É de enorme ajuda para eles entenderem que o sofrimento é moral, interno, e não externo e imposto.

O vale dos suicidas

De forma curta e grossa: não existe “o” vale dos suicidas, assim como não existe “o” inferno. É importante que o Espírita aprenda a tirar de seu imaginário esse tipo de conceito e, sobretudo, de espalhá-los para outro, pois bem sabemos que, como Espírito não muito esclarecido, nós buscamos ambientes e outros Espíritos que estejam de acordo com a nossa mentalidade que, aliás, plasmam em conjunto esses ambientes de sofrimento. Portanto, quando um Espírito sofredor fala que está “no” inferno, age como um encarnado que, numa situação muito difícil para ele, se expressa da mesma forma, com a diferença que o Espírito plasma, sozinho ou em conjunto, o seu próprio inferno.

Uma vez mais, é muito importante buscar esclarecer tais Espíritos, quando em contato com ele.

Sobretudo, é importante lembrar que não existe tão conexão fatídica entre um suicídio e o exílio do Espírito em um “vale”, como uma penalidade.

Os efeitos do suicídio sobre a encarnação seguinte

Há algo muito errado no meio espírita em geral, atualmente, e que não é doutrinário – na verdade, é algo antidoutrinário, nascido da falta de estudo da Doutrina: é fazer as deprimentes afirmações de que tal indivíduo nasceu sob tais provas ou deformações porque na vida anterior fez isto ou aquilo.

No caso em particular, sobre o suicídio, há uma terrível afirmação feita por aí: a de que o indivíduo que hoje tem problemas físicos assim o é porque estaria “resgatando” um suicídio cometido na vida anterior. Irmãos, essa afirmação é criminosa, porque:

  1. Afasta as pessoas que, sofrendo na pele ou tendo uma pessoa querida nessas situações, se sentem (com razão) ultrajadas por esse tipo de afirmação.
  2. É falaciosa, porque não se baseia na realidade: nós sabemos, sim, que para todo efeito existe uma causa, mas não nos cabe sondar as provas de cada um, tanto por imposição da caridade, que devemos praticar, quanto porque um Espírito pode escolher um corpo deformado não só como prova, a fim de tentar se livrar de uma imperfeição, mas também como missão frente a outros Espíritos ou também como oportunidade de aprendizado de outras virtudes que ainda sinta necessidade de exercitar. De qualquer forma, é sempre uma escolha consciente do Espírito, não o efeito de uma mecânica divina de pecado e castigo. Notemos, aliás, que em todas as comunicações espirituais estudadas até agora, eles sempre asseveram, mesmo para o caso do louco monomaníaco, que a prova é o resultado de uma escolha prévia e pessoal.

O suicídio não se combate pelo medo

Lembramos, enfim, que o suicídio jamais será combatido pela imposição do medo de um sofrimento, mas, sim, através do esclarecimento. Apresentemos a tais indivíduos a essência do Espiritismo. Tentemos levá-los ao seguinte raciocínio:

Dores e alegrias são passageiras, relativas à vida encarnada. A felicidade, que é o que realmente buscamos, somente será atingida após deixarmos para trás nossas imperfeições – já que, por exemplo, alguém muito preocupado, ou muito ansioso, ou muito raivoso, ou muito ciumento, ou muito orgulhoso, ou muito sensual, etc, não consegue ser realmente feliz. Para tanto, no plano espiritual, ao ficarmos cientes de nossas imperfeições, planejamos vidas com oportunidades e com dificuldades, às vezes bastante pesadas, que, ao nosso julgamento, poderão nos ajudar a vencer tais imperfeições. Portanto, desistir de uma vida, com a extinção da própria vida corpórea, não resultará em nenhum avanço, pois, não havendo aproveitado justamente a prova difícil para o aprendizado, não teremos nos aperfeiçoado e, portanto, precisaremos – por nossas próprias vontade e constatação – reiniciar uma nova vida, carregando um fardo talvez ainda maior, pela sensação de culpa causada pela desistência e, quem sabe, pelos efeitos funestos que tal ato pode causar nos Espíritos encarnados que nos cercam.

Ninguém está dizendo que é fácil. Cada um sabe onde o calo aperta e, quando aperta, dói bastante. Mas precisamos aprender a separar dores físicas de dores morais, nos colocando, ante a nós mesmos e ante ao Criador, desnudos de qualquer máscara de egoísmo ou vaidade e de todas as imperfeições que destas nascem. Precisamos buscar, em cada dura prova, como também nas fartas oportunidades que nos são apresentadas, as necessidades profundas que temos de aprendizado e, não esquecendo que jamais estamos sozinhos, confiar nos bons Espíritos, que não nos abandonam, para atravessar tais momentos difíceis.

Aqui, aliás, surge um último pensamento, sustentado pelo Espiritismo: Deus não nos dá um fardo maior do que aquele que podemos carregar. Na maioria das vezes, a vida nos apresenta oportunidades que nos permitiriam aprender de forma muito mais “leve”, mas nós, quase sempre, movidos pelo orgulho, tentamos vestir uma máscara nos nos confunda de nós mesmos e, assim, escolhemos deixar de lado o caminho reto, a fim de nos enveredarmos pelos caminhos sinuosos e tortuosos das paixões (não falando aqui em amor, mas no sentimento profundo provocado pelas sensações). É assim, por exemplo, que muitos escolhem deixar de lado o estudo do Espiritismo, que tanto pode alavancar nossa evolução, para viver a vida na preguiça.

Portanto, aproveitemos as oportunidades que a vida nos oferece para nossos aprendizado e evolução. Algumas vezes, elas são espinhosas, escolhidas por nós mesmos; de outras, são campos de relva suave e macia, cheia de ensinamentos dados pelo amor. Cabe a nós reconhecê-los.

NOTA: Esta evocação está no livro O Céu e Inferno de Allan Kardec, primeiro relato do capítulo V – Suicidas , da Segunda Parte. Vale a leitura do capítulo V inteiro com vários relatos de evocações de suicidas com muitas considerações do autor.




O caminho é sinuoso, longo, pedregoso e cheio de espinhos, mas temos que trilhá-lo

Prezados amigos, irmãos que a esta iniciativa se afeiçoam,

Convidamos uma vez mais a cada um de vocês à participação ativa em nosso grupo e à disseminação das ideias essenciais do Espiritismo que, aos poucos, começam a ser redescobertas e entendidas. É do interesse e da responsabilidade de todos nós a restauração, pacífica e paciente, mas persistente e firme, das verdades originais desta Doutrina nascida da observação racional dos ensinamentos espíritas dados por toda a parte e por todos os tempos! Não mais um Espiritismo adulterado, após a morte de Kardec, a fim de dar espaço às ideias retardantes de pecado, queda e castigo, de carma, de resgates, mas a Doutrina em sua essência, baseada na constatação do livre-arbítrio, da escolha das provas e das expiações, enfim, a Doutrina que nos evidencia que nosso passo se dá em direção sempre do aprendizado e do progresso espiritual, fazendo parte dessa jornada os erros e tropeços de cada um, a mesma Doutrina que nos mostrou, em sua essência, não uma alma criada pura e que se desviou pelo pecado, um Espírito criado simples e ignorante e que, conforme vai avançando em suas experiências, através de erros e acertos, de alegrias e de sofrimentos, vai se depurando de suas imperfeições e de sua materialidade em direção à felicidade verdadeira dos Espíritos superiores, já desgarrados dessas mesmas imperfeições e materialidade através da aquisição de melhores hábitos e valores morais.

Natural, contudo, que tais ideias libertadoras e renovadoras encontrem resistência tanto na ignorância orgulhosa, fechada à reforma das ideias, quanto no conhecimento interessado em manter sob suas rédeas a classe de fiéis às velhas doutrinas. Mesmo dentro do Espiritismo as tais ideias de queda, pecado e resgate estão profundamente enraizadas, já que as adulterações vêm desde poucos meses ou anos após a morte do digno professor Rivail.

Não será à base de guerras e disputas, contudo, que desvendaremos esse caminho cheio de sarças e espinhos, mas à base da compreensão lúcida e da palavra firme mas amistosa. Guardemo-nos de perder tempo com esses que compõem as classes acima destacadas, porque uns e outros não tem o menor interesse em modificar suas ideias frente à verdade irrefutável. Para esses, apenas o tempo surtirá efeito. Invistamos nosso tempo, contudo, na classe de todos aqueles aos quais essas ideias não apenas agradem, mas aos quais sejam substanciais: os que já não veem gosto na vida, os que pensam em dela desistir, os que não compreendem um Deus vingativo, os que, enfim, não entendem os motivos das dificuldades do dia-a-dia, ou ainda àqueles que, de boa vontade, desejam estudar o Espiritismo em sua essência, a fim de transmitir, a todos que puderem, as ideias reformadoras e consoladoras dessa Doutrina em sua originalidade.

Levantemos as mangas, portanto, queridos irmãos. A inação não faz bem a ninguém. Façamos a nossa parte. Eu, autor deste texto, estou aqui, hoje, por um Espírito muito amado que me estendeu a mão no momento mais difícil da minha vida e por outro, encarnado, que insistiu em, diariamente e sem agradecimentos quaisquer, divulgar uma reflexão espírita em um grupo de WhatsApp que estava e ainda está esquecido do motivo de terem formado uma família no centro espírita que, por conta da pandemia, agora se encontra fechado.

Basta um gesto, muitas vezes, para mudar uma vida, uma opinião, e, daí em diante, iniciar um movimento. Avante, prezados, e que Deus nos ilumine a todos para que, nesse processo, não nos deixemos contaminar jamais pelo personalismo, pela vaidade, pelo egoísmo e pelo orgulho.

O caminho é sinuoso, longo, pedregoso e cheio de espinhos, mas temos que trilhá-lo e limpá-lo para as próximas gerações, das quais provavelmente voltaremos a fazer parte.




ANOMALIAS E DEFORMIDADES SOB A ÓTICA ESPÍRITA

Anomalias e deformidades diversas. Cretinismo, deficiências mentais, físicas, intelectuais. Ao questionar o porque de tais complicações físicas, no meio espírita, quantas vezes já não ouvimos: “é porque fulano está resgatando uma dívida passada”. E por quanto tempo nos confortamos com essa maldosa e caluniosa afirmação, feita de forma genérica?! Mas hoje não mais.

Após a constatação irrefutável das alterações das duas obras finais – e fundamentais – de Allan Kardec, O Céu e o Inferno e A Gênese[1], pudemos verificar que tais conceitos nunca fizeram parte da Doutrina dos Espíritos, sendo ela originalmente e essencialmente baseada no livre-arbítrio, ou seja, na capacidade de escolha de cada um. Contudo, tais ideias ainda enfrentam grande resistências, pois muitos são aqueles que vem de uma criação, inclusive espírita, que afirma os conceitos de queda, pecado, castigo, resgate, carma, etc.

O artigo de mesmo título, apresentado no Blog Letra Espírita, acerta em muitos pontos, mas traz também esse tipo de conceito (da dívida e do resgate), em certo ponto, quando se utiliza de uma afirmação de Suely C. Schubert (“O Espírito enfermo, endividado“) e também quando se utiliza de um texto de O Céu e o Inferno, baseado na 4a edição, adulterada.

Ação e Reação – o que é isso?

Uma coisa é identificar, como Kardec constatou na lei das reencarnações sucessivas, que todo efeito tem uma causa, e que, quase sempre, essa causa se encontra nas vidas anteriores. Outra coisa, muito distinta, é afirmar que toda ação moralmente negativa terá uma reação com a finalidade de castigar a ação original a fim de reparar um suposto pecado. Isso, no âmbito da Doutrina Espírita, é uma falácia. Ação e reação é uma lei material, da física, e não uma lei moral. Tanto é que não existe tal lei dentre aquelas apresentadas em O Livro dos Espíritos.

Resgate?

Infelizmente, muitos espíritas e espiritualistas modernos insistem em pregar na cabeça das pessoas que suas dores, dificuldades e tragédias atuais são “resgates” de dívidas passadas, esquecendo-se de que, se por um lado o Espírito pode se impor um sofrimento com a finalidade de vencer as imperfeições que o fizeram cair anteriormente, por outro também podem se impor duras provas que não tem nada a ver com erros passados, mas apenas como oportunidades riquíssimas para aprendizado de virtudes e para vencer aspectos relacionados a imperfeições que nada tem a ver, diretamente, com o gênero de provas escolhidas. Assim, um Espírito pode escolher a cegueira apenas para poder lidar com a necessidade de depender do auxílio de outros, e não porque tenha cegado alguém em vidas anteriores. Aliás, os porquês NÃO NOS CABE SONDAR: cabe-nos apenas sermos caridosos e auxiliar no caminho de todos.

Dívidas?

Precisamos compreender que o Espírito “endividado” não está endividado com Deus nem com qualquer lei, mas, sim, perante a si mesmo, e por acreditar-se assim (isso é muito importante). Por conta de todos termos as Leis divinas em nossas consciências – fato que nos faz Espíritos portadores do livre-arbítrio – desque não estejamos em negação, nossa própria consciência nos acusa dos erros cometidos, sobre os quais nos culpamos, bem como nos indica as imperfeições que nos causam dor moral. É assim que um Espírito que, na encarnação anterior, tenha animado um homem rico e egoísta, muitas vezes escolhe a pobreza na próxima encarnação, a fim de não se enveredar pelo caminho difícil e tão cheio de responsabilidades que as riquezas terrenas trazem.

Eu disse “acreditar-se assim” (endividado) pois, quando o Espírito realmente entende que o que houve foi um erro, natural de sua ignorância e de suas imperfeições, e que essas imperfeições e ignorância o fazem sofrer, deixa de se acreditar pecador e merecedor de castigo para se entender Espírito em evolução, buscando, então, novas provas e expiações que lhe deem oportunidade de aprender e se livrar de suas imperfeições, desenvolvendo melhores virtudes. Outrossim, também entende que todos são passíveis de erros e, então, para de se colocar na condição de cobrador e vingador. Isso é substancial, e é para isso que, essencialmente, o Espiritismo veio.

Não estamos dizendo, com isso, que não existem consequências físicas que o Espírito perturbado faça aparecerem sobre seu corpo, já que sabemos das relações psicossomáticas que guardamos com nosso corpo. Mas estamos afirmando, com base no estudo do Espiritismo em sua originalidade, que NÃO PODEMOS olhar para um indivíduo com deficiências quaisquer e afirmar que isso se dá por que ele é um Espírito “endividado”, tanto quanto NÃO PODEMOS (porque seria um erro tanto factual quanto moral) dizer a uma mãe que perdeu seu filho queimado num incêndio que “isso aconteceu porque seu filho deve ter sido um soldado no tempo de X que queimava pessoas”. Isso é terrível, causa revolta e afasta as pessoas do Espiritismo, fato sobre o qual responderemos – frente à nossa própria consciência.

Baseando-se em um erro, produz-se outro erro

Por fim, quero destacar que o artigo em questão comete o erro – provavelmente involuntário, por ausência de informação – de basear-se na versão adulterada de O Céu e o Inferno, posto que já está devidamente e inegavelmente provado que a 4a edição da obra, trazendo profundas mudanças no pensamento original, não foi encomendada senão após a morte de Kardec, sem falar que o estudo comparativo cuidadoso dessas mudanças indicam que o conteúdo foi modificado justamente de inserir os conceitos de pecado e castigo que nunca estiveram na Doutrina dos Espíritos e que, embora Kardec possa ter apresentado algum pensamento anterior no sentido dessa crença, na obra original, da primeira à terceira edição (que são as mesmas) concluia justamente no sentido oposto.

Veja, nesse sentido, as diferenças entre o original e o que consta na 4a edição:

[ORIGINAL]
“Os deficientes mentais são seres punidos na Terra pelo mau uso que fizeram de faculdades poderosas. Eles têm a alma encarcerada num corpo cujos órgãos são incapazes de expressar seus pensamentos. Esse mutismo intelectual e físico é uma das mais cruéis punições na Terra. Muitas vezes ela é escolhida pelos espíritos arrependidos que querem EXPIAR suas faltas”

[4a Edição]
“Os cretinos são seres punidos na terra pelo mau uso que fizeram de poderosas faculdades; sua alma está aprisionada num corpo cujos órgãos impotentes não podem expressar seus pensamentos; esse mutismo moral e físico é uma das mais cruéis punições terrestres; frequentemente ela é escolhida pelos Espíritos arrependidos que querem RESGATAR suas faltas”

Notem que o sentido muda totalmente quando se fala em “resgatar” e quando se fala em “expiar”. Como diz Paulo Henrique de Figueiredo,

“Para explicar as leis da alma segundo o Espiritismo, enquanto cristianismo redivivo, restaurando a verdadeira mensagem da autonomia, como o fez Jesus, Allan Kardec vai ressignificar termos como punição, arrependimento, expiação, reparação, eternidade das penas. A diferença entre punição e expiação é o ponto primordial para se compreender a teoria moral do Espiritismo. Pois, enquanto a punição é uma resposta natural a qualquer pensamento ou ato que vai de encontro à lei moral presente na consciência, a expiação se dá por um esforço consciente, voluntário e eficaz para superar a própria imperfeição, por meio da escolha das provas. As religiões ancestrais invertem o significado desses fenômenos, confundindo dogmaticamente castigo com expiação, como se fossem uma só coisa. Além disso, consideram que a punição é uma escolha deliberada de Deus e não uma consequência natural.”

Figueiredo. Nem céu nem inferno: As leis da alma segundo o Espiritismo

Também há algo muito, mas MUITO importante em praticamente TODAS as comunicações desse tipo, por parte dos Espíritos: a palavra ESCOLHA. Sim, existem provas, existem expiações e existem punições, até das mais severas, mas são sempre ESCOLHAS do Espírito. Veja que, mais à frente, na mesma mensagem, o Espírito repete:

“[…] Alguns revoltam-se contra seu suplício voluntário, lamentando tê-lo escolhido e sentindo um desejo furioso de voltar a uma outra vida, desejo que os faz esquecer a resignação com a vida presente e o remorso da vida passada que guardam na consciência”. (O Céu e o Inferno, 3a Edição)


[1] Consultar as obras O Legado de Allan Kardec, de Simoni Privato, e Nem céu nem inferno: As leis da alma segundo o Espiritismo, por Lucas Sampaio e Paulo Henrique de Figueiredo




“Tenho como saber quem eu fui em outras vidas? Como posso saber o que vim resgatar nessa minha jornada?”

Não é necessário.

O véu do esquecimento tem sua razão de ser e, muitas vezes, saber da outra vida traz mais atrapalhação do que solução. É algo que jamais uma pessoa séria fará, mas, infelizmente, existem os indivíduos mais interessados em ganhos e que, de forma irresponsável, se lançam a esse tipo de “trabalho”.

Ao observar a si próprio com um olhar bastante crítico e honesto, verificando nossas próprias imperfeições, podemos facilmente identificar aquilo que nos coloca em dificuldades frente às situações da vida, entendendo, então, que essas situações difíceis são justamente oportunidades, muitas vezes planejadas por nós mesmos, a fim de vencermos essas imperfeições e avançarmos em direção à felicidade verdadeira.

Por fim, destaco que, segundo a Doutrina Espírita, não existe “resgate”, não existe pagamento de dívidas, não existe, nesse sentido, o “carma”: o Espírito, consciente e livre, escolhe provas e expiações (e oportunidades) com a finalidade exposta acima – vencer imperfeições e adquirir virtudes – não sendo nunca, jamais, as dificuldades da vida o resultado de uma mecânica divina, conceito este ligado ao dogma da queda pelo pecado. O único Espírito que não escolhe suas provas é o Espírito em estado de negação, que ainda assim reencarna, mas que apenas vive uma vida que, por si só, frente aos conteúdos desse indivíduo, trará dificuldades e dores morais, que um dia o farão sair da negação e voltar a buscar enfrentar essas imperfeições através das escolhas conscientes.

Portanto, ao enfrentar uma prova difícil, não pense “estou pagando por algo ou resgatando algo do passado”, mas sim “é uma difícil mas importante oportunidade de aprendizado. Vou tirar dela o máximo possível”. E, para tanto, entender o Espiritismo a fundo é substancial!




Teoria das Manifestações Físicas II

Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Junho > Teoria das manifestações físicas II

A continuação das manifestações físicas

Pedimos ao leitor que se reporte ao primeiro artigo que publicamos sobre o assunto. Este é a sua continuação e seria pouco inteligível se não se tivesse em mente aquele começo.

Como dissemos, as explicações que demos para as manifestações físicas fundam-se na observação dos fatos e na sua dedução lógica: concluímos de acordo com o que vimos. Como, porém, se processam na matéria eterizada as modificações que a tornam perceptível e tangível?

Para começar, deixaremos falarem os Espíritos a quem interrogamos a respeito, juntando depois os nossos comentários. As respostas que se seguem foram dadas pelo Espírito de São Luís e estão em concordância com o que anteriormente nos havia sido dito por outros Espíritos.

O fluido

1. ─ Como pode aparecer um Espírito com a solidez de um corpo vivo?

─ Ele combina uma parte do fluido universal com o fluido que se desprende do médium apto para tal efeito. Esse fluido toma a forma que o Espírito deseja, mas geralmente essa forma é impalpável.

2. ─ Qual é a natureza desse fluido?

─ Fluido. Isto diz tudo.

3. ─ Esse fluido é material?

─ Semimaterial.

4. ─ É esse fluido que compõe o perispírito?

─ Sim,é a ligação do Espírito à matéria.

5. ─ É esse fluido que dá a vida, o princípio vital?

─ Sempre ele. Eu disse ligação.

6. ─ Esse fluido é uma emanação da Divindade?

─ Não.

7. ─ É uma criação da Divindade?
─ Sim. Tudo é criado, exceto o próprio Deus.

8. ─ O fluido universal tem alguma relação com o fluido elétrico, cujos efeitos conhecemos?
─ Sim. É o seu elemento.

9. ─ A substância etérea que existe entre os planetas é o fluido universal em questão?
─ Ele envolve os mundos. Sem o princípio vital, nada viveria. Se uma pessoa subisse além do envoltório fluídico dos globos, pereceria, porque seu envoltório fluídico dele se retiraria, para juntar-se à massa. Esse fluido vos anima. É ele que respirais.

10. Esse fluido é o mesmo em todos os globos?
─ É o mesmo princípio, mais ou menos eterizado, conforme a natureza dos mundos. O vosso é um dos mais materiais.

11. ─ Desde que é esse fluido que compõe o perispírito, deve haver uma espécie de estado de condensação que, até certo ponto, o aproxima da matéria.
─ Sim, até um certo ponto, pois não tem as suas propriedades. Ele é mais ou menos condensado, conforme os mundos.

Como os Espíritos usam o fluido

12. ─ São os Espíritos solidificados que levantam a mesa?
─ Esta pergunta ainda não conduzirá ao ponto que desejais. Quando uma mesa se move debaixo de vossas mãos, o Espírito evocado pelo vosso Espírito vai retirar do fluido universal aquilo com que há de animar essa mesa com uma vida factícia. Os Espíritos que produzem esse tipo de efeitos são sempre Espíritos inferiores ainda não inteiramente desprendidos de seu fluido ou perispírito. A mesa, assim preparada à sua vontade (à vontade dos Espíritos batedores), o Espírito a atrai e a movimenta, sob a influência de seu próprio fluido, desprendido por sua vontade. Quando a massa que quer levantar ou mover lhe é demasiado pesada, ele chama em seu auxílio Espíritos que se acham em condições idênticas às dele. Penso que me expliquei com bastante clareza para ser compreendido.

13. ─ Os Espíritos chamados em seu auxílio são seus inferiores?
─ Quase sempre são iguais. Frequentemente vêm por si mesmos.

14. ─ Compreendemos que os Espíritos superiores não se ocupem de coisas que lhes são inferiores. Mas perguntamos se, pelo fato de serem desmaterializados, teriam o poder de fazê-lo, caso tivessem vontade?
─ Eles têm a força moral, como os outros têm a força física. Quando necessitam dessa força, servem-se daqueles que a possuem. Não vos foi dito que eles se servem dos Espíritos inferiores como vos servis dos carregadores?

O Sr. Home

15. ─ De onde vem o poder especial do Sr. Home? [

─ De sua organização.

16. ─ Que há nela de particular?
─ A pergunta não é precisa.

17. ─ Perguntamos se se trata de sua organização física ou moral.

─ Eu disse organização.

18. ─ Entre as pessoas presentes há alguém que possa ter a mesma faculdade do Sr. Home?
─ Têm-na em certo grau. Não foi um de vós que fez mover a mesa?

O movimento dos objetos e as indumentárias

19. ─ Quando uma pessoa faz mover um objeto, é sempre com o auxílio de um Espírito estranho ou tal ação pode ser exclusiva do médium?
─ Algumas vezes o Espírito do médium pode agir sozinho. Na maioria das vezes, entretanto, é auxiliado pelos Espíritos evocados. Isto é fácil de reconhecer.

20. ─ Como é que os Espíritos aparecem com a indumentária que usavam na Terra?
─ Muitas vezes ela tem apenas a aparência. Aliás, para quantos fenômenos entre vós não tendes solução! Como é que o vento, que é impalpável, arranca e quebra árvores, que são matéria sólida?

21. ─ Que entendeis ao dizer que sua indumentária “é apenas uma aparência?”

─ Ao tocá-la, nada se encontra.

22. ─ Se bem compreendemos o que dissestes, o princípio vital reside no fluido universal; dele o Espírito extrai o envoltório semimaterial que constitui o seu perispírito e é por meio desse fluido que atua sobre a matéria inerte. É isso mesmo?

─ Sim, isto é, ele anima a matéria por uma espécie de vida factícia; a matéria se anima pela vida animal. A mesa que se move sob as vossas mãos vive e sofre como o animal; obedece por si mesma ao ser inteligente. Não é ele que a dirige, como o homem faz com um fardo. Quando a mesa se ergue, não é o Espírito que a levanta. É a mesa animada que obedece ao Espírito inteligente.

23. ─ Desde que o fluido universal é a fonte da vida, será ao mesmo tempo a fonte da inteligência?
─ Não. O fluido apenas anima a matéria.

manifestações físicas
Os objetos moviam-se, sem interferência externa, ante os olhares dos assistentes.

Considerações finais

Esta teoria das manifestações físicas oferece vários pontos de contato com a que demos, embora difira em certos aspectos. De uma e da outra ressalta um ponto capital: o fluido universal, no qual reside o princípio da vida, é o agente principal dessas manifestações e esse agente recebe o impulso do Espírito, quer encarnado, quer errante. Esse fluido condensado constitui o perispírito ou envoltório semimaterial do Espírito. Quando encarnado, o perispírito está unido à matéria do corpo; quando em estado de erraticidade, fica livre.
Ora, duas questões aqui se apresentam: a da aparição dos Espíritos e a do movimento que imprimem aos corpos sólidos.

Quanto ao primeiro, diremos que, no estado normal, a matéria eterizada do perispírito escapa à percepção dos nossos órgãos; só a alma pode vê-la, quer em sonhos, quer em estado sonambúlico ou, ainda, meio adormecida; numa palavra, sempre que houver suspensão total ou parcial da atividade dos sentidos. Quando o Espírito está encarnado, a substância do perispírito acha-se mais ou menos intimamente ligada à matéria do corpo; mais ou menos aderente, se assim podemos dizer. Em algumas pessoas há uma como que emanação desse fluido, em consequência de sua organização e é isto o que constitui propriamente os médiuns de influências físicas. Emanado do corpo, esse fluido se combina, segundo leis que ainda nos são desconhecidas, com aquele que forma o envoltório semimaterial de um Espírito estranho. Disso resulta certa modificação, uma espécie de reação molecular que lhe altera momentaneamente as propriedades, a ponto de torná-lo visível e, em certos casos, tangível. Esse efeito pode produzir-se com ou sem o concurso da vontade do médium, e é isto o que distingue os médiuns naturais dos médiuns facultativos. A emissão do fluido pode ser mais ou menos abundante: daí os médiuns mais ou menos potentes. Ela não é permanente, o que explica a intermitência daquele poder. Enfim, se levarmos em conta o grau de afinidade que pode existir entre o fluido do médium e o de tal ou qual Espírito, compreender-se-á que sua ação possa exercer-se sobre uns e não sobre outros.

Aquilo que acabamos de dizer evidentemente se aplica também à força mediúnica, no que concerne ao movimento dos corpos sólidos. Resta saber como se opera esse movimento.

Conforme as respostas acima, a questão se apresenta sob um aspecto inteiramente novo. Assim, quando um objeto é posto em movimento, arrebatado ou lançado no ar, não será o Espírito que o pega, o empurra ou o levanta, como nós o faríamos com a mão: ele, por assim dizer, o satura com o seu fluido, pela combinação com o do médium e, assim momentaneamente vivificado, o objeto age como se fosse um ser vivo, com a diferença de que, não tendo vontade própria, segue o impulso da vontade do Espírito. Essa vontade tanto pode ser do Espírito do médium quanto de um Espírito estranho e, algumas vezes, de ambos, agindo de acordo, conforme sejam ou não simpáticos. A simpatia ou antipatia que pode existir entre o médium e os Espíritos que se ocupam desses efeitos materiais explica por que nem todos são aptos a provocá-los.

Considerando-se que o fluido vital, emitido de alguma maneira pelo Espírito, dá uma vida factícia e momentânea aos corpos inertes e que outra coisa não é o perispírito senão o próprio fluido vital, segue-se que, quando encarnado, é o Espírito que dá vida ao corpo, por meio de seu perispírito: fica-lhe unido enquanto a organização o permite, e quando se retira, o corpo morre.

Agora se, em lugar da mesa, a madeira for talhada em estátua, e se agirmos sobre essa do mesmo modo que sobre a mesa, teremos uma estátua que se desloca do lugar, que responderá por movimentos e por pancadas; numa palavra, uma estátua momentaneamente animada de uma vida artificial. Que luz lança essa teoria sobre uma porção de fenômenos até aqui não explicados! Quantas alegorias e efeitos maravilhosos ela explica! É toda uma filosofia.

Você vai gostar de ler:

Artigo citado: Teoria das manifestações físicas I

Nosso grupo no Facebook: Grupo de Estudos O Legado de Allan Kardec.




Espiritismo e karma (ou carma), castigo, pecado e punição

Convidamos ao leitor a assistir com muita atenção a esse estudo em grupo, com a participação de Paulo Henrique de Figueiredo. É uma grande modificação na nossa forma de pensar, ainda tão arraigada nos velhos conceitos da heteronomia (a culpa é do outro). Karma (ou carma), ação e reação, resgate de débitos, todos são temas que jamais fizeram parte do Espiritismo. Está na hora de entendermos isso!




Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas

Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Maio > Sociedade parisiense de estudos espíritas fundada em Paris a 1º de abril de 1858

A extensão, por assim dizer universal, que tomam diariamente as crenças espíritas fazia desejar-se vivamente a criação de um centro regular de observações. Esta lacuna acaba de ser preenchida. A Sociedade cuja formação temos o prazer de anunciar, composta exclusivamente de pessoas sérias, isentas de prevenções e animadas do sincero desejo de esclarecimento, contou, desde o início, entre os seus associados, com homens eminentes por seu saber e por sua posição social.

Sociedade parisiense de estudos espíritas
Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas foi a primeira entidade do gênero e foi fundada por Allan Kardec

A Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas e a Verdade

Estamos convictos de que ela é chamada a prestar incontestáveis serviços à constatação da verdade. Sua lei orgânica lhe assegura uma homogeneidade sem a qual não haverá vitalidade possível. Está baseada na experiência dos homens e das coisas e no conhecimento das condições necessárias às observações que são o objeto de suas pesquisas. Vindo a Paris, os estranhos que se interessam pela Doutrina Espírita encontrarão, assim, um centro ao qual poderão dirigir-se para obter informações e onde poderão também relatar suas próprias observações [1].

ALLAN KARDEC


[1] Para informações relativas à Sociedade, dirigir-se ao Sr. ALLAN KARDEC, rue Sainte-Anne, n. 59, das 3 às 5 horas; ou ao Sr. LEDOYEN, livreiro, Galeria d’Orléans, n. 31, no Palais-Royal.

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Variedades: o Falso Sr. Home

Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Maio > Variedades: o Falso Sr. Home

Sr. Home é vítima de um farsante

Lemos há tempos, nos jornais de Lyon, o seguinte anúncio, que também se encontrava afixado nos muros cidade:

“O Sr. Hume, o célebre médium americano, que teve a honra de fazer experiências perante S. M. o Imperador, a partir de quinta-feira, 1.º de abril, dará sessões de espiritualismo no grande teatro de Lyon. Ele produzirá aparições, etc., etc. Haverá cadeiras especiais para os senhores médicos e sábios, a fim de que estes possam certificar-se de que nada foi preparado. As sessões serão variadas, com experiências da célebre vidente, Sra…, sonâmbula muito lúcida, que reproduzirá um a um todos os sentimentos, à vontade dos espectadores. Preço dos ingressos: 5 francos na primeira classe, 3 francos na segunda.”

Os antagonistas do Sr. Home (alguns escrevem Hume) não quiseram perder essa ocasião de expô-lo ao ridículo. Em seu ardente desejo de achar onde morder, acolheram essa grosseira mistificação com um entusiasmo que desabona o seu equilíbrio e ainda mais o seu respeito pela verdade, porque, antes de atirar pedras nos outros, é preciso verificar se elas não atingirão outro alvo. Mas a paixão é cega, não raciocina e muitas vezes se engana, ao tentar prejudicar a outrem. “Olhem só”, exclamaram jubilosos, “este homem tão elogiado, reduzido a apresentar-se nos palcos, dando espetáculos a tanto por cabeça!” E os seus jornais dando crédito ao fato, sem mais exame. Infelizmente, para eles, sua alegria não durou muito.

Logo nos escreveram de Lyon, pedindo informações suficientes para o desmascaramento da fraude, o que não foi difícil, sobretudo graças ao empenho de numerosos adeptos com que o Espiritismo conta naquela cidade.
Assim que o diretor do teatro soube do que se tratava, imediatamente dirigiu aos jornais a carta seguinte: “Sr. Redator. Apresso-me a informar-vos que o espetáculo anunciado para quinta-feira, 1.º de abril, no grande teatro, não mais se realizará. Eu pensava haver cedido o teatro ao Sr. Home e não ao Sr. Lambert Laroche, que se diz Hume. As pessoas que antecipadamente obtiveram frisas poderão apresentar-se à bilheteria do teatro para reembolso.”

O Sr. Lambert Laroche “justifica-se”

Por outro lado, o mencionado Lambert Laroche, natural de Langres, interpelado quanto à sua identidade, viu-se obrigado a responder nos termos que a seguir reproduzimos na íntegra, pois não queremos que nos acusem da menor alteração.

“Vous m’avez soumis diversse extre de vos correspondance de Paris, desquellesil résulterez que un M. Home qui donne des séancedans quelque salon de la capítalle se trauve en ce moment en Itali etne peut par conséquent se trauvair à Lyon. Monsieur gignore 1.º la cannaissance de ce M. Home, 2.º je nessait quellais son talent 3.º je nais jamais rien nue de commun àveque ce M. Home, 4º jait tavaillez et tavaille sout mon nom de gaire qui est Hume et dont je vous justi par les article de journaux étrangers et français que je vous est soumis 5º je voyage à vecque deux sugais mon genre d’experriance consiste en spiritualisme au évocation vision, et en un mot reproduction des idais du spectateur par un sugais, ma cepécialité est d’opere par c’est procedere sur les personnes étrangere comme on la pue le voir dans les journaux je vien despagne et d’afrique. Seci M. le rédacteur vous démontre que je n’ais poin voulu prendre le nom de ce prétendu Home que vous dites en réputation, le min est sufisant connu par sagrande notoriété et par les expérience que je produi. Agreez M. le redacteur mes salutation empressait”. *

Cremos inútil dizer que o Sr.Lambert Laroche deixou Lyon de cabeça erguida. Certamente irá a outros lugares em busca de tolos para enganar com facilidade. Ainda uma palavra para exprimir o nosso pesar por vermos com que avidez deplorável certas criaturas que se dizem sérias acolhem tudo quanto possa servir à sua animosidade. O Espiritismo está hoje muito acreditado e nada deve temer das palhaçadas; ele não é mais aviltado pelos charlatães do que a verdadeira ciência médica pelos curandeiros das encruzilhadas; encontra por toda parte mas principalmente entre as pessoas esclarecidas, zelosos e inúmeros defensores que sabem enfrentar as zombarias. Longe de prejudicá-lo, o caso de Lyon apenas serve à sua propagação, chamando a atenção dos indecisos para a realidade. Quem sabe se não foi mesmo provocado por uma força superior com esse objetivo? Quem se pode gabar de sondar os desígnios da Providência?

Quanto aos adversários sistemáticos, que se lhes permita rir, mas não caluniar. Alguns anos mais e veremos quem dirá a última palavra. Se é lógico duvidar daquilo que se não conhece, é sempre imprudente manifestar-se em falso contra as ideias novas que, mais cedo ou mais tarde, podem opor um desmentido humilhante à nossa perspicácia. Aí está a História para prová-lo. Aqueles que, no seu orgulho, demonstram piedade pelos adeptos da Doutrina Espírita seriam tão superiores quanto se julgam? Esses Espíritos que eles procuram ridicularizar, recomendam que se faça o bem e proíbem o mal, mesmo aos inimigos; eles nos dizem que nos rebaixamos pelo só desejo do mal. Qual é, pois, o mais elevado: aquele que procura fazer o mal ou aquele que não encerra no coração nem ódio nem rancor? Há pouco tempo o Sr. Home regressou a Paris, mas partirá em breve para a Escócia e de lá para São Petersburgo.

Sr. Home
O farsante.

Tradução do texto em francês

(Tradução reproduzindo a escrita e o linguajar de uma pessoa semi-analfabeta)

* “Vós me submeteu diversas extra da vossa correspondência de Paris, das quais resulta que um Sr. Home qui dá sessões nargum salão da capital se acha nesse momento na Intália e não pode por consequença se achar em Lyon. Meu senhor eu ingnoro 1.º o conhecimento desse Sr. Home, 2.º eu não sei quale o seu talento 3.º eu nunca tive nada di comum com esse Sr. Home, 4.º eu trabalei e trabalo cum nomi de guerra qui é Hume e esse nomi eu justifico pelos artigo das folha istrangeira e francesa que vos é submetido, 5.º eu viajo cum duas companhêra meu geno de ixpriença consta de spiritualismo ou evocação visão e em uma palavra reprodução das ideia do expectador por um sujeito, minha especialdade é de operá por esse processo nas pessoa estranha como se pode ver nos jornal que vem da espanha e da africa. Com isso seu redator eu vos demonstro qui nunca quis tomá o nomi desse suposto Home qui vos diz que tem reputação, o meu é suficentemente conhecido pela sua grande notoridade e pelas ixpriença qui posuo. Recebe senhor redator as minhas atenciosa saudações.”

Um fato ocorrido no Hospital Civil de Saintes

L’Independant de la Charente-Inférieure relatava, em março último, o fato que se segue e que teria ocorrido no Hospital Civil de Saintes:

“Há oito dias, nessa cidade, contam-se as mais maravilhosas histórias e não se fala senão dos singulares ruídos que, todas as noites, ora imitam o trote de um cavalo, ora os passos de um cachorro ou de um gato. Garrafas colocadas sobre a lareira são levadas para o outro lado da sala. Certa manhã foi encontrado um pacote de farrapos torcidos e cheios de nós, impossíveis de desatar. Sobre a lareira foi deixado uma noite um papel, no qual havia sido escrito: “Que queres? Que pedes?” No dia seguinte, pela manhã, lá estava a resposta, escrita em caracteres desconhecidos e indecifráveis. Fósforos colocados sobre a mesa, durante a noite, desapareciam como que por encanto. Enfim, todos os objetos mudam de lugar e se espalham por todos os cantos. Tais sortilégios só se realizam com a obscuridade da noite. Desde que se faça a luz, tudo volta ao silêncio; extinguindo-a, os ruídos recomeçam imediatamente. É um Espírito amigo das trevas. Várias pessoas, entre as quais eclesiásticos e antigos militares, deitaram-se nesse quarto enfeitiçado e foilhes impossível algo descobrir ou explicar aquilo que ouviam.
“Um empregado do hospital, suspeito de ser o autor dessas brincadeiras, acaba de ser despedido. Assegura-se, entretanto, que o mesmo não só não é culpado, mas, ao contrário, muitas vezes foi a própria vítima.

“Parece que essa história começou há mais de um mês. Durante muito tempo nada foi dito, pois cada um desconfiava de seus sentidos e temia ser ridicularizado. Só depois de alguns dias é que surgiram os comentários.”

OBSERVAÇÃO: Ainda não tivemos tempo de verificar a autenticidade dos fatos acima. Publicamo-los com as devidas reservas. Fazemos notar, entretanto que, se inventados, não são menos possíveis e nada apresentam de mais extraordinário que muitíssimos outros do mesmo gênero e que foram perfeitamente constatados.

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Morte de Luís XI (Do manuscrito ditado por este à Srta. Hermance Dufaux)

Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Maio > Morte de Luís XI (Do manuscrito ditado por este à Srta. Hermance Dufaux)

NOTA: Chamamos a atenção do leitor para as observações feitas sobre estas notáveis comunicações, em nosso artigo de março último.

Não me sentindo bastante firme para ouvir pronunciar o vocábulo morte, muitas vezes eu havia recomendado a meus oficiais que apenas me dissessem, quando me vissem em perigo: “Falai pouco”, e eu saberia o que isto significava.

Quando não restavam mais esperanças, Olivier le Daim me disse duramente, em presença de Francisco de Paula e de Coittier:

─ Majestade, temos que desobrigar-nos de um dever. Não tenhais mais esperança neste santo homem, nem em qualquer outro, porque chegais ao fim. Pensai em vossa consciência. Não há mais remédio.

A estas palavras cruéis operou-se em mim uma revolução completa. Eu já não me sentia o mesmo homem e admirava-me de mim mesmo. O passado desenrolou-se rapidamente a meus olhos e as coisas me apareceram sob um aspecto novo. Um não sei que de estranho se passava em mim. Fixando-me, o duro olhar de Olivier le Daim parecia interrogar-me. Para me subtrair a esse olhar frio e inquisidor, respondi com aparente tranquilidade:

─ Espero que Deus me ajude. É possível, talvez, que eu não esteja tão mal quanto pensais.

Luís XI
Luís XI

O monarca dita suas últimas vontades

Ditei minhas últimas vontades e mandei para junto do jovem rei aqueles que ainda me rodeavam. Vi-me só com o meu confessor, Francisco de Paula, le Daim e Coittier. Francisco me fez uma tocante exortação. Parece que a cada uma de suas palavras apagavam-se-me os vícios e a natureza retomava o seu curso. Senti-me aliviado e comecei a recobrar um pouco de esperança na clemência de Deus.

Recebi os últimos sacramentos com uma piedade firme e resignada. A cada instante repetia: “Nossa Senhora de Embrun [1], minha boa Senhora, ajudai-me!”

Terça-feira, 30 de agosto, pelas sete horas da noite, caí em nova prostração. Todos os presentes me julgaram morto e se retiraram. Olivier le Daim e Coittier, sentindo a execração pública, haviam ficado junto ao meu leito, já que não tinham alternativa.

Em breve recuperei completamente a consciência. Ergui-me, sentei-me na cama e olhei em torno. Não havia ninguém de minha família; nenhuma mão amiga procurava a minha, nesse supremo instante, para suavizar a minha agonia num último contato. Àquela hora talvez meus filhos brincassem enquanto seu pai morria. Ninguém pensou que o culpado ainda podia contar com um coração que compreendesse o seu. Procurei ouvir um soluço abafado e só ouvi as risadas dos dois miseráveis que estavam junto de mim.

Divisei a um canto a minha galga favorita, que morria de velha. Meu coração pulsou de alegria, pois eu tinha um amigo, um ser que me estimava.

Fiz-lhe um sinal com a mão. A lebreira arrastou-se com esforço até junto ao leito e veio lamber-me a mão agonizante. Olivier percebeu esse movimento; levantou-se de um salto, praguejando, e esbordoou a infeliz cadela com um bastão até matá-la. Expirando, meu único amigo lançou-me um longo e doloroso olhar.

Olivier empurrou-me violentamente sobre o leito. Deixei-me cair e entreguei a Deus a minha alma culposa.

[1] Embrun é uma antiquíssima cidade do sul da França, situada na Bacia do Ródano, na Provença. Seu antigo nome latino era Ebraduno. Tem cerca de 4.000 habitantes.




Espíritos herdeiros

Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Maio > Os Espíritos herdeiros

Um de nossos assinantes de Haia, Holanda, comunica-nos o fato que se segue, ocorrido num grupo de amigos que se ocupavam com as manifestações espíritas. Isto prova, diz ele, mais uma vez, e sem contestação possível, a existência de um elemento inteligente e invisível, agindo individual e diretamente sobre nós.

Os Espíritos se anunciam movendo uma pesada mesa e dando pancadas. Perguntamos pelos nomes: são os finados Sr. e Sra. G…, muito afortunados durante a existência. O marido, do qual provinha a fortuna, não tinha filhos e deserdou os parentes próximos em favor da família da mulher, falecida pouco antes dele. Entre as nove pessoas presentes à sessão estavam duas senhoras deserdadas, bem como o marido de uma delas.

O Sr. G… fora sempre um pobre diabo e um criado humilde da esposa. Depois da morte dela, sua família instalou-se em sua casa, para cuidar dele. O testamento foi feito com um atestado médico, declarando que o moribundo gozava da plenitude de suas faculdades.

O marido da senhora deserdada, que designaremos R… tomou a palavra nestes termos: “Como ousais apresentar-vos aqui, depois do escandaloso testamento que fizestes?” Depois, exaltando-se cada vez mais, acabou por lhe dizer injúrias. Então a mesa deu um salto e atirou a lâmpada com força na cabeça do interlocutor. Esse lhes pediu desculpas por aquele primeiro impulso de cólera e lhes perguntou o que vinham ali fazer.

─ Vimos dar-vos conta dos motivos de nossa conduta.

(As respostas eram dadas por meio de pancadas indicando as letras do alfabeto).

Os herdeiros manifestam-se
Os Espíritos anunciam-se aos herdeiros movendo uma pesada mesa e dando pancadas.

Herdeiros e acompanhantes manifestam-se

Conhecendo a inépcia do marido, o Sr. R… lhe disse bruscamente que devia retirar-se e que escutaria apenas a sua esposa.

Então o Espírito da Sra. G… disse que a Sra. R… e sua irmã eram bastante ricas e podiam privar-se de sua parte da herança; que outros eram maus, e que outros, enfim, deveriam sofrer aquela prova; que por tais motivos aquela fortuna convinhamais à sua própria família. O Sr. R… não se satisfez com a explicação e despejou sua cólera em reproches injuriosos. Então a mesa agitou-se violentamente, pulou, bateu fortes pancadas no soalho e atirou mais uma vez a lâmpada sobre o Sr. R… Depois de acalmar-se, o Espírito tentou persuadir que após a sua morte tinha sido informado de que o testamento fora ditado por um Espírito superior. O Sr. R… e as senhoras, vendo a inutilidade de uma contestação, perdoaram-no sinceramente. Logo a mesa se elevou ao lado do Sr. R… e pousou brandamente junto a seu peito, como que para abraçá-lo. As duas senhoras receberam a mesma demonstração de agradecimento. A mesa tinha uma vibração muito pronunciada. Restabelecido o entendimento, o Espírito lamentou a herdeira atual, dizendo que ela acabaria louca.

Ainda o Sr. R… o censurou, mas afetuosamente, por não haver feito o bem em vida, quando dispunha de tão grande fortuna, acrescentando que ela não era chorada por ninguém. “Sim, respondeu o Espírito; há uma pobre viúva, residente na rua… que algumas vezes pensa em mim, porque algumas vezes lhe dei alimento, roupa e aquecimento.”

Como o Espírito não houvesse dado o nome da pobre mulher, um dos assistentes a procurou, encontrando-a no endereço indicado. E o que não é menos digno de registro é que depois da morte da Sra. G…, ela havia mudado de domicílio. Este último é o que foi indicado pelo Espírito.

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