O desastre de Petrópolis na visão do Espiritismo: resgate coletivo?

Recentemente, a região serrana do Rio de Janeiro sofreu novo abalo, resultando em algumas dezenas de mortes. Desejo, de início, expressar sentimentos meus e do Grupo para com todas as vítimas desse flagelo e para com seus entes amados.

Preciso, contudo, me posicionar frente a alguns comentários que, nesses momentos, com muita infelicidade, algumas pessoas ditas “espíritas” acabam fazendo, quase sempre apoiadas sobre supostas comunicações mediúnicas. Não quero, de forma alguma, dizer que minhas observações representam a sumidade do ensinamento da Doutrina Espírita, que ainda apenas comecei a estudar, mas quero apenas me apoiar na lógica dos fatos e no raciocínio baseado naquilo que esse mesmo estudo nos confere.

Falta caridade

Basta que ocorra um desastre qualquer, de qualquer proporção, para que alguém, dizendo trazer uma comunicação mediúnica, venha imputar aquilo a uma suposta ação do “carma”, da “lei de ação e reação”, do “resgate de dívidas passadas”, sem, antes, refletir na completa falta de caridade com que agem quando assim se pronunciam.

No desastre da Boate Kiss, infelizmente, vários meios de comunicação “espíritas” se pronunciaram, atrelando aquelas tristes mortes ao holocausto nazista, afirmando que aquelas pessoas teriam sido “soldados que matavam judeus queimados ou asfixiados por cianeto” (veja aqui um pouco mais sobre isso).

Acerca do desastre com o avião da Gol em São Paulo, no aeroporto de Congonhas, em 2007, um livro, chamado “O Voo da Esperança”, chegou a ser produzido, supostamente atribuído a um Espírito, através do médium W.F.. Essa obra, um verdadeiro desserviço ao Espiritismo, chega citar o seguinte, conforme destaque em matéria da Folha:

“É a lei da ação e reação […] A providência divina, em sua sabedoria infinita, não colocou neste avião espíritos inocentes, mas almas seriamente comprometidas com um passado de erros […]”

“Esse grupo, de mais de duzentas pessoas, comprometidas com o passado de falta de compaixão para com os semelhantes […]”

Essa obra rendeu ao menos um processo contra a editora e o médium (veja mais).

E, no caso do desastre recente de Petrópolis, já existem pessoas divulgando comunicações mediúnicas afirmando se tratar de “resgate coletivo”.

O movimento espírita está ruindo de dentro pra fora

Meus irmãos, reflitamos! São erros sobre erros, causando enorme estrago no Espiritismo, cometidos por pessoas que deixaram de se guiar pelo necessário método racional na análise das comunicações mediúnicas e que passaram a permitir que qualquer tipo de conceito, transmitido por essa via, seja tomado como verdadeiro e doutrinário! Ora, Kardec sempre chamava a atenção de todos para o fato de que os Espíritos impostores, enganadores ou pseudossábios se comunicam por toda parte, inclusive em grupos mediúnicos sérios, e que, por conta disso, não podemos aceitar a comunicação de qualquer Espírito, sob qualquer nome que se apresente, como expressão da verdade (leia mais clicando aqui)!

Você, que está lendo, consegue se colocar na posição daquela mãe, que revirava a lama em busca de sua filha, de 17 anos, ouvindo da boca de alguém que se declare espírita as palavras “sua filha morreu assim porque está pagando por erros passados”? Consegue? Pois bem! Se conseguir, é por esse motivo – pela caridade – em primeiro lugar, e pelos seguintes, que jamais devemos expressar esse tipo de pensamento!

Nem tudo é expiação de erros passados

Quem estuda Kardec – estudo esse bastante ausente, hoje em dia – sabe muito bem que as tragédias individuais podem se dar por quatro motivos principais: expiação, quando o Espírito escolhe passar por uma determinada prova, com vistas a superar uma imperfeição; prova, que é quando o Espírito passar por qualquer dificuldade, planejada ou não, e que promove aprendizado e progresso; missão, quando o Espírito escolhe executar uma tarefa a fim de promover o bem para outros; e força da natureza, quando, por exemplo, um flagelo natural inevitável acomete milhares ou milhões de pessoas em simultâneo. Portanto, como podemos nos dar o direito de apontar para uma situação como essas acima, coletivas ou individuais, para inferir, errada e impiedosamente, que ela se dá por motivo de um “resgate” de erros passados? Isso, definitivamente, não nos compete!

Pensemos o seguinte: imagine que você, como Espírito, antes de encarnar, escolhe um gênero de provas e, talvez, de expiações. Sua encarnação transcorre sob esse planejamento, até que você se muda para uma cidade qualquer, convocado por uma oportunidade de trabalho. Vive lá por algum tempo quando, por uma ação fortuita da natureza, um meteorito cai nessa cidade, matando você e outros milhares ao redor. Veja: é um flagelo inevitável da natureza, aos quais estamos sujeitos pelo simples fato de estarmos encarnados. Morreremos e reiniciaremos outra encarnação, continuando nossa evolução.

Outro exemplo: no caso da Boate Kiss, será que tudo não se deu por irresponsabilidade alheia? Pois, sabemos que tudo aconteceu por utilizarem materiais combustíveis em um ambiente fechado, com dificuldade de saída (várias saídas se encontravam trancadas) e sem um sistema de extinção de incêndios eficientes. Ou seja, houve negligência, que é o resultado de escolhas de outras pessoas. Muitos dos que estavam ali, naquele momento, foram vitimados por essa cadeia de acontecimentos – ou será que podemos supor que a banda que tocava foi intuída a utilizar os materiais de pirotecnia (fogo) de modo a cumprir com um “carma coletivo”? Isso é irracional!

Muitos não sabem, mas, geologicamente, a região serrana da Serra da Mata Atlântica, que passa por SP e pelo Rio, é muito antiga, formada pelo depósito de matéria mais leve (terra) sobre elevações rochosas. Com o passar dos milhões de anos, essa camada superficial está ficando mais frágil e, quando ocorrem as chuvas intensas, provocam deslizamentos e desastres como esses. O ser humano, sendo encarnado na mesma matéria densa, está sujeito a essas ocorrências, pois faz parte de um mundo cuja natureza é bastante instável, se renovando dia após dia. Tais flagelos não resultam de uma impiedade de Deus: são necessários, na verdade, para acelerar o nosso avanço científico e moral (vide O Livro dos Espíritos, Parte Terceira, Cap. 5 – Flagelos Destruidores – clique aqui).

Transição Planetária?

Muito se diz que tais flagelos estão se acelerando por conta da chamada “transição planetária”, onde a Terra deixará de ser um mundo de provas e expiações para um mundo de regeneração. Em essência, essa transição não deixa de ser verdadeira, mas precisamos tomar muito cuidado, uma vez mais, com a implicação do que dizemos, pois muitos imputam a tais flagelos, inclusive às pandemias, o efeito de “separar o joio do trigo”, como se eles estivessem levando daqui os Espíritos que não mais poderão fazer parte deste planeta em sua nova fase. Esse é mais um pensamento errado e impiedoso.

Precisamos relembrar que os flagelos sempre existiram. Desde antes do tempo dos faraós, o globo é assolado por tragédias imensas, o que demonstra que elas não estão ligadas à tal transição. Elas sempre ocorreram e sempre ocorrerão, nesta fase de materialidade, com o intuito de nos fazer avançar científica e moralmente. A transição se dará pela modificação de ideias, do indivíduo para a sociedade, e não pela simples separação de Espíritos que ainda tem muito a aprender e a contribuir neste planeta.

Nenhum Espírito benevolente acusa o erro dos outros em público

Nós vivemos um triste momento no meio espírita, onde Kardec está relegado ao passado, como se tivesse sido superado (tudo aquilo que é base de uma doutrina não se supera, por ser base) e seu método e toda a racionalidade que ele demonstrou ser necessária na comunicação com os Espíritos, estão esquecidos e enterrados como se fossem desnecessários. O “Movimento Espírita” atual (que quase nada tem do Espiritismo verdadeiro, e há que se separar a Doutrina daquilo que fazem seus adeptos) passou a aceitar praticamente toda e qualquer comunicação mediúnica como expressão da sabedoria e da verdade e, dessa forma, está permitindo que conceitos antidoutrinários estejam ruindo, pouco a pouco, o movimento, em suas bases.

Observemos: quando vemos, em Kardec, os casos de expiação de mesmo gênero, como no caso de Antonio B, precisamos lembrar que se trata de uma evocação, onde o próprio Espírito relata sua escolha em passar por aquilo. Fica muito claro que nunca é uma imposição externa de uma suposta lei de pecado e resgate, e fica também muito claro que nenhum Espírito minimamente benevolente se vale de uma comunicação para apontar as faltas alheias e atrelar os sofrimentos presentes como uma forma de “resgatá-las”.

Espalhe a informação e venha estudar conosco

Uma vez mais venho pedir a você, que lê este artigo, que, como Espírita, informe a todos que puderem que não nos compete apontar o dedo para afirmar que alguém passa por um sofrimento determinado para saldar “dívidas” passadas. Isso afasta as pessoas da Doutrina e, sobretudo quando parte da aceitação cega de comunicações espirituais, vem destruindo o movimento espírita de dentro para fora.

E, por fim, a respeito do papel do médium e do pesquisador nas comunicações mediúnicas, bem como do tal “animismo”, abordaremos tudo isso na próxima live, no dia 24/02/2022, sobre o artigo “Espíritos impostores – O falso padre Ambrósio”, na Revista Espírita de julho de 1858. Leiam o artigo e não deixem de apresentar suas considerações, em nosso grupo do Facebook, para que possamos enriquecer nosso estudo.

O Espiritismo carece, sim, de defesa, e é chegado o momento de fazermos a nossa parte.




O Espírito batedor de Bergzabern II

Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Junho > O Espírito batedor de Bergzabern II

O segundo artigo sobre o batedor

Neste segundo artigo sobre o tema, Allan Kardec retoma-o após a menina Filipina Sanger ter passado uma temporada em casa do Dr. Bentner, seu médico.

As passagens que se seguem vêm de uma nova brochura alemã, publicada em 1853.

Sabe-se hoje que os fenômenos desse gênero não resultam de um estado patológico; antes denotam uma excessiva sensibilidade.

Na primeira brochura intitulada Os Espíritos batedores viram que as manifestações de Filipina Sänger têm um caráter enigmático e extraordinário. Relatamos esses fatos maravilhosos desde o seu começo até o momento em que a menina foi levada ao médico. Quando a menina deixou a casa do Dr. Bentner e regressou ao lar, as batidas e arranhaduras recomeçaram na casa dos Sänger. Até aquele momento, e mesmo depois da sua cura completa, as manifestações foram mais marcantes e mudaram de natureza.

Os fenômenos passam a ser também musicais

  • um pequeno fuso é atirado do quarto de dormir.
  • um retalho de pano que antes estava mergulhado numa bacia com água. sem tenha sido agitada e nem uma só gota tinha caído sobre a mesa.
  • os travesseiros da cama foram lançados sobre um armário e a colcha atirada contra a porta.
  • tinham posto aos pés da menina, debaixo das cobertas, um ferro de engomar de cerca de seis libras. Logo ele foi atirado para a primeira sala; o cabo havia sido tirado e foi encontrado sobre uma poltrona, no quarto.
  • cadeiras colocadas a três pés da cama serem derrubadas;
  • janelas serem abertas, quando antes estavam bem fechadas;
  • De outra feita, duas cadeiras foram transportadas para cima da cama, sem desarranjar as cobertas.
  • Uma noite, ao sair do quarto da filha, Sänger recebeu nas costas, de arremesso, a almofada de uma cadeira. De outras vezes era um par de chinelos velhos, sapatos que estavam debaixo da cama, ou tamancos que lhe iam ao encontro.
  • Muitas vezes sopravam a vela acesa, sobre a mesa de trabalho.
  • chaves, moedas, cigarreiras, relógios, anéis de ouro e de prata. Todos, sem exceção, ficavam suspensos à sua mão.
  • Uma vez tinham deixado uma harmônica sobre uma cadeira. Ouviram-se sons. Entrando precipitadamente no quarto, encontraram, como sempre, a menina tranquila em seu leito. O instrumento estava sobre a cadeira, mas já não tocava.

Outros fatos de o Espírito batedor de Bergzabern

Habitualmente, quando a pequena sonâmbula se dispunha a começar a sessão, chamava para o quarto todas as pessoas presentes. Muitas vezes só se tranquilizava quando todos, sem exceção, estavam junto ao seu leito.

Depois de algum tempo, às batidas e arranhaduras juntou-se um zumbido comparável ao som produzido por uma corda grossa de contrabaixo; uma espécie de assovio se misturava a esse zumbido.

Por meio das arranhaduras, chamava nominalmente as pessoas da casa ou os estranhos presentes. Todos compreendiam facilmente a quem era dirigido o apelo. A esse chamado, a pessoa designada respondia sim, para dar a entender que sabia tratar-se dela mesma. Então era executado, em sua homenagem, um trecho de música que por vezes provocava cenas cômicas.

O aniversário do fenômeno

Chegou o aniversário do dia em que o Espírito batedor se havia manifestado pela primeira vez: muitas mudanças se haviam operado no estado de Filipina Sänger. Continuavam as pancadas, as arranhaduras e o zumbido, mas a todas essas manifestações juntou-se um grito especial, que ora parecia de um ganso, ora de um papagaio ou de qualquer outra ave grande.

Algum tempo antes do Natal, as manifestações se renovaram com mais energia: os golpes e as arranhaduras tornaram-se mais violentos e duravam mais tempo. Mais agitada que de costume, muitas vezes Filipina pedia para não dormir em sua cama, mas na dos pais.

espírito batedor de Bergzabern II

Filipina adoece

Em pouco tempo o estado de Filipina Sänger mudou a ponto de causar apreensão quanto à sua saúde, porque, estando desperta, divagava e sonhava em voz alta. Não reconhecia os pais nem a irmã nem qualquer outra pessoa. A esse estado veio juntar-se uma completa surdez, que persistiu durante quinze dias.

A surdez de Filipina manifestava-se, e ela mesma declarou que ficaria surda por algum tempo e que ficaria doente. O que há de singular é que por vezes recobrava a audição durante cerca de meia hora, com o que se mostrava contente. Ela própria predizia o momento em que ensurdeceria e em que recuperaria a audição. Uma vez, entre outras, anunciou que à noite, às oito e meia, ouviria claramente durante meia hora. Com efeito, à hora predita voltou a ouvir, o que durou até as nove horas.

Durante a surdez da jovem Sänger renovaram-se algumas vezes o rebuliço dos móveis, o inexplicável abrir das janelas, o apagar das luzes sobre a mesa de trabalho.

Assim iam as coisas na casa de Sänger, quer de dia, quer de noite, durante o sono da menina ou quando em vigília, até o dia 4 de março de 1853, data em que as manifestações entraram em outra fase. Esse dia foi marcado por um fato ainda mais extraordinário que os precedentes.

Observações

Como se vê, Filipina Sänger era uma médium natural muito complexa. Além da influência que exercia sobre os fenômenos bem conhecidos de ruídos e de movimentos, era uma sonâmbula extática. Ela conversava com os seres incorpóreos que via; ao mesmo tempo via os assistentes e lhes dirigia a palavra.

É provável que, nesses momentos de êxtase, o Espírito da menina se visse transportado para qualquer lugar distante, onde assistiria, talvez em recordação, a uma cerimônia religiosa. Podemos admirar-nos da lembrança que trazia ao despertar, mas o fato não é insólito. Aliás, podemos notar que a lembrança era confusa e que se tornava necessário insistir muito para provocá-la.

Se observarmos atentamente o que se passava durante a surdez, reconheceremos sem dificuldade um estado cataléptico. Como a surdez era apenas temporária, é evidente que não causava alterações nos órgãos respectivos. O mesmo se dava com a obliteração das faculdades mentais, o que nada tinha de patológico, de vez que, em dado momento, tudo voltava ao estado normal. Esta espécie de estupidez aparente era devida a um mais completo desprendimento da alma, cujas excursões eram feitas com maior liberdade e não deixavam aos sentidos mais do que a vida orgânica.


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O artigo citado: O Espírito batedor de Bergzabern II

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Os banquetes magnéticos

No artigo em questão, conforme apresentado na Revista Espírita de junho de 1858, Kardec fala a respeito de um banquete anual, em Paris, em comemoração ao aniversário de nascimento de Mesmer.

Nesse banquete haviam dois tipos de “partidários”: aqueles que zombavam do Espiritismo, se esquecendo que a própria ciência que eles abraçavam – e destaco a palavra porque, de fato, era uma ciência estabelecida e reconhecida na época – havia, por sua vez, enfrentado o mesmo tipo de escolho que, naquela época, o Espiritismo também enfrentava e, de outro lado, aqueles que, mesmo que não professassem o Espiritismo, eram da opinião que deveria ser respeitado como uma ciência de sua importância.

O texto, em si, não vai muito além disso, em profundidade. Aproveitamo-lo apenas para destacar alguns pontos importantes:

 – O Magnetismo era uma ciência várias vezes citada por Kardec mas nunca aprofundada, pois, em seu contexto, estava plenamente estabelecida e compreendida. Jamais poderia ele imagina que ela viria a ser colocada no esquecimento, por um forte movimento materialista futuro.  

– Mesmer foi um cientista controverso por muito tempo. Por muitos, foi pintado como louco ou enganador. Atualmente, porém, está sendo resgatada sua verdadeira face: a de um sábio, bastante culto, que formulou a primeira teoria sobre o Fluido Cósmico Universal e sua influência na saúde humana.  

– “Através” de Mesmer, inúmeros pacientes se curaram das mais diversas moléstias, apenas pela vontade, num momento em que a medicina fazia sangrias e cirurgias a sangue-frio, procedimentos dos quais poucos sobreviviam.

– O Magnetismo e o Espiritismo são ciências irmãs. Uma sem a outra fica incompleta, manca.  

– Sugerimos a todos a leitura, apenas iniciada por nós, do livro “Mesmer: a ciência negada do magnetismo animal”, por Paulo Henrique de Figueiredo.




O Suicida da Samaritana

Nesse artigo, Kardec faz a evocação de um Espírito que havia cometido o suicídio do corpo apenas 6 dias antes. Conforme se pode verificar no texto original, esse homem não foi reconhecido por ninguém, tendo sido enterrado como indigente. É possível levantar várias considerações sobre esse artigo.

“O telefone só toca de lá pra cá”

A primeira dessas considerações, colocaríamos, é a respeito da própria evocação: numa época em que reina o mote “o telefone só toca de lá pra cá”, que tem um fundo de razão, mas que é repetido de forma irrefletida por tantos, nos deparamos com a base doutrinária do Espiritismo, erigida em grande parte sob evocações – ou seja, o telefone também toca daqui pra lá. Apenas que, como num telefone, quem vai atender e se vai atender é o problema da questão, sempre abordado por Kardec.

O sofrimento do suicida

É importante entender que o Espírito do suicida não sofrerá castigos divinos por um pecado cometido – não dessa forma. Qualquer Espírito sempre terá o perdão e novas chances, pois tudo parte da ignorância relativa a Espíritos em evolução.

Existem infinitas variantes entre cada caso, do que resulta que existem infinitos efeitos relacionados a cada caso, porque, essencialmente, tais efeitos estarão ligados à mentalidade geral do Espírito que comete o suicídio. Enquanto alguns se jogarão num verdadeiro inferno, por acreditarem terem cometido pecado, outros poderão até se verem aliviados, num primeiro momento – porque depois, quando realmente entender tudo, muito provavelmente lastimará a vida desperdiçada.

De qualquer forma, conforme atesta São Luis, compreendemos que o primeiro efeito para todo suicida – ou, pelo menos, para a maioria deles – haverá uma grande dificuldade para se desligar do corpo, dada a violência do ato, seu estado mental e o fato de o corpo ainda estar saturado de vitalidade. Isso, contudo, é apenas o que podemos afirmar de momento, com base no que entendemos do artigo, pois, realmente, é um assunto que requer desenvolvimento e maiores investigações.

Também é importante destacar que o Espírito não sofre nenhum tipo de dor física. É sempre sua moral, sua consciência, que externaliza e coloca em fatores externos a dor que está, na verdade, dentro de si mesmo. O suicida (como outros Espíritos), portanto, poderá afirmar sofrer de frio ou sede, quando, na verdade, ele está sofrendo moralmente, e não fisicamente. Na verdade, nós mesmos fazemos isso, com a diferença que, através dos processos psicossomáticos, podemos desenvolver danos ou doenças reais no corpo físico.

É por isso que, quando entramos em contato com qualquer Espírito em sofrimento, podemos e devemos travar conversação natural e sadia com ele, esclarecendo sobre tais pontos. É de enorme ajuda para eles entenderem que o sofrimento é moral, interno, e não externo e imposto.

O vale dos suicidas

De forma curta e grossa: não existe “o” vale dos suicidas, assim como não existe “o” inferno. É importante que o Espírita aprenda a tirar de seu imaginário esse tipo de conceito e, sobretudo, de espalhá-los para outro, pois bem sabemos que, como Espírito não muito esclarecido, nós buscamos ambientes e outros Espíritos que estejam de acordo com a nossa mentalidade que, aliás, plasmam em conjunto esses ambientes de sofrimento. Portanto, quando um Espírito sofredor fala que está “no” inferno, age como um encarnado que, numa situação muito difícil para ele, se expressa da mesma forma, com a diferença que o Espírito plasma, sozinho ou em conjunto, o seu próprio inferno.

Uma vez mais, é muito importante buscar esclarecer tais Espíritos, quando em contato com ele.

Sobretudo, é importante lembrar que não existe tão conexão fatídica entre um suicídio e o exílio do Espírito em um “vale”, como uma penalidade.

Os efeitos do suicídio sobre a encarnação seguinte

Há algo muito errado no meio espírita em geral, atualmente, e que não é doutrinário – na verdade, é algo antidoutrinário, nascido da falta de estudo da Doutrina: é fazer as deprimentes afirmações de que tal indivíduo nasceu sob tais provas ou deformações porque na vida anterior fez isto ou aquilo.

No caso em particular, sobre o suicídio, há uma terrível afirmação feita por aí: a de que o indivíduo que hoje tem problemas físicos assim o é porque estaria “resgatando” um suicídio cometido na vida anterior. Irmãos, essa afirmação é criminosa, porque:

  1. Afasta as pessoas que, sofrendo na pele ou tendo uma pessoa querida nessas situações, se sentem (com razão) ultrajadas por esse tipo de afirmação.
  2. É falaciosa, porque não se baseia na realidade: nós sabemos, sim, que para todo efeito existe uma causa, mas não nos cabe sondar as provas de cada um, tanto por imposição da caridade, que devemos praticar, quanto porque um Espírito pode escolher um corpo deformado não só como prova, a fim de tentar se livrar de uma imperfeição, mas também como missão frente a outros Espíritos ou também como oportunidade de aprendizado de outras virtudes que ainda sinta necessidade de exercitar. De qualquer forma, é sempre uma escolha consciente do Espírito, não o efeito de uma mecânica divina de pecado e castigo. Notemos, aliás, que em todas as comunicações espirituais estudadas até agora, eles sempre asseveram, mesmo para o caso do louco monomaníaco, que a prova é o resultado de uma escolha prévia e pessoal.

O suicídio não se combate pelo medo

Lembramos, enfim, que o suicídio jamais será combatido pela imposição do medo de um sofrimento, mas, sim, através do esclarecimento. Apresentemos a tais indivíduos a essência do Espiritismo. Tentemos levá-los ao seguinte raciocínio:

Dores e alegrias são passageiras, relativas à vida encarnada. A felicidade, que é o que realmente buscamos, somente será atingida após deixarmos para trás nossas imperfeições – já que, por exemplo, alguém muito preocupado, ou muito ansioso, ou muito raivoso, ou muito ciumento, ou muito orgulhoso, ou muito sensual, etc, não consegue ser realmente feliz. Para tanto, no plano espiritual, ao ficarmos cientes de nossas imperfeições, planejamos vidas com oportunidades e com dificuldades, às vezes bastante pesadas, que, ao nosso julgamento, poderão nos ajudar a vencer tais imperfeições. Portanto, desistir de uma vida, com a extinção da própria vida corpórea, não resultará em nenhum avanço, pois, não havendo aproveitado justamente a prova difícil para o aprendizado, não teremos nos aperfeiçoado e, portanto, precisaremos – por nossas próprias vontade e constatação – reiniciar uma nova vida, carregando um fardo talvez ainda maior, pela sensação de culpa causada pela desistência e, quem sabe, pelos efeitos funestos que tal ato pode causar nos Espíritos encarnados que nos cercam.

Ninguém está dizendo que é fácil. Cada um sabe onde o calo aperta e, quando aperta, dói bastante. Mas precisamos aprender a separar dores físicas de dores morais, nos colocando, ante a nós mesmos e ante ao Criador, desnudos de qualquer máscara de egoísmo ou vaidade e de todas as imperfeições que destas nascem. Precisamos buscar, em cada dura prova, como também nas fartas oportunidades que nos são apresentadas, as necessidades profundas que temos de aprendizado e, não esquecendo que jamais estamos sozinhos, confiar nos bons Espíritos, que não nos abandonam, para atravessar tais momentos difíceis.

Aqui, aliás, surge um último pensamento, sustentado pelo Espiritismo: Deus não nos dá um fardo maior do que aquele que podemos carregar. Na maioria das vezes, a vida nos apresenta oportunidades que nos permitiriam aprender de forma muito mais “leve”, mas nós, quase sempre, movidos pelo orgulho, tentamos vestir uma máscara nos nos confunda de nós mesmos e, assim, escolhemos deixar de lado o caminho reto, a fim de nos enveredarmos pelos caminhos sinuosos e tortuosos das paixões (não falando aqui em amor, mas no sentimento profundo provocado pelas sensações). É assim, por exemplo, que muitos escolhem deixar de lado o estudo do Espiritismo, que tanto pode alavancar nossa evolução, para viver a vida na preguiça.

Portanto, aproveitemos as oportunidades que a vida nos oferece para nossos aprendizado e evolução. Algumas vezes, elas são espinhosas, escolhidas por nós mesmos; de outras, são campos de relva suave e macia, cheia de ensinamentos dados pelo amor. Cabe a nós reconhecê-los.

NOTA: Esta evocação está no livro O Céu e Inferno de Allan Kardec, primeiro relato do capítulo V – Suicidas , da Segunda Parte. Vale a leitura do capítulo V inteiro com vários relatos de evocações de suicidas com muitas considerações do autor.




O caminho é sinuoso, longo, pedregoso e cheio de espinhos, mas temos que trilhá-lo

Prezados amigos, irmãos que a esta iniciativa se afeiçoam,

Convidamos uma vez mais a cada um de vocês à participação ativa em nosso grupo e à disseminação das ideias essenciais do Espiritismo que, aos poucos, começam a ser redescobertas e entendidas. É do interesse e da responsabilidade de todos nós a restauração, pacífica e paciente, mas persistente e firme, das verdades originais desta Doutrina nascida da observação racional dos ensinamentos espíritas dados por toda a parte e por todos os tempos! Não mais um Espiritismo adulterado, após a morte de Kardec, a fim de dar espaço às ideias retardantes de pecado, queda e castigo, de carma, de resgates, mas a Doutrina em sua essência, baseada na constatação do livre-arbítrio, da escolha das provas e das expiações, enfim, a Doutrina que nos evidencia que nosso passo se dá em direção sempre do aprendizado e do progresso espiritual, fazendo parte dessa jornada os erros e tropeços de cada um, a mesma Doutrina que nos mostrou, em sua essência, não uma alma criada pura e que se desviou pelo pecado, um Espírito criado simples e ignorante e que, conforme vai avançando em suas experiências, através de erros e acertos, de alegrias e de sofrimentos, vai se depurando de suas imperfeições e de sua materialidade em direção à felicidade verdadeira dos Espíritos superiores, já desgarrados dessas mesmas imperfeições e materialidade através da aquisição de melhores hábitos e valores morais.

Natural, contudo, que tais ideias libertadoras e renovadoras encontrem resistência tanto na ignorância orgulhosa, fechada à reforma das ideias, quanto no conhecimento interessado em manter sob suas rédeas a classe de fiéis às velhas doutrinas. Mesmo dentro do Espiritismo as tais ideias de queda, pecado e resgate estão profundamente enraizadas, já que as adulterações vêm desde poucos meses ou anos após a morte do digno professor Rivail.

Não será à base de guerras e disputas, contudo, que desvendaremos esse caminho cheio de sarças e espinhos, mas à base da compreensão lúcida e da palavra firme mas amistosa. Guardemo-nos de perder tempo com esses que compõem as classes acima destacadas, porque uns e outros não tem o menor interesse em modificar suas ideias frente à verdade irrefutável. Para esses, apenas o tempo surtirá efeito. Invistamos nosso tempo, contudo, na classe de todos aqueles aos quais essas ideias não apenas agradem, mas aos quais sejam substanciais: os que já não veem gosto na vida, os que pensam em dela desistir, os que não compreendem um Deus vingativo, os que, enfim, não entendem os motivos das dificuldades do dia-a-dia, ou ainda àqueles que, de boa vontade, desejam estudar o Espiritismo em sua essência, a fim de transmitir, a todos que puderem, as ideias reformadoras e consoladoras dessa Doutrina em sua originalidade.

Levantemos as mangas, portanto, queridos irmãos. A inação não faz bem a ninguém. Façamos a nossa parte. Eu, autor deste texto, estou aqui, hoje, por um Espírito muito amado que me estendeu a mão no momento mais difícil da minha vida e por outro, encarnado, que insistiu em, diariamente e sem agradecimentos quaisquer, divulgar uma reflexão espírita em um grupo de WhatsApp que estava e ainda está esquecido do motivo de terem formado uma família no centro espírita que, por conta da pandemia, agora se encontra fechado.

Basta um gesto, muitas vezes, para mudar uma vida, uma opinião, e, daí em diante, iniciar um movimento. Avante, prezados, e que Deus nos ilumine a todos para que, nesse processo, não nos deixemos contaminar jamais pelo personalismo, pela vaidade, pelo egoísmo e pelo orgulho.

O caminho é sinuoso, longo, pedregoso e cheio de espinhos, mas temos que trilhá-lo e limpá-lo para as próximas gerações, das quais provavelmente voltaremos a fazer parte.




ANOMALIAS E DEFORMIDADES SOB A ÓTICA ESPÍRITA

Anomalias e deformidades diversas. Cretinismo, deficiências mentais, físicas, intelectuais. Ao questionar o porque de tais complicações físicas, no meio espírita, quantas vezes já não ouvimos: “é porque fulano está resgatando uma dívida passada”. E por quanto tempo nos confortamos com essa maldosa e caluniosa afirmação, feita de forma genérica?! Mas hoje não mais.

Após a constatação irrefutável das alterações das duas obras finais – e fundamentais – de Allan Kardec, O Céu e o Inferno e A Gênese[1], pudemos verificar que tais conceitos nunca fizeram parte da Doutrina dos Espíritos, sendo ela originalmente e essencialmente baseada no livre-arbítrio, ou seja, na capacidade de escolha de cada um. Contudo, tais ideias ainda enfrentam grande resistências, pois muitos são aqueles que vem de uma criação, inclusive espírita, que afirma os conceitos de queda, pecado, castigo, resgate, carma, etc.

O artigo de mesmo título, apresentado no Blog Letra Espírita, acerta em muitos pontos, mas traz também esse tipo de conceito (da dívida e do resgate), em certo ponto, quando se utiliza de uma afirmação de Suely C. Schubert (“O Espírito enfermo, endividado“) e também quando se utiliza de um texto de O Céu e o Inferno, baseado na 4a edição, adulterada.

Ação e Reação – o que é isso?

Uma coisa é identificar, como Kardec constatou na lei das reencarnações sucessivas, que todo efeito tem uma causa, e que, quase sempre, essa causa se encontra nas vidas anteriores. Outra coisa, muito distinta, é afirmar que toda ação moralmente negativa terá uma reação com a finalidade de castigar a ação original a fim de reparar um suposto pecado. Isso, no âmbito da Doutrina Espírita, é uma falácia. Ação e reação é uma lei material, da física, e não uma lei moral. Tanto é que não existe tal lei dentre aquelas apresentadas em O Livro dos Espíritos.

Resgate?

Infelizmente, muitos espíritas e espiritualistas modernos insistem em pregar na cabeça das pessoas que suas dores, dificuldades e tragédias atuais são “resgates” de dívidas passadas, esquecendo-se de que, se por um lado o Espírito pode se impor um sofrimento com a finalidade de vencer as imperfeições que o fizeram cair anteriormente, por outro também podem se impor duras provas que não tem nada a ver com erros passados, mas apenas como oportunidades riquíssimas para aprendizado de virtudes e para vencer aspectos relacionados a imperfeições que nada tem a ver, diretamente, com o gênero de provas escolhidas. Assim, um Espírito pode escolher a cegueira apenas para poder lidar com a necessidade de depender do auxílio de outros, e não porque tenha cegado alguém em vidas anteriores. Aliás, os porquês NÃO NOS CABE SONDAR: cabe-nos apenas sermos caridosos e auxiliar no caminho de todos.

Dívidas?

Precisamos compreender que o Espírito “endividado” não está endividado com Deus nem com qualquer lei, mas, sim, perante a si mesmo, e por acreditar-se assim (isso é muito importante). Por conta de todos termos as Leis divinas em nossas consciências – fato que nos faz Espíritos portadores do livre-arbítrio – desque não estejamos em negação, nossa própria consciência nos acusa dos erros cometidos, sobre os quais nos culpamos, bem como nos indica as imperfeições que nos causam dor moral. É assim que um Espírito que, na encarnação anterior, tenha animado um homem rico e egoísta, muitas vezes escolhe a pobreza na próxima encarnação, a fim de não se enveredar pelo caminho difícil e tão cheio de responsabilidades que as riquezas terrenas trazem.

Eu disse “acreditar-se assim” (endividado) pois, quando o Espírito realmente entende que o que houve foi um erro, natural de sua ignorância e de suas imperfeições, e que essas imperfeições e ignorância o fazem sofrer, deixa de se acreditar pecador e merecedor de castigo para se entender Espírito em evolução, buscando, então, novas provas e expiações que lhe deem oportunidade de aprender e se livrar de suas imperfeições, desenvolvendo melhores virtudes. Outrossim, também entende que todos são passíveis de erros e, então, para de se colocar na condição de cobrador e vingador. Isso é substancial, e é para isso que, essencialmente, o Espiritismo veio.

Não estamos dizendo, com isso, que não existem consequências físicas que o Espírito perturbado faça aparecerem sobre seu corpo, já que sabemos das relações psicossomáticas que guardamos com nosso corpo. Mas estamos afirmando, com base no estudo do Espiritismo em sua originalidade, que NÃO PODEMOS olhar para um indivíduo com deficiências quaisquer e afirmar que isso se dá por que ele é um Espírito “endividado”, tanto quanto NÃO PODEMOS (porque seria um erro tanto factual quanto moral) dizer a uma mãe que perdeu seu filho queimado num incêndio que “isso aconteceu porque seu filho deve ter sido um soldado no tempo de X que queimava pessoas”. Isso é terrível, causa revolta e afasta as pessoas do Espiritismo, fato sobre o qual responderemos – frente à nossa própria consciência.

Baseando-se em um erro, produz-se outro erro

Por fim, quero destacar que o artigo em questão comete o erro – provavelmente involuntário, por ausência de informação – de basear-se na versão adulterada de O Céu e o Inferno, posto que já está devidamente e inegavelmente provado que a 4a edição da obra, trazendo profundas mudanças no pensamento original, não foi encomendada senão após a morte de Kardec, sem falar que o estudo comparativo cuidadoso dessas mudanças indicam que o conteúdo foi modificado justamente de inserir os conceitos de pecado e castigo que nunca estiveram na Doutrina dos Espíritos e que, embora Kardec possa ter apresentado algum pensamento anterior no sentido dessa crença, na obra original, da primeira à terceira edição (que são as mesmas) concluia justamente no sentido oposto.

Veja, nesse sentido, as diferenças entre o original e o que consta na 4a edição:

[ORIGINAL]
“Os deficientes mentais são seres punidos na Terra pelo mau uso que fizeram de faculdades poderosas. Eles têm a alma encarcerada num corpo cujos órgãos são incapazes de expressar seus pensamentos. Esse mutismo intelectual e físico é uma das mais cruéis punições na Terra. Muitas vezes ela é escolhida pelos espíritos arrependidos que querem EXPIAR suas faltas”

[4a Edição]
“Os cretinos são seres punidos na terra pelo mau uso que fizeram de poderosas faculdades; sua alma está aprisionada num corpo cujos órgãos impotentes não podem expressar seus pensamentos; esse mutismo moral e físico é uma das mais cruéis punições terrestres; frequentemente ela é escolhida pelos Espíritos arrependidos que querem RESGATAR suas faltas”

Notem que o sentido muda totalmente quando se fala em “resgatar” e quando se fala em “expiar”. Como diz Paulo Henrique de Figueiredo,

“Para explicar as leis da alma segundo o Espiritismo, enquanto cristianismo redivivo, restaurando a verdadeira mensagem da autonomia, como o fez Jesus, Allan Kardec vai ressignificar termos como punição, arrependimento, expiação, reparação, eternidade das penas. A diferença entre punição e expiação é o ponto primordial para se compreender a teoria moral do Espiritismo. Pois, enquanto a punição é uma resposta natural a qualquer pensamento ou ato que vai de encontro à lei moral presente na consciência, a expiação se dá por um esforço consciente, voluntário e eficaz para superar a própria imperfeição, por meio da escolha das provas. As religiões ancestrais invertem o significado desses fenômenos, confundindo dogmaticamente castigo com expiação, como se fossem uma só coisa. Além disso, consideram que a punição é uma escolha deliberada de Deus e não uma consequência natural.”

Figueiredo. Nem céu nem inferno: As leis da alma segundo o Espiritismo

Também há algo muito, mas MUITO importante em praticamente TODAS as comunicações desse tipo, por parte dos Espíritos: a palavra ESCOLHA. Sim, existem provas, existem expiações e existem punições, até das mais severas, mas são sempre ESCOLHAS do Espírito. Veja que, mais à frente, na mesma mensagem, o Espírito repete:

“[…] Alguns revoltam-se contra seu suplício voluntário, lamentando tê-lo escolhido e sentindo um desejo furioso de voltar a uma outra vida, desejo que os faz esquecer a resignação com a vida presente e o remorso da vida passada que guardam na consciência”. (O Céu e o Inferno, 3a Edição)


[1] Consultar as obras O Legado de Allan Kardec, de Simoni Privato, e Nem céu nem inferno: As leis da alma segundo o Espiritismo, por Lucas Sampaio e Paulo Henrique de Figueiredo




“Tenho como saber quem eu fui em outras vidas? Como posso saber o que vim resgatar nessa minha jornada?”

Não é necessário.

O véu do esquecimento tem sua razão de ser e, muitas vezes, saber da outra vida traz mais atrapalhação do que solução. É algo que jamais uma pessoa séria fará, mas, infelizmente, existem os indivíduos mais interessados em ganhos e que, de forma irresponsável, se lançam a esse tipo de “trabalho”.

Ao observar a si próprio com um olhar bastante crítico e honesto, verificando nossas próprias imperfeições, podemos facilmente identificar aquilo que nos coloca em dificuldades frente às situações da vida, entendendo, então, que essas situações difíceis são justamente oportunidades, muitas vezes planejadas por nós mesmos, a fim de vencermos essas imperfeições e avançarmos em direção à felicidade verdadeira.

Por fim, destaco que, segundo a Doutrina Espírita, não existe “resgate”, não existe pagamento de dívidas, não existe, nesse sentido, o “carma”: o Espírito, consciente e livre, escolhe provas e expiações (e oportunidades) com a finalidade exposta acima – vencer imperfeições e adquirir virtudes – não sendo nunca, jamais, as dificuldades da vida o resultado de uma mecânica divina, conceito este ligado ao dogma da queda pelo pecado. O único Espírito que não escolhe suas provas é o Espírito em estado de negação, que ainda assim reencarna, mas que apenas vive uma vida que, por si só, frente aos conteúdos desse indivíduo, trará dificuldades e dores morais, que um dia o farão sair da negação e voltar a buscar enfrentar essas imperfeições através das escolhas conscientes.

Portanto, ao enfrentar uma prova difícil, não pense “estou pagando por algo ou resgatando algo do passado”, mas sim “é uma difícil mas importante oportunidade de aprendizado. Vou tirar dela o máximo possível”. E, para tanto, entender o Espiritismo a fundo é substancial!




Teoria das Manifestações Físicas II

Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Junho > Teoria das manifestações físicas II

A continuação das manifestações físicas

Pedimos ao leitor que se reporte ao primeiro artigo que publicamos sobre o assunto. Este é a sua continuação e seria pouco inteligível se não se tivesse em mente aquele começo.

Como dissemos, as explicações que demos para as manifestações físicas fundam-se na observação dos fatos e na sua dedução lógica: concluímos de acordo com o que vimos. Como, porém, se processam na matéria eterizada as modificações que a tornam perceptível e tangível?

Para começar, deixaremos falarem os Espíritos a quem interrogamos a respeito, juntando depois os nossos comentários. As respostas que se seguem foram dadas pelo Espírito de São Luís e estão em concordância com o que anteriormente nos havia sido dito por outros Espíritos.

O fluido

1. ─ Como pode aparecer um Espírito com a solidez de um corpo vivo?

─ Ele combina uma parte do fluido universal com o fluido que se desprende do médium apto para tal efeito. Esse fluido toma a forma que o Espírito deseja, mas geralmente essa forma é impalpável.

2. ─ Qual é a natureza desse fluido?

─ Fluido. Isto diz tudo.

3. ─ Esse fluido é material?

─ Semimaterial.

4. ─ É esse fluido que compõe o perispírito?

─ Sim,é a ligação do Espírito à matéria.

5. ─ É esse fluido que dá a vida, o princípio vital?

─ Sempre ele. Eu disse ligação.

6. ─ Esse fluido é uma emanação da Divindade?

─ Não.

7. ─ É uma criação da Divindade?
─ Sim. Tudo é criado, exceto o próprio Deus.

8. ─ O fluido universal tem alguma relação com o fluido elétrico, cujos efeitos conhecemos?
─ Sim. É o seu elemento.

9. ─ A substância etérea que existe entre os planetas é o fluido universal em questão?
─ Ele envolve os mundos. Sem o princípio vital, nada viveria. Se uma pessoa subisse além do envoltório fluídico dos globos, pereceria, porque seu envoltório fluídico dele se retiraria, para juntar-se à massa. Esse fluido vos anima. É ele que respirais.

10. Esse fluido é o mesmo em todos os globos?
─ É o mesmo princípio, mais ou menos eterizado, conforme a natureza dos mundos. O vosso é um dos mais materiais.

11. ─ Desde que é esse fluido que compõe o perispírito, deve haver uma espécie de estado de condensação que, até certo ponto, o aproxima da matéria.
─ Sim, até um certo ponto, pois não tem as suas propriedades. Ele é mais ou menos condensado, conforme os mundos.

Como os Espíritos usam o fluido

12. ─ São os Espíritos solidificados que levantam a mesa?
─ Esta pergunta ainda não conduzirá ao ponto que desejais. Quando uma mesa se move debaixo de vossas mãos, o Espírito evocado pelo vosso Espírito vai retirar do fluido universal aquilo com que há de animar essa mesa com uma vida factícia. Os Espíritos que produzem esse tipo de efeitos são sempre Espíritos inferiores ainda não inteiramente desprendidos de seu fluido ou perispírito. A mesa, assim preparada à sua vontade (à vontade dos Espíritos batedores), o Espírito a atrai e a movimenta, sob a influência de seu próprio fluido, desprendido por sua vontade. Quando a massa que quer levantar ou mover lhe é demasiado pesada, ele chama em seu auxílio Espíritos que se acham em condições idênticas às dele. Penso que me expliquei com bastante clareza para ser compreendido.

13. ─ Os Espíritos chamados em seu auxílio são seus inferiores?
─ Quase sempre são iguais. Frequentemente vêm por si mesmos.

14. ─ Compreendemos que os Espíritos superiores não se ocupem de coisas que lhes são inferiores. Mas perguntamos se, pelo fato de serem desmaterializados, teriam o poder de fazê-lo, caso tivessem vontade?
─ Eles têm a força moral, como os outros têm a força física. Quando necessitam dessa força, servem-se daqueles que a possuem. Não vos foi dito que eles se servem dos Espíritos inferiores como vos servis dos carregadores?

O Sr. Home

15. ─ De onde vem o poder especial do Sr. Home? [

─ De sua organização.

16. ─ Que há nela de particular?
─ A pergunta não é precisa.

17. ─ Perguntamos se se trata de sua organização física ou moral.

─ Eu disse organização.

18. ─ Entre as pessoas presentes há alguém que possa ter a mesma faculdade do Sr. Home?
─ Têm-na em certo grau. Não foi um de vós que fez mover a mesa?

O movimento dos objetos e as indumentárias

19. ─ Quando uma pessoa faz mover um objeto, é sempre com o auxílio de um Espírito estranho ou tal ação pode ser exclusiva do médium?
─ Algumas vezes o Espírito do médium pode agir sozinho. Na maioria das vezes, entretanto, é auxiliado pelos Espíritos evocados. Isto é fácil de reconhecer.

20. ─ Como é que os Espíritos aparecem com a indumentária que usavam na Terra?
─ Muitas vezes ela tem apenas a aparência. Aliás, para quantos fenômenos entre vós não tendes solução! Como é que o vento, que é impalpável, arranca e quebra árvores, que são matéria sólida?

21. ─ Que entendeis ao dizer que sua indumentária “é apenas uma aparência?”

─ Ao tocá-la, nada se encontra.

22. ─ Se bem compreendemos o que dissestes, o princípio vital reside no fluido universal; dele o Espírito extrai o envoltório semimaterial que constitui o seu perispírito e é por meio desse fluido que atua sobre a matéria inerte. É isso mesmo?

─ Sim, isto é, ele anima a matéria por uma espécie de vida factícia; a matéria se anima pela vida animal. A mesa que se move sob as vossas mãos vive e sofre como o animal; obedece por si mesma ao ser inteligente. Não é ele que a dirige, como o homem faz com um fardo. Quando a mesa se ergue, não é o Espírito que a levanta. É a mesa animada que obedece ao Espírito inteligente.

23. ─ Desde que o fluido universal é a fonte da vida, será ao mesmo tempo a fonte da inteligência?
─ Não. O fluido apenas anima a matéria.

manifestações físicas
Os objetos moviam-se, sem interferência externa, ante os olhares dos assistentes.

Considerações finais

Esta teoria das manifestações físicas oferece vários pontos de contato com a que demos, embora difira em certos aspectos. De uma e da outra ressalta um ponto capital: o fluido universal, no qual reside o princípio da vida, é o agente principal dessas manifestações e esse agente recebe o impulso do Espírito, quer encarnado, quer errante. Esse fluido condensado constitui o perispírito ou envoltório semimaterial do Espírito. Quando encarnado, o perispírito está unido à matéria do corpo; quando em estado de erraticidade, fica livre.
Ora, duas questões aqui se apresentam: a da aparição dos Espíritos e a do movimento que imprimem aos corpos sólidos.

Quanto ao primeiro, diremos que, no estado normal, a matéria eterizada do perispírito escapa à percepção dos nossos órgãos; só a alma pode vê-la, quer em sonhos, quer em estado sonambúlico ou, ainda, meio adormecida; numa palavra, sempre que houver suspensão total ou parcial da atividade dos sentidos. Quando o Espírito está encarnado, a substância do perispírito acha-se mais ou menos intimamente ligada à matéria do corpo; mais ou menos aderente, se assim podemos dizer. Em algumas pessoas há uma como que emanação desse fluido, em consequência de sua organização e é isto o que constitui propriamente os médiuns de influências físicas. Emanado do corpo, esse fluido se combina, segundo leis que ainda nos são desconhecidas, com aquele que forma o envoltório semimaterial de um Espírito estranho. Disso resulta certa modificação, uma espécie de reação molecular que lhe altera momentaneamente as propriedades, a ponto de torná-lo visível e, em certos casos, tangível. Esse efeito pode produzir-se com ou sem o concurso da vontade do médium, e é isto o que distingue os médiuns naturais dos médiuns facultativos. A emissão do fluido pode ser mais ou menos abundante: daí os médiuns mais ou menos potentes. Ela não é permanente, o que explica a intermitência daquele poder. Enfim, se levarmos em conta o grau de afinidade que pode existir entre o fluido do médium e o de tal ou qual Espírito, compreender-se-á que sua ação possa exercer-se sobre uns e não sobre outros.

Aquilo que acabamos de dizer evidentemente se aplica também à força mediúnica, no que concerne ao movimento dos corpos sólidos. Resta saber como se opera esse movimento.

Conforme as respostas acima, a questão se apresenta sob um aspecto inteiramente novo. Assim, quando um objeto é posto em movimento, arrebatado ou lançado no ar, não será o Espírito que o pega, o empurra ou o levanta, como nós o faríamos com a mão: ele, por assim dizer, o satura com o seu fluido, pela combinação com o do médium e, assim momentaneamente vivificado, o objeto age como se fosse um ser vivo, com a diferença de que, não tendo vontade própria, segue o impulso da vontade do Espírito. Essa vontade tanto pode ser do Espírito do médium quanto de um Espírito estranho e, algumas vezes, de ambos, agindo de acordo, conforme sejam ou não simpáticos. A simpatia ou antipatia que pode existir entre o médium e os Espíritos que se ocupam desses efeitos materiais explica por que nem todos são aptos a provocá-los.

Considerando-se que o fluido vital, emitido de alguma maneira pelo Espírito, dá uma vida factícia e momentânea aos corpos inertes e que outra coisa não é o perispírito senão o próprio fluido vital, segue-se que, quando encarnado, é o Espírito que dá vida ao corpo, por meio de seu perispírito: fica-lhe unido enquanto a organização o permite, e quando se retira, o corpo morre.

Agora se, em lugar da mesa, a madeira for talhada em estátua, e se agirmos sobre essa do mesmo modo que sobre a mesa, teremos uma estátua que se desloca do lugar, que responderá por movimentos e por pancadas; numa palavra, uma estátua momentaneamente animada de uma vida artificial. Que luz lança essa teoria sobre uma porção de fenômenos até aqui não explicados! Quantas alegorias e efeitos maravilhosos ela explica! É toda uma filosofia.

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Artigo citado: Teoria das manifestações físicas I

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Espiritismo e karma (ou carma), castigo, pecado e punição

Convidamos ao leitor a assistir com muita atenção a esse estudo em grupo, com a participação de Paulo Henrique de Figueiredo. É uma grande modificação na nossa forma de pensar, ainda tão arraigada nos velhos conceitos da heteronomia (a culpa é do outro). Karma (ou carma), ação e reação, resgate de débitos, todos são temas que jamais fizeram parte do Espiritismo. Está na hora de entendermos isso!




Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas

Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Maio > Sociedade parisiense de estudos espíritas fundada em Paris a 1º de abril de 1858

A extensão, por assim dizer universal, que tomam diariamente as crenças espíritas fazia desejar-se vivamente a criação de um centro regular de observações. Esta lacuna acaba de ser preenchida. A Sociedade cuja formação temos o prazer de anunciar, composta exclusivamente de pessoas sérias, isentas de prevenções e animadas do sincero desejo de esclarecimento, contou, desde o início, entre os seus associados, com homens eminentes por seu saber e por sua posição social.

Sociedade parisiense de estudos espíritas
Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas foi a primeira entidade do gênero e foi fundada por Allan Kardec

A Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas e a Verdade

Estamos convictos de que ela é chamada a prestar incontestáveis serviços à constatação da verdade. Sua lei orgânica lhe assegura uma homogeneidade sem a qual não haverá vitalidade possível. Está baseada na experiência dos homens e das coisas e no conhecimento das condições necessárias às observações que são o objeto de suas pesquisas. Vindo a Paris, os estranhos que se interessam pela Doutrina Espírita encontrarão, assim, um centro ao qual poderão dirigir-se para obter informações e onde poderão também relatar suas próprias observações [1].

ALLAN KARDEC


[1] Para informações relativas à Sociedade, dirigir-se ao Sr. ALLAN KARDEC, rue Sainte-Anne, n. 59, das 3 às 5 horas; ou ao Sr. LEDOYEN, livreiro, Galeria d’Orléans, n. 31, no Palais-Royal.

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