Hoje, não: o poder da vontade

Todos nós passamos pelo processo evolutivo através das encarnações. Todos, sem exceção. Durante esse processo, por conta das nossas escolhas, podemos desenvolver bons hábitos ou maus hábitos. Os primeiros se tornam virtudes, que nos aproximam da felicidade, ao passo que os segundos se tornam imperfeições, que nos afastam da felicidade e, portanto, prolongam nossos sofrimentos.

“Todos os homens passam pelas paixões. Os que as superaram, e não são, por natureza, orgulhosos, ambiciosos, egoístas, rancorosos, vingativos, cruéis, coléricos, sensuais, e fazem o bem sem esforços, sem premeditação e, por assim dizer, involuntariamente, é porque progrediram na sequência de suas existências anteriores, tendo se livrado desse incômodo peso. É injusto dizer que eles têm menos mérito quando fazem o bem, em comparação com os que lutam contra suas tendências. Acontece que eles já alcançaram a vitória, enquanto os outros ainda não. Mas, quando alcançarem, serão como os outros. Farão o bem sem pensar nele, como crianças que leem correntemente sem ter necessidade de soletrar. É como se fossem dois doentes: um curado e cheio de força enquanto o outro está ainda em convalescença e hesita caminhar; ou como dois corredores, um dos quais está mais próximo da chegada que o outro.”

KARDEC, Allan. A Gênese. 4.ª edição (original), FEAL

Os maus hábitos são de dois tipos: os morais e os materiais (que, no fundo, tem sempre algo moral, isto é, da vontade do Espírito). Os maus hábitos morais são aqueles facilmente reconhecidos como avareza, ciúmes, vaidade, egoísmo, orgulho, etc., sendo que os dois últimos podem ser entendido como os pais de todos os outros. Já os maus hábitos materiais são aqueles como os vícios em entorpecentes ou no exagero de certos instintos animais, como a glutonice, o vício no sexo, etc.

Uns e outros são muito difíceis de combater, ora instalados. Muitas vezes, requerem múltiplas encarnações e, nada raro, encontramos a nós mesmos na condição daquele que entende onde erra e o sofrimento que isso lhe causa, mas que diz: “é mais forte do que eu”. Comumente, nessa condição, que já é o começo de algo muito importante, pelo simples reconhecimento, vamos buscar diversas formas externas de lidar com esses maus hábitos, sejam eles religiosos ou filosóficos, sejam eles medicinais. Buscamos as internações, as drogas que visam combater certos aspectos, as religiões que comumente classificarão como pecado ou que dirão que precisamos mudar com pressa, pois “Jesus nos espera”. Nada disso, porém, consegue mudar aquilo que vai no fundo de nossas almas, senão com raras exceções. É que, em tudo isso, falta uma chave fundamental: a vontade.

Vejamos: todos os artifícios exteriores podem, claro, ajudar muito no processo das superações. A prece ou a oração, os medicamentos, as práticas exteriores, enfim, tudo é uma ferramenta, mas aqui estou para dizer que nada vai mudar, a não ser que o indivíduo adquira a vontade firme de vencer. E isso é um processo, muito grandemente auxiliado pela razão. O Espiritismo, quando nos demonstra que alegria e tristeza, prazer e dor são condições puramente materiais e passageiras, mas que a verdadeira felicidade está em nos livrarmos das condições que nos forçam a continuar encarnando em condições tão brutas como esta, vivendo sob o fruto de nossas próprias imperfeições, nos diz: todos alcançarão os céus, mas depende apenas de cada um quando isso se dará.

Ao entender esse aspecto, podemos começar a enxergar a vida de outra forma. Cada situação difícil e cada oportunidade se tornam dispositivos de aprendizado. Passamos a encarar as dificuldades com outros olhos e passamos a estar mais atentos para as oportunidades às quais os bons Espíritos nos conduzem, desde que tenhamos a vontade.

Ainda assim, vencer parece algo muito distante e difícil. Muitos dirão: a carne é fraca. Bem, realmente não podemos supor que, da noite para o dia, venceremos um mau hábito fundamente enraizados em nossa mente. Esse é o primeiro entendimento fundamental. É preciso adotar a razão e a vontade para desenvolver melhores hábitos, sendo quem deles é o hábito de aprender a dizer “hoje, não”. Aprendamos a projetar nosso futuro: por que desejamos nos livrar de uma imperfeição ou mais? Porque desejamos não necessitar passar por mais vidas na mesma condição. Quem sabe a transformação possa ser tão grande que, ao fim desta encarnação, possamos conquistar a possibilidade de encarnar em mundos um pouco mais felizes? Ainda mais: quem saiba a transformação possa ainda que, lentamente, se dar de forma tão profunda que possamos, dia após dia, encontrarmos uma felicidade crescente em nosso coração, ante à constatação de que aprendemos a lidar um pouquinho melhor com as dificuldades e os maus hábitos?

Isso já deve ser o suficiente para nos provocar firmes propósitos de mudança, na esperança concreta de um amanhã melhor para nós mesmos.

Portanto, ao lutarmos com nossas imperfeições, aprendamos a vigiar os pensamentos, afastando, isto é, nem pensando, naquilo que nos leva aos processos de tropeço. E, se hoje não fomos fortes o suficiente e tropeçamos, não digamos: “não consigo, não sou forte”, mas sim “não sou perfeito e ainda não consegui superar”, analisando onde se deu o erro e continuando firme no propósito da mudança. Só não podemos tomar esse princípio como desculpa.

Prezado leitor, saiba e jamais se esqueça: se você já percebe uma imperfeição, esse é o começo da sua mudança. Reforce a sua vontade e saiba que, através dela, jamais estará abandonado. Os próprios Espíritos amigos te conduzirão às oportunidades que caberão a você aceitar ou não. É um bom livro que chega oportunamente, é uma palavra de um amigo, é um artigo como este, pensado para mexer contigo. Fique atento às más sugestões, porém, que continuarão vindo dos Espíritos habituados à perturbação, e galgue sua força no estudo e na prece, buscando sempre se reformar. As outras coisas, como ações no bem, estudo do evangelho, acompanhamento psicológico, são, sim, muito importantes, mas depende de você, e apenas de você, desejar alcançar a felicidade.

Lembre-se, afinal, que Jesus, pregado à cruz, ouvindo o arrependimento e os rogos de perdão do ladrão pregado na cruz ao lado, lhe replicou: “hoje mesmo estará comigo no paraíso”. “Estar com Jesus no paraíso” significa dizer que o ladrão, tendo se arrependido e encontrado a vontade de se modificar, entrou em nova fase de aprendizado. Não foi Jesus quem o salvou, mas ele próprio. Pense nisso.

Recomendamos assistir o estudo abaixo. Fala profundamente sobre isso:




Pode uma pessoa morrer antes do tempo ou é sempre o destino, ou a fatalidade?

É um falso conceito, embora generalizado, dizer que em tudo há um planejamento. Fosse assim, não teríamos livre arbítrio.

Quando se diz que até uma folha que cai está sob a vontade de Deus, significa dizer que tudo está sob suas Leis, que são perfeitas. Não há, porém, o efeito direto da vontade de Deus que determine que, naquele momento, a folha vai cair ou não vai cair.

Pois bem: nós, como Espíritos, antes de entrar no reino da consciência e da escolha, somos guiados unicamente pelo instinto. É ele que nos guia, por exemplo, quando somos animais: a fome nos leva a buscar alimento, a raiva nos ajuda a matar o animal que servirá de alimento e o medo nos afasta das condições de perigo. Quando somos um animal fora do topo da cadeia, muitas vezes somos mortos para servir de alimento a outro animal (veja: não há mal nisso, mas bem, pois estamos seguindo a Lei de Deus). Depois de morto, o Espírito do animal, que ainda não tem consciência de si mesmo e capacidade de escolha e, por isso mesmo, não sofre moralmente, é muito rapidamente reutilizado em outro animal que nasce.

Depois de entrarmos no reino do livre-arbítrio, passamos progressivamente a escolher nossas vidas, planejando-a em termos gerais. Se fui muito apegado ao ciúmes, que me causa dificuldades e sofrimentos, a partir do momento que entendemos isso, escolhemos um gênero de vida que nos proverá possibilidades de lidar com essa imperfeição. Desse planejamento participam Espíritos amigos que, durante a vida, nos ajudam, nos influenciando, inspirando e muitas vezes nos conduzindo às situações que poderão ser úteis a nós mesmos.

Tudo isso foi necessário para destacar: somos Espíritos vivendo encarnações na matéria densa. Estamos, portanto, sujeitos às leis espirituais e às leis da matéria. As últimas nos fazem estar expostos às condições da matéria, como, por exemplo, uma chuva torrencial que cause uma comoção numa montanha, que venha abaixo sobre as casas, um vulcão que explode, um terremoto que gere um tsunami devastador ou, ainda, um cometa que atinja o planeta e o destrua por completo. A ideia de “carma coletivo”, portanto, é FALSA (na verdade, a ideia de carma, como conhecemos, é falsa).

De outro ponto de vista, estamos sujeitos também às escolhas de outros Espíritos encarnados. Veja: Deus e os Espíritos superiores respeitam o livre-arbítrio e o tempo dos homens. É por isso não há uma interrupção divina de uma guerra, nem de um crime em menor escala. É claro que os bons Espíritos tentam dissuadir as más escolhas, através de suas influências, mas, no fim, o homem é quem escolhe ouvir a elas (ou à própria consciência) ou não. Do outro lado, uma pessoa que se esteja conduzindo para uma situação em que se torne vítima, pode, também, tentar ser inspirada, se possível, a se desviar disso. Quantos não são os indivíduos que escapam de acidentes e crimes por conta de um sonho ou de um pensamento insistente, ou mesmo através de um evento que lhe cause um atrapalhamento?

É claro que isso não consiste uma concessão a pessoas especiais. Todos nós temos os bons Espíritos que nos amam, sem exceção, mas, muitas vezes, estamos muito afastados de suas influências ou nos fazemos surdos às suas sugestões.

Mais uma constatação lógica que fazemos é que, quando uma pessoa morre por um crime, JAMAIS está “pagando” por algo do passado (mas ela pode, claro, ter sido vítima de sua própria imprecaução, quando, por exemplo, se mete em um ambiente criminoso ou perigoso por sua própria vontade).

Chegamos, enfim, à constatação: o gênero e a época da morte pode, sim, estar planejado antes da encarnação do Espírito, mas o curso da vida pode, é claro, mudar esse planejamento. Não há um destino pré-determinado, pois, se houvesse, seríamos meras marionetes no teatro da vida. Nós podemos mudar nossos planejamento – e frequentemente fazemos. Podemos inclusive criar uma doença, por nossas ações, que nos mate antes do planejado, e também podemos nos livrar de uma doença ou condição que iria nos levar ainda jovens, se uma série de condições permitirem (e NÃO faz parte dessas condições aquilo que chamam de “merecimento”).

Pense naquela pessoa que atravessa a rua sem olhar: não é um Espírito que a impele a tal ato, mas sua própria imprecaução, um mau hábito. Por esse mau hábito, poderá, a qualquer momento, encontrar um carro vindo em alta velocidade ou um motorista olhando para outro lado, e poderá acidentar-se e morrer. Pense também no paraquedista que se lança de um avião, colocando sua vida na dependência de um paraquedas. O instinto lhe diz para ter medo de fazê-lo, mas sua vontade, fruto da escolha, falseia esse instinto, e ele, assim mesmo, se lança. Se o paraquedas falha e ele morre, não foi Deus quem quis assim, nem um Espírito quem estragou o paraquedas, mas as próprias leis da matéria.

Cremos que ficou claro esse pensamento, mas encerramos destacando o que Kardec apresenta em Instruções práticas sobre as manifestações espíritas:

FATALIDADE — do lat. fatalitas, de fatum, destino. Destino inevitável. Doutrina que supõe sejam todos os acontecimentos da vida e, por extensão, todos os nossos atos, predestinados e submetidos a uma lei à qual não nos podemos subtrair. Há duas espécies de fatalidade: uma proveniente de causas exteriores, que nos podem atingir e reagem sobre nós; poderíamos chamá-la reativa, exterior, fatalidade eventual; a outra, que se origina em nós mesmos, determina todas as nossas ações; é a fatalidade pessoal. No sentido absoluto do vocábulo, a fatalidade transforma o homem numa máquina, sem iniciativa nem livre-arbítrio e, consequentemente, sem responsabilidade. É a negação de toda moral.

Segundo a doutrina espírita, escolhendo sua nova existência, pratica o Espírito um ato de liberdade. Os acontecimentos da vida são a consequência da escolha e estão em relação com a posição social da existência. Se o Espírito deve renascer em condição servil, o meio no qual se achar criará os acontecimentos muito diversos dos que se lhe apresentariam se tivesse de ser rico e poderoso. Mas, seja qual for essa condição, conserva ele o livre-arbítrio em todos os atos de sua vontade, e não será fatalmente arrastado a fazer isto ou aquilo, nem a sofrer este ou aquele acidente. Pelo gênero de luta escolhido, tem ele possibilidade de ser levado a certos atos ou encontrar certos obstáculos, mas não está dito que isto devesse acontecer infalivelmente, ou que não o possa evitar por sua prudência e por sua vontade. É para isso que Deus lhe dá a capacidade de raciocínio. Dáse o mesmo que se fosse um homem que, para chegar a um objetivo, tivesse três caminhos à escolha: pela montanha, pela planície ou pelo mar. No primeiro, a possibilidade de encontrar pedras e precipícios; na segunda pântanos; na terceira, tempestades. Mas não está dito que será esmagado por uma pedra, que se atolará no brejo ou que naufragará aqui e não ali. A própria escolha do caminho não é fatal, no sentido absoluto do vocábulo: por instinto o homem tomará aquele no qual deverá encontrar a prova escolhida. Se tiver que lutar contra as ondas, seu instinto não o levará a tomar o caminho das montanhas.

Conforme o gênero de provas escolhido pelo Espírito, acha-se o homem exposto a certas vicissitudes. Em consequência dessas mesmas vicissitudes, é ele submetido a arrastamentos aos quais deve subtrair-se. Aquele que comete um crime não é fatalmente levado a cometê-lo: escolheu um caminho de luta que a isso pode excitá-lo; se ceder à tentação, é pela fraqueza de sua vontade. Assim, o livre-arbítrio existe para o Espírito no estado errante, na escolha que faz das provas a que deve submeter-se, e existe na condição de encarnado nos atos da vida corpórea. Só o instante da morte é fatal: porque o gênero de morte é ainda uma consequência da natureza das provas escolhidas.




O Mal do Medo

https://www.youtube.com/watch?v=3uF6VAEmXPI

Nesse artigo, Kardec nos leva a pensar a respeito do mal que existe no medo e em como ele pode nos afetar. 

O caso: um homem havia esquecido uma garrafa de bebida muito cara em uma carruagem e, com medo que lhe bebessem a bebida, foi procurar o chefe do estacionamento, para quem disse que a garrafa continha veneno. Quando acabava de voltar ao seu apto, foi procurado às pressas: três cocheiros sofriam de dores terríveis nos estômago. Com esforço, os convenceu de sua indelicadeza.

Será que o caso pode ser explicado simplesmente pelo poder da sugestão? Kardec diz, inicialmente, que não poderia ser uma ação do magnetismo, pois não foi o caso e, então questiona São Luís:

─ Vosso raciocínio é muito justo relativamente à imaginação. Mas os Espíritos malévolos que induziram aqueles homens a cometer um ato indelicado, fazem passar no sangue, na matéria, um arrepio de medo que bem poderíeis chamar de arrepio magnético, que distende os nervos e produz um frio em certas regiões do corpo. Bem sabeis que todo frio na região abdominal pode produzir cólicas. É, pois, um meio de punição que diverte os Espíritos que provocaram a realização do furto e ao mesmo tempo que os faz rir à custa daqueles a quem fizeram pecar [neologismo de linguagem, para se fazer entender, já que o próprio S. Luís fala de autonomia, nas entrelinhas].

São Luis, RE 1858

Comentário: Quando se fala em indução não se pode, de forma alguma, substituir a responsabilidade que o encarnado tem em aceitar essas sugestões.

Comentário: Arrepio Magnético: sendo o magnetismo uma ação da vontade sobre o perispírito, que reflete na matéria, entendemos bem esse termo.

Observação: A punição é no seguinte sentido: Deus nos “coloca” para viver entre Espíritos tão imperfeitos como nós, ou mais. Esse contato é uma provação de nossas imperfeições, aprendendo com isso, ao mesmo tempo que eles aprendem conosco.

“Assim procedem, sempre que se lhes oferece uma oportunidade, que até procuram, para sua satisfação. Nós podemos evitar isso, eu lhes afirmo, elevando-nos a Deus por pensamentos menos materiais que os que ocupavam o espírito daqueles homens. Os Espíritos malévolos gostam de se divertir. Cuidado com eles! Aquele que julga dizer uma frase agradável às pessoas que o cercam e que diverte uma sociedade com piadas e atos, por vezes se engana, e mesmo muitas vezes, quando pensa que tudo isso vem de si próprio. Os Espíritos levianos que o cercam, com ele de tal modo se identificam, que pouco a pouco o enganam a respeito de seus pensamentos, enganando também aqueles que o ouvem. Nesse caso, pensais estar tratando com um homem de espírito, que no entanto não passa de um ignorante. Pensai bem, e compreendereis o que eu vos digo. Os Espíritos superiores não são, entretanto, inimigos da alegria. Por vezes gostam de rir para se vos tornarem agradáveis. Mas cada coisa tem o seu momento oportuno.”

Idem

OBSERVAÇÃO de KARDEC: “Dizendo que no caso relatado não havia emissão de fluido magnético, talvez não fôssemos muito exatos. Aqui aventuramos uma suposição. Como o dissemos, sabe-se que transformações das propriedades da matéria se podem operar sob a ação do fluido magnético dirigido pelo pensamento. Ora, não é possível admitir que, pelo pensamento do médico que queria fazer crer na existência de um tóxico e dar aos ladrões as angústias do envenenamento tivesse havido à distância uma espécie de magnetização do líquido que assim teria adquirido novas propriedades, cuja ação teria sido corroborada pelo estado moral dos indivíduos, a quem o medo tornara impressionáveis? Esta teoria não destruiria a de São Luís sobre a intervenção dos Espíritos levianos em semelhantes circunstâncias. Sabemos que os Espíritos agem fisicamente por meios físicos; podem, pois, a fim de realizar certos desígnios, servir-se daqueles que eles mesmos provocam e que nós lhes fornecemos inadvertidamente.”

Comentário: Kardec está falando no seguinte sentido: através da sugestão, os Espíritos podem obter os resultados físicos, através daqueles que as executam. Está claro que, para agir diretamente sobre a matéria, é necessária a existência de um médium com tais capacidades.

Dúvidas: Aqui, levantamos uma questão: se nós podemos saturar um objeto com nosso fluido perispiritual, pela ação da nossa vontade, por que é que um Espírito não pode fazê-lo? Porque o Espirito não consegue agir na matéria diretamente, nem com seu perispírito. Ele precisa da matéria ou um intermediário médium de efeitos físicos.

Dúvidas: Poderíamos explicar o fenômeno, também, apenas pela autossugestão, não como efeito da imaginação, mas como um efeito patente do próprio indivíduo sobre seu perispírito? Sim, podemos, como o efeito placebo.




Magnetismo e o Sonambulismo Ensinados pela Igreja

https://www.youtube.com/watch?v=3uF6VAEmXPI

Nesse artigo, Kardec destaca que o Magnetismo era ensinado como um fato até mesmo dentro da Igreja Católica.

“Temos em mãos um livrinho intitulado Abrégé, en forme de catéchisme, do curso elementar de instrução cristã, para utilização no catecismo e nas escolas cristãs.

Num dos capítulos sobre o primeiro mandamento, onde são tratados os pecados contra a religião, e depois de haver falado da superstição, da magia e dos sortilégios, diz o seguinte:

P. ─ O que é o magnetismo?

R. ─ É uma influência recíproca que por vezes se opera nos indivíduos, segundo uma harmonia de relações, quer pela vontade ou pela imaginação, quer pela sensibilidade física, e cujos principais fenômenos são a sonolência, o sono, o sonambulismo e o estado convulsivo.

“P. ─ Quais os efeitos do magnetismo?

“R. ─ Ordinariamente, ao que se diz, o magnetismo produz dois efeitos principais: 1.º) Um estado de sonambulismo, no qual o magnetizado, privado inteiramente do uso dos sentidos, vê, ouve, fala e responde a todas as perguntas que lhe são dirigidas; 2.º) Uma inteligência e uma sabedoria que só existem na crise: ele conhece seu estado, os remédios convenientes às suas doenças, bem como o que fazem certas pessoas, mesmo distantes.

Comentário: Poderíamos acrescentar, a isso, a interação magnética entre os indivíduos, pela vontade. Entra, aqui, uma questão de autonomia, pois, nesse âmbito, nada se dá com o indivíduo sem a sua vontade.

“P. ─ Em sã consciência, é lícito magnetizar ou deixar-se magnetizar?

“R. ─ 1º) Se, para a operação magnética, são empregados meios, ou se por ela são obtidos efeitos que supõem a intervenção diabólica, ela será uma obra supersticiosa e jamais deve ser permitida; 2º) O mesmo se dá quando as comunicações magnéticas contrariam a modéstia; 3º) Supondo que se tenha o cuidado de afastar da prática do magnetismo todo abuso, todo perigo para a fé ou para os costumes, todo pacto com o demônio, é duvidoso que a ele seja permitido recorrer como a um remédio natural e útil.”

Apesar da contradição, é um livro destinado à educação religiosa das massas. Completa Kardec: “A qualificação do autor tem aqui grande importância. Não se trata de um homem obscuro que fala ou de um simples padre que emite sua opinião: é um vigário geral que ensina.

Mais um revés e mais um aviso aos que julgam com muita precipitação.”




Obsedados e Subjugados — Os perigos do Espiritismo

Kardec abre o mês de setembro de 1858 realizando uma longa e profunda digressão – uma verdadeira aula sobre os PERIGOS DO ESPIRITISMO. Como naquele tempo, hoje ainda se fala que a mediunidade pode representar perigos aos médiuns e aos assistentes. Em uma palavra, que o contato com os Espíritos pode ser perigoso. Será?

“[…] se quiséssemos proscrever da Sociedade tudo quanto pode oferecer perigo e dar margem a abusos, não saberíamos muito o que haveria de restar, mesmo daquelas coisas de primeira necessidade, a começar pelo fogo, causa de tantas desgraças; depois, as estradas de ferro, etc. etc”. 

Pensamento de Kardec, RE 1858

Isso denota que, sim, existem alguns perigos, mas, tomando as devidas precauções, se as vantagens compensam os inconvenientes, então não se deve proscrever tal investigação.

Kardec continua, destacando: 

“Na verdade, o Espiritismo apresenta um perigo real, mas não é aquele que se supõe. É preciso ser-se iniciado nos princípios da Ciência para bem compreendê-lo. Não nos dirigimos àqueles que lhe são alheios, mas aos próprios adeptos, àqueles que o praticam, pois que para esses é que há perigo.”

Idem

Observação: Médiuns e estudiosos. Por exemplo: Roustaing se fascinou por aquilo que recebia através de uma médium.

Veja também o estudo em grupo que fizemos sobre o tema.

No que consiste esse perigo, enfim? Ele consiste na pressa ou no entusiasmo exagerado que aquele que se coloca em contato com os Espíritos, que muitas vezes se deixa incidir. Ora, ao obterem um fenômeno mediúnico qualquer, quantos não são os que não se maravilham por ele – e por ele se afundam?

Aqui, a grande questão é justamente no que concerne ao conhecimento do médium: ele poderia lhe evitar muitos males, inclusive à sua moral. Nós já sabemos que os Espíritos não são seres especiais, mas apenas seres humanos fora da carne e que, portanto, como demonstram, guardam seus vícios e suas virtudes.

Também sabemos que estamos incessantemente cercados por uma “nuvem” de Espíritos, das mais diversas classes e inclinações, os quasi se ligam a nós conforme se afeiçoam à nossa realidade espiritual, em agir e em pensar, ou seja, às nossas mais profundas inclinações para as paixões ou para as virtudes.

Paixão é um termo que designa um sentimento muito forte de atração por uma pessoa, objeto ou tema. A paixão é intensa, envolvente, um entusiasmo ou um desejo forte por qualquer coisa. O termo também é aplicado com frequência para designar um vívido interesse ou admiração por um ideal, causa ou atividade. No século XIX, a psicologia chamava de paixões o que hoje chamamos de emoções.

Pela condição de nosso planeta, sabemos que os Espíritos inferiores são aqui mais abundantes do que os superiores. Isso nos deveria colocar em estado de alerta, a nós, iniciados na ciência Espírita, com relação aos Espíritos que atraímos para nós.

Sabemos, também, que os Espíritos imperfeitos, quando acham uma brecha no coração humano, podem a ele se ligar e, se sua ascendência moral – por mais inferior que esta seja – for aceita, pode chegar ao ponto de subjugar, fascinar e obsidiar o encarnado.

  • Subjugação
  • É uma ligação moral que paralisa a vontade de quem a sofre e que impele a pessoa às mais desarrazoadas atitudes, frequentemente as mais contrárias ao seu próprio interesse. [RE, out/1858]
  • A subjugação pode ser moral ou corporal. No primeiro caso, o subjugado é constrangido a tomar resoluções muitas vezes absurdas e comprometedoras que, por uma espécie de ilusão, ele julga sensatas: é um tipo de fascinação. No segundo caso, o Espírito atua sobre os órgãos materiais e provoca movimentos involuntários. Traduz-se, no médium escrevente, por uma necessidade incessante de escrever, ainda nos momentos menos oportunos. Vimos alguns que, à falta de pena ou lápis, simulavam escrever com o dedo, onde quer que se encontrassem, mesmo nas ruas, nas portas, nas paredes. [OLM]

Obsessão [AG]

  • A obsessão é a ação persistente que um malvado Espírito exerce sobre um indivíduo. Apresenta caracteres muito distintos, desde a simples influência moral sem marcas externas sensíveis até a perturbação completa do organismo e das faculdades mentais. Oblitera todas as faculdades mediúnicas. Na mediunidade auditiva e psicográfica, ela se traduz pela obstinação de um Espírito em se manifestar com a exclusão dos demais.
  • A obsessão é quase sempre o fato de uma vingança exercida por um Espírito e que o mais frequente tem origem nas relações que o obsedado tenha tido com aquele em uma existência anterior. 
  • Nos casos de obsessão grave, o obsidiado é envolvido e impregnado por um fluido pernicioso que neutraliza a ação dos fluidos salutares e os repulsa. É desse fluido que se torna necessário se desembaraçar; ora, um mau fluido não pode ser repelido por outro mau fluido. Por uma ação idêntica à do médium curador, no caso de doenças, é necessário expulsar o fluido mau com a ajuda de um fluido melhor. 
  • Essa é a ação mecânica, mas que nem sempre é suficiente. É preciso também, e sobretudo, atuar sobre o ser inteligente, ao qual é preciso ter o direito de falar com autoridade, e essa autoridade só é dada pela superioridade moral; quanto maior ela for, maior será a autoridade.

Fascínio – O Livro dos Médiuns 

  • A fascinação tem consequências muito mais graves. É uma ilusão produzida pela ação direta do Espírito sobre o pensamento do médium e que, de certa maneira, lhe paralisa o raciocínio, relativamente às comunicações. O médium fascinado não acredita que o estejam enganando: o Espírito tem a arte de lhe inspirar confiança cega, que o impede de ver o embuste e de compreender o absurdo do que escreve, ainda quando esse absurdo salte aos olhos de toda gente. A ilusão pode mesmo ir até ao ponto de o fazer achar sublime a linguagem mais ridícula.
  • […] O Espírito conduz o indivíduo de quem ele chegou a apoderar-se, como faria com um cego, e pode levá-lo a aceitar as doutrinas mais estranhas, as teorias mais falsas, como se fossem a única expressão da verdade. Ainda mais, pode levá-lo a situações ridículas, comprometedoras e até perigosas

Possessão

  • Dava-se outrora o nome de possessão ao império exercido por maus Espíritos, quando a influência deles ia até à aberração das faculdades da vítima. A possessão seria, para nós, sinônimo da subjugação. [OLM]
  • Na possessão, em lugar de agir exteriormente, o Espírito livre se substitui, por assim dizer, ao Espírito encarnado; faz eleição de domicílio em seu corpo sem que, contudo, este o deixe definitivamente, o que não pode ter lugar senão com a morte. A possessão é, pois, sempre temporária e intermitente porque um Espírito desencarnado não pode tomar definitivamente o lugar e a dignidade de um Espírito encarnado, atentando que a união molecular do perispírito e do corpo só pode se operar no momento da concepção.
  • O Espírito, na posse momentânea do corpo, serve-se dele como do seu próprio; fala por sua boca, vê pelos seus olhos, atua com seus braços como se tivesse feito de sua vivência. Não é mais como na mediunidade psicofônica, na qual o Espírito encarnado fala transmitindo o pensamento de um Espírito desencarnado. É este último ele próprio que fala e que atua e se o tiver conhecido em vida, reconhecê-lo-á pela sua linguagem, sua voz, pelos seus gestos e até pela expressão de sua fisionomia. [AG]
  • Dava-se outrora o nome de possessão ao império exercido por maus Espíritos, quando a influência deles ia até à aberração das faculdades da vítima. A possessão seria, para nós, sinônimo da subjugação. [OLM]
  • Na possessão, em lugar de agir exteriormente, o Espírito livre se substitui, por assim dizer, ao Espírito encarnado; faz eleição de domicílio em seu corpo sem que, contudo, este o deixe definitivamente, o que não pode ter lugar senão com a morte. A possessão é, pois, sempre temporária e intermitente porque um Espírito desencarnado não pode tomar definitivamente o lugar e a dignidade de um Espírito encarnado, atentando que a união molecular do perispírito e do corpo só pode se operar no momento da concepção.
  • O Espírito, na posse momentânea do corpo, serve-se dele como do seu próprio; fala por sua boca, vê pelos seus olhos, atua com seus braços como se tivesse feito de sua vivência. Não é mais como na mediunidade psicofônica, na qual o Espírito encarnado fala transmitindo o pensamento de um Espírito desencarnado. É este último ele próprio que fala e que atua e se o tiver conhecido em vida, reconhecê-lo-á pela sua linguagem, sua voz, pelos seus gestos e até pela expressão de sua fisionomia. [AG]

Voltando aos médiuns, Kardec observa: 

O homem frio, ao contrário [do entusiasmado], é impassível. Ele não se ilude; combina, pesa, examina maduramente e não se deixa seduzir por subterfúgios. É isto o que lhe dá força. Os Espíritos malévolos, que sabem disto tão bem ou melhor do que nós, sabem também tirar proveito da situação para subjugar os que desejam ter sob sua dependência.

idem

Recordemos o Espírito impostor do Padre Ambrósio, questionado por Kardec (julho/1858):

“16. ─ Por que não sustentas a impostura em nossa presença? ─ Porque minha linguagem é uma pedra de toque, com a qual não vos podeis enganar.”

Vejamos, amigos, que Kardec, aqui, está dando bases sólidas para a formação e a manutenção das pesquisas espíritas.

Seja por entusiasmo, seja por fascínio dos Espíritos, ou seja por amor próprio, em geral o médium psicógrafo é levado a crer que os Espíritos que se comunicam com ele são superiores, e tanto mais, quanto mais os Espíritos, vendo sua propensão, não deixam de ornar-se com títulos pomposos, conforme a necessidade

“Da crença cega e irrefletida na superioridade dos Espíritos que se comunicam, à confiança em suas palavras há apenas um passo, assim como acontece entre os homens.” – E Kardec vai dar um exemplo muito prático disso.

Conta Allan Kardec que um jovem rapaz, instruído, de esmerada educação, de caráter suave e benevolente, mas um pouco fraco e indeciso, tornou-se médium psicógrafo com muita rapidez e se tornou obsidiado por um Espírito. Esse Espírito passou a lhe ditar verdadeiros absurdos, que, em consequência, quase levaram o rapaz ao adoecimento e à loucura:

A subjugação havia chegado a um ponto em que se lhe tivessem dito para atirar-se na água ou partir para os antípodas [outro lado da Terra], ele o teria feito. Quando queriam obrigá-lo a fazer qualquer coisa que lhe repugnava, era arrastado por uma força invisível.

“Quando a criatura conseguiu substituir o demônio por Jesus, ainda não possui a verdade. Para tê-la, é necessário crer. Deus não dá a verdade aos que duvidam: seria fazer algo de inútil e Deus nada faz em vão. Como a maioria dos médiuns novos duvidam do que dizem e escrevem, os bons Espíritos, a contragosto, por ordem formal de Deus, são obrigados a mentir e não têm outro jeito senão mentir até que o médium fique convencido; mas assim que ele acredita numa dessas mentiras, os Espíritos elevados se apressam em lhe desvelar os segredos do céu: a verdade inteira dissipa num instante essa nuvem de erros com que tinham sido obrigados a envolver o seu protegido.

Chegado a esse ponto, nada mais tem o médium a temer. Os bons Espíritos jamais o deixarão. Contudo, ele não deve crer que tenha sempre a verdade e só a verdade. Seja para experimentá-lo, seja para puni-lo de faltas passadas, seja ainda para castigá-lo por perguntas egoísticas ou curiosas, os bons Espíritos lhe infligem correções físicas e morais, vindo atormentá-lo por ordem de Deus.”

RE outubro, 1858 (citações das psicografias do Espírito fascinado

O relato que Kardec dá, obtido das próprias psicografias desses Espíritos obsessores, através do rapaz, chega a ser difícil até de ler, quanto mais de entender, tal é o nível de disparidade das ideias ali apresentadas. Por sua extensão, faremos abstração da citação. Convém destacar a observação de Kardec, apenas: 

Observe-se que em tudo isto nada há de grosseiro ou banal. É uma série de raciocínios sofísticos encadeando-se com aparência de lógica. Nos meios empregados para enganá-lo há realmente uma arte infernal e, se nos tivesse sido possível relatar todas essas manifestações, ver-se-ia até que ponto era levada a astúcia e com que habilidade para isso eram empregadas palavras melífluas.

Em meio a toda essa luta, porém, Kardec destaca que era fácil reconhecer um outro Espírito, bondoso, que lutava para se fazer ouvido. Era seu pai, que, em certo momento, escreveu: “Sim, meu filho, coragem! Sofres uma rude prova, que será para o teu bem no futuro. Infelizmente, no momento, nada posso fazer para te libertar, e isto muito me custa. Vai ver Allan Kardec; escuta-o, e ele te salvará

O rapaz, ouvindo o bom conselho, vai procurar Kardec, que inicia o que hoje chamaríamos de desobsessão:

Empreguei toda a minha força de vontade para chamar os bons Espíritos por seu intermédio; toda a minha retórica para lhe provar que era vítima de Espíritos detestáveis; que aquilo que escrevia não tinha senso, além de ser profundamente imoral. Para essa obra de caridade juntei-me a um colega, o Sr. T… e pouco a pouco conseguimos que escrevesse coisas sensatas. Ele tomou aversão àquele mau gênio, repelindo-o por vontade própria cada vez que tentava manifestar-se, e lentamente os bons Espíritos triunfaram.

Para modificar suas ideias, ele seguiu o conselho dos Espíritos, de entregar-se a um trabalho rude, que lhe não deixasse tempo para ouvir as sugestões más.

  • Mas a desobsessão não visa apenas o encarnado, que pode afastar os maus Espíritos por sua vontade, mas pode atingir positivamente o Espírito também (e frequentemente o faz):

O próprio Dillois acabou confessando-se vencido e manifestou o desejo de progredir em nova existência. Confessou o mal que tinha tentado fazer e deu provas de arrependimento. A luta foi longa e penosa e ofereceu ao observador particularidades realmente curiosas. Hoje o Sr. F. sente-se livre e feliz. É como se tivesse deposto um fardo. Recuperou a alegria e agradece-nos o serviço que lhe prestamos.

Kardec inicia a conclusão do artigo fazendo uma reflexão: longe de provar o perigo da mediunidade, casos como esses mostram sua utilidade. Ora, os Espíritos estão à nossa volta, com ou sem mediunidade, e com ou sem ela podem nos obsidiar, se permitirmos

A mediunidade apenas nos coloca em contato direto com eles, o que fornece importante ferramenta para que os próprios Espíritos se revelem e se acusem, permitindo ao médium ou a outrem tentar lhe abrir os olhos – exatamente como deu-se com o rapaz.

A mediunidade, enfim, não é o que torna exclusiva a comunicação de ideias provenientes de Espíritos inferiores. Diz Kardec: 

Quem diz que entre todas essas elucubrações ridículas ou perigosas não haverá algumas cujos autores são impulsionados por Espíritos malévolos? Três quartas partes de nossas ações más e de nossos maus pensamentos são frutos dessa sugestão oculta.

Em resumo, o perigo não está propriamente no Espiritismo, pois ele pode, ao contrário, servir de controle[…]. O perigo está na propensão de certos médiuns para, mui levianamente, se crerem instrumentos exclusivos de Espíritos superiores e numa espécie de fascinação que não os deixa compreender as tolices de que são intérpretes. Até mesmo aqueles que não são médiuns podem ser arrastados.

Encerrando, Kardec tece algumas considerações. Algumas já tratamos recentemente, no que tange à linguagem dos Espíritos e às contradições:

1.º ─ Todo médium deve prevenir-se contra a irresistível empolgação que o leva a escrever sem cessar e até em momentos inoportunos; deve ser senhor de si e não escrever senão quando queira;

2.º ─ Não dominamos os Espíritos superiores, nem mesmo aqueles que, não sendo superiores, são bons e benevolentes, mas podemos dominar e domar os Espíritos inferiores. Aquele que não é senhor de si não o pode ser dos Espíritos;

3.º ─ Não há outro critério senão o bom-senso para discernir o valor dos Espíritos. Qualquer fórmula dada para esse fim pelos próprios Espíritos é absurda e não pode emanar de Espíritos superiores;

4.º ─ Os Espíritos, como os homens, são julgados por sua linguagem. Toda expressão, todo pensamento, todo conceito, toda teoria moral ou científica que choque o bom-senso ou não corresponda à ideia que fazemos de um Espírito puro e elevado, emana de um Espírito mais ou menos inferior;

5.º ─ Os Espíritos superiores têm sempre a mesma linguagem com a mesma pessoa e jamais se contradizem;

6.º ─ Os Espíritos superiores são sempre bons e benevolentes. Em sua linguagem jamais encontramos acrimônia, arrogância, aspereza, orgulho, gabolice ou tola presunção. Eles falam com simplicidade, aconselham e se retiram quando não são ouvidos;

7.º ─ Não devemos julgar os Espíritos por sua forma material nem pela correção da linguagem, mas sondar-lhes o íntimo, perscrutar suas palavras, pesá-las friamente, maduramente e sem prevenção. Qualquer fuga ao bom-senso, à razão e à sabedoria não pode deixar dúvidas quanto à sua origem, seja qual for o nome com que se mascare o Espírito;

8.º ─ Os Espíritos inferiores receiam os que lhes analisam as palavras, desmascaram as torpezas e não se deixam prender por seus sofismas. Às vezes eles tentam resistir, mas acabam sempre fugindo, quando percebem que são os mais fracos;

9.º ─ Aquele que em tudo age tendo em vista o bem, eleva-se acima das vaidades humanas, expele do coração o egoísmo, o orgulho, a inveja, o ciúme e o ódio e perdoa aos seus inimigos, pondo em prática esta máxima do Cristo: “Fazei aos outros o que quereis que se vos faça”; simpatiza com os bons Espíritos, ao passo que os maus o temem e dele se afastam.

Vamos estudar?

Confira os grupos de estudos que existem, tratando da Doutrina Espírita, nos quais temos aprendido MUITO. Clique aqui.





Desenhos da Casa de Mozart

Nesse artigo, Kardec traz a carta de um de seus assinantes, dizendo que, a despeito do médium Victorien Sardou dizer que, no desenho da casa de Mozart, só via repetida a clave de sol, e nunca a de fá, esse assinante via destacava a existência da clave de fá, como também a de dó, em detalhes menores do desenho, que passaram despercebidos pelos olhos do Sr. Sardou.

Clave de Sol e Clave de Fá. Fonte: Imagem da Internet

Segundo Kardec, isso é mais um ponto que demonstra a boa-fé desse médium, que não agiu de caso pensado e que, aliás, demonstrava que ele se encontrava alheio aos desenhos obtidos por via mediúnica.

“Todas as partes são assim começadas e simultaneamente continuadas, sem que qualquer delas fique completa antes que se inicie outra. Disso resulta, à primeira vista, um conjunto incoerente, cujo fim só é compreensível quando tudo está acabado.”

Kardec, RE 1858

E aqui temos um aspecto importante das artes, inclusive das Espíritas: a moral, unida ao belo, criando importantes ligações mentais.

Destacamos, também, a mediunidade pictórica. Deixamos aqui um vídeo de médiuns que por anos fezam pinturas dessa forma:

Medium pinta quadro ao vivo com intervenção espiritual
Claudia Rosa de Arruda Ferreira part. 1



Suicídio Por Amor

Nesta edicão de Setembro de 1858 da RE, Kardec apresenta o caso de Louis G., um oficial sapateiro, que sete ou oito meses antes havia cometido suicídio à porta de sua namorada, Victorine R. que era a costureira de botinas.

Certa vez, Victorine R. e Louis G, que já estavam noivos, entraram em discussão profunda por um motivo banal, a ponto de Luís levantar-se e prometer nunca mais voltar.

Imagem Internet

No dia seguinte, de cabeça fria, o rapaz foi desculpar-se, mas não obteve êxito: Victorine R. se recusou reconciliar, a despeito de seu desespero. 

Passados mais alguns dias, achando que sua amada seria razoável, Louis foi tentar novamente o pedido de desculpas, ao que foi novamente rechaçado. À porta de sua amada, disse-lhe: “Então adeus, ó malvada!” exclamou enfim o pobre rapaz, “Adeus para sempre! Procure um marido que a queira tanto quanto eu!” – e cravou no peito a sua faca de sapateiro, expirando ali mesmo.

Este artigo sobre a historia de Louis G e Victorine R. foi publicado na Siècle em 7 de abril de 1858.

Buscando obter ensinamentos morais sobre o fato, no dia 10 de agosto de 1858 Kardec evoca São Luís:

1. ─ A moça, causa involuntária da morte do namorado, tem responsabilidade? ─ Sim, porque não o amava.

Comentário: Causa estranhamento inicial esta resposta. Alguém tem culpa por não amar outra pessoa? Vamos entender.

2. ─ Para evitar essa desgraça, deveria ela desposá-lo, embora não o amasse? ─ Ela buscava uma ocasião para se separar dele; fez no começo de sua ligação o que teria feito mais tarde.

Comentário: Aqui, São Luís está dizendo que, cedo ou mais tarde, ela se separaria dele, pois, entendemos, não o amava realmente.

3. ─ Assim a culpabilidade consiste em ter nele alimentado sentimentos de que não partilhava e que foram a causa da morte do rapaz? ─ Sim. É isto mesmo.

4. ─ Neste caso, sua responsabilidade deve ser proporcional à falta, que não deve ser tão grande quanto se ela tivesse, de caso pensado, provocado a morte. ─ Isto salta aos olhos.

Comentário: Sua “culpa” não era tão grande porque ela não quis efetivamente a desgraça do outro. Apenas alimentou algo que lhe causou sofrimento.

Observação: Lembrando que “culpa” aqui não é algo perante a um juiz externo, mas ante à sua própria consciência. Afinal, é de supor que, desde aquele momento, ela deve ter carregado algum sentimento de culpa por conta da desgraça ocorrida com o rapaz.

5. ─ O suicídio de Louis G. encontra justificativa no desvario em que o mergulhou a obstinação de Victorine? ─ Sim, porque seu suicídio, provocado pelo amor, é menos criminoso aos olhos de Deus do que o do homem que quer livrar-se da vida por covardia.

Comentário: Aqui, quando se fala em “crime aos olhos de Deus”, precisamos compreender que era um neologismo de época. O “crime” está em se impor uma perda de tempo, talvez com um grande acúmulo de sofrimento, por conta da prova não vencida. Importa lembrar, também, dois aspectos: o primeiro é que S. Luís é um Espírito que foi, na vida, católico. O segundo é que, mesmo que ele não traga conceitos do catolicismo, ele falava conforme lhe poderiam entender.

Observação: Dizendo que esse suicídio é menos criminoso aos olhos de Deus, evidentemente significa que há criminalidade, posto que menor. A falta consiste na fraqueza que ele não soube vencer. É sem dúvida uma prova a que sucumbiu. Ora, os Espíritos nos ensinam que o mérito está em lutar vitoriosamente contra as provas de todo gênero, que são a essência da vida terrena.

Aqui temos dois problemas a discutir. O primeiro é reforçar o conhecimento trazido pelo Espiritismo, que apresenta suas conclusões, sem o intento de criar fantasias que tentem subjugar pelo medo. O suicídio, tido para muitos como algo que vai jogar a alma num inferno – seja lá que nome se dê para isso – e até fazer com que ela nasça com deformações na próxima vida, na realidade tem efeitos diversos, dependendo de cada ser e cada situação.

Em segundo lugar, de forma alguma São Luís está dizendo que o suicídio por amor é algo bom: ele apenas é mais escusável, ante à própria consciência, porque é praticamente um estado de loucura, enquanto que aquele que se mata para fugir à vida o faz quase sempre de caso pensado, e isso lhe causará um sofrimento maior quando constatar a verdade.

Dias depois, Kardec evoca o Espírito de Louis G., o suicída, lhe dirigindo as seguintes perguntas:

1. ─ Que pensais da ação que praticastes? ─ Victorine é uma ingrata. Errei em matar-me por ela, pois ela não o merecia.

2. ─ Então ela não vos amava? ─ Não. A princípio pensou que sim, mas estava iludida. A cena que fiz abriu-lhe os olhos. Depois, sentiu-se feliz com esse pretexto para desembaraçar-se de mim.

3. ─ E vós a amáveis sinceramente? ─ Eu tinha paixão por ela. Acredito que era apenas isso. Se eu a amasse com puro amor, não teria querido magoá-la.

4. ─ Se ela soubesse que realmente queríeis matar-vos, ela teria persistido na recusa? ─ Não sei. Não creio, pois ela não era má. Entretanto, teria sido infeliz. Para ela foi melhor assim.

Vemos que esse Espírito chegou a uma conclusão importante, vendo que se matou por uma paixão. Ele entende que, se a amasse realmente, não teria querido magoá-la, isto é, não teria cometido um ato tão terrível a ponto de chocar-lhe tanto os sentimentos.

Paixão é um termo que designa um sentimento muito forte de atração por uma pessoa, objeto ou tema. A paixão é intensa, envolvente, um entusiasmo ou um desejo forte por qualquer coisa. O termo também é aplicado com frequência para designar um vívido interesse ou admiração por um ideal, causa ou atividade. No século XIX, a psicologia chamava de paixões o que hoje chamamos de emoções.

Quem sabe, numa nova encarnação, Um Espírito como esse que cometeu o suicídio, por ter encontrado essa lucidez, ao invés de planejar uma vida de sofrimentos como forma de castigo, não poderia escolher provas e oportunidades justamente para se dar a chance de aprender a se livrar das paixões, que frequentemente nos lançam na desgraça? Quantos assassinatos, aliás, se dão por aí não por ódio ou pensamento arquitetado no mal, mas simplesmente pelas paixões (hoje chamadas emoções)?

Continuando com o relato da evocação do suicida Louis G. :

5. ─ Ao chegar à sua porta tínheis intenção de vos matar, caso fosse recusado? ─ Não. Nem pensava nisso. Não a supunha tão obstinada. Somente quando vi sua teimosia é que fui tomado por uma vertigem.

6. ─ Parece que não lamentais o suicídio senão porque Victorine não o merecia. É vosso único sentimento? ─ Neste momento, sim. Ainda me acho perturbado. Parece-me estar à sua porta. Sinto, porém, algo que não posso definir.

7. ─ Compreendereis mais tarde? ─ Sim, quando estiver desembaraçado… O que fiz foi ruim. Deveria tê-la deixado tranquila… Fui fraco e sofro as consequências… Como vedes, a paixão leva o homem à cegueira e a cometer erros absurdos. Ele só compreende quando é tarde demais.

8. ─ Dissestes que sofreis as consequências. Qual a pena que sofreis? ─ Errei abreviando a vida. Não deveria tê-lo feito. Deveria resistir em vez de acabar com tudo prematuramente. […]

Comentário: ele não diz que estava sendo roído por vermes, nem que estava numa região infernal, nem que estava preso ao corpo, nada do tipo. No estado de perturbação em que se encontrava, sua mente se ligou à cena fatídica, origem dos seus sofrimentos morais presentes, e é nela que seu pensamento ficou preso. Ora, nós mesmos fazemos isso encarnados, todos os dias.

 Aqui temos confirmado o estado de “loucura”, levado pelas paixões, no qual entrou esse homem, que se matou num ato impensado. Quantos são os suicidas desse gênero? Contariam-se aos milhares, caso fosse algo divulgado. Infelizmente não é. Esses, sofrem, como sofria o Espírito de Louis G., por entenderem que o ato impensado lhes custou tempo e impôs sofrimentos a outrem. Daí a dizer que isso lhes levará a ficar anos se arrastando no “vale dos suicidas” ou que trarão para a nova encarnação alterações físicas por conta dessa culpa, há uma grande distância.

Se for pensar bem, ele nem queira se matar. foi um ato de raiva na hora. E pensamos que devemos nos deter muito nesse ensinamentos desse artigo, pois é um problema mundial da nossa sociedade atual. O número de suicídios aumentou muito. Vemos, aqui, o quão urgente é domarmos nossas paixões.

Observação: Esse relato de Louis G. consta do Livro O Céu e o Inferno de Allan Kardec.((1)) Livro O Céu e o Inferno de Allan Kardec, Editora FEAL, 2021, segunda parte, cap. V, pág. 337, o subtítulo: Louis e a Costureira de Calçados.




Jesus já foi tão imperfeito como nós?

Ora, claro! Jesus não foi demagogo nem hipócrita ao nos chamar de “irmãos”. Ele demonstrou que era como nós, Espírito em evolução.

Esse é um postulado fundamental da ciência dos Espíritos: todos nós, sem exceção, fomos criados simples e ignorantes e, daí, seguimos o rumo da evolução. Quando e onde, só Deus o sabe. Sendo Deus a soberana justiça e o Amor em essência, não poderia criar criaturas privilegiadas, plenas e evoluídas, enquanto criaria outras para sofrerem. Esse é um dogma bastante antigo ensinado principalmente pela Igreja Romana, no qual não entraremos, dada a extensão de sua discussão.

Tudo o que está aqui exposto está fartamente postulado nas obras de Kardec, com muita clareza e racionalidade, sendo possível encontrar já em O Livro dos Espíritos as bases necessárias.

O fato que aqui destacamos é que ninguém evolui em linha reta para Deus. Esse é um falso conceito. A evolução de qualquer Espírito passa pelos mesmos passos, do passando por todos os reinos, inclusive o do animal, para, depois, ao adentrar o reino da consciência, adquirir o livre-arbítrio, isto é, a capacidade de escolher.

Contudo, como pode o Espírito escolher frente a uma situação que nunca enfrentou antes? É impossível. Ele age, obtendo um resultado que pode ser um erro ou um acerto. Então, da próxima vez que enfrentar a mesma situação, já tendo algum conhecimento do resultado segundo sua forma de agir, poderá escolher agir da mesma forma novamente, ou poderá tentar agir de outra forma, o que poderá lhe fazer acertar ou errar novamente.

Enquanto o Espírito está tentando, está progredindo. O erro que nasce da tentativa não é um pecado, mas apenas um erro. Ele não está cometendo o mal, mas o bem, pois não tinha base de julgamento próprio de como agir. É quanto ele passa a escolher agir errado, por motivos quaisquer, que o erro passa a se tornar um hábito e, então, se transforma em um imperfeição.

Kardec, em A Gênese (capítulo III), conclui:

“Aquele que não domina as suas paixões pode ser muito inteligente, porém, ao mesmo tempo, muito mau. O instinto se aniquila por si mesmo; as paixões somente pelo esforço da vontade podem domar-se”.

Contudo, esse capítulo termina aqui, na 5.ª edição dessa obra, que, hoje sabemos, tem fortes indícios de ter sido adulterada. Tomando a 4.ª edição, temos o seguinte encerramento, IMPORTANTÍSSIMO:

Todos os homens passam pelas paixões. Os que as superaram, e não são, por natureza, orgulhosos, ambiciosos, egoístas, rancorosos, vingativos, cruéis, coléricos, sensuais, e fazem o bem sem esforços, sem premeditação e, por assim dizer, involuntariamente, é porque progrediram na sequência de suas existências anteriores, tendo se livrado desse incômodo peso. É injusto dizer que eles têm menos mérito quando fazem o bem, em comparação com os que lutam contra suas tendências. Acontece que eles já alcançaram a vitória, enquanto os outros ainda não. Mas, quando alcançarem, serão como os outros. Farão o bem sem pensar nele, como crianças que leem correntemente sem ter necessidade de soletrar. É como se fossem dois doentes: um curado e cheio de força enquanto o outro está ainda em convalescença e hesita caminhar; ou como dois corredores, um dos quais está mais próximo da chegada que o outro.

Portanto, Jesus também passou pelo mesmo caminho, inclusive errando e acertando. Ele apenas é um Espírito que já percorreu toda a escala, enquanto nós ainda estamos no início dela, fazendo esforços para sair da terceira ordem da classificação da Escala Espirita. Hoje, se um Espírito no início da sua vida pudesse nos avaliar, pensaríamos que somos semideuses e julgaria como maravilhosos os parcos feitos que podemos realizar.

Longe de esse pensamento rebaixar Jesus, ele o eleva e, ao mesmo tempo, nos dá esperanças, pois demonstra que um Espírito que já trilhou todo esse caminho da evolução, por um livre gesto de bondade e caridade, voltou para nos ensinar. Um dia nós estaremos agindo com ele, mas não esqueçamos que, desde já, nós podemos também fazer a diferença na vida das pessoas, sem esperar nada em troca.




O Espírito retrograda ou “involui”?

Não, o Espírito nunca retrograda. Avança sempre, às vezes para, mas nunca volta para trás. Se volta na aparência, como no caso em que não se encaixa mais na evolução moral de uma população e vai encarnar em outra civilização mais atrasada, é porque ainda não avançou moralmente, em verdade.

Deus nos cria simples e ignorantes. Durante os primeiros passos da nossa evolução, não temos consciência, mas apenas instinto, que é da Lei de Deus e, portanto, é o bem, por definição. O leão que mata a zebra não comete o mal, mas o bem, pois está atendendo ao instinto.

Mais à frente, quando adentramos o reino da consciência, conquistamos o livre-arbítrio, isto é, a capacidade da escolha. Com ela, passamos a TENTAR e, da tentativa, nascem os erros e acertos. Aquele erra tentando, não está fazendo o mal, mas o bem, pois está seguindo conforme as leis de Deus. O mal consiste apenas quando o indivíduo passa a errar por vontade, cultivando, assim, imperfeições. Ao criar uma imperfeição, o Espírito passará a sofrer por conta dela, por mais ou menos tempo, até que perceba o mal que faz a si mesmo, se arrependa e deseje, honestamente, vencer essa imperfeição, através das expiações.

É por isso que, nas obras de Kardec, por mais de uma vez os Espíritos utilizaram a expressão “será duplamente punido”: não quer dizer que Deus o punirá mais ou menos — porque Deus não pune — mas sim que, após adquirir uma imperfeição, o Espírito gastará um bom tempo tentando se livrar dela.




O Espiritualismo Racional e o Tratado de Filosofia de Paul Janet

Durante o século dezenove, o que chamamos de ciências humanas foram estabelecidas a partir de um pressuposto espiritualista para sua constituição. Enquanto isso, nas ciências naturais, como Física e Química, predominavam o materialismo. Essa condição é muito diferente do que estamos habituados atualmente, quando a universidade é quase completamente orientada pelo pensamento materialista.

[originalmente publicado em https://espirito.org.br/autonomia/livros-tratado-de-filosofia-paul-janet/]

Essa corrente de pensamento era conhecida como Espiritualismo racional. Pois era completamente independente das religiões formais e seus dogmas. A base fundamental era a psicologia, ciência da alma, que tinha como diretriz: “O ser humano é uma alma encarnada”.

Como está extensamente explicado no livro Autonomia, a história jamais contada do Espiritismo, Allan Kardec fez da psicologia a base conceitual para desenvolver a Doutrina Espírita. Seu jornal de publicação mensal era a Revista Espírita, jornal de estudos psicológicos.

O Espiritualismo racional foi ensinado, desde 1830, na Universidade de Paris, também na Escola Normal, onde os professores se formavam, e também nos Liceus, na educação dos jovens. Para estes, haviam manuais, como o de Paul Janet. Esse manual foi traduzido para diversos idiomas e adotado em muitos países, inclusive no Brasil.

Esse manual é de fundamental importância para se compreender a base conceitual dos estudos de Kardec, principalmente quanto à moral espírita.

A primeira divisão das ciências, apresentada no Tratado de philosophia, de Paul Janet, obra em dois volumes, que podem ser baixados por aqui, conforme a estrutura vigente na Universidade Sorbonne, no século 19, era entre:

  • a) As ciências exatas ou matemáticas.
  • b) As ciências naturais, que estudam os objetos do mundo físico (física, química, biologia etc.).
  • c) As ciências morais, que estudam o mundo moral, o qual compreende as ações e pensamentos do gênero humano.

As ciências morais, por sua vez, eram divididas em quatro grupos:

1) As ciências filosóficas, divididas em duas classes: psicológicas (psicologia, lógica, moral, estética) e metafísicas (teodiceia, psicologia racional, cosmologia racional).

2) As ciências históricas (história, arqueologia, epigrafa, numismática, geografa) estudam os acontecimentos e o desenvolvimento humano no tempo.

3) As ciências filológicas (filologia, etimologia, paleografa etc.), que têm como objeto a linguagem e a expressão simbólica humana.

4) As ciências sociais e políticas (política, jurisprudência, economia política), que estudam a vida social do ser humano ( JANET, 1885, p. 15-17).

As três últimas classes das ciências morais (históricas, filológicas e sociais) tratam dos fatos ou fenômenos morais que são exteriores ao ser humano, visto a partir do ponto de vista objetivo. Mas, considerando espírito humano “o conjunto das faculdades intelectuais e morais do homem, tais quais se manifestam interiormente em cada um de nós”, tudo o que concerne ao eu, princípio interior consciente de si mesmo, é o ponto de vista subjetivo, ou “estudo da própria alma” (JANET, 1885, p. 17). Daí um grupo de ciências chamadas ciências psicológicas. Elas adotam a metodologia da introspecção e foram um desenvolvimento da escola científica iniciada por Maine de Biran. Todavia, para sustentar o estudo psicológico pelo olhar espiritualista, as bases conceituais desse paradigma precisaram se tornar objeto de pesquisa, compreendendo uma ciência do homem (espírito humano) e uma ciência das causas primeiras, ou metafísica. Esses são os objetos das ciências filosóficas.

Veja mais detalhes na obra Autonomia, a história jamais contada do Espiritismo.