Curiosidade: o processo dos espíritas

O artigo “uma nova descoberta fotográfica”, da Revista Espírita de Julho de 1858, abriu margem para relembrar esse fato bastante conhecido no meio espírita.

Recebeu tal nome o triste caso do processo instaurado contra o sr. Pierre-Gaëtan Leymarie e os srs. Buguet e Firman, em 1875, após estes passarem a publicar, na Revista Espírita, supostas fotografias espirituais.

Para alguns, o processo se baseou em falsas acusações de que esse senhor estava publicando fotografias fraudulentas de Espíritos desencarnados (ver “Processo dos Espíritas”, por Marina Leymarie).

Para outros, a fraude foi real e bem documentada. Cita Simoni Privato, em sua obra O Legado de Allan Kardec, que Leymarie não tomou os devidos cuidados que o próprio mestre teria cuidado, de forma que se sujeitou a apoiar práticas nitidamente controversas, dentre elas a promoção, na R.E., das sessões mediúnicas pagas que o médium Alfred Henry Firman realizava, duas vezes por semana.

Cita Simoni Privato, em O Legado de Allan Kardec:

“Ao tomar conhecimento de que o fotógrafo Édouard Buguet estava obtendo, em Paris, fotografias de Espíritos, Leymarie, juntamente com um grupo de pessoas, investigou esses fenômenos no final de 1873. Naquela ocasião, Leymarie era o único administrador e o representante de todos os membros da Sociedade Anônima, além de secretário-gerente e redator da Revista Espírita.”

“Leymarie começou a anunciar, na Revista Espírita, o trabalho fotográfico de Buguet. Apresentou o fotógrafo como “um artista sem pretensões, pleno de amabilidade, que aprecia muito sua faculdade pelo que esta é, ou seja, um ato puro e simples de mediunidade”. Informou também as condições que os interessados deveriam cumprir para realizar as experiências com Buguet e o preço do serviço. Em suma, Leymarie apoiava e incentivava publicamente, na Revista Espírita, a prática mediúnica remunerada”.




Uma nova descoberta fotográfica

Nesse artigo, Kardec traz um caso muito peculiar: após a morte de um homem, o Sr. Badet, que tinha por hábito ficar observando a rua, de sua janela, algumas pessoas passaram a notar sua imagem impressa no vidro – um fenômeno até então desconhecido.

Apresentando o fato à família, esta prontamente destruiu aquela vidraça, encerrando, porventura, uma possibilidade de estudos bastante oportuna.

Kardec, vendo a oportunidade de aprendizado pelo próprio Espírito, faz sua evocação. Este dá algumas informações importantes:

  • O fenômeno foi verdadeiro, mas involuntário. Produziu-se através de agentes físicos que até então eram desconhecidos – e cremos que ainda são – que, atuando sobre o perispírito, imprimiu sua imagem na vidraça.
  • Respondendo à indagação de Kardec sobre a possibilidade de revelar os fatores que produziram tal fenômeno, ele responde: “Eu gostaria, mas isto é tarefa de outros Espíritos e do trabalho humano
  • Enquanto os assistentes discutiam sobre algumas hipóteses, o próprio Espírito do Sr. Badet comunicou-se espontaneamente:

  “E não levais em conta a eletricidade e a galvanoplastia, que agem também sobre o perispírito?”

-O fato da destruição do vidro, pela família, arranca de Kardec a seguinte expressão, com a qual termina o artigo:

Tão curioso monumento teria facilitado as pesquisas e as observações para o adequado estudo da questão. Talvez tivessem visto nessa imagem uma arte do diabo. Em todo caso, se de alguma sorte o diabo está metido nisso, é seguramente na destruição do vidro, porque ele é inimigo do progresso.

Imaginamos o quão indignado Kardec se sentia ante a tais acontecimentos.




A inveja

Kardec inicia o mês trazendo uma dissertação moral, desta vez através do “Sr. D.”¹, médium que, até o presente momento, não pudemos identificar.

São interessantes as observações que o professor faz a respeito desse médium, pois, destaca, estava apenas iniciando o desenvolvimento de sua mediunidade e, por isso, duvidava um pouco de suas capacidades.

Tendo o Sr. D. expressado sua vontade de intermediar uma comunicação de São Luis, foi de pronto atendido, não como forma de provar qualquer coisa, mas porque o pedido foi genuíno e sincero, sem segundas intenções. Apenas duvidava de si mesmo.

“Hoje, o Sr. D… é um dos médiuns mais completos, não só pela grande facilidade de atuação, como por sua aptidão em servir de intérprete a todos os Espíritos, mesmo os das mais elevadas categorias, os quais por seu intermédio se exprimem facilmente e de boa vontade”

“São essas, sobretudo, as qualidades que devemos procurar nos médiuns e que podem sempre ser adquiridas com paciência, vontade e exercício. O Sr. D… não necessitou de muita paciência; dispunha da vontade e do fervor, aliados à aptidão natural. Poucos dias bastaram para levar sua faculdade ao mais alto grau”

E segue com a apresentação da dissertação moral, do qual destacamos o seguinte trecho:

“Ele se debate na sua impotência, vítima do horrível suplício da inveja, feliz ainda se essas ideias funestas não o levam às bordas de um abismo. Entrando nessa via, a si mesmo pergunta se não deve obter pela violência aquilo que julga ser-lhe devido; se não irá expor aos olhos de todos o terrível mal que o devora. Se esse infeliz tivesse olhado somente para baixo de sua posição, teria visto a quantidade daqueles que sofrem sem um lamento e ainda bendizem o Criador, porque a desgraça é um benefício de que Deus se serve para fazer a pobre criatura avançar até o seu trono eterno.”

Comentários

Vejamos o espaço que Kardec dava aos conteúdos de fundo moral, sem tirar espaço do aspecto principal do Espiritismo, que era a investigação científica para a ininterrupta formação de toda uma Doutrina.

Hoje, infelizmente, se faz o contrário. Espiritismo virou apenas moral, centros espíritas se resumem a palestras e passes e chegamos ao cúmulo de ouvir opiniões do tipo “neste momento, precisamos deixar de lado até mesmo as reuniões de assistência aos Espíritos, pois o que mais importa é nossa mudança urgente a fim de não perder o direito de continuar reencarnando na Terra, que está entrando em uma nova era”.


1. Alfred Jean Baptiste Didier?

Esse médium foi muito ativo na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas – SPEE, sendo muito utilizado por Lamennais. Após sua saída da Sociedade, em 1865, se dedicou à pintura




Correspondência – Marius M

Nessa carta, um assinante da Revista Espírita diz que há cerca de 18 meses evocavam em seu pequeno círculo íntimo um antigo antepassado, falecido em 1756, virtuoso e superior.  

Esse Espírito disse a eles estar encarnado em Júpiter e reproduziu os mesmos detalhes que Mozart (e outros) também descreveu a Kardec, tanto fisicamente quanto moralmente, e até mesmo quanto à condição dos animais.  

Como houvesse coisas que tínhamos dificuldade de compreender, nosso parente ajuntou estas palavras notáveis: “Não é de admirar que não compreendais coisas para as quais não foram feitos os vossos sentidos, mas, à medida que avançardes na Ciência, compreendê-las-eis melhor pelo pensamento e elas deixarão de vos parecer extraordinárias. Não está longe a época em que recebereis mais completos esclarecimentos sobre este ponto. Estão os Espíritos encarregados de vos instruir a respeito, a fim de vos dar um objetivo e de vos motivar para bem.” Lendo vossa descrição e o anúncio dos desenhos de que falais, naturalmente pensamos que era chegado o momento.

O Sr. Marius segue fazendo observações a respeito das conclusões morais que tiraram dessas comunicações, sendo que, para eles, se tornou muito importante a necessidade de se elevarem pelo aperfeiçoamento próprio a fim de que possam merecer viver, um dia, em um lugar como esse. Também fala a respeito dos céticos, que jamais acreditariam em tais relatos.  

Fazemos uma ideia de países que nunca vimos, pela descrição dos viajantes, quando entre eles há coincidência. Por que não se daria o mesmo em relação aos Espíritos?  

Por que não poderíamos ou não deveríamos, portanto, acreditar nos vários relatos mais atuais que existem a respeito de “cidades espirituais”? Já vamos falar sobre isso.

 Em resposta, Kardec diz:

Somos felizes pela comunicação que nos promete a respeito de Júpiter. A coincidência que assinala não é a única, como podemos ver no artigo sobre o assunto. Ora, seja qual for a opinião que se tenha a respeito, não deixa de ser matéria de observação. O mundo espírita está cheio de mistérios que devem ser estudados com muito cuidado. As consequências morais que daí extrai o nosso correspondente são caracterizadas por uma lógica que a ninguém passará despercebida.    

Sobre os desenhos, dos quais o Sr. Marius solicitou uma impressão, Kardec diz que seria demasiado complicado e caro para reproduzi-los. Diz, porém, que o assunto estava em solução, pois o médium desenhista, Sr. Sardou, tornara-se médium gravador, passando a fazer os desenhos diretamente sobre o cobre!

Conclusões

Se Kardec e seu correspondente, dentre tantos outros, apresentaram relatos de cidades diáfanas em Júpiter, porque, então, não poderíamos aceitar os relatos sobre os mais diversos tipos de lugares no plano espiritual, conforme outros relatos mais atuais atestam?    

Bem, aqui temos alguns problemas a considerar. O primeiro deles é que, na época de Kardec, pela enorme dificuldade de comunicação entre as distâncias, os relatos que eram obtidos em pontos distintos da Europa e das Américas poderia ser mais facilmente aceito sem a sombra das ideias pré-concebidas ou “contaminadas”.    

Além disso, precisamos considerar o que fica muito evidente em toda a obra de Kardec: a importância da Concordância Universal do Ensinamento dos Espíritos.

Outro problema a se destacar é que os relatos de Júpiter falam de um planeta, onde existe uma civilização de Espíritos encarnados, embora em matéria muito mais sutil que a nossa, sendo que as estruturas moleculares gerais respeitam as mesmas características de sutileza.    

Já os relatos como os de André Luiz, dentre tantos outros, fazem entender que tais cidades estariam localizadas no espaço errante, isto é, os Espíritos entre as encarnações fariam criação e uso dessas cidades. Isso não é de todo impossível, embora alguns detalhes desses relatos não pareçam fazer muito sentido. Contudo…    

É algo do qual nunca antes nenhum Espírito havia falado. Na verdade, os relatos de Espíritos errantes apontam para o contrário: o de que apenas os Espíritos muito materialistas se prenderiam a tais conceitos e “locais”.

A grande questão aqui, portanto, é apenas destacar o cuidado que devemos ter. Não devemos descartar nem aceitar uma ideia ou conceito que não tenha passado pela CUEE. E aqui, fica uma lição de modo geral, porque, junto com tais ideias, muitas vezes são transmitidas ideias controversas, complicadas e, às vezes, até contrárias à Doutrina.

Lembramos que Ramatis (supostamente) também se aventurou a dar tais tipos de descrições, no caso sobre Marte. Contudo, foi uma comunicação isolada, com detalhes estranhos e supérfluos, além de muitos deles já terem sido desmentidos pela Ciência humana.

Hoje, a disseminação fácil de certas ideias torna muito fácil a “contaminação” das comunicações, até porque os psicógrafos mecânicos parecem estar em falta e, como tais médiuns eram comumente colocados em estado de “transe hipnótico”, o magnetismo também precisa voltar a ser estudado, entendido e praticado.  

Portanto, para investigar esses temas de importância, será necessário tomar um caminho diverso, com ainda mais rigor científico do que aquele já empregado por Kardec.    

O caminho ainda é longo.




Correspondência – Sr. Jobard

 Nessa seção são apresentadas algumas correspondências de interesse. A primeira delas é uma carta do Sr. Jobard (Marcellin Jobard), uma verdadeira proclamação de suas crenças no Espiritismo:

Recebo e leio com avidez a vossa Revista Espírita e recomendo aos meus amigos, não a simples leitura, mas o estudo aprofundado do vosso Livro dos Espíritos. Muito lamento que minhas preocupações físicas não me deixem tempo para os estudos metafísicos, embora os tenha levado bastante longe para sentir quanto estais perto da verdade absoluta, sobretudo quando vejo a perfeita coincidência que existe entre as respostas que nos dão ─ a mim e a vós. Os próprios Espíritos que vos atribuem pessoalmente a redação dos vossos escritos ficam estupefatos com a profundidade e com a lógica que aí encontram.

Marcellin Jobard (17 de maio de 1792, Baissey – 27 de outubro de 1861, Bruxelas) foi um litógrafo, fotógrafo e inventor belga de origem francesa.

Fundador do primeiro estabelecimento importante de litografia da Bélgica, primeiro fotógrafo belga, diretor do Museu da Indústria de Bruxelas de 1841 a 1861, Marcellin Jobard desempenhou um papel hoje pouco conhecido no desenvolvimento artístico, científico e industrial da Bélgica durante o século XIX.

Kardec apresenta uma comunicação desse Espírito (após sua morte, em 1861) em O Céu e o Inferno – Segunda Parte – Capítulo II – Espíritos felizes » Sr. Jobard

Quanto a mim, que conheço o fenômeno e a vossa lealdade, não duvido da exatidão das explicações que vos são dadas e abjuro todas as ideias que a respeito publiquei, quando, com o Sr. Babinet, eu pensava que só houvesse nisso fenômenos físicos ou palhaçadas indignas da atenção dos sábios.

Não desanimeis, como eu não desanimo, ante a indiferença de vossos contemporâneos. O que está escrito, está escrito; o que está semeado germinará. A ideia de que a vida é uma afinação das almas, uma prova e uma expiação, é grande, consoladora, progressiva e natural.

Em resposta, Kardec elogia a posição do Sr. Jobard, sendo homem tão reconhecido, e o questiona sobre a possibilidade de publicar sua “adesão” na Revista Espírita.    

Importante, antes, notar a índole de Kardec: Os elogios contidos na carta do Sr. Jobard nos teriam impossibilitado de publicá-la, se tivessem sido dirigidos pessoalmente a nós.    

Em resposta, Jobard teria se afirmado “humilhado” pelas perguntas de Kardec, como se ele se sentisse comparado com os tolos. Contudo, informando-se consciente das dificuldades dos adeptos das novas ideias, reafirma suas decisões, fazendo uma interessante e profunda digressão.

A propósito do magnetismo, há mais de quarenta anos, fiz este raciocínio simples: é impossível que homens tão apreciáveis escrevam milhares de volumes para me fazerem crer na existência de uma coisa inexistente. Então fiz experiências por muito tempo, mas em vão, enquanto não tinha fé em obter aquilo que buscava. Fui, entretanto, bem recompensado por minha perseverança, pois consegui produzir todos os fenômenos de que ouvia falar. Depois fiz uma pausa de quinze anos. As mesas tinham surgido e eu quis ter uma ideia clara. Hoje surge o Espiritismo e eu ajo da mesma maneira.

Quando aparecer algo de novo, correrei com o mesmo ardor que emprego em acompanhar todas as descobertas modernas. É a curiosidade que me arrasta, e lamento que os selvagens não sejam curiosos, pois assim continuam selvagens. A curiosidade é a mãe da instrução.

Sei perfeitamente que essa febre de aprender, muito me prejudicou e que se tivesse ficado nessa respeitável mediocridade que conduz às honras e à fortuna, eu teria tirado a minha fatia, mas há muito tempo eu disse, de mim para mim, que me achava apenas de passagem neste albergue ordinário, onde não vale a pena fazer as malas. O que me fez suportar sem dor as adversidades, as injustiças e os roubos de que fui vítima privilegiada, foi a ideia de que aqui não existe uma felicidade ou uma desgraça pela qual valha a pena nos alegrarmos ou nos afligirmos.

Vi evocar uma pessoa viva. Ela teve uma síncope até que seu Espírito voltou. Evocai-me, para ver o que vos direi. Evocai também o Dr. Muhr, falecido no Cairo, a 4 de junho. Ele era um grande espírita e médico homeopata. Perguntai-lhe se ainda crê nos gnomos. Certamente está em Júpiter, pois era um grande Espírito, mesmo aqui na Terra; um verdadeiro profeta a ensinar, e meu melhor amigo. Estará ele contente com o artigo necrológico que lhe escrevi?    

Nota: Kardec faz a evocação e a apresenta na edição de novembro de 1858




Um pouquinho sobre a psicografia

O estudo da Revista Espírita de Julho de 1858 nos abriu espaço para um aparte importante, a respeito da Psicografia. Falamos sobre os tópicos seguintes em nosso encontro, conforme poderão ver abaixo.

De O Livro dos Médiuns    

178. De todos os meios de comunicação, a escrita manual é o mais simples, mais cômodo e, sobretudo, mais completo. Para ele devem tender todos os esforços, porquanto permite se estabeleçam, com os Espíritos, relações tão continuadas e regulares, como as que existem entre nós. Com tanto mais afinco deve ser empregado, quanto é por ele que os Espíritos revelam melhor sua natureza e o grau do seu aperfeiçoamento, ou da sua inferioridade. Pela facilidade que encontram em exprimir-se por esse meio, eles nos revelam seus mais íntimos pensamentos e nos facultam julgá-los e apreciar-lhes o valor. Para o médium, a faculdade de escrever é, além disso, a mais suscetível de desenvolver-se pelo exercício.

Médiuns Mecânicos

São aqueles cujo movimento do lápis, da caneta ou mesmo das mãos sobre um teclado se dão de forma independente à sua vontade. O movimento é ininterrupto e o médium não tem a menor consciência do que escreve.    

179. […] Quando se dá, no caso, a inconsciência absoluta, têm-se os médiuns chamados passivos ou mecânicos. É preciosa esta faculdade, por não permitir dúvida alguma sobre a independência do pensamento daquele que escreve.

Médiuns Intuitivos    

São aqueles que escrevem sob a influência do Espírito, tendo consciência do que escrevem.    

180. […] é possível reconhecer-se o pensamento sugerido, por não ser nunca preconcebido; nasce à medida que a escrita vai sendo traçada e, amiúde, é contrário à ideia que antecipadamente se formara. Pode mesmo estar fora dos limites dos conhecimentos e capacidades do médium.

Médiuns Semimecânicos

181. No médium puramente mecânico, o movimento da mão independe da vontade; no médium intuitivo, o movimento é voluntário e facultativo. O médium semimecânico participa de ambos esses gêneros. Sente que à sua mão uma impulsão é dada, mau grado seu, mas, ao mesmo tempo, tem consciência do que escreve, à medida que as palavras se formam. No primeiro o pensamento vem depois do ato da escrita; no segundo, precede-o; no terceiro, acompanha-o. Estes últimos médiuns são os mais numerosos.

Médiuns Inspirados    

São aqueles que escrevam conscientemente, mas cuja origem do conteúdo seja do contato com outros Espíritos. São como intuitivos, com a diferença que a intervenção de uma força oculta é aí muito menos sensível. Nesse caso, é muito mais difícil distinguir o pensamento próprio do que aquele que lhe é sugerido.    

182. […] Pode dizer-se que todos são médiuns, porquanto não há quem não tenha seus Espíritos protetores e familiares, a se esforçarem por sugerir aos protegidos salutares ideias.

Se todos estivessem bem compenetrados desta verdade, ninguém deixaria de recorrer com frequência à inspiração do seu anjo de guarda, nos momentos em que se não sabe o que dizer, ou fazer. Que cada um, pois, o invoque com fervor e confiança, em caso de necessidade, e muito frequentemente se admirará das ideias que lhe surgem como por encanto, quer se trate de uma resolução a tomar, quer de alguma coisa a compor. Se nenhuma ideia surge, é que é preciso esperar.

Médiuns de Pressentimentos

184. O pressentimento é uma intuição vaga das coisas futuras. Algumas pessoas têm essa faculdade mais ou menos desenvolvida. Pode ser devida a uma espécie de dupla vista, que lhes permite entrever as consequências das coisas atuais e a filiação dos acontecimentos. Mas, muitas vezes, também é resultado de comunicações ocultas, e sobretudo neste caso é que se pode dar aos que dela são dotados o nome de médiuns de pressentimentos, que constituem uma variedade dos médiuns inspirados.




Há perigo na evocação de Espíritos inferiores?

278. Uma questão importante se apresenta aqui, a de saber se há ou não inconveniente em evocar maus Espíritos.  Isso depende do fim que se tenha em vista e do ascendente que se possa exercer sobre eles. O inconveniente é nulo, quando são chamados com um fim sério, qual o de os instruir e melhorar; é, ao contrário, muito grande, quando chamados por mera curiosidade ou por divertimento, ou, ainda, quando quem os chama se põe na dependência deles, pedindo-lhes um serviço qualquer. Os bons Espíritos, nesse caso, podem muito bem dar-lhes o poder de fazerem o que se lhes pede, o que não exclui seja severamente punido mais tarde o temerário que ousou solicitar-lhe o auxílio e supô-los mais poderosos do que Deus. Será em vão que prometa a si mesmo, quem assim proceda, fazer dali em diante bom uso do auxílio pedido e despedir o servidor, uma vez prestado o serviço. Esse mesmo serviço que se solicitou, por mínimo que seja, constitui um verdadeiro pacto firmado com o mau Espírito e este não larga facilmente a sua presa. (Veja-se o n.º 212.)  

279. Ninguém exerce ascendentes sobre os Espíritos inferiores, senão pela superioridade moral. Os Espíritos perversos sentem que os homens de bem os dominam. Contra quem só lhes oponha a energia da vontade, espécie de força bruta, eles lutam e muitas vezes são os mais fortes. A alguém que procurava domar um Espírito rebelde, unicamente pela ação da sua vontade, respondeu àquele: Deixa-me em paz, com teus ares de matamouros, que não vales mais do que eu; dir-se-ia um ladrão a pregar moral a outro ladrão.  

282. 11.ª. Haverá inconveniente em se evocarem Espíritos inferiores? E será de temer que, chamando-os, o evocador lhes fique sob o domínio? “Eles não dominam senão os que se deixam dominar. Aquele que é assistido por bons Espíritos nada tem que temer. Impõe-se aos Espíritos inferiores e não estes a ele. Isolados, os médiuns, sobretudo os que começam, devem abster-se de tais evocações. (N.º 278.)




O Espiritismo e o esquecimento do passado: como nos modificar, sem conhecer o que fizemos e o que somos?

Nós temos o esquecimento geral da vida passada por um motivo muito importante: a fim de que o passado, conhecido objetivamente, em seus pormenores, não atrapalhe nossa caminhada. Veja: é conveniente, para Espíritos de nossa evolução, por exemplo, não lembrar que fizemos mal ao familiar que hoje nos ajuda, o que poderia nos entravar o aprendizado.

Contudo, esse esquecimento não total. Não somos uma página em branco, em cada encarnação. Temos, em cada uma delas, uma personalidade mais ou menos nova, diferente, moldada segundo a criação da família e os costumes da sociedade na qual estamos inseridos, mas o nosso verdadeiro “eu” está demonstra suas virtudes e suas imperfeições desde os primeiros passos da infância.

No cerne do nosso Espírito, por assim dizer, encontra-se o que realmente somos – aliás, é isso o que atrai ou repele os Espíritos bons ou maus, e é por isso que uma modificação apenas superficial (e muito menos os rituais) não os afasta ou atrai. Durante a vida, muitas vezes vestimos uma máscara de orgulho e vaidade, que visa esconder, de nós mesmos e dos outros, nossa verdadeira face – sobretudo no que tange às imperfeições morais. Nos ditraímos com as coisas mundanas, sem muita coragem de enfrentar nosso eu interior. Contudo, é justamente a isso que o Espiritismo vem chamar a atenção, repetindo e ampliando os ensinamentos de Jesus: precisamos deixar de lado essa máscara, aprendendo a olhar para dentro de nós com o olhar duro e julgador que guardamos para olhar os defeitos dos outros.

Quando agimos assim, descombrimos, quase sempre – o que pode ser muito auxiliado por um psicólogo – um conjunto de imperfeições, muitas delas ligadas ao cultivo das paixões. Quem toma esse passo, longe de se sentir culpado, deve se sentir feliz pela bravura em se analisar friamente. Com isso, devemos passar a nos conduzir sem esmorecer, mas com calma, passo a passo, no caminho do afastamento dessas imperfeições, desenvolvendo melhores virtudes.

Isso, em si, que até me arrepia em pensar, constitui toda uma filosofia capaz de modificar completamente os rumos de um Espírito que se sinta cansado de sofrer por suas imperfeições, e, em si, isso sim representa a essência do Espiritismo, e não quaisquer conceitos de pecado e de castigo, já que culpa e punição vivem apenas em nossas mentes.

Deixamos a indicação do seguinte vídeo, do grupo de estudos Espiritismo para Todos, com uma profunda digressão a esse respeito:




O Espiritismo tem preconceito contra a umbanda?

Talvez muitos espíritas tenham, da mesma forma que muitos umbandistas tem, em relação ao Espiritismo, e da mesma forma que praticamente todo ser humano pode ter preconceitos. Ficar apontando e definindo “lados” é, definitivamente, algo que não ajuda muito no progresso humano. De qualquer forma, aproveito o ensejo para lembrar o seguinte:

Em primeiro lugar, é necessário separar o que Espiritismo do que é o “Movimento Espírita”. O primeiro é uma doutrina sólida e científica, racional, baseada no ensinamento concorde dos Espíritos, dados por toda a parte e por todos os tempos. O segundo, é o conjunto das pessoas que se consideram atraídas pelas ideias dessa Doutrina e que, contudo, nem sempre agem de acordo com seus postulados – infelizmente é o que mais acontece hoje em dia.

O Espiritismo, como Doutrina Científica, não força nada a ninguém: apresenta suas conclusões e deixa a cada um a liberdade de aceitá-las ou não. Contudo, muitas pessoas, ditas espiritualistas, mesmo tendo conhecimento da existência dessa Doutrina, escolhem não se informar a respeito dela, julgando o livro pela capa, isto é, agindo preconceituosamente a seu respeito, afirmando que se trata de mais uma religião, ou que se trata de mais uma opinião, ou que, ainda, O Livro dos Espíritos – obra básica dessa Doutrina – não passa de mais um livro, escrito por Kardec, conforme suas próprias ideias.

Quantas são as pessoas que se metem em dificuldades, no que tange ao contato com os Espíritos, e que, quando convidadas a estudar a Doutrina Espírita (que se chama assim porque pertence aos Espíritos, e não a um só homem ou grupo) preferem continuar em suas velhas concepções, resistindo a buscar novos conhecimentos?

Diz-se que a umbanda nasceu de uma cisão dentro de um centro Espírita, quando os participantes daquele grupo não aceitaram a comunicação de um “preto velho” naquele meio. Ora, se é verdade, também não são menos culpáveis do que os outros indivíduos, que insistem em considerar a base da Ciência Espírita como “letra morta e superada”.

Disso tudo, fica um aprendizado: para entender o Espiritismo, sendo ele uma ciência, nascido, aliás, como um desenvolvimento do Espiritualismo Racional, que também era uma doutrina científica que abarcava o estudo da psicologia, da metafísica e da moral, não prescinde do estudo de suas obras básicas, assim como, para entender a Física não prescinde do estudo de Isaac Newton e de Einstein. Assim como a Física apresenta seus postulados, mas muitas pessoas insistam em ignorá-la para dizer que a força gravitacional não existe, o mesmo é feito a respeito do Espiritismo, que não é uma “religião superior”, onde existem as “únicas verdades”, mas que é, sim, a única Doutrina Científica, até hoje, dedicada a estudar racionalmente as nossas relações com os Espíritos.

Aliás, quem estuda o Espiritismo sabe que ele, frente às outras religiões, vem demonstrar a verdade sobre tudo aquilo que sempre existiu mas, que nem sempre foi bem compreendido, da mesma forma que mostra os erros, frutos da inobservância da razão ou mesmo do desconhecimento de certas informações que, a seu tempo, começaram a ser ensinadas. São os demais indivíduos que, por orgulho ou interesses pessoais, muitas vezes não suportam ver um dogma desmentido, e escolhem atacar de volta à Doutrina Espirita. Reflitamos. Ao invés de escolher lados, entendamos: o Espiritismo, como ciência, pode ser estudado por todos os espiritualistas modernos, assim como o Magnetismo, ciência irmã da primeira. Mas, sem estudar e entender, tudo vai continuar na mesma: espíritas criando falsos conceitos a respeito das comunicações espíritas (espirituais) nas religiões diversas e as religiões diversas deixando de sorver conhecimentos tão libertadores, consoladores e progressistas como os do Espiritismo.




Espiritismo e a eutanásia (sacríficio) de animais terminais

Surgiu esse assunto, sempre tão presente, em um grupo do Facebook: segundo o Espiritismo, há problema em sacrificar um animal em estado terminal, isto é, em submetê-lo à eutanásia?

Adianto que não — e não se trata de opinião minha. Mas, antes de mais nada, é importante lembrar que não devemos fazê-los sofrer desnecessariamente, em nenhum caso — e isso corrobora a visão aqui apresentada.

Aqui, precisamos recuperar alguns postulados da Doutrina Espírita, obtidos, como sempre, através da análise racional e concordante dos ensinamentos dos Espíritos. Em O Livro dos Espíritos, vamos encontrar uma importante elucidação a esse respeito:

O livre-arbítrio e o sofrimento moral nos animais

595. Gozam de livre-arbítrio os animais, para a prática dos seus atos?

“Os animais não são simples máquinas, como supondes. Contudo, a liberdade de ação de que desfrutam é limitada pelas suas necessidades, e não se pode comparar à do homem. Sendo bem inferiores a este, não têm os mesmos deveres que ele. A liberdade, possuem-na restrita aos atos da vida material.”

Animais possuem certa liberdade, é claro, e nós podemos constatar que alguns deles a tem de forma superior a outros, como uma espécie de inteligência mais avançada, que, contudo, ainda está restrita aos atos da vida material. Assim, os animais estão preocupados em sobreviver, e tudo fazem para isso. Por mais difícil que seja de admitir, há mais de relação de dependência, hábito e necessidade do que de amor, neles, em relação a nós, pois o amor é algo que se desenvolve com o avanço do Espírito. Claro: não podemos julgar o ponto no qual essa capacidade espiritual começa a existir, de forma que não podemos julgar absolutamente sobre isso.

O ponto mais importante, aqui, é constatar que os animais não tem livre-arbítrio, isto é, não tem consciência, como nós temos, sobre seus atos. A partir do momento em que o livre-arbítrio se desenvolve, mesmo nos estados mais latentes, o Espírito passa a ter livre-arbítrio, isto é, passa a escolher sobre suas ações e, dessas escolhas, se felicita ou sofre pelos seus resultados. Assim, enfim, constatamos que os animais não podem fazer mal: eles matam uns aos outros, atacam o ser humano, reproduzem-se, mas tudo submetido ao instinto. Não há mal no leão que mata a zebra: há necessidade instintiva de sobreviver. Também não houve mal na orca que matou sua treinadora afogada: há curiosidade, instinto, mas não um ato refletido.

Dissemos que o animal ainda não possui livre-arbítrio. Se ainda não possui, um dia possuirá. E o que é o livre-arbítrio, senão um atributo do Espírito, princípio inteligente da Criação? Então os animais tem alma? Sim:

597. Pois que os animais possuem uma inteligência que lhes faculta certa liberdade de ação, haverá neles algum princípio independente da matéria?

“Há, e que sobrevive ao corpo.”

a) – Será esse princípio uma alma semelhante à do homem?

“É também uma alma, se quiserdes, dependendo isto do sentido que se der a esta palavra. É, porém, inferior à do homem. Há entre a alma dos animais e a do homem distância equivalente à que medeia entre a alma do homem e Deus.”

598. Após a morte, conserva a alma dos animais a sua individualidade e a consciência de si mesma?

“Conserva sua individualidade; quanto à consciência do seu eu, não. A vida inteligente lhe permanece em estado latente.”

Vemos que é um Espírito — ou uma alma, sendo o Espírito encarnado — ainda em estágio evolutivo muito distante daquele do Espírito humano terrestre: como se fosse a mesma distância, segundo os Espíritos, que nos separa de Deus. Sequer tem consciência de si mesmos. É uma distância gigantesca, mas a informação importante é: sim, eles têm Espíritos. Resta então uma questão: os animais sofrem? De que forma?

O sofrimento do animal

Nós, Espíritos em estágio humano, sofremos de duas formas: moralmente, como resultado de nossas escolhas, e materialmente, quando encarnados (o Espírito não sofre materialmente quando desencarnado, de forma que todos os relatos do tipo são resultados de uma exteriorização mental de um sofrimento moral).

A dor moral, como dissemos, nasce da constatação de um erro que cometemos. E não poderia haver erro se não tivéssemos a capacidade de escolha, pois, sem ela, estaríamos apenas respondendo a estímulos externos, através do instinto. Ora, sendo esse exatamente o caso dos animais, é racional supor que eles não possam sofrer dores morais por conta de seus atos — afinal, imagine a dor moral que um leão teria após matar, de quando em quando, um outro animal para comer!

O Espírito no estágio do animal não precisa sequer do tempo na erraticidade que o Espírito humano precisa, onde analisa seu passado, suas escolhas, suas dificuldades, etc.:

600. Sobrevivendo ao corpo em que habitou, a alma do animal vem a achar-se, depois da morte, num estado de erraticidade, como a do homem?

“Fica numa espécie de erraticidade, pois que não mais se acha unida ao corpo, mas não é um Espírito errante. O Espírito errante é um ser que pensa e obra por sua livre vontade. De idêntica faculdade não dispõe o dos animais. A consciência de si mesmo é o que constitui o principal atributo do Espírito. O do animal, depois da morte, é classificado pelos Espíritos a quem incumbe essa tarefa e utilizado quase imediatamente; não lhe é dado tempo de entrar em relação com outras criaturas.”

Vemos, no trecho destacado, uma informação importante, que desmente algumas teorias de “céu de cachorros”, “paraíso dos animais”, etc. O Espírito, nesse estado evolutivo, precisa apenas experienciar reencarnações sucessivas, onde se desenvolvem e, de forma alguma, expia suas faltas – porque não as cometem:

602. Os animais progridem, como o homem, por ato da própria vontade, ou pela força das coisas?

“Pela força das coisas, razão por que não estão sujeitos à expiação.”

Afinal, há problema em submeter um animal à eutanásia?

Racionalmente, após os conhecimentos apresentados, é fácil constatar que não, pois, como o animal ainda não tem sofrimento moral, não necessita passar por sofrimentos materiais a fim de obter um aprendizado qualquer. Isso é justamente o oposto do caso do Espírito em estágio de livre-arbítrio, pois as dores físicas, muitas vezes planejadas por ele próprio antes de encarnar, oferecem preciosos cadinhos de purificação do Espírito, que reflete sobre seus atos, suas escolhas, seus erros e acertos.

Note, porém, que de forma alguma estamos afirmando, com isso, que o Espírito precise sempre passar por uma dor para aprender alguma coisa, como é apregoado pelos defensores da doutrina da “lei de ação e reação”, onde, para esses, o Espírito sempre precisará passar por uma dor de mesmo gênero e de mesma intensidade a fim de entender que a dor que ele tenha feito outro passar, dói. Esquecem-se que o Espírito pode constatar seu erro, sofrer por isso, mas, então, com mais lucidez, planejar uma vida com oportunidades e provas — e, às vezes, expiações — onde possa enfrentar suas imperfeições e buscar se livrar delas através do aprendizado.

Conclusão

Não precisamos fazer o animal passar por dores desnecessárias — dores essas, muitas vezes, frutos dos estilos de vida e de alimentação aos quais os submetemos — pois ele não colhe frutos morais dessa dor, que é apenas física. Já o caso é outro para o Espírito humano, que jamais deve ser submetido à eutanásia, como ensinam os Espírito em O Livro dos Espíritos:

Questão 953- Quando uma pessoa vê diante de si um fim inevitável e horrível, será culpada se abreviar de alguns instantes os seus sofrimentos, apressando voluntariamente sua morte?

“É sempre culpado aquele que não aguarda o termo que Deus lhe marcou para a existência. E quem poderá estar certo de que, malgrado às aparências, esse termo tenha chegado; de que um socorro inesperado não venha no último momento?”