Variedades: o Falso Sr. Home

Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Maio > Variedades: o Falso Sr. Home

Sr. Home é vítima de um farsante

Lemos há tempos, nos jornais de Lyon, o seguinte anúncio, que também se encontrava afixado nos muros cidade:

“O Sr. Hume, o célebre médium americano, que teve a honra de fazer experiências perante S. M. o Imperador, a partir de quinta-feira, 1.º de abril, dará sessões de espiritualismo no grande teatro de Lyon. Ele produzirá aparições, etc., etc. Haverá cadeiras especiais para os senhores médicos e sábios, a fim de que estes possam certificar-se de que nada foi preparado. As sessões serão variadas, com experiências da célebre vidente, Sra…, sonâmbula muito lúcida, que reproduzirá um a um todos os sentimentos, à vontade dos espectadores. Preço dos ingressos: 5 francos na primeira classe, 3 francos na segunda.”

Os antagonistas do Sr. Home (alguns escrevem Hume) não quiseram perder essa ocasião de expô-lo ao ridículo. Em seu ardente desejo de achar onde morder, acolheram essa grosseira mistificação com um entusiasmo que desabona o seu equilíbrio e ainda mais o seu respeito pela verdade, porque, antes de atirar pedras nos outros, é preciso verificar se elas não atingirão outro alvo. Mas a paixão é cega, não raciocina e muitas vezes se engana, ao tentar prejudicar a outrem. “Olhem só”, exclamaram jubilosos, “este homem tão elogiado, reduzido a apresentar-se nos palcos, dando espetáculos a tanto por cabeça!” E os seus jornais dando crédito ao fato, sem mais exame. Infelizmente, para eles, sua alegria não durou muito.

Logo nos escreveram de Lyon, pedindo informações suficientes para o desmascaramento da fraude, o que não foi difícil, sobretudo graças ao empenho de numerosos adeptos com que o Espiritismo conta naquela cidade.
Assim que o diretor do teatro soube do que se tratava, imediatamente dirigiu aos jornais a carta seguinte: “Sr. Redator. Apresso-me a informar-vos que o espetáculo anunciado para quinta-feira, 1.º de abril, no grande teatro, não mais se realizará. Eu pensava haver cedido o teatro ao Sr. Home e não ao Sr. Lambert Laroche, que se diz Hume. As pessoas que antecipadamente obtiveram frisas poderão apresentar-se à bilheteria do teatro para reembolso.”

O Sr. Lambert Laroche “justifica-se”

Por outro lado, o mencionado Lambert Laroche, natural de Langres, interpelado quanto à sua identidade, viu-se obrigado a responder nos termos que a seguir reproduzimos na íntegra, pois não queremos que nos acusem da menor alteração.

“Vous m’avez soumis diversse extre de vos correspondance de Paris, desquellesil résulterez que un M. Home qui donne des séancedans quelque salon de la capítalle se trauve en ce moment en Itali etne peut par conséquent se trauvair à Lyon. Monsieur gignore 1.º la cannaissance de ce M. Home, 2.º je nessait quellais son talent 3.º je nais jamais rien nue de commun àveque ce M. Home, 4º jait tavaillez et tavaille sout mon nom de gaire qui est Hume et dont je vous justi par les article de journaux étrangers et français que je vous est soumis 5º je voyage à vecque deux sugais mon genre d’experriance consiste en spiritualisme au évocation vision, et en un mot reproduction des idais du spectateur par un sugais, ma cepécialité est d’opere par c’est procedere sur les personnes étrangere comme on la pue le voir dans les journaux je vien despagne et d’afrique. Seci M. le rédacteur vous démontre que je n’ais poin voulu prendre le nom de ce prétendu Home que vous dites en réputation, le min est sufisant connu par sagrande notoriété et par les expérience que je produi. Agreez M. le redacteur mes salutation empressait”. *

Cremos inútil dizer que o Sr.Lambert Laroche deixou Lyon de cabeça erguida. Certamente irá a outros lugares em busca de tolos para enganar com facilidade. Ainda uma palavra para exprimir o nosso pesar por vermos com que avidez deplorável certas criaturas que se dizem sérias acolhem tudo quanto possa servir à sua animosidade. O Espiritismo está hoje muito acreditado e nada deve temer das palhaçadas; ele não é mais aviltado pelos charlatães do que a verdadeira ciência médica pelos curandeiros das encruzilhadas; encontra por toda parte mas principalmente entre as pessoas esclarecidas, zelosos e inúmeros defensores que sabem enfrentar as zombarias. Longe de prejudicá-lo, o caso de Lyon apenas serve à sua propagação, chamando a atenção dos indecisos para a realidade. Quem sabe se não foi mesmo provocado por uma força superior com esse objetivo? Quem se pode gabar de sondar os desígnios da Providência?

Quanto aos adversários sistemáticos, que se lhes permita rir, mas não caluniar. Alguns anos mais e veremos quem dirá a última palavra. Se é lógico duvidar daquilo que se não conhece, é sempre imprudente manifestar-se em falso contra as ideias novas que, mais cedo ou mais tarde, podem opor um desmentido humilhante à nossa perspicácia. Aí está a História para prová-lo. Aqueles que, no seu orgulho, demonstram piedade pelos adeptos da Doutrina Espírita seriam tão superiores quanto se julgam? Esses Espíritos que eles procuram ridicularizar, recomendam que se faça o bem e proíbem o mal, mesmo aos inimigos; eles nos dizem que nos rebaixamos pelo só desejo do mal. Qual é, pois, o mais elevado: aquele que procura fazer o mal ou aquele que não encerra no coração nem ódio nem rancor? Há pouco tempo o Sr. Home regressou a Paris, mas partirá em breve para a Escócia e de lá para São Petersburgo.

Sr. Home
O farsante.

Tradução do texto em francês

(Tradução reproduzindo a escrita e o linguajar de uma pessoa semi-analfabeta)

* “Vós me submeteu diversas extra da vossa correspondência de Paris, das quais resulta que um Sr. Home qui dá sessões nargum salão da capital se acha nesse momento na Intália e não pode por consequença se achar em Lyon. Meu senhor eu ingnoro 1.º o conhecimento desse Sr. Home, 2.º eu não sei quale o seu talento 3.º eu nunca tive nada di comum com esse Sr. Home, 4.º eu trabalei e trabalo cum nomi de guerra qui é Hume e esse nomi eu justifico pelos artigo das folha istrangeira e francesa que vos é submetido, 5.º eu viajo cum duas companhêra meu geno de ixpriença consta de spiritualismo ou evocação visão e em uma palavra reprodução das ideia do expectador por um sujeito, minha especialdade é de operá por esse processo nas pessoa estranha como se pode ver nos jornal que vem da espanha e da africa. Com isso seu redator eu vos demonstro qui nunca quis tomá o nomi desse suposto Home qui vos diz que tem reputação, o meu é suficentemente conhecido pela sua grande notoridade e pelas ixpriença qui posuo. Recebe senhor redator as minhas atenciosa saudações.”

Um fato ocorrido no Hospital Civil de Saintes

L’Independant de la Charente-Inférieure relatava, em março último, o fato que se segue e que teria ocorrido no Hospital Civil de Saintes:

“Há oito dias, nessa cidade, contam-se as mais maravilhosas histórias e não se fala senão dos singulares ruídos que, todas as noites, ora imitam o trote de um cavalo, ora os passos de um cachorro ou de um gato. Garrafas colocadas sobre a lareira são levadas para o outro lado da sala. Certa manhã foi encontrado um pacote de farrapos torcidos e cheios de nós, impossíveis de desatar. Sobre a lareira foi deixado uma noite um papel, no qual havia sido escrito: “Que queres? Que pedes?” No dia seguinte, pela manhã, lá estava a resposta, escrita em caracteres desconhecidos e indecifráveis. Fósforos colocados sobre a mesa, durante a noite, desapareciam como que por encanto. Enfim, todos os objetos mudam de lugar e se espalham por todos os cantos. Tais sortilégios só se realizam com a obscuridade da noite. Desde que se faça a luz, tudo volta ao silêncio; extinguindo-a, os ruídos recomeçam imediatamente. É um Espírito amigo das trevas. Várias pessoas, entre as quais eclesiásticos e antigos militares, deitaram-se nesse quarto enfeitiçado e foilhes impossível algo descobrir ou explicar aquilo que ouviam.
“Um empregado do hospital, suspeito de ser o autor dessas brincadeiras, acaba de ser despedido. Assegura-se, entretanto, que o mesmo não só não é culpado, mas, ao contrário, muitas vezes foi a própria vítima.

“Parece que essa história começou há mais de um mês. Durante muito tempo nada foi dito, pois cada um desconfiava de seus sentidos e temia ser ridicularizado. Só depois de alguns dias é que surgiram os comentários.”

OBSERVAÇÃO: Ainda não tivemos tempo de verificar a autenticidade dos fatos acima. Publicamo-los com as devidas reservas. Fazemos notar, entretanto que, se inventados, não são menos possíveis e nada apresentam de mais extraordinário que muitíssimos outros do mesmo gênero e que foram perfeitamente constatados.

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O artigo anterior: Morte de Luís XI (Do manuscrito ditado por este à Srta. Hermance Dufaux).

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Morte de Luís XI (Do manuscrito ditado por este à Srta. Hermance Dufaux)

Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Maio > Morte de Luís XI (Do manuscrito ditado por este à Srta. Hermance Dufaux)

NOTA: Chamamos a atenção do leitor para as observações feitas sobre estas notáveis comunicações, em nosso artigo de março último.

Não me sentindo bastante firme para ouvir pronunciar o vocábulo morte, muitas vezes eu havia recomendado a meus oficiais que apenas me dissessem, quando me vissem em perigo: “Falai pouco”, e eu saberia o que isto significava.

Quando não restavam mais esperanças, Olivier le Daim me disse duramente, em presença de Francisco de Paula e de Coittier:

─ Majestade, temos que desobrigar-nos de um dever. Não tenhais mais esperança neste santo homem, nem em qualquer outro, porque chegais ao fim. Pensai em vossa consciência. Não há mais remédio.

A estas palavras cruéis operou-se em mim uma revolução completa. Eu já não me sentia o mesmo homem e admirava-me de mim mesmo. O passado desenrolou-se rapidamente a meus olhos e as coisas me apareceram sob um aspecto novo. Um não sei que de estranho se passava em mim. Fixando-me, o duro olhar de Olivier le Daim parecia interrogar-me. Para me subtrair a esse olhar frio e inquisidor, respondi com aparente tranquilidade:

─ Espero que Deus me ajude. É possível, talvez, que eu não esteja tão mal quanto pensais.

Luís XI
Luís XI

O monarca dita suas últimas vontades

Ditei minhas últimas vontades e mandei para junto do jovem rei aqueles que ainda me rodeavam. Vi-me só com o meu confessor, Francisco de Paula, le Daim e Coittier. Francisco me fez uma tocante exortação. Parece que a cada uma de suas palavras apagavam-se-me os vícios e a natureza retomava o seu curso. Senti-me aliviado e comecei a recobrar um pouco de esperança na clemência de Deus.

Recebi os últimos sacramentos com uma piedade firme e resignada. A cada instante repetia: “Nossa Senhora de Embrun [1], minha boa Senhora, ajudai-me!”

Terça-feira, 30 de agosto, pelas sete horas da noite, caí em nova prostração. Todos os presentes me julgaram morto e se retiraram. Olivier le Daim e Coittier, sentindo a execração pública, haviam ficado junto ao meu leito, já que não tinham alternativa.

Em breve recuperei completamente a consciência. Ergui-me, sentei-me na cama e olhei em torno. Não havia ninguém de minha família; nenhuma mão amiga procurava a minha, nesse supremo instante, para suavizar a minha agonia num último contato. Àquela hora talvez meus filhos brincassem enquanto seu pai morria. Ninguém pensou que o culpado ainda podia contar com um coração que compreendesse o seu. Procurei ouvir um soluço abafado e só ouvi as risadas dos dois miseráveis que estavam junto de mim.

Divisei a um canto a minha galga favorita, que morria de velha. Meu coração pulsou de alegria, pois eu tinha um amigo, um ser que me estimava.

Fiz-lhe um sinal com a mão. A lebreira arrastou-se com esforço até junto ao leito e veio lamber-me a mão agonizante. Olivier percebeu esse movimento; levantou-se de um salto, praguejando, e esbordoou a infeliz cadela com um bastão até matá-la. Expirando, meu único amigo lançou-me um longo e doloroso olhar.

Olivier empurrou-me violentamente sobre o leito. Deixei-me cair e entreguei a Deus a minha alma culposa.

[1] Embrun é uma antiquíssima cidade do sul da França, situada na Bacia do Ródano, na Provença. Seu antigo nome latino era Ebraduno. Tem cerca de 4.000 habitantes.




Espíritos herdeiros

Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Maio > Os Espíritos herdeiros

Um de nossos assinantes de Haia, Holanda, comunica-nos o fato que se segue, ocorrido num grupo de amigos que se ocupavam com as manifestações espíritas. Isto prova, diz ele, mais uma vez, e sem contestação possível, a existência de um elemento inteligente e invisível, agindo individual e diretamente sobre nós.

Os Espíritos se anunciam movendo uma pesada mesa e dando pancadas. Perguntamos pelos nomes: são os finados Sr. e Sra. G…, muito afortunados durante a existência. O marido, do qual provinha a fortuna, não tinha filhos e deserdou os parentes próximos em favor da família da mulher, falecida pouco antes dele. Entre as nove pessoas presentes à sessão estavam duas senhoras deserdadas, bem como o marido de uma delas.

O Sr. G… fora sempre um pobre diabo e um criado humilde da esposa. Depois da morte dela, sua família instalou-se em sua casa, para cuidar dele. O testamento foi feito com um atestado médico, declarando que o moribundo gozava da plenitude de suas faculdades.

O marido da senhora deserdada, que designaremos R… tomou a palavra nestes termos: “Como ousais apresentar-vos aqui, depois do escandaloso testamento que fizestes?” Depois, exaltando-se cada vez mais, acabou por lhe dizer injúrias. Então a mesa deu um salto e atirou a lâmpada com força na cabeça do interlocutor. Esse lhes pediu desculpas por aquele primeiro impulso de cólera e lhes perguntou o que vinham ali fazer.

─ Vimos dar-vos conta dos motivos de nossa conduta.

(As respostas eram dadas por meio de pancadas indicando as letras do alfabeto).

Os herdeiros manifestam-se
Os Espíritos anunciam-se aos herdeiros movendo uma pesada mesa e dando pancadas.

Herdeiros e acompanhantes manifestam-se

Conhecendo a inépcia do marido, o Sr. R… lhe disse bruscamente que devia retirar-se e que escutaria apenas a sua esposa.

Então o Espírito da Sra. G… disse que a Sra. R… e sua irmã eram bastante ricas e podiam privar-se de sua parte da herança; que outros eram maus, e que outros, enfim, deveriam sofrer aquela prova; que por tais motivos aquela fortuna convinhamais à sua própria família. O Sr. R… não se satisfez com a explicação e despejou sua cólera em reproches injuriosos. Então a mesa agitou-se violentamente, pulou, bateu fortes pancadas no soalho e atirou mais uma vez a lâmpada sobre o Sr. R… Depois de acalmar-se, o Espírito tentou persuadir que após a sua morte tinha sido informado de que o testamento fora ditado por um Espírito superior. O Sr. R… e as senhoras, vendo a inutilidade de uma contestação, perdoaram-no sinceramente. Logo a mesa se elevou ao lado do Sr. R… e pousou brandamente junto a seu peito, como que para abraçá-lo. As duas senhoras receberam a mesma demonstração de agradecimento. A mesa tinha uma vibração muito pronunciada. Restabelecido o entendimento, o Espírito lamentou a herdeira atual, dizendo que ela acabaria louca.

Ainda o Sr. R… o censurou, mas afetuosamente, por não haver feito o bem em vida, quando dispunha de tão grande fortuna, acrescentando que ela não era chorada por ninguém. “Sim, respondeu o Espírito; há uma pobre viúva, residente na rua… que algumas vezes pensa em mim, porque algumas vezes lhe dei alimento, roupa e aquecimento.”

Como o Espírito não houvesse dado o nome da pobre mulher, um dos assistentes a procurou, encontrando-a no endereço indicado. E o que não é menos digno de registro é que depois da morte da Sra. G…, ela havia mudado de domicílio. Este último é o que foi indicado pelo Espírito.

Leia também: Palestras familiares de além-túmulo: o Espírito de Mozart.

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Palestras familiares de além-túmulo

Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Maio > Palestras familiares de além-túmulo: o Espírito de Mozart

O compositor Mozart

Um dos nossos assinantes enviou-nos as duas entrevistas que se seguem, com o Espírito de Mozart. Ignoramos onde e quando se realizaram; não conhecemos o interpelante nem o médium; somos completamente estranhos a tudo isso. Entretanto, é notável a perfeita concordância que há entre as respostas obtidas e as que foram dadas por outros Espíritos sobre vários pontos capitais da Doutrina, em circunstâncias completamente diferentes, quer quanto a nós, quer quanto a outras pessoas, e que transcrevemos em números anteriores e no Livro dos Espíritos.

Sobre tal similitude chamamos a atenção dos nossos leitores, que da mesma tirarão a conclusão que lhes parecer mais adequada. Aqueles, pois, que ainda pudessem pensar que as respostas às nossas perguntas são um reflexo de nossa opinião pessoal, verão se neste caso nos foi possível exercer qualquer influência.
Felicitamos as pessoas que sustentaram essa conversação, pela maneira que as perguntas foram feitas. Apesar de certas falhas que demonstram a inexperiência dos interlocutores, em geral são formuladas com ordem, clareza e precisão e não fogem à linha de seriedade que constitui condição essencial para obter boas comunicações. Os Espíritos elevados se dirigem às pessoas sérias que de boa-fé desejam esclarecimentos. Os Espíritos levianos divertem-se com as criaturas frívolas.

Primeira Conversa

1. ─ Em nome de Deus, Espírito de Mozart, estais aqui?

─ Sim.

2.─ Por que é Mozart e não outro Espírito?

─ Foi a mim que evocaste: então vim.

3.─ Que é um médium?

─ O agente que une o meu ao teu Espírito.

4.─ Quais as modificações fisiológicas e anímicas que, malgrado seu, sofre o médium ao entrar em ação de intermediação?

─ Seu corpo nada sente, mas seu Espírito, parcialmente desprendido da matéria, está em comunicação com o meu, unindo-me a vós.

5. ─ O que se passa nele neste momento?

─ Nada com o corpo; apenas uma parte de seu Espírito é atraída para mim; faço sua mão agir pelo poder que o meu Espírito exerce sobre ele.

6.─ Assim, o médium entra em comunicação com uma individualidade espiritual diferente da sua?

─ Por certo. Tu também, sem seres médium, estás em contato comigo.

7.─ Quais os elementos que concorrem para a produção deste fenômeno?

─ A atração dos Espíritos, com o fim de instruir os homens; leis de eletricidade física.

8.─ Quais as condições indispensáveis?

─ É uma faculdade concedida por Deus.

9.─ Qual o princípio determinante?

─ Não posso dizê-lo.

10.─ Poderias revelar-nos as suas leis?

─ Não, não, por enquanto não. Mais tarde tudo sabereis.

11.─ Em que termos positivos poder-se-ia anunciar a fórmula sintética deste fenômeno maravilhoso?

─ Leis desconhecidas que não poderíeis compreender.

12.─ Poderia o médium pôr-se em relação com a alma de uma pessoa viva? Em que condições?

─ Facilmente, se a pessoa estiver adormecida. [1]

13.─ O que entendes pelo vocábulo alma?

─ Centelha divina.

14. ─ E por Espírito?

─ Espírito e alma são a mesma coisa.

15.─ Como Espírito imortal, a alma tem consciência do momento da morte, consciência de si mesma ou do eu imediatamente após a morte?

─ A alma nada sabe do passado e não conhece o futuro senão após a morte do corpo. Então vê sua vida pretérita e suas últimas provas; escolhe sua nova expiação para uma outra existência, bem como a prova a passar. Assim, ninguém se deve lamentar do que sofre na Terra, mas deve suportá-lo com coragem.

16.─ Depois da morte, acha-se a alma desligada de todo elemento, de todo laço terrestre?

─ De todo elemento, não. Ela tem ainda um fluido que lhe é próprio, que extrai da atmosfera de seu planeta e que representa a aparência de sua última encarnação. Os laços terrenos nada mais são para ela.

17.─ Sabe ela de onde vem e para onde vai?

─ A resposta décima quinta resolve esta questão.

18.─ Nada leva ela consigo daqui de baixo?

─ Nada além da lembrança das boas obras, o pesar de suas faltas e o desejo de passar a um mundo melhor.

19.─ Abarca ela num relance retrospectivo o conjunto de sua vida passada?

─ Sim, para servir à sua vida futura.

20.─ Ela entrevê o objetivo da vida terrena e o seu significado; o sentido desta vida, assim como a importância do destino que aqui se cumpre, em relação à vida futura?

─ Sim, ela compreende a necessidade de depuração para chegar ao infinito; quer purificar-se para atingir os mundos bem-aventurados. Sou feliz, mas ainda não me encontro nos mundos onde se desfruta a visão de Deus!

21.─ Existe na vida futura uma hierarquia dos Espíritos? Qual a sua lei?

─ Sim. É o grau de depuração que a caracteriza. A bondade e as virtudes são os títulos de glória.

22.─ Como potência progressiva, é a inteligência que nela determina a marcha ascendente?

─ São sobretudo as virtudes, principalmente o amor ao próximo.

23.─ Uma hierarquia dos Espíritos faz supor uma hierarquia de residências. Ela existe? Sob que forma?

─ A inteligência, que é dom de Deus, é sempre a recompensa das virtudes da caridade e do amor ao próximo. Os Espíritos habitam diferentes planetas, conforme o seu grau de perfeição. Neles desfrutam de maior ou menor felicidade.

24.─ Que é o que se deve entender por Espíritos superiores?

─ Os Espíritos purificados.

25.─ Nosso globo terrestre é o primeiro desses degraus, o ponto de partida, ou vimos ainda de um ponto inferior?

─ Há dois globos antes do vosso, que é um dos menos perfeitos.

26.─ Qual o mundo que habitas? Ali és feliz?

─ Júpiter. Ali desfruto de uma grande calma; amo a todos os que me rodeiam. Não temos o ódio.

27.─ Se tens lembrança da vida terrena, deves recordar-te do casal A…, de Viena. Já os viste a ambos depois de tua morte? Em que mundo e em que condições?

─ Não sei onde se encontram. Não te posso dizer. Um é mais feliz que o outro. Por que me falas deles?

28.─ Por uma única palavra, indicativa de um fato capital de tua vida, e que não poderás ter esquecido, podes fornecer-me uma prova certa dessa recordação.
Concito-te a dizer tal palavra.

─ Amor; reconhecimento.

Segunda Conversa

Já não é o mesmo o interlocutor. Parece, pela natureza da conversa, que se trata de um músico, feliz por se entreter com um mestre. Depois de diversas perguntas, que nos parece inútil reproduzir, diz Mozart:

1. ─ Acabemos com as perguntas de G… Falarei contigo. Dir-te-ei o que em nosso mundo entendemos por melodia. Por que não me evocaste mais cedo? Ter-te-ia respondido.

2. ─ O que é a melodia?
─ Para ti é muitas vezes uma lembrança da vida passada; teu Espírito recorda aquilo que entreviu num mundo melhor. No planeta Júpiter, onde habito, há melodia em toda parte: no murmúrio das águas, no ciciar das folhas, no canto do vento; as flores rumorejam e cantam; tudo produz sons melodiosos. Sê bom e alcança este planeta por tuas virtudes. Bem escolheste, cantando Deus. A música religiosa auxilia a elevação da alma. Como eu gostaria de vos poder inspirar o desejo de ver este mundo onde somos tão felizes! Aqui somos todos muito caridosos; tudo é belo! a Natureza tão admirável! Tudo nos inspira o desejo de estar com Deus. Coragem! Coragem! Acreditai em minha comunicação espírita. Sou eu mesmo que aqui me encontro. Desfruto do poder de vos dizer aquilo que experimentamos. Pudesse eu inspirar-vos bastante o amor ao bem, a fim de vos tornardes dignos dessa recompensa, que nada é em comparação com outras a que aspiro!

3. ─ Nossa música é a mesma em outros planetas? ─ Não. Nenhuma música vos pode dar uma ideia da que temos aqui. Ela é divina! Ó felicidade! Procura merecer o gozo de semelhantes harmonias; luta; tem coragem! Aqui não temos instrumentos: são as plantas e os pássaros os coristas. O pensamento compõe e os ouvintes gozam sem audição material, sem o concurso da palavra, e isto a uma distância incomensurável. Nos mundos superiores isto é ainda mais sublime.

4. ─ Qual a duração da vida de um Espírito encarnado em outro planeta que não o nosso? ─ Curta nos planetas inferiores; mais longa nos mundos como este onde tenho a felicidade de estar. Em Júpiter ela é, em média, de trezentos a quinhentos anos.

5. ─ Haverá grande vantagem em voltar a habitar a Terra? ─ Não, a não ser que estejamos em missão, porque então avançamos.

6. ─ Não seríamos mais felizes se ficássemos como Espírito? ─ Não, não! Ficaríamos estacionários. Pedimos a reencarnação a fim de avançarmos para Deus.

7. ─ É a primeira vez que me encontro na Terra?

─ Não. Mas não posso falar do passado de teu Espírito.

8. ─ Poderia eu ver-te em sonho?

─ Se Deus o permitir, far-te-ei ver em sonho a minha habitação, da qual guardarás lembrança.

9. ─ Onde te achas aqui?

─ Entre ti e tua filha. Vejo-te. Estou sob a forma que tinha quando vivo.

10. ─ Poderia eu ver-te?

─ Sim. Crê e verás. Se tivesses mais fé, ser-nos-ia permitido dizer-te por quê. Tua própria profissão constitui uma ligação entre nós.

Mozart
Wolfgang Amadeus Mozart foi um influente compositor austríaco do período clássico que desencarnou aos 35 anos. Mozart mostrou uma habilidade musical prodigiosa desde sua infância.

11. ─ Como entraste aqui?

─ O Espírito atravessa tudo.

12. ─ Ainda te achas muito longe de Deus?

─ Oh! Sim!

13. ─ Compreendes melhor que nós o que é a eternidade?

─ Sim, sim. No corpo não a podeis compreender.

14. ─ Que entendes por Universo? Houve um começo e haverá um fim?

─ Segundo pensais, o Universo é a vossa Terra. Insensatos! O Universo não teve começo nem terá fim. Pensai que ele é inteiramente obra de Deus. O Universo é o infinito.

15. ─ Que devo fazer para me acalmar?

─ Não te preocupes tanto com o corpo. Tens o Espírito perturbado. Resiste a essa tendência.

16. ─ Que é essa perturbação?

─ Temes a morte.

17.─ Que fazer para não temê-la?

─ Crer em Deus. Sobretudo crer que Deus não priva a família de um pai útil.

18.─ Como alcançar essa calma?

─ Pela vontade.

19.─ Onde haurir essa vontade?

─ Desvia o teu pensamento disso pelo trabalho.

20. – Que devo fazer para apurar a minha habilidade?

─ Podes evocar-me. Eu obtive a permissão de te inspirar.

21.─ Quando eu estiver trabalhando?

─ Certamente! Quando quiseres trabalhar, por vezes estarei ao teu lado.

22.─ Ouvirás a minha obra? (Uma obra musical do interpelante).

─ És o primeiro músico que me evoca. Venho a ti com prazer e escuto as tuas obras.

23.─ Como é que não te evocaram?

─ Fui evocado, mas não por músicos.

24.─ Por quem?

─ Por várias senhoras e amadores em Marselha.

25.─ Por que a Ave-Maria me comove até às lágrimas?

─ Teu Espírito se desprende, junta-se ao meu e ao de Pergolese, que me inspirou aquela obra, mas eu esqueci aquele trecho.

26.─ Como pudeste esquecer a música composta por ti mesmo?

─ A que tenho aqui é tão linda! Como recordar aquilo que era só matéria?

27. ─ Vês minha mãe?

─ Ela está reencarnada na Terra.

28.─ Em que corpo?

─ Nada posso dizer a respeito.

29.─ E meu pai?

─ Está errante, para ajudar no bem. Fará tua mãe progredir. Reencarnarão juntos e serão felizes.

30.─ Ele me vem ver?

─ Muitas vezes. A ele deves os teus impulsos caritativos.

31.─ Foi minha mãe que pediu para reencarnar?

─ Sim. Ela tinha grande vontade de reencarnar, a fim de progredir, por uma nova prova, e entrar num mundo superior à Terra. Já deu um passo imenso.

32.─ Que queres dizer com isso?

─ Ela resistiu a todas as tentações. Sua vida na Terra foi sublime em comparação com seu passado, que foi o de um Espírito inferior. Assim subiu vários degraus.

33.─ Então ela havia escolhido uma prova acima de suas forças?

─ Sim, isto mesmo.

34.─ Quando eu sonho que a vejo, é a ela mesmo que eu vejo?

─ Sim, sim.

35.─ Se tivessem evocado Bichat [2] no dia da inauguração de sua estátua, teria ele respondido? Ele estava lá?

─ Sim, estava; e eu também.

36.─ Por que estavas lá?

─ Como vários outros Espíritos que apreciam o bem e que se sentem felizes quando glorificais aqueles que se preocupam com a Humanidade sofredora.

37.─ Obrigado, Mozart. Adeus.

─ Acreditai-me; acreditai que estou aqui… Sou feliz… Crede que há mundos acima do vosso… Crede em Deus… Evocai-me mais frequentemente, em companhia de músicos. Sentir-me-ei feliz em vos instruir, contribuir para o vosso progresso e vos ajudar a subir para Deus. Evocai-me. Adeus.

Legenda:

[1] Se uma pessoa viva for evocada em estado de vigília, pode adormecer no momento da evocação ou, pelo menos, sofrer um entorpecimento e uma suspensão das faculdades sensitivas. Muitas vezes, entretanto, a evocação nada produz, sobretudo se não for feita com intenção séria e benevolente.

[2] Marie François Xavier Bichat foi um anatomista e fisiologista francês. Bichat é melhor lembrado como o pai da moderna histologia e patologia dos tecidos. Apesar do fato de ele ter trabalhado sem um microscópio, ele foi capaz de fazer avançar significativamente a compreensão do corpo humano.




As metades eternas ou “as almas gêmeas”

Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Maio > As metades eternas

A carta endereçada à Revista Espírita

A passagem que se segue foi extraída da carta de um dos nossos assinantes.

“…Perdi, há alguns anos, uma esposa boa e virtuosa e, embora me houvesse deixado seis filhos, sentia-me em completo isolamento, quando ouvi falar de manifestações espíritas. Em breve eu me encontrava num pequeno grupo de bons amigos, que todas as noites se ocupavam desse assunto. Aprendi, então, através das comunicações obtidas, que a verdadeira vida não está na Terra, mas no mundo dos Espíritos; que a minha Clemência ali era feliz e que, como outras, trabalhava pela felicidade dos que aqui havia conhecido.

“Ora, eis um ponto sobre o qual desejo ardentemente que me esclareçais.

“Uma noite eu dizia à minha Clemência: Minha cara amiga, por que, a despeito do nosso amor, acontece que nem sempre tivemos o mesmo ponto de vista nas diversas circunstâncias de nossa vida comum, e por que tantas vezes fomos obrigados a concessões recíprocas a fim de vivermos em boa harmonia? “Ela me respondeu:

─ “Meu amigo, nós éramos bons e honestos; vivemos juntos e, poderíamos dizer, do melhor modo possível, nessa Terra de provas, mas não éramos nossas metades eternas. Tais uniões são raras na Terra. Embora possam ser encontradas, representam um grande favor de Deus. Aqueles que desfrutam dessa felicidade experimentam alegrias que desconheces.

─ “Podes dizer-me se vês a tua metade eterna?

─ “Sim, respondeu ela. É um pobre diabo que vive na Ásia; poderá unir-se a mim só daqui a 175 anos, segundo a vossa maneira de contar.

─ “Vossa união será na Terra ou em outro mundo?

─ “Na Terra. Mas, escuta: eu não te posso descrever bem a felicidade dos seres assim reunidos. Pedirei a Heloísa e a Abelardo que te venham informar.

“Então, senhor, esses entes felizes vieram nos falar dessa indizível felicidade.

─ “À nossa vontade”, disseram eles, “dois não fazem mais que um. Viajamos pelo espaço; gozamos de tudo; amamo-nos com um amor sem fim, acima do qual só existe o amor de Deus e dos seres perfeitos. Vossas maiores alegrias não valem um só de nossos olhares e de nossos apertos de mão.”
“Alegra-me o pensamento das metades eternas. Parece que Deus, criando a Humanidade, a fez dupla e, separando as duas metades da mesma alma, lhes disse: Ide por esse mundo e procurai encarnações. Se fizerdes o bem, a viagem será curta e permitirei a vossa união. Do contrário, passar-se-ão séculos antes que possais gozar dessa felicidade. Tal é, ao que me parece, a causa primeira do movimento instintivo que arrasta a Humanidade em busca da felicidade, essa felicidade que a gente não compreende nem se empenha em compreender.

“Desejo ardentemente, senhor, um esclarecimento sobre esta teoria das metades eternas e sentir-me-ia feliz se tivesse uma explicação sobre o assunto num dos vossos próximos números…”

metades eternas
Kardec também publicava cartas de seus assinantes na Revista Espírita.

A contra-argumentação da carta

Interrogados sobre a matéria, Abelardo e Heloísa nos deram as respostas seguintes:

1. ─ As almas foram criadas duplas?

─ Se tivessem sido criadas duplas, simples elas seriam imperfeitas.

2. ─ É possível que duas almas possam reunir-se na eternidade, formando um todo?

─ Não.

3. ─ Você e sua Heloísa formam, desde a origem, duas almas perfeitamente distintas?

─ Sim.

4. ─ Ainda agora sois duas almas distintas?

─ Sim, mas sempre unidas.

5. ─ Os homens acham-se todos nas mesmas condições?

─ Conforme sejam mais ou menos perfeitos.

6. ─ As almas são todas destinadas a se unirem, um dia, a uma outra alma?

─ Cada Espírito tende a procurar um outro Espírito que lhe seja semelhante. É o que chamais de simpatia.

7. ─ Nessa união existe uma condição de sexo?

─ As almas não têm sexo.

São Luís opina sobre metades eternas

Tanto para satisfazer o desejo de nosso assinante quanto para nossa própria instrução, dirigimos ao Espírito de São Luís as perguntas que seguem:

1 ─ As almas que se devem unir estão predestinadas, desde a origem, a essa união e cada um de nós tem, em qualquer parte do Universo, a sua metade, à qual deverá um dia unir-se fatalmente?

─ Não. Não existe uma união particular e fatal de duas almas. Existe a união entre todos os Espíritos, mas em graus diferentes, segundo a posição que ocupam, isto é, segundo a perfeição adquirida: quanto mais perfeitos, mais unidos. Da discórdia brotam todos os males humanos; da concórdia resulta a felicidade completa.

2 ─ Em que sentido devemos entender o vocábulo metade, de que se servem por vezes alguns Espíritos para a designação dos Espíritos simpáticos?

─ A expressão é inexata. Se um Espírito fosse metade de outro, dele separado, seria incompleto.

3 ─ Uma vez unidos, dois Espíritos perfeitamente simpáticos permanecem unidos para a eternidade ou podem separar-se e unir-se a outros Espíritos?

─ Todos os Espíritos estão unidos entre si. Falo dos que chegaram à perfeição. Nas esferas inferiores, quando um Espírito se eleva, não é mais simpático àqueles que deixou.

4 ─ Dois Espíritos simpáticos são o complemento um do outro ou essa simpatia é o resultado de uma perfeita identidade?

─ A simpatia que atrai um Espírito para outro resulta da perfeita concordância de suas inclinações e de seus instintos. Se um devesse completar o outro, perderia sua individualidade.

5 ─ A identidade necessária à simpatia perfeita consistiria apenas na similitude de pensamentos e de sentimentos, ou também na uniformidade de conhecimentos adquiridos?

─ Na igualdade do grau de elevação.

6 ─ Os Espíritos que hoje não são simpáticos poderão sê-lo mais tarde?

─ Sim, todos o serão. Assim, o Espírito que hoje se acha em esfera inferior alcançará, pelo aperfeiçoamento, a esfera onde reside um outro. Seu encontro dar-se a mais prontamente se o Espírito mais elevado, suportando mal as provas a que se submeteu, permanecer no mesmo estado.

7 ─ Dois Espíritos simpáticos poderão deixar de sê-lo?

─ Por certo, se um deles for preguiçoso.

Estas respostas resolvem perfeitamente a questão.

A teoria das metades eternas é uma figura referente à união de dois Espíritos simpáticos; é uma expressão usada mesmo na linguagem comum, tratando-se dos esposos, e que não se deve tomar ao pé da letra. Os Espíritos que dela se serviram certamente não pertencem à mais alta ordem. A esfera de seus conhecimentos é necessariamente limitada. Eles exprimiram o seu pensamento com as palavras de que se teriam servido na vida corpórea. É, pois, necessário rejeitar esta ideia de que dois Espíritos, criados um para o outro, um dia deverão unir-se na eternidade, depois de terem estado separados durante um lapso de tempo mais ou menos longo.




Problemas morais – Perguntas dirigidas a São Luís

Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Maio > Problemas morais – Perguntas dirigidas a São Luís

Pergunta 1: opulência e trabalho

 ─ De dois homens ricos, o primeiro nasceu na opulência e jamais conheceu a necessidade; o segundo deve a fortuna ao próprio trabalho. Ambos a empregam exclusivamente na satisfação pessoal. Qual deles é o mais culpável?

Resposta

─ O que conheceu o sofrimento. Ele sabe o que é sofrer.

Pergunta 2: acumulação de bens sem fazer o bem

─ Aquele que acumula continuamente, sem fazer o bem a ninguém, terá uma desculpa aceitável na ideia de acumular para deixar bastante aos filhos?

Resposta

─ É um compromisso com a consciência má.

São Luís de França

Pergunta 3: os avarentos recebem conforme suas obras

─ De dois avarentos, o primeiro se priva do necessário e morre de privações sobre o seu tesouro; o segundo só é avarento para com os outros: é pródigo para consigo mesmo. Enquanto foge ao menor sacrifício a fim de prestar um obséquio ou fazer algo de útil, não põe limite aos seus prazeres pessoais. Aborrece-se quando lhe pedem um favor; quer entregar-se aos seus caprichos, que nunca lhe faltam. Qual o mais culpado e qual deles terá o pior lugar no mundo dos Espíritos?

Resposta

─ O que goza. O outro já recebeu a sua punição.

Pergunta 4: pode-se utilizar a fortuna para o bem após a morte?

─ Aquele que em vida não empregou utilmente a sua fortuna encontra alívio em fazer o bem após a morte, pelo destino que lhe dá?

Resposta

─ Não. O bem vale o que custa.




O orgulho – Ditada por São Luis

Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Maio > O orgulho – Dissertação moral ditada por São Luis à Srta. Hermance Dufaux

Caso I – O orgulho e a humildade

Um homem soberbo possuía algumas jeiras (medida agrária com 0,2 hectare) de boa terra. Sentia-se orgulhoso das pesadas espigas que cobriam o seu campo e lançava o olhar desdenhoso sobre o campo estéril do humilde. Esse levantava-se ao cantar do galo e ficava o dia todo curvado sobre o solo ingrato; recolhia pacientemente os seixos e ia atirá-los à beira do caminho; revolvia profundamente a terra e arrancava com dificuldade os espinheiros que a cobriam. Ora, seu suor fecundou o campo e ele colheu o melhor trigo.

Entretanto, o joio crescia no campo do homem soberbo e abafava o trigo, enquanto o dono se vangloriava de sua fecundidade e olhava com piedade os esforços silenciosos do humilde.

Em verdade vos digo que o orgulho é semelhante ao joio que afoga o bom grão. Aquele dentre vós que se julga mais que seu irmão e que se vangloria, é insensato. Sábio é o que trabalha por si mesmo, como o humilde em seu campo, sem se envaidecer de sua obra.

Srta. Ermance Dufaux
Srta. Ermance Dufaux

Caso II – O homem rico e o pobre lenhador

Havia um homem rico e poderoso que desfrutava o favor do príncipe. Morava em palácios e numerosos servos esforçavam-se por adivinhar-lhe os desejos.

Um dia em que suas matilhas acuavam um cervo nas profundezas da floresta, ele avistou um pobre lenhador vergando ao peso de um feixe de lenha. Chamou-o e lhe disse:

─ Vil escravo! Por que passas pelo caminho sem te inclinares perante mim? Sou igual ao Senhor: nos conselhos minha voz decide a paz e a guerra, e os grandes do reino curvam-se em minha presença. Saiba que sou sábio entre os sábios, poderoso entre os poderosos, grande entre os grandes e minha elevação é obra de minhas mãos.

─ “Senhor! ─ respondeu o pobre homem ─ temi que minha saudação humilde vos fosse uma ofensa. Sou pobre e o único bem que possuo são os meus braços, mas não desejo vossas grandezas enganosas. Durmo o meu sono e não temo, como vós, que o prazer do senhor me faça cair em minha obscuridade.

Ora, o príncipe entediou-se do orgulho da soberba. Os grandes humilhados ergueram-se contra ele, que foi precipitado do pináculo de seu poder, como uma folha seca que o vento varre do cume da montanha. Mas o humilde continuou pacificamente seu rude trabalho, sem preocupação pelo dia seguinte.

Caso III – O soberbo

Soberbo, humilha-te, porque a mão do Senhor curvará o teu orgulho até a poeira!

Escuta! Nasceste onde te lançou a sorte; saíste do seio materno fraco e nu como o último dos homens. Por que levantas a fronte mais alto que os teus semelhantes, tu que como eles nasceste para a dor para a morte?

Escuta! Tuas riquezas e tuas grandezas, vaidades das vaidades, escaparão de tuas mãos quando vier o grande dia, como as águas inconstantes da torrente que o sol evapora. Não levarás de tuas riquezas mais que as tábuas do esquife, e os títulos gravados na lápide funerária serão palavras vazias de sentido.

Escuta! O cão do coveiro brincará com os teus ossos, e eles serão misturados aos do mendigo; a tua poeira confundir-se-á com a dele, porque um dia vós ambos sereis apenas pó. Então amaldiçoarás os dons que recebeste, quando vires o mendigo revestido de sua glória, e chorarás o teu orgulho.

Humilha-te, soberbo, porque a mão do Senhor curvará o teu orgulho até o pó.

As parábolas

Por que São Luís nos fala em parábolas?

─ Parece que hoje a lição nos deve ser dada de maneira mais direta, sem termos que recorrer à alegoria.

─ O Espírito humano gosta do mistério. A lição se grava melhor no coração quando nós a procuramos.

─ Encontrá-la-eis no desenvolvimento. Desejo ser lido, e a moral necessita de um disfarce sob a atração do prazer.




Considerações sobre o Espírito batedor de Bergzabern

Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — Maio de 1858 > Considerações sobre o Espírito batedor de Bergzabern

Allan Kardec continua o assunto do post anterior sobre o Espírito batedor com novos fatos. Ele pareceu não querer estender o anterior e prosseguiu seu texto com esse novo título ao qual vamos nos reportar agora.

Como a doutrina considera o Espírito batedor de Bergzabern

É fácil dar a explicação solicitada pelo narrador que acabamos de citar: Só existe uma, a que é dada pela Doutrina Espírita. Esses fenômenos nada têm de extraordinário para as pessoas familiarizadas com aqueles a que nos habituaram os Espíritos. Sabe-se o papel que certas criaturas emprestam à imaginação. Sem dúvida, se a menina apenas tivesse tido visões, os partidários da alucinação ter-se-iam embandeirado. Mas aqui havia efeitos materiais de natureza inequívoca e que tiveram um grande número de testemunhas. Era preciso admitir que todos estivessem alucinados a ponto de pensarem ouvir aquilo que não ouviam e verem movimento em coisas imóveis. Ora, nisso estaria um fenômeno ainda mais extraordinário.

Espírito batedor
O Espírito batedor

Como ocorre a hierarquia dos Espíritos?

Aos incrédulos resta apenas um recurso: negar. É mais fácil e dispensa o raciocínio.

Examinando as coisas do ponto de vista espírita, torna-se evidente que o Espírito que se manifestou era inferior ao da menina, pois lhe obedecia; subordinava-se até aos assistentes, pois esses lhe davam ordens. Se não soubéssemos pela Doutrina que os chamados Espíritos batedores estão na parte inferior da escala, aquilo que se passou nos seria uma prova disso.

Realmente não se conceberia que um Espírito elevado, assim como os nossos sábios e nossos filósofos, viesse divertir-se em bater marchas e valsas e, numa palavra, representar o papel de jogral ou submeter-se aos caprichos dos seres humanos. Ele se mostra com as feições de criatura mal-encarada, circunstância que apenas corrobora esta opinião. Em geral a moral se reflete no envoltório. Está, pois, demonstrado para nós que o batedor de Bergzabern é um Espírito inferior, da classe dos Espíritos levianos, que se manifestou como antes outros o fizeram e ainda o fazem em nossos dias.

Por que o batedor se manifestou?

Mas, com que propósito se manifestou? A notícia não diz que tenha sido chamado. Hoje, que estamos mais experimentados nestas coisas, não se deixaria entrar um visitante tão estranho sem que ele informasse quais os seus propósitos. Apenas podemos fazer uma conjectura. É verdade que nada fez ele que revelasse maldade ou má intenção, pois a menina não sofreu nenhum distúrbio físico ou moral. Só os homens poderiam ter chocado a sua moral, ferindo-lhe a imaginação com contos ridículos. Por sorte não o fizeram. Esse Espírito, por mais inferior que fosse, nem era mau nem malévolo. Era apenas um desses Espíritos tão numerosos, dos quais, por vezes e malgrado nosso, estamos rodeados. Ele pode ter agido naquelas circunstâncias por um mero capricho, como também poderia fazê-lo por instigação de Espíritos elevados, com o fito de despertar a atenção dos homens e convencê-los da realidade de um poder superior, fora do mundo corpóreo.

Faculdade de fenômenos físicos

Quanto à criança, é certo que era um desses médiuns de influência física, dotados, malgrado seu, de tal faculdade, e que estão para os outros médiuns assim como os sonâmbulos naturais estão para os sonâmbulos magnéticos. Dirigida com prudência por um homem experimentado nesta nova Ciência, essa faculdade poderia ter produzido coisas ainda mais extraordinárias e de natureza a lançar nova luz sobre esses fenômenos, que são maravilhosos apenas porque não são compreendidos.




Espírito batedor de Bergzabern I

 Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Maio > O Espírito batedor de Bergzabern I

Uma celeuma na Baviera

Já tínhamos ouvido falar de certos fenômenos espíritas que em 1852 haviam causado enorme celeuma na Baviera renana, nas cercanias de Spira; sabíamos até que havia sido publicada uma brochura em alemão, com um relato autêntico. Depois de longas e infrutíferas buscas, uma senhora, nossa assinante da Alsácia, demonstrando grande interesse e perseverança, pelo que lhe somos imensamente agradecidos, conseguiu um exemplar daquela brochura e no-la ofereceu.

Kardec deu aqui a sua tradução in extenso, esperando seja lida com tanto maior interesse quanto mais uma vez vem provar que fatos desse gênero são de todos os tempos e lugares, desde que estes ocorreram numa época em que apenas se começava a falar em Espíritos.

A Brochura

Prefácio

Há vários meses um acontecimento singular constitui o assunto de todas as conversas em nossa cidade e suas imediações. Referimo-nos ao Batedor, como é chamado, da casa do alfaiate Pedro Sänger.

Fizeram abster-se de qualquer relato em sua folha ─ o Jornal de Bergzabern ─ das manifestações que desde 1.º de janeiro de 1852 se produzem naquela casa. Como, porém, chamaram a atenção geral a tal ponto que as autoridades se sentiram no dever de pedir ao Dr. Bentner uma explicação para o caso e o Dr. Dupping, de Spira, chegou a ir ao local para observar os fatos, não nos podemos por mais tempo furtar ao dever de lhes dar publicidade.

Quanto a nós, limitar-nos-emos ao simples relato dos fatos, principalmente daqueles que testemunhamos ou que ouvimos de pessoas dignas de fé. O leitor que forme a sua opinião.

A introdução foi assinada por F. A. Blanck, Redator do Jornal de Bergzabern, em maio de 1852.

Os primeiros golpes do batedor de Bergzabern

A 1.º de janeiro deste ano, em Bergzabern, na casa em que residia, e no quarto vizinho à sala de estar, a família de Pedro Sänger ouviu um como martelar, que começava por golpes surdos e como se viessem de longe, e que se tornavam progressivamente mais fortes e distintos. Esses golpes pareciam desferidos na parede, junto à qual se achava o leito de sua filha de doze anos de idade.

Habitualmente, o ruído era ouvido entre nove e meia e dez e meia. A princípio o casal não ligou importância; como, porém, essa singularidade se repetisse todas as noites, pensaram que viesse da casa vizinha, onde talvez um doente se distraísse tamborilando na parede. Logo, entretanto, se convenceram de que não havia tal doente, nem ele poderia ser a causa do ruído. Foi revolvido o chão do quarto; a parede foi derrubada, mas tudo sem resultado. A cama foi mudada para o lado oposto do quarto: então ─ coisa admirável ─ o ruído mudou de lugar e era percebido assim que a menina dormia.

Era claro que de algum modo a garota participava da manifestação daquele ruído. Depois das inúteis pesquisas da polícia, começou-se a pensar que o fato deveria ser atribuído a uma doença da criança ou a uma particularidade de sua conformação. Entretanto, até agora nada veio confirmar tal suposição. É ainda um enigma para os médicos.

Com a espera, a coisa se desenvolveu: o ruído prolongou-se por mais de uma hora e os golpes eram vibrados com mais força. A menina mudou de cama e de quarto, mas o batedor se manifestou nesse outro quarto; debaixo da cama; na cama e na parede. Os golpes não eram idênticos: ora mais fortes, ora mais fracos e isolados, ora, enfim, sucedendo-se rapidamente e seguindo o ritmo das marchas militares e das danças.

Estado sonambúlico da menina

A menina ocupava desde alguns dias o quarto mencionado, quando notaram que, durante o seu sono, ela emitia palavras curtas e incoerentes. As palavras logo se tornaram mais distintas e mais inteligíveis; parecia que a criança falava com outra pessoa sobre a qual ela tinha autoridade. Entre os fatos que diariamente se produziam, o autor desta brochura relata um, do qual foi testemunha:

A criança achava-se na cama, deitada sobre o lado esquerdo. Apenas adormecida, os golpes começaram e assim começou ela a falar: “Você, você! Bata uma marcha!” E o batedor marcou uma que se parecia muito com uma marcha bávara. À ordem de “alto!” dada pela menina, o batedor parou. Então ela ordenou: “Bata três, seis, nove vezes”. O batedor executou a ordem. A uma nova ordem de bater 19 golpes, ouviram-se 20 batidas, ao que retorquiu a menina adormecida: “Não está certo; foram 20 batidas”. Logo foi possível contar 19 golpes. A seguir ela pediu 30 pancadas e as 30 foram ouvidas. À ordem de 100 pancadas só foi possível contar até 40, tão rápidos eram os golpes. Soado o último golpe a menina disse: “Muito bem! Agora 110”. Então só nos foi possível contar até cerca de 50. Ao último golpe disse a dorminhoca: “Não está certo. Você deu apenas 106”; e logo se fizeram ouvir as 4 pancadas para completar as 110. Depois ela pediu: “Mil!” Foram batidas apenas 15. “Ora, vamos!” O batedor marcou ainda 5 golpes e parou.

Então os assistentes tiveram a ideia de dar ordens diretamente ao batedor, o qual as executou. Parava quando recebia a ordem de “Alto! Silêncio! Basta!” Depois, por si mesmo e sem comando, recomeçava a bater. Um dos assistentes disse, em voz baixa, num canto do quarto, que queria comandar apenas por pensamento, para que fossem dadas 6 batidas. Então o experimentador postou-se junto ao leito e não disse uma só palavra: foram ouvidas as 6 pancadas. Ainda por pensamento foram pedidas 4 e os 4 golpes foram ouvidos. A mesma experiência foi tentada por outras pessoas, mas nem sempre deu bom resultado.

Em breve a menina espreguiçou-se, afastou as cobertas e levantou-se.

O Espírito batedor é reconhecido

Quando lhe perguntaram o que havia acontecido, respondeu que tinha visto um homem grande e mal-encarado, junto a seu leito, e que lhe apertava os joelhos. Acrescentou que sentia dor nos joelhos quando o homem batia. Ela adormeceu novamente e as manifestações prosseguiram até que o relógio bateu onze horas. De repente o batedor parou, a menina entrou em sono tranquilo, reconhecido pela regularidade da respiração e naquela noite nada mais foi ouvido.

Observamos que o batedor obedecia à ordem de marcar marchas militares. Várias pessoas afirmaram que quando se lhe pedia uma marcha russa, austríaca ou francesa, ela era marcada com muita exatidão.

A 25 de fevereiro, estando adormecida, a menina disse: “Agora você não quer mais bater; quer arranhar. Está bem! Quero ver como você fará isso.” Com efeito, no dia seguinte, 26, em vez dos golpes ouvia-se um arranhar que parecia vir da cama e que se manifestou até hoje. As batidas se misturaram à raspagem, ora alternadas, ora simultaneamente, de tal modo que nas árias de marcha ou de dança a raspagem marcava os tempos fortes e a batida os tempos fracos. Conforme os pedidos, a hora do dia ou a idade das pessoas eram indicadas por golpes secos ou pela raspagem. Em relação à idade das pessoas, às vezes havia erros, logo corrigidos na segunda ou terceira tentativa, desde que se dissesse que o número tinha sido marcado erradamente. Algumas vezes, em lugar de dar a idade pedida, o batedor executava uma marcha.

A linguagem da menina aperfeiçoa-se

Dia a dia a linguagem da criança, durante o sono, tornava-se mais perfeita. Aquilo que a princípio não passava de simples palavras ou de ordens rápidas ao batedor, transformou-se, com o tempo, numa conversa encadeada com os pais. Assim, um dia se entreteve com a irmã mais velha sobre assuntos religiosos, num tom de exortação e de ensino, dizendo-lhe que ela devia ir à missa, fazer as preces todos os dias e mostrar submissão e obediência aos pais. À noite retomou o mesmo assunto. Em seus ensinamentos, nada havia de teológico, mas apenas algumas daquelas noções que se aprendem na escola.

Antes dessas conversas ouviam-se durante uma hora, pelo menos, pancadas e arranhões, não só durante o sono da menina, mas até em seu estado de vigília. Vimo-la comer e beber enquanto as batidas e raspagens eram ouvidas, do mesmo modo que, estando acordada, tínhamos ouvido a transmissão de ordens ao batedor, as quais foram todas executadas.

Na noite de sábado, 6 de março, várias pessoas se reuniram em casa dos Sänger, pois estando desperta a menina, havia predito durante o dia que o batedor apareceria às nove horas da noite. Ao bater essa hora, quatro golpes tão violentos foram desferidos na parede que os assistentes se assustaram. Logo, e pela primeira vez, as batidas foram dadas na madeira da cama e exteriormente. O leito foi todo abalado. Esses golpes se manifestaram de todos os lados da cama, ora num, ora noutro lugar. Pancadas e arranhões alternavam-se. A uma ordem da menina e das pessoas presentes, ora os golpes se ouviam no interior da cama, ora externamente. De repente o leito levantou-se em sentidos diferentes, enquanto os golpes eram desferidos com força. Mais de cinco pessoas em vão tentaram repor o leito no lugar, e quando desistiram da tentativa, ele ainda se balançou por alguns instantes, depois do que tomou a sua posição natural. Este fato já havia ocorrido uma vez, antes dessa manifestação pública.

Batedor de Bergzabern
Vista da cidade de Bergzabern, na Alemanha.

O discurso da jovem

Todas as noites a menina fazia uma espécie de discurso, de que falaremos de modo sucinto.

Antes de mais nada, é preciso notar que ela, assim que baixava a cabeça, logo adormecia e começavam os golpes e as arranhaduras. Com as batidas ela gemia, agitava as pernas e parecia sentir-se mal. Já o mesmo não acontecia com as raspagens. Chegado o momento de falar, a menina deitava-se em decúbito dorsal, o rosto tornava-se pálido, assim como as mãos e os braços. Ela acenava com a mão direita e dizia: “Vamos! Venha para perto de minha cama e junte as mãos. Vou lhe falar do Salvador do mundo”. Então cessavam batidas e arranhaduras e todos os assistentes ouviam com respeitosa atenção o discurso da adormecida.

Ela falava com vagar e de modo muito inteligível em puro alemão, o que surpreendia tanto mais quanto mais se sabia que ela era menos adiantada que seus colegas de colégio, nessa matéria, o que certamente era devido a uma doença dos olhos, que lhe dificultava o estudo. Suas palestras discorriam sobre a vida e as ações de Jesus desde os doze anos; sua presença no templo entre os escribas; seus benefícios à Humanidade e os seus milagres. Depois se entretinha em descrever os seus sofrimentos e censurava duramente os judeus por terem crucificado Jesus, apesar de seus atos de bondade e de suas bênçãos. Terminando, a menina dirigia a Deus uma fervorosa prece, pedindo que “lhe concedesse a graça de suportar com resignação os sofrimentos que lhe tinha enviado, pois que a havia escolhido para entrar em comunicação com o Espírito”. Pedia a Deus para não morrer ainda, pois era criança e não queria descer ao túmulo escuro. Terminadas as suas prédicas, recitava com uma voz solene o Pater noster, depois do que dizia: “Agora você pode vir”. Imediatamente recomeçavam as batidas e arranhaduras. Ela ainda falou duas vezes ao Espírito e, a cada uma delas, o batedor parava. Dizia ainda algumas palavras e acrescentava: “Agora você pode ir, em nome de Deus”. E despertava.

Durante essas palestras os olhos da menina ficavam bem fechados, mas os lábios se mexiam. As pessoas mais próximas do leito podiam observar-lhe os movimentos. A voz era pura e harmoniosa.

Despertando, perguntavam-lhe o que tinha visto e o que se havia passado. Ela respondia:

— O homem que vem me ver.

— Onde está ele?

— Perto de minha cama, com as outras pessoas.

— Você viu as outras pessoas?

— Vi todos os que estavam perto da minha cama.

Incredulidade das manifestações

É fácil compreender que tais manifestações encontrassem muitos incrédulos. Chegou-se mesmo a pensar que toda essa história era pura mistificação. Mas o pai era incapaz de palhaçadas, sobretudo de uma palhaçada que exigia toda a habilidade de um prestidigitador profissional. Ele goza da reputação de homem decente e honesto.

Para responder e fazer cessar a suspeita, a menina foi levada para uma casa estranha. Apenas lá chegando, ouviram-se as batidas e arranhaduras. Além disso, alguns dias antes ela tinha ido com a mãe a uma pequena aldeia chamada Capela, a cerca de meia légua de distância, à casa da viúva Klein. Como ela disse que estava cansada, deitaram-na num canapé, e imediatamente o mesmo fenômeno se produziu. Várias testemunhas o podem afirmar. Posto a criança tivesse um aspecto saudável, devia ser afetada por uma doença que, se não ficasse provada pelas manifestações acima relatadas, pelo menos pelos movimentos involuntários dos músculos e dos abalos nervosos.

Para terminar, faremos notar que há algumas semanas a menina foi levada ao Dr. Bentner, com quem ficou, a fim de que esse sábio pudesse estudar mais de perto os fenômenos em apreço. Desde então cessou todo barulho em casa da família Sänger, passando a produzir-se na do Dr. Bentner.

São estes, com toda a sua autenticidade, os fatos que se passaram. Entregamo-los ao público sem emitir opinião. Possam os homens da Medicina dar-lhes em breve uma explicação satisfatória.

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Teoria das manifestações físicas I

Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Maio > Teoria das manifestações físicas I

Nesta Revista Espírita, Allan Kardec coloca que é fácil conceber a influência moral dos Espíritos e as relações que possam ter com a nossa alma, ou com o Espírito em nós encarnado. Compreende-se que dois seres da mesma natureza possam comunicar-se pelo pensamento, que é um de seus atributos, sem o concurso dos órgãos da palavra. Já é, entretanto, mais difícil dar-nos conta dos efeitos materiais que eles podem produzir, tais como os ruídos, o movimento dos corpos sólidos, as aparições e sobretudo as aparições tangíveis.

A Teoria de manifestações defendida por Kardec

A teoria que Kardec defende é a de que o Espírito, sendo imaterial por definição, algo ainda tem de matéria, pois se nada tivesse, nada seria.

Encarnado no corpo, o Espírito constitui a alma. Quando o deixa, com a morte, não sai despojado de todo o envoltório. Dizem-nos todos que conservam a forma que tinham quando vivos; realmente, quando nos aparecem, em geral é sob a forma por que os conhecíamos.

Observemo-los atentamente, no instante em que deixam a vida: eles se acham em estado de perturbação; ao seu redor tudo é confuso; veem o próprio corpo, inteiro ou mutilado, conforme o gênero de morte. Por outro lado, veem-se e sentem-se vivos; algo lhes diz que aquele é o seu corpo, mas não compreendem como podem estar separados. O laço que os unia ainda não está, pois, rompido completamente.

Após o momento de perturbação, o espírito vê-se livre do envoltório carnal que lhe servia como uma gaiola, da qual se despojaram sem pesar, mas continuam a se ver em sua forma primitiva. 

Certas manifestações produzidas pelo Sr. Home e por outros médiuns do mesmo gênero ocorrem com aparecimento de mãos que têm todas as propriedades das vivas, que tocamos, que nos seguram e que se desfazem repentinamente.

Que devemos concluir disso? Veja os conceitos mais marcantes presentes na Revista:

A alma e o perispírito

A alma não deixa tudo no caixão: leva algo consigo.

Há em nós duas espécies de matéria: uma grosseira, que constitui o envoltório exterior; a outra sutil e indestrutível. A morte é a destruição, ou melhor, a desagregação da primeira, daquela abandonada pela alma; a outra se destaca e segue a alma que, assim, continua tendo sempre um envoltório.

A esse envoltório denominamos perispírito. Essa matéria sutil, por assim dizer extraída de todas as partes do corpo a que estava ligada durante a vida, conserva a forma daquele. Eis por que todos os Espíritos são vistos e por que nos aparecem tais quais eram em vida.

O perispírito não tem a tenacidade nem a rigidez da matéria compacta do corpo: é flexível e expansiva. Eis por que a forma que toma, muito embora calcada sobre a do corpo, não é absoluta: dobra-se à vontade do Espírito, que lhe dá, conforme queira, esta ou aquela aparência, enquanto que o envoltório sólido lhe oferece uma resistência intransponível.

Desembaraçando-se desse entrave que o comprimia, o perispírito distende-se ou se contrai; transforma-se e, numa palavra, presta-se a todas as metamorfoses, de acordo com a vontade que sobre ele atua.

Kardec assinala que, por extensos estudos, a matéria sutil que constitui o segundo envoltório do Espírito só pouco a pouco se desprende do corpo, e não instantaneamente.

Dito isso, a experiência ainda prova que a duração desse desprendimento varia conforme os indivíduos. Em alguns opera-se em três ou quatro dias, ao passo que noutros não se completa senão ao cabo de vários meses.

Como ocorre a separação do Espírito após a morte do corpo?

Em algumas pessoas a separação começa antes da morte: são as que em vida se elevaram pelo pensamento e pela pureza de seus sentimentos, acima das coisas materiais.

Nelas a morte encontra apenas fracos liames entre a alma e o corpo e que se rompem quase instantaneamente. Quanto mais materialmente viveu o homem; quanto mais seus pensamentos foram absorvidos nos prazeres e nas preocupações da personalidade, tanto mais tenazes são aqueles laços. Parece que a matéria sutil se identifica com a matéria compacta e que entre elas se estabelece uma coesão molecular. Eis por que só se separam lentamente e com dificuldade.

Nos primeiros instantes que se seguem à morte, quando ainda existe união entre o corpo e o perispírito, este conserva muito melhor a impressão da forma corpórea, da qual, por assim dizer, reflete todas as nuanças e mesmo todos os acidentes. Eis por que um supliciado nos dizia, alguns dias após a sua execução: Se me pudésseis ver, ver-me-íeis com a cabeça separada do tronco. Um homem que tinha sido assassinado nos dizia: Vede a ferida que me fizeram no coração. Pensava ele que poderíamos vê-lo.

Teoria das manifestações físicas
Teoria das manifestações físicas

Sensação dos Espíritos

Imaginemos o Espírito revestido de seu envoltório semimaterial, ou perispírito, tendo a forma ou aparência que possuiu quando vivo. Alguns até se servem desta expressão para se designarem: minha aparência está em tal lugar. A matéria desse envoltório é suficientemente sutil para escapar à nossa vista em seu estado normal, mas não é completamente invisível. Para começar, vemo-lo pelos olhos da alma, nas visões produzidas durante os sonhos. Mas não é disto que nos queremos ocupar. Nessa matéria eterizada pode haver uma modificação; o próprio Espírito pode fazê-la sofrer uma espécie de condensação que a torna perceptível aos olhos do corpo. É o que ocorre nas aparições vaporosas. A sutileza dessa matéria lhe permite atravessar os corpos sólidos, razão por que tais aparições não encontram obstáculos e por que tantas vezes desaparecem através das paredes.

A condensação pode chegar ao ponto de produzir a resistência e a tangibilidade. É o caso das mãos que podemos ver e tocar. Mas essa condensação ─ e esta é a única palavra de que nos podemos servir, para dar uma ideia, embora imperfeita, de nosso pensamento ─ esta condensação, íamos dizendo, ou ainda essa solidificação da matéria etérea, é apenas temporária ou acidental, porque esse não é o seu estado normal. Eis por que, em um dado momento, as aparições tangíveis nos escapam como uma sombra. Assim, do mesmo modo que um corpo se nos apresenta em estado sólido, líquido ou gasoso, conforme o grau de condensação, assim a matéria etérea do perispírito pode aparecer-nos em estado sólido, vaporoso visível ou vaporoso invisível.

Como a matéria espiritual aparece para nós?

A mão aparente, tangível, oferece uma resistência: exerce pressão, deixa impressões, opera uma tração sobre os objetos que seguramos. Nela há, pois, uma força. Ora, estes fatos, que não são hipóteses, podem levar-nos à explicação das manifestações físicas.

Notemos, antes de mais nada, que essa mão obedece a uma inteligência, pois age espontaneamente; dá sinais inequívocos de uma vontade e obedece a um pensamento: pertence, pois, a um ser completo, que só nos mostra essa parte de si mesmo, e a prova é que produz impressões com as partes invisíveis; os dentes deixam marcas na pele e produzem dor.

Entre as diversas manifestações, uma das mais interessantes é, sem dúvida, o toque espontâneo de instrumentos de música. Os pianos e acordeons são aparentemente os instrumentos prediletos. Este fenômeno é explicado muito naturalmente pelo que precede. A mão que tem a força para apanhar um objeto, também pode tê-la para fazer pressão sobre as teclas e fazê-las soar. Aliás, por diversas vezes vimos os dedos em ação, e quando a mão não é vista, veem-se as teclas em movimento e o fole a distender-se e fechar-se. As teclas só podem ser movidas por mão invisível, a qual dá mostras de inteligência, tocando árias perfeitamente ritmadas e não sons incoerentes.

Desde que essa mão pode enfiar-nos as unhas na carne, beliscar-nos, arrebatar aquilo que temos na mão; desde que a vemos apanhar e transportar um objeto, assim como nós o faríamos, também nos pode dar pancadas, erguer e derrubar uma mesa, tocar uma campainha, puxar uma cortina e até mesmo nos dar uma bofetada invisível.

Perguntarão talvez como essa mão, no estado vaporoso invisível, pode ter a mesma força que no estado tangível. E por que não? Vemos o ar derrubar edifícios, o gás lançar projéteis, a eletricidade transmitir sinais, o fluido do ímã levantar massas? Por que a matéria etérea do perispírito seria menos poderosa? Mas não a queiramos submeter às nossas experiências de laboratório e às nossas fórmulas algébricas. Principalmente pelo fato de havermos tomado os gases como termo de comparação, não lhes vamos atribuir propriedades idênticas, nem computar sua força do mesmo modo pelo qual calculamos a do vapor. Até agora ela escapa a todos os nossos instrumentos. É uma nova ordem de ideias, fora da competência das ciências exatas. Eis por que essas ciências não nos oferecem a aptidão especial para apreciá-las.

O movimento dos corpos

Damos esta teoria do movimento dos corpos sólidos sob a influência dos Espíritos apenas para mostrar a questão sob todos os seus aspectos e provar que, sem nos afastarmos muito das ideias recebidas, é possível dar-nos conta da ação dos Espíritos sobre a matéria inerte. Há, porém, uma outra, de alto alcance filosófico, dada pelos próprios Espíritos, e que lança sobre este problema uma luz inteiramente nova. Ela será mais bem compreendida depois que a tiverem lido. Aliás, é útil conhecer todos os sistemas, a fim de poder compará-los.

Resta agora explicar como se opera essa modificação da substância etérea do perispírito; por que processo o Espírito opera e, em consequência, o papel dos médiuns de influência física na produção desses fenômenos; aquilo que em tais circunstâncias neles se passa; a causa e a natureza de suas faculdades, etc.

É o que se fará no próximo artigo.