Escala Espírita: que Espírito sou eu?

Kardec construiu e apresentou, na Revista Espírita de 1858 e no livro dos Espíritos, a Escala Espírita (clique aqui para Escala Espírita de 1858 ). Ele a elaborou para nós identificarmos melhor os Espíritos que se comunicavam pelos médiuns, facilitando, assim, o entendimento e teor das comunicações.

Porém, ao se deparar com o item 100 do Livro dos Espíritos com a Escala Espírita, todo mundo fica procurando seus defeitos e qualidades nela… E se pergunta: Qual classe eu estou? Serei um Espírito que tenho muito a evoluir ou serei eu um Espírito já apto para ensinar e arriscar novos horizontes?

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Alguns pontos importantes podem ser esclarecidos para nós entendermos melhor em qual estágio nos encontramos. Vamos a eles…

Deus é o criador de todas as coisas.

Segundo as comunicações dos Espíritos, há 3 elementos gerais no Universo: Deus, a matéria e os Espíritos.

Deus, a matéria e os Espíritos. Essas três coisas são o princípio de tudo o que existe, a trindade universal.

Kardec, O Livro dos Espíritos, questão 27

Os Espíritos também nos ensinaram, a partir das diversas comunicações, o entendimento da criação contínua da matéria e dos Espíritos por Deus:

Assim se faz a criação universal. É, pois, correto dizer que as operações da natureza, sendo a expressão da vontade divina, Deus sempre criou, cria incessantemente e nunca deixará de criar.

Allan Kardec. A GÊNESE – Os milagres e as Predições Segundo o Espiritismo, capítulo 2 – Deus – item 18

Podemos deduzir, então que na Antiguidade, na época de Cristo, na idade média, Renascimento, enfim, SEMPRE existiram entre nós almas de todas as classes: desde as mais simples ignorantes até os Espíritos mais adiantados, superiores. Isso significa que sempre vamos ter no nosso convívio almas encarnadas que nos ensinam a sermos Espíritos melhores, assim como há outras inferiores a nós que podemos auxiliar para seu progresso. As almas que são do mesmo grau de adiantamento nos acompanham no nosso aprendizado, sempre em cooperacão.

São Vicente de Paula diz exatamente isso em sua comunicação publicada na RE de 1859:

Jamais vos esqueçais de que o Espírito, seja qual for o seu grau de adiantamento e a sua situação, como reencarnado ou na erraticidade, está sempre colocado entre um superior, que o guia e aperfeiçoa, e um inferior, perante o qual tem os mesmos deveres a cumprir.

Kardec, Allan. Revista Espírita 1859 (pp. 476)

E ele ainda acrescenta:

Sede, pois, caridosos, não somente dessa caridade que vos leva a tirar do bolso o óbolo que dais friamente àquele que ousa pedir, mas ide ao encontro das misérias ocultas. Sede indulgentes para com os defeitos de vossos semelhantes. Em lugar de desprezar a ignorância e o vício, instrui-os e moralizai-os. Sede mansos e benevolentes para com tudo que vos seja inferior. Sede-o mesmo perante os seres mais ínfimos da Criação, e tereis obedecido à Lei de Deus.

Kardec, Allan. Revista Espírita 1859 (p. 477)

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Entendemos, a partir dos ensinamentos de São Vicente de Paula, que nós não devemos nos preocupar em que ponto da Escala Espírita nosso Espírito estamos, mas em como podemos contribuir para acelerar o nosso progresso e o progresso de todos os que se encontram na nossa jornada!




Somos todos Espíritos imperfeitos?

Nem todos somos imperfeitos. Essa é uma falsa ideia, quando entendida sob um determinado ângulo, como vamos demonstrar.

O Espiritismo demonstra, complementando o Espiritualismo Racional, que a imperfeição é algo desenvolvido pela repetição consciente (hábito) do erro. Ao se tornar imperfeição (chama-se “imperfeição adquirida”), pode até se tornar um vício, que demandará o esforço autônomo e também consciente para ser superado, através da escolha de provas e oportunidades em novas encarnações.

É nisso que consiste o mal: afastar-se do bem, que é a moral das leis divinas, através do desenvolvimento de imperfeições. E nem todos fazem isso. O Espírito que não desenvolveu imperfeições, ou aquele que está lutando bravamente para superá-las, está no bem ou caminhando para ele… E isso o fortalece o suficiente para vencer, também, influências exteriores, e até mesmo para repeli-las.

Mas há também o aspecto da imperfeição partindo do ponto de vista que somos todos perfectíveis. Assim, enquanto não nos tornamos Espíritos relativamente perfeitos (porque perfeito, mesmo, somente Deus pode ser), seremos imperfeitos.

Ambos os aspectos do termo são tratados por Kardec na Doutrina Espírita, e podemos provar:

Os que não se interessam apenas pelos fatos e compreendem o aspecto filosófico do Espiritismo, admitindo a moral que dele decorre, mas sem a praticarem. A influência da Doutrina sobre o seu caráter é insignificante ou nula. Não modificam em nada os seus hábitos e não se privariam de nenhum de seus prazeres. O avarento continua insensível, o orgulhoso cheio de amor-próprio, o invejoso e o ciumento sempre agressivos. Para eles, a caridade cristã não passa de uma bela máxima. São os espíritas imperfeitos.

KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns, 23a Edição. Editora LAKE

O trecho consta da parte em que Kardec está classificando os tipos de espíritas. Ora, não haveria porque classificar uma parte deles como “imperfeitos” se somos todos imperfeitos. Isso demonstra que, nesse ponto, Kardec está tratando das imperfeições adquiridas, conforme explicadas acima.

Falamos também sobre isso no artigo recente Reforma íntima e Espiritismo e, no estudo abaixo, o tema foi tratado em grupo.

É fato: estamos longe da perfeição. Na verdade, nunca atingiremos a perfeição absoluta, pois, se atingíssemos, seríamos como Deus. Atingiremos a perfeição relativa… Porém, isso não nos faz imperfeitos, mas apenas relativamente simples e ignorantes, isto é, desenvolvendo ainda a vontade e a consciência.

Em O Céu e o Inferno, na versão original e não adulterada (vide a edição produzida pela editora FEAL), essa filosofia está claramente exposta, em toda a sua racionalidade inatacável; contudo, desde o início da formação da Doutrina, essa informação já era conhecida. Basta verificar a Escala Espírita, em O Livro dos Espíritos, e veremos que, na Terceira Ordem – Espíritos Imperfeitos, estão apenas os Espíritos que desenvolveram imperfeições: “Predominância da matéria sobre o espírito. Propensão para o mal. Ignorância, orgulho, egoísmo e todas as paixões que lhes são consequentes”. E basta raciocinar: nem todo mundo desenvolve essas imperfeições, porque alguns podem escolher não repetir os erros, como já se encontra expresso em O Livro dos Espíritos:

133. Têm necessidade de encarnação os Espíritos que desde o princípio seguiram o caminho do bem?

“Todos são criados simples e ignorantes e se instruem nas lutas e tribulações da vida corporal. Deus, que é justo, não podia fazer felizes a uns, sem fadigas e trabalhos, conseguintemente sem mérito.”

a) — Mas, então, de que serve aos Espíritos terem seguido o caminho do bem, se isso não os isenta dos sofrimentos da vida corporal?

Chegam mais depressa ao fim. Ademais, as aflições da vida são muitas vezes a consequência da imperfeição do Espírito. Quanto menos imperfeições, tanto menos tormentos. Aquele que não é invejoso, nem ciumento, nem avaro, nem ambicioso, não sofrerá as torturas que se originam desses defeitos.”

O Livro dos Espíritos. Grifos nossos.

Mas como pode se dar isso?

Para entender esse fundamento da lei natural, precisamos compreender que o Espírito simples e ignorante é aquele em sua primeira encarnação consciente, no reino humano. Nesse estado, recém-saído do reino animal, guarda ainda todos os resquícios do instinto, que o governaram inconscientemente até então, no bem, porque o bem é estar na lei natural, e o animal que mata o outro para se alimentar está seguindo a lei natural, agindo apenas para suprir suas necessidades instintivas, com inteligência, mas sem consciência. Ao entrar no reino do homem, o Espírito consciente passa a fazer escolhas — não entre bem e mal, mas entre agir desta ou daquela forma. Essas escolhas produzirão resultados, que poderão configurar um acerto — estão dentro da lei divina — ou um erro — estão fora da lei divina, isto é, excedem a necessidade racional. O indivíduo pode, então, escolher não repetir esse erro, mas pode também escolher repeti-lo, pois é algo que, de alguma forma, lhe agrada às emoções ou lhe dá prazer. É nesse momento que desenvolve a imperfeição, se repete o erro constantemente. Mas ele pode também escolher não repetir o erro, pois percebe que lhe causa um mau efeito. Nesse sentido, ele é feliz em suas simplicidade e ignorância, sendo essa felicidade relativa à sua capacidade atual.

Isso também está em Kardec, em A Gênese:

“Se estudarmos todas as paixões, e até mesmo todos os vícios, vemos que eles têm seu princípio no instinto de conservação. Esse instinto, em toda sua força nos animais e nos seres primitivos que estão mais próximos da vida animal, ele domina sozinho, porque, entre eles, ainda não há de contrapeso o senso moral. O ser ainda não nasceu para a vida intelectual. O instinto enfraquece, ao contrário, à medida que a inteligência se desenvolve, porque domina a matéria. Com a inteligência racional, nasce o livre-arbítrio que o homem usa à sua vontade: então somente, para ele, começa a responsabilidade de seus atos”.

Na versão original dessa obra, conforme apresentada na edição da editora FEAL, Kardec complementa, dizendo que:

“Todos os homens passam pelas paixões. Os que as superaram, e não são, por natureza, orgulhosos, ambiciosos, egoístas, rancorosos, vingativos, cruéis, coléricos, sensuais, e fazem o bem sem esforços, sem premeditação e, por assim dizer, involuntariamente, é porque progrediram na sequência de suas existências anteriores, tendo se livrado desse incômodo peso. É injusto dizer que eles têm menos mérito quando fazem o bem, em comparação com os que lutam contra suas tendências. Acontece que eles já alcançaram a vitória, enquanto os outros ainda não. Mas, quando alcançarem, serão como os outros. Farão o bem sem pensar nele, como crianças que leem correntemente sem ter necessidade de soletrar. É como se fossem dois doentes: um curado e cheio de força enquanto o outro está ainda em convalescença e hesita caminhar; ou como dois corredores, um dos quais está mais próximo da chegada que o outro.”

Então, aquele que desenvolveu uma imperfeição é inferior aos que não as desenvolveram? É um mau Espírito? Deve ser castigado por isso? Não, não e não!

Aquele que desenvolveu uma imperfeição, o fez por não conhecer, em realidade, o bem, caso contrário teria agido adversamente. É apenas um erro — repetido conscientemente — e não passa disso. Não é uma característica do Espírito. Deus não cria ninguém mau, nem cria o mal. O mal não existe! É apenas a ausência do bem. É claro, portanto, que Deus não castigaria um filho seu por errar. Não: ele lhe dá a capacidade de raciocinar e a autonomia, de modo que ele mesmo possa perceber que os resultados de seus erros lhe causam sofrimento e, percebendo isso, se arrependa e demande a correção dessas imperfeições.

É nesse ponto que o espiritualismo moderno e o movimento espírita atual divergem da moral espírita original: para esses, ao entender o erro, o Espírito é obrigado a reparar OS EFEITOS, enquanto, para o último, o Espírito é deixado livre para escolher como e quando tentará reparar A IMPERFEIÇÃO (em si), o que pode ou não envolver a reparação de efeitos danosos que tenha realizado.

Aqui, cabe uma conclusão: a doutrina da “lei do retorno” ou do carma, que nunca fez parte do Espiritismo, afirma que, ao fazer mal para uma pessoa, teremos que reencarnar com ela para reparar esse erro. Contudo, já ficou estabelecido que o mal fazemos apenas para nós mesmos — se, ao cometer um erro com alguém, esse alguém escolhe cultivar um sentimento de cólera, ódio ou vingança, está fazendo o mal a si mesmo. Cabe, portanto, à autonomia de cada um se desapegar de tais sentimentos. Se o algoz fosse obrigado a reencarnar com sua vítima para reparar um erro e, por mais que se esforçasse por ter uma atitude irrepreensível no bem, a vítima escolhesse não desapegar de tais sentimentos, quer dizer que o erro não teria sido pago e demandaria quantas encarnações fossem necessárias para isso, vinculando o progresso do outro, que já voltou ao bem, à escolha do outro? E se, por outro lado, a vítima não se apegou, seguiu em frente, mas o algoz continua em suas imperfeições? Ela terá que reencarnar com ele para que ele, que ainda nem sequer entendeu seu sofrimento, “quite suas dívidas”? Não faz sentido!

Voltando ao nosso ponto, falávamos do retorno do Espírito ao bem. Em O Céu e o Inferno (editora FEAL, baseado na versão original, não adulterada), temos o seguinte:

“8º) A duração do castigo está subordinada ao aperfeiçoamento do espírito culpado. Nenhuma condenação por um tempo determinado é pronunciada contra ele. O que Deus exige para pôr fim aos sofrimentos é o arrependimento, a expiação e a reparação – em resumo: um aperfeiçoamento sério, efetivo, assim como um retorno sincero ao bem”.

Sendo o castigo – ou a punição, pois não sabemos ao certo qual foi a intenção da palavra original – uma consequência do erro realizado, será um verdadeiro castigo o sofrimento inerente às imperfeições. Não é uma punição arbitrária divina, mas uma consequência da lei natural. Não há condenação: tudo depende da vontade do indivíduo em arrepender-se e demandar a reparação da imperfeição, retornando, assim, ao bem.

Finalizamos reproduzindo, uma vez mais, a recomendação de Paul Janet ((Em Pequenos Elementos de Moral, disponível aqui para download.)) a repeito dos hábitos:

É verdade que os hábitos se tornam, com o tempo, quase irresistíveis. É um fato observado com frequência; mas, por um lado, se um hábito inveterado é irresistível, o mesmo não ocorre com um hábito que começa; e assim o homem permanece livre para prevenir a invasão dos maus hábitos. É por isso que os moralistas nos aconselham acima de tudo a vigiar a origem de nossos hábitos. “Toma sobretudo cuidado com os inícios.”




Rivail e educação: “O castigo irrita e impõe. Não educa pela razão.”

Allan Kardec, antes desse pseudônimo, já produzia textos sobre a educação. É claro que seus pensamentos se modificaram e se ampliaram após o advento do Espiritismo, mas, como Hypolite Leon Denizard Rivail, muitos deles já apresentavam uma lucidez de raciocínio invejável.


Muito falamos em heteronomia e autonomia, e muito destacamos o quanto as doutrinas religiosas, adulteradas pelos cleros, e também a doutrina materialista, exercem de influência perniciosa na propagação do pensamento heterônomo. Contudo, convenhamos que, em se tratando de doutrinas, são efetivamente mais presentes na fase pós-infantil, quando o indivíduo tem a razão mais desenvolvida.

Há, contudo, um gênero de [má] educação que afeta o indivíduo desde seus primeiros passos e por toda sua infância, habituando-o aos hábitos heterônomos: aquela comumente reproduzida, irrefletidamente, pela família e pela escola, ainda hoje baseada na punição de erros pelo castigo – das mais diversas formas – e na formação de uma cultura de disputa e do “jeitinho”, isto é, de contornar as regras para vencer, posto que este se tornou o único objetivo.

Reproduziremos, muito sucintamente, uma parte do texto de Rivail, apresentado no Plano Proposto para a Melhoria da Educação Pública (clique aqui para baixar), que exprime muito bem algumas considerações a tal respeito.


“Há hábitos de três naturezas diferentes: são eles físicos, intelectuais ou morais. Os primeiros são os que modificam mais particularmente nossa constituição animal; os segundos consistem na posse mais ou menos perfeita de uma ciência. Assim, por exemplo, aquele que está muito familiarizado com uma língua, a fala sem esforço e sem pensar; aquele que possui perfeitamente a matemática, faz seus cálculos sem dificuldades: é isto que se pode chamar ter o hábito de uma ciência; e diga-se de passagem, é a aquisição do hábito, que se negligencia, no método comum; limita-se geralmente a uma teoria muito fugidia, que apenas roça o espírito. Por fim, os hábitos morais são aqueles que nos levam, mau-grado nosso, a fazer qualquer coisa de bom ou de mau.

A fonte desses últimos hábitos se acha, dissemos nós, nas impressões longamente ressentidas ou percebidas na infância. Concebe-se, assim, o quanto importa evitar cuidadosamente tudo o que possa fazer a criança experimentar impressões perigosas; mas não encaro apenas como más impressões, o exemplo do vício, os maus conselhos ou as conversações pouco adequadas; ninguém duvida dos funestos efeitos de semelhantes modelos e não há mãe de família que não coloque todos os seus cuidados em evitá-los; mas há um grande número de outras, minúcias em aparência, e que não deixam de exercer uma influência frequentemente mais perniciosa que o feio espetáculo do vício, de que se pode mesmo às vezes tirar partido para se fazer conceber o seu horror; quero sobretudo falar daquelas que a criança recebe diretamente nas suas relações com as pessoas que a cercam, que, sem lhe dar nem maus exemplos, nem maus conselhos, dão, porém, nascimento a vícios muito graves, como os pais, por sua fraqueza ou os mestres por uma rigidez mal entendida ou quando se toma pouco cuidado em apropriar a sua conduta ao caráter da criança quando se cede, por exemplo, às suas importunações, quando se tolera seus defeitos sob vãos pretextos, quando se submete aos seus caprichos, quando se lhe deixa perceber que se é vítima de suas artimanhas, quando não se sabe o móvel que a faz agir, e que assim se toma defeitos ou germes de vícios por qualidades, o que acontece frequentemente aos pais; quando não se leva em consideração as circunstâncias sutis que podem modificar tal ou qual ação da criança, quando sobretudo não se leva em conta as nuanças de caráter, faz-se que ela experimente impressões que são frequentemente a fonte de vícios muito graves. Um sorriso, quando seria preciso ser sério; uma fraqueza quando seria preciso ser firme; a severidade quando seria preciso a doçura; uma palavra sem pensar, um nada, enfim, bastam às vezes para produzir uma impressão indelével e para fazer germinar um vício.
Que se passará então quando essas impressões forem ressentidas desde o berço, e frequentemente durante toda a infância? Nesse aspecto, o sistema de punições é uma das partes mais importantes a serem consideradas na educação; pois elas são comumente a fonte da maior parte de defeitos e vícios. Frequentemente muito severas ou infligidas com parcialidade e num momento de mau-humor, elas irritam as crianças em vez de convencê-las. Quantas artimanhas, quantos meios de desvio, quantas fraudes não empregam elas para as evitar! É assim que se joga nelas as sementes da má-fé e da hipocrisia e este é muitas vezes o único resultado que se obtém. A criança irritada, e não persuadida, se submete somente à força; nada lhe prova que ela agiu mal; ela sabe apenas que não agiu conforme a vontade do mestre; e esta vontade ele a considera, não como justa e razoável, mas como um capricho e uma tirania; ela se acredita sempre submetida ao arbítrio.

Como se faz com que ela sinta comumente mais a superioridade física do que a superioridade moral, ela espera com impaciência ter ela própria bastante força para se subtrair a isso; daí este espírito hostil que reina entre os mestres e os seus alunos. Não há entre eles nenhuma confiança recíproca, nenhum apego; há ao contrário uma troca contínua de ardis; leva a melhor quem é bastante esperto para surpreender o outro e sabe-se já quem ganha o mais frequentemente. São dois partidos que, quando não estão em guerra aberta, estão continuamente desconfiando um do outro. Como é possível fazer uma boa educação em semelhante estado de coisas?

RIVAIL, H.L.D. Plano Proposto para a Melhoria da Educação Pública. Paris, 1828.


Constatamos o quão importante é resgatar essa base educacional, pautada pela moral. Adicionamos a importância de entender a moral trazida por pensadores como Paul Janet (clique aqui para baixar uma de suas obras). Se você gostou deste artigo e vê sua importância, faça mais: compartilhe-o com quem você puder!




O que o Espiritismo diz sobre a pornografia?

O que o Espiritismo tem a dizer sobre a pornografia? Esse é um assunto complicado, porque não é um assunto que tenha sido tratado diretamente pela Doutrina. Para falar sobre isso, precisamos extrapolar conhecimentos e entendimentos que a Doutrina nos dá.

O Espiritismo coloca, acima de tudo, a liberdade de consciência e a autonomia. Fique isso constado, como resultado do estudo da Doutrina Espírita em seu conteúdo moral e filosófico.

À parte desse princípio, vamos verificar no Espiritismo, desenvolvendo o pensamento do Espiritualismo Racional, que o homem pode adquirir maus hábitos pela repetição de um ato relacionado ao prazer. Isso pode se transformar em uma imperfeição, que se torna um vício, do qual muito custará ao Espírito o trabalho de superação, através do esforço reencarnatório CONSCIENTE e AUTÔNOMO.

Paul Janet fala sobre isso em Pequenos Elementos de Moral, o qual recomendo muito a leitura (clique aqui para baixar):

20 Os hábitos. – É verdade que os hábitos se tornam, com o tempo, quase irresistíveis. É um fato observado com frequência; mas, por um lado, se um hábito inveterado é irresistível, o mesmo não ocorre com um hábito que começa; e assim o homem permanece livre para prevenir a invasão dos maus hábitos. É por isso que os moralistas nos aconselham acima de tudo a vigiar a origem de nossos hábitos. “Toma sobretudo cuidado com os inícios.”

O grande problema de entrar nos hábitos materialistas – que são aqueles que sobrepujam as necessidades fisiológicas – é que, desenvolvendo apegos, não só nos será mais difícil e dolorosa a desligação da matéria, no momento da morte, como também atrairemos as “nuvens de testemunhas”, Espíritos também apegados a tais vícios. Normalmente, isso nos levará a viver num contexto espiritual e social conturbado e difícil.

Mas, veja: não existe pecado. Existe erro. Ninguém será castigado por errar, nem por escolher, conscientemente, se apegar a um vício ou mau hábito qualquer; contudo, os resultados de nossas escolhas podem ser danosos para nós, o que podemos chamar de punição, o que, de todo, não é uma imposição deliberada de Deus.

Cumpre destacar que ninguém deveria se martirizar por uma imperfeição ou mau hábito qualquer a ponto de ficar mal. É preciso o trabalho de formiguinha, talvez lento, mas constante, de modo a não fazer como aqueles que prometem não comer doces no novo ano, mas, sendo um compromisso muito pesado, falem após os primeiros dias, dizendo, então: “não sou forte, é impossível. Vou, portanto, comer tudo o que quiser, sempre que quiser”. Essa figura, aliás, representa a exata imagem da não utilização da razão para conter o instinto. Kardec, em A Gênese, complementa:

O homem que só pelo instinto agisse constantemente poderia ser muito bom, mas conservaria adormecida a sua inteligência. Seria qual criança que não deixasse as andadeiras e não soubesse utilizar-se de seus membros. Aquele que não domina as suas paixões pode ser muito inteligente, porém, ao mesmo tempo, muito mau. O instinto se aniquila por si mesmo; as paixões somente pelo esforço da vontade podem domar-se.

Todos os homens passam pelas paixões. Os que as superaram, e não são, por natureza, orgulhosos, ambiciosos, egoístas, rancorosos, vingativos, cruéis, coléricos, sensuais, e fazem o bem sem esforços, sem premeditação e, por assim dizer, involuntariamente, é porque progrediram na sequência de suas existências anteriores, tendo se livrado desse incômodo peso. É injusto dizer que eles têm menos mérito quando fazem o bem, em comparação com os que lutam contra suas tendências. Acontece que eles já alcançaram a vitória, enquanto os outros ainda não. Mas, quando alcançarem, serão como os outros. Farão o bem sem pensar nele, como crianças que leem correntemente sem ter necessidade de soletrar. É como se fossem dois doentes: um curado e cheio de força enquanto o outro está ainda em convalescença e hesita caminhar; ou como dois corredores, um dos quais está mais próximo da chegada que o outro.”

Kardec, A Gênese, 4.ª edição — Editora FEAL




A distância entre o Espiritismo e o Movimento Espírita

Uma correspondente questionou a respeito do que seria essa suposta distância, por nós sempre afirmada, entre a Doutrina Espírita e o Movimento Espírita.

A ela, podemos responder desta forma, para exemplificar para todos:

“B…, isso é algo que cada um precisa realmente estudar ou buscar se informar, principalmente sobre as obras citadas ((

  • No sentido das alterações doutrinarias: O Legado de Allan Kardec, de Simoni Privato; Nem Céu Nem Inferno, de Paulo Henrique de Figueiredo; Ponto Final, de Wilson Garcia
  • No sentido do conhecimento sobre o contexto doutrinário: Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo, de Paulo Henrique de Figueiredo;
  • No entendimento real da Doutrina, na essência proposta por Kardec, através dos estudos: O Céu e o Inferno e A Gênese, ambos da editora FEAL, pois os outros são as versões adulteradas, ainda.)) , porque compreender e, daí, assumir novo posicionamento, precisa ser uma ação autônoma. Contudo, posso ressaltar algumas diferenças capitais entre Doutrina Espírita (DE) e Movimento Espírita atual (ME):

  • Evocações dos espíritos: DE foi formada sobre elas e demonstrou a necessidade de serem realizadas, com método, para continuar seu desenvolvimento; ME recomenda não fazer, provocando uma onda de médiuns que ficam apenas “à disposição”, portanto, sem controle nem objetivo de aprendizado.
  • Generalidade do ensino: DE demonstrou a necessidade de desenvolver o estudo espírita através do método do duplo controle: universalidade e concordância do ensino e julgamento racional; ME, contagiada por Roustaing, que via um perigo nesse método (que desmentiria suas teorias), passou a tomar comunicações isoladas como expressão da verdade, sem raciocinar.
  • Vida do Espírito na erraticidade: DE demonstrou que emoções e sensações físicas somente existem para o Espírito apegado; ME passou a ensinar um mundo espiritual totalmente materializado, criando, assim, ideias de apego nocivas ao Espírito que desencarna.
  • Necessidade da encarnação: DE demonstrou que a encarnação é uma necessidade para o progresso do Espírito, na qual ele, mesmo que involuntariamente, faz seu papel solidário na criação. Afastou os conceitos de castigo e punição como uma ação arbitrária de Deus, demonstrando que tudo é fruto da escolha do Espírito consciente; ME, sob influência roustainguista, inseriu os falsos conceitos de carma, resgate, lei de ação e reação e lei do retorno.
  • Heteronomia x autonomia: DE demonstrou, em toda ela, que o Espírito se desenvolve de forma autônoma, sendo ele o autor primeiro, senão o único, de suas escolhas; ME, influenciada por Roustaing, passou a tratar da vida de forma heterônoma – se sofro é porque estou recebendo o retorno; se tenho alegria é porque fui abençoado, etc.
  • Caridade: DE demonstrou que a caridade é uma ação desinteressada, fruto do dever do Espírito que, conscientemente, se move em direção ao bem; ME passou a tratar da caridade como uma ação externa, quase sempre apenas material. Por ausência de estudos da DE, ME deixa de fazer o bem que poderia fazer para auxiliar no desenvolvimento da sociedade pelas ideias espíritas.
  • Moral: DE demonstrou que, todos criados simples e ignorantes, os Espíritos se desenvolvem errando e acertando, através das encarnações, escolhendo entre agir desta ou daquela forma. Não há dualidade entre bem e mal. Alguns escolhem repetir o erro, desenvolvendo imperfeições das quais muito custarão a se desvencilhar, através do trabalho reencarnatório, em uma ação consciente e autônoma; ME, influenciada por Roustaing, passou a tratar da encarnação como um castigo, como se todos os Espíritos que encarnam fossem imperfeitos.
  • Método: DE sempre demonstrou a forma como ela própria se desenvolveria: pelo estudo das ciências humanas, confrontadas, pela razão, com os ensinamentos espíritas, na troca de informações com grupos idôneos espalhados por todo o mundo; já a ME praticamente não estuda os fundamentos da DE, se isolou nos centros em rotinas que compreendem: monólogos, quase sempre recheados de todos os erros apontados anteriormente; passes, sem conhecimento do magnetismo; e sessões mediúnicas que, sem método e sem estudos, perdem o propósito e a utilidade que realmente poderiam ter.

E por aí vai.”

Vemos que as diferenças entre a Doutrina Espírita, em sua origem, e o que hoje professa ou acredita o Movimento Espírita, são profundas e, quase sempre, danosas à propagação da Doutrina. Cabe, portanto, o esforço voluntário de cada um no estudo honesto e desapegado, bem como na divulgação fraterna e cooperativa do conhecimento.

Complementando as obras citadas, não podemos deixar de apontar a necessidade do estudo da Revista Espírita, que demonstra como se deu a formação da Doutrina Espírita.




Perturbação Imediata Após Morte

Todos nascemos! Todos vamos morrer!

Desta verdade da vida, vem a preocupação do momento da morte. São sempre assuntos recorrentes.

Neste artigo, não pretendemos encerrar o assunto, muito pelo contrário! Estamos somente trazendo uma parte bem pequena desse vasto assunto. Afinal, todos vamos experimentar este acontecimento.

Os Espíritos explicaram que, no momento da morte, nem todos os Espíritos passam pelos mesmo processo. Cada ser é uma consciência diferente da outra. Assim, O Livro dos Espíritos traz as seguintes conclusões em seu capítulo III – Retorno da Vida Corpórea à Vida Espiritual:

163. Deixando o corpo, a alma tem imediata consciência de si mesma? – Consciência imediata não é o termo: ela fica perturbada por algum tempo.

164. Todos os Espíritos experimentam, no mesmo grau e pelo mesmo tempo, a perturbação que se segue à separação da alma e do corpo? – Não, pois isso depende da sua elevação. Aquele que já está depurado se reconhece quase imediatamente, porque se desprendeu da matéria durante a vida corpórea, enquanto o homem carnal, cuja consciência não é pura, conserva por muito mais tempo a impressão da matéria.

Comentário: Aqui fica evidente que cada pessoa experimenta um tipo de percepção da morte, segundo aquilo que vivenciou na matéria.

Agora, nesta pergunta 165, Allan Kardec consegue aprofundar mais na natureza da perturbação, assim como descrever melhor o que os Espíritos ensinaram em suas comunicações. Notem que não há nada com um tempo determinado. Esta parte da resposta, no nosso entender, é a mais esclarecedora.

165. O conhecimento do Espiritismo exerce alguma influência sobre a duração maior
ou menor da perturbação? – Uma grande influência, pois o Espírito compreende antecipadamente a sua situação: mas a prática do bem e a pureza de consciência são o que exerce maior influência.

Kardec continua explicando, no mesmo item, como o Espirito experimenta esses primeiros momentos:

“No momento da morte, tudo, a princípio, é confuso; a alma necessita de algum tempo para se reconhecer; sente-se como atordoada, no mesmo estado de um homem que saísse de um sono profundo e procurasse compreender a situação. A lucidez das ideias e a memória do passado voltam, à medida que se extingue a influência da matéria e que se dissipa essa espécie de nevoeiro que lhe turva os pensamentos.

A duração da perturbação de após morte é muito variável: pode ser de algumas horas, como de muitos meses e mesmo de muitos anos. Aqueles em que é menos longa são os que se identificaram durante a vida com seu estado futuro, porque estão compreendem imediatamente a sua posição.

Comentário: Parece que ele dá uma espécie de conselho na parte em que destacamos do texto.

“Essa perturbação apresenta circunstâncias particulares, segundo o caráter dos indivíduos e sobretudo de acordo com o gênero de morte. Nas mortes violentas, por suicídio, suplício, acidente, apoplexia, ferimentos, etc., o Espírito é surpreendido, espanta-se, não acredita que esteja morto e sustenta teimosamente que não morreu. Não obstante, vê o seu corpo, sabe que é dele, mas não compreende que esteja separado. Procura as pessoas de sua afeição, dirige-se a elas e não entende por que não o ouvem. Esta ilusão se mantém até o completo desprendimento do Espírito, e somente então ele reconhece o seu estado e compreende que não faz mais parte do mundo dos vivos.”

Comentário: Há vários relatos de Espíritos que comparecem em seu funeral, que não entendem o motivo de estarem deitados dentro do caixão. Ficam completamente perdidos!

“Esse fenômeno é facilmente explicável. Surpreendido pela morte imprevista, o Espírito fica aturdido com a brusca mudança que nele se opera. Para ele, a morte é ainda sinônimo de destruição, de aniquilamento; ora, como continua a pensar, como ainda vê e escuta, não se considera morto. E o que aumenta a sua ilusão é o fato de se ver num corpo semelhante ao que deixou na Terra, cuja natureza etérea ainda não teve tempo de verificar. Ele o julga sólido e compacto como o primeiro, e quando se chama a sua atenção para esse ponto, admira-se de não poder apalpá-lo. Assemelha-se este fenômeno ao dos sonâmbulos inexperientes, que não creem estar dormindo. Para eles, o sono é sinônimo de suspensão das faculdades; ora, como pensam livremente e podem ver, não acham que estejam dormindo. Alguns Espíritos apresentam esta particularidade, embora a morte não os tenha colhido inopinadamente; mas ela é sempre mais generalizada entre os que, apesar de doentes, não pensavam em morrer. Vê-se então o espetáculo singular de um Espírito que assiste os próprios funerais como os de um estranho, deles falando como de uma coisa que não lhe dissesse respeito, até o momento de compreender a verdade.”

Comentário: O Espírito confunde seu envoltório espiritual( perispírito) com o seu corpo carnal, de modo que não percebe que não tem mais corpo carnal!

A perturbação que se segue à morte nada tem de penosa para o homem de bem: é calma e em tudo semelhante à que acompanha um despertar tranquilo. Para aquele cuja consciência não está pura é cheia de ansiedades e angústias.

Comentário: Mais uma vez, os esclarecimentos dos Espíritos nos dão as dicas de como tornar o momento da morte tão mais brando!

Surpreendentemente, no último parágrafo deste capítulo, Kardec diz de forma clara sobre os desencarnes coletivos ocorridos em acidentes ou catástrofes!

“Nos casos de morte coletiva observou-se que todos os que perecem ao mesmo tempo, nem sempre se reveem imediatamente. Na perturbação que se segue à morte, cada um vai para o seu lado ou somente se preocupa com aqueles que lhe interessam.”

Kardec, O Livro dos Espíritos, item 165

Comentário: Se um ser humano morrer ao mesmo tempo no mesmo acidente não quer dizer muito no momento do desencarne! Cada Espírito persegue os seus interesses segundo sua evolução.

Não pretendemos encerrar o assunto! Afinal, pelo que você leu até aqui, nada é conclusivo, pois cada um tem suas particularidades! Ao longo da codificação de Kardec, há muitas descrições desse momento e mais explicações que os Espíritos trouxeram.

Mas de uma coisa nunca vamos escapar: do momento da morte!




Reencarnação Segundo o Espiritismo

Baseado no vídeo de mesmo título do bate-papo semanal do Grupo de Estudos Espiritismo para Todos

Para demonstrar (e não provar) a reencarnação como uma lei natural, Kardec se baseia nos princípios fundamentais do Espiritismo e do Espiritualismo Racional. Dentre eles, estão os atributos essenciais de Deus ((Eterno, imutável, imaterial, único, todo-poderoso, soberanamente justo e bom. Vide O Livro dos Espíritos, Cap. I, item III – Atributos da Divindade)), que são perfeitas em grau infinito, posto que, fosse diferente, não seria esse ser o próprio Deus, sendo necessário, então, que houvesse outro acima, em condição perfeita.

É através da constatação e do entendimento dessas condições essenciais, que deriva o entendimento a respeito da criação divina. Como veremos mais à frente, sua criação também deve ser perfeita e, suas criaturas – os Espíritos – perfectíveis, o que, de contrário, não condiziria com a perfeição divina infinita.

Allan Kardec, de início, não aceitava a reencarnação. Em verdade, ele nem sequer aceitava a possibilidade da nossa interação com os Espíritos, em sua juventude. Era educador emérito, totalmente ligado aos conceitos da moral na pedagogia, além de pesquisador das ciências de então. Dizia ele que, se a educação das crianças fosse bem realizada, elas, quando crescessem, não acreditariam em almas do outro mundo ou em fantasmas ((RIVAIL, H.- L.- D. Discurso pronunciado na Distribuição de prêmios. Paris, 1834)). Foi somente após os primeiros contatos com os fatos espíritas, onde ele compreendeu a existência de uma lei natural, a qual se pôs a estudar, que, vencido pelas evidências e pela razão, aceitou, por ser a conclusão mais racional, os fatos acima mencionados.

Sobre os Espíritos, diz Kardec, na introdução de O Livro dos Espíritos: “Conforme notamos acima, os próprios seres que se comunicam se designam a si mesmos pelo nome de Espíritos ou gênios“.

Já sobre a reencarnação, encontramos um artigo de muito interesse na Revista Espírita de 1858, do mês de novembro, chamado “Pluralidade das Existências“, donde tiramos o seguinte trecho:

[…] quando a doutrina da reencarnação nos foi ensinada pelos Espíritos, ela estava tão longe de nosso pensamento, que havíamos construído um sistema completamente diferente sobre os antecedentes da alma, sistema, aliás partilhado por muitas pessoas. Sobre este ponto, a doutrina dos Espíritos nos surpreendeu. Diremos mais: ela nos contrariou, porque derrubou as nossas próprias ideias. Como se vê, estava longe de ser um reflexo delas.

Isto não é tudo. Nós não cedemos ao primeiro choque. Combatemos; defendemos a nossa opinião; levantamos objeções e só nos rendemos ante a evidência e quando notamos a insuficiência de nosso sistema para resolver todas as questões relativas a esse problema ((Já falamos sobre o quão importante é esse tipo de atitude frente à pesquisa espírita. Longe de constituir um ato de prepotência ou arrogância, é necessário e instigado pelos próprios Espíritos – quando superiores)) .

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, 2a edição. Grifos nossos.

Kardec, nesse mesmo artigo, cuja leitura recomendamos fortemente, dá algumas noções preliminares sobre a antiguidade da ideia sobre a transmigração das almas. Citaremo-las, para, então, apresentar as dificuldades encontradas nos falsos em que elas muitas vezes se apoiam – ou vieram a se apoiar.

Das diversas doutrinas professadas pelo Espiritismo, a mais controvertida é, inquestionavelmente, a da reencarnação ou da pluralidade das existências corpóreas. Embora seja esta opinião atualmente partilhada por grande número de pessoas e que já tenha sido abordada por nós em várias ocasiões, julgamos um dever aqui examiná-la mais minuciosamente, à vista de sua extraordinária importância e para responder a diversas objeções que foram levantadas.

Antes de entrar a fundo na questão, devemos fazer algumas observações que se nos afiguram indispensáveis.

Para muitas pessoas o dogma da reencarnação não é novo: é ressuscitado de Pitágoras. Nós jamais dissemos que a Doutrina Espírita é uma invenção moderna. Decorrendo de uma lei natural, o Espiritismo deve ter existido desde a origem dos tempos, e sempre nos esforçamos por provar que os seus traços são encontrados na mais alta Antiguidade.

Como se sabe, Pitágoras não é o autor do sistema da metempsicose. Ele bebeu-o nos filósofos indianos e entre os egípcios, onde ela existia desde tempos imemoriais. Assim, a ideia da transmigração das almas era uma crença vulgar, admitida pelas mais eminentes personalidades.

Ibidem.

É interessante notar que, embora essa ideia fosse admitida desde a antiguidade, “pelas mais eminentes personalidades”, Kardec não a admitia. Talvez sejam dois os possíveis motivos para isso: ele não pensava nisso, porque não admitia a sobrevivência do Espírito, ou ele não encontrava racionalidade nessas ideias. É sobre esse ponto que entraremos a seguir, para demonstrar que a ausência de razão reside nos falsos princípios, tomados de forma dogmática pelo clero das religiões e ensinado, desde criancinhas, aos seus adeptos.

Falso princípio da degradação da alma

No artigo “Doutrina da reencarnação entre os hindus”, da Revista Espírita de dezembro de 1859, Allan Kardec retoma o assunto da reencarnação em profundidade, apresentando o seguinte:

Conforme os hindus, as almas tinham sido criadas felizes e perfeitas e sua decadência resultou de uma rebelião; sua encarnação no corpo de animais é uma punição. Conforme a Doutrina Espírita, as almas foram e ainda são criadas simples e ignorantes; é pelas encarnações sucessivas que chegam, graças a seus esforços e à misericórdia divina, à perfeição que lhes proporcionará a felicidade eterna. Devendo progredir, a alma pode permanecer estacionária durante um período mais ou menos longo, mas não retrograda. O que adquiriu em conhecimento e em moralidade não se perde. Se não avança, também não recua: eis por que não pode voltar a animar os seres inferiores à Humanidade.

Desse modo, a metempsicose dos hindus está fundada sobre o princípio da degradação das almas. A reencarnação, segundo os Espíritos, está fundada no princípio da progressão contínua.

Segundo os hindus, a alma começou pela perfeição para chegar à abjeção; a perfeição é o começo e a abjeção, o resultado. Conforme os Espíritos, a ignorância é o começo; a perfeição, o objetivo e o resultado. Seria supérfluo procurar demonstrar qual dessas duas doutrinas é mais racional e dá uma ideia mais elevada da justiça e da bondade de Deus.

É, pois, por completa ignorância de seus princípios que algumas pessoas as confundem.

KARDEC, Allan. Revista Espírita de 1859.

A crença dos hindus, na queda pelo pecado, é partilhada por muitas outras correntes de pensamento, dentre elas a da Igreja Romana. Segundo essa crença, seria necessário supor que Deus não seria assim tão perfeito, pois, após um erro de um filho seu, criado perfeito, portanto, sem experiência, o submete a um castigo na carne.

No artigo “Do princípio da não-retrogradação dos espíritos”, da RE de junho de 1863, Kardec destaca que:

Segundo um sistema, os Espíritos não teriam sido criados para serem encarnados, reencarnando apenas quando cometem faltas. O bom-senso repele tal pensamento.

A encarnação é uma necessidade para o Espírito que, para cumprir sua missão providencial, trabalha em seu próprio adiantamento pela atividade e a inteligência, que ele deve desenvolver a fim de prover à sua vida e ao seu bem-estar. Mas a encarnação torna-se uma punição quando, não tendo feito o que devia, o Espírito é constrangido ((Esse constrangimento, é claro, dá-se em decorrência da lei natural, divina, e não pela ação direta e arbitrária de Deus)) a recomeçar sua tarefa e multiplica suas existências corpóreas penosas por sua própria culpa.

Um escolar somente se forma após passar por todas as classes. São essas classes uma punição? Não: são uma necessidade, uma condição indispensável para seu adiantamento ((Isso está totalmente de acordo com o pensamento pedagogo de Kardec, alinhado à pedagogia de Pestalozzi, totalmente voltado à autonomia e afastado dos conceitos de punição ou castigo, que, diz Rivail, em seu “Plano Proposto para a Melhoria da Educação Pública” (Paris, 1828), “irritam as crianças em vez de convencê-las”)). Mas se, pela preguiça, for obrigado a repeti-las, aí é uma punição ((Lembrando que a palavra “punição”, para o Espiritismo e para o Espiritualismo Racional, tem o significado de ser o resultado de uma ação, e não de uma imposição divina (veja este artigo). Assim, é possível compreender que repetir de ano, para o estudante, seria uma consequência de suas ações, e não um castigo infligido por elas.)). Ser aprovado em algumas é um mérito.

O que é falso é admitir em princípio a encarnação como um castigo.

KARDEC, Allan. Revista Espírita de 1863. Grifos nossos.

Por incrível que pareça, esse falso princípio dominou o Movimento Espírita, após Kardec. Hoje, sem estudos, fala-se, no meio espírita, em carma, lei do retorno e lei de ação e reação, imputando, à reencarnação, essa característica arbitrariamente punitiva, do “olho-por-olho, dente-por-dente”. É um completo disparate, que só existe, como dissemos, pela ausência do estudo.

Na Revista Espírita de fevereiro de 1864, no artigo “Dissertações Espíritas – Necessidade da Encarnação”, Kardec apresenta a comunicação de um Espírito, assistido por outro, de nome Pascal:

Quis Deus que o Espírito do homem fosse ligado à matéria para sofrer as vicissitudes do corpo ((Afinal, a reencarnação é uma lei. Como diria Kardec no primeiro artigo citado, “Deus não nos pede permissão; não consulta o nosso gosto. Ou é, ou não é.”)), com o qual se identifica a ponto de iludir-se e de o tomar por si mesmo, quando não passa de sua prisão passageira; é como se um prisioneiro se confundisse com as paredes da cela…

Se Deus quis que suas criaturas espirituais fossem momentaneamente unidas à matéria, é, repito, para as fazer sentir e, a bem dizer, para que sofressem as necessidades que a matéria exige de seus corpos, no que respeita ao seu sustento e conservação.

Dessas necessidades nascem as vicissitudes que vos fazem sentir o sofrimento e compreender a comiseração que deveis ter por vossos irmãos na mesma posição. Esse estado transitório é, pois, necessário ao adiantamento do vosso Espírito, que, sem isto, ficaria estagnado.

As necessidades que o corpo vos faz experimentar estimulam os vossos Espíritos e os forçam a buscar os meios de as prover; desse trabalho forçado nasce o desenvolvimento do pensamento. Constrangido a presidir aos movimentos do corpo para os dirigir, visando a sua conservação, o Espírito é conduzido ao trabalho material e daí ao trabalho intelectual, necessários um ao outro, pois a realização das concepções do Espírito exige o trabalho do corpo e este não pode ser feito senão sob a direção e o impulso do Espírito.

KARDEC, Allan. Revista Espírita, 1864. Grifos nossos.

Ao que Kardec observa:

A estas observações, perfeitamente justas, acrescentaremos que, trabalhando para si mesmo, o Espírito encarnado trabalha para a melhoria do mundo em que habita, assim ajudando a sua transformação e o seu progresso material, que estão nos desígnios de Deus, de quem é o instrumento inteligente. Na sua sabedoria previdente, quis a Providência que tudo se encadeasse na Natureza; que, todos, homens e coisas, fossem solidários ((Esse princípio fundamental da lei natural, demonstrado pelo Espiritismo, vai de contra ao falso princípio do Espírito isolado em si mesmo. Vejamos que, mesmo sem saber ou querer, o Espírito trabalha pelo conjunto, desde sempre. Se houvesse sido criado perfeito (o que também é um contrassenso), não haveria essa necessidade.)).

A reencarnação é necessária enquanto a matéria domina o Espírito. Mas, desde que o Espírito encarnado chegou a dominar a matéria e a anular os efeitos de sua reação sobre o moral, a reencarnação não tem mais nenhuma utilidade nem razão de ser.

Com efeito, o corpo é necessário ao Espírito para o trabalho progressivo até que, tendo chegado a manejar este instrumento à vontade, a lhe imprimir sua vontade, o trabalho esteja realizado.

Ibidem. Idem.

Não creio necessárias maiores explicações. O princípio do progresso sucessivo, através das múltiplas encarnações, está demonstrado como o único capaz de dar razão a todas as questões até hoje levantadas sobre a justiça divina.

Em um próximo artigo continuaremos o assunto.




Os sistemas de reforma social e o Espiritismo

por Paulo Degering Rosa Junior

Há tempos venho realizando abordagens ((Veja os artigos “Espiritismo e Política” e “O silêncio do Movimento Espírita ante os temas sociais“)) a respeito da impossibilidade de se atrelar o Espiritismo a qualquer ideologia política e do quanto essa prática é nociva e danosa ao Movimento Espírita. Quando defendo que o Espiritismo não se deve misturar à política, não quero dizer que ele não possa dar a ela sua contribuição, mas, sim, que ele não deve ser misturado às opiniões e às ideias de sistemas que, de modo avesso à moral espírita, querem mudar a sociedade a golpes de força, por imposição, ao passo que o Espiritismo demonstra que a única forma de realizar qualquer mudança na sociedade é auxiliando o indivíduo a abandonar maus hábitos e imperfeições, num gesto racional, consciente e autônomo.

Quem estuda o Espiritismo com alguma dedicação compreende facilmente esse princípio. Contudo, faltava-me encontrar uma verdadeira pérola de Allan Kardec, inserida em meio a um texto que, até hoje, confesso, ainda não havia lido, nem conhecido. A pérola em questão está na publicação “Viagem espírita em 1862”, em “Discursos pronunciados nas reuniões gerais dos Espíritas de Lyon e Bordeaux.”, item III:

Acabo de dizer que sem a caridade o homem não constrói senão sobre a areia. Um exemplo nos fará compreender melhor.

Alguns homens bem-intencionados, tocados pelos sofrimentos de uma parte de seus semelhantes, julgaram encontrar o remédio para o mal em certos sistemas de reforma social. Com pequenas diferenças, o princípio é mais ou menos o mesmo em todos eles, seja qual for o nome que se lhes dê. Vida comunitária por ser a menos onerosa; comunidade de bens, para que todos tenham sua parte; participação de todos para a obra comum; nada de grandes riquezas, mas, também, nada de miséria. Isto era muito sedutor para quem, nada tendo, já via a bolsa do rico entrar no fundo social, sem calcular que a totalidade das riquezas, postas em comum, criaria uma miséria geral, em vez de uma miséria parcial; que a igualdade hoje estabelecida seria rompida amanhã pela mobilidade da população e pela diferença entre as aptidões; que a igualdade permanente dos bens supõe a igualdade de capacidades e de trabalho. Mas, não é esta a questão; não entra em minhas cogitações examinar o lado positivo e negativo desses sistemas. Faço abstração das impossibilidades que acabo de citar e me proponho considerá-los de um outro ponto de vista que, parece-me, ainda não preocupou a ninguém e que se relaciona com o nosso assunto.

KARDEC, Allan. Viagem Espírita de 1862, Grifos meus.

Kardec, como sempre muito lúcido em seus apontamentos, inicia apontando os problemas muito claros que tais “sistemas de reforma social” acarretariam à sociedade. Contudo, não se aprofunda sobre isso, para atacar, em seguida, a temática moral, esta sim muito importante, e demonstrando, uma vez mais, que seus interesses, alinhados ao Espiritismo, não consistiam em destruir, mas em construir:

Os autores, fundadores ou promotores de todos esses sistemas, sem exceção, não tiveram em mira senão a organização da vida material de uma maneira proveitosa a todos. O objetivo é louvável, sem dúvida. Resta saber se, nesse edifício, não falta a única base que poderia consolidá-lo, admitindo-se que fosse praticável.

A comunidade é a abnegação mais completa da personalidade((Um dos princípios do Espiritismo é a relação dos Espíritos para com todos, em contrário do falso princípio da individualidade (N. do E.) )). Cada um devendo dar de si pessoalmente, ela requer o mais absoluto devotamento((O Dever moral era algo muito bem definido pelo Espiritualismo Racional, do qual o Espiritismo é o desenvolvimento(N. do E.) )). Ora, o móvel da abnegação e do devotamento é a caridade, isto é, o amor ao próximo((Caridade desinteressada (N. do E.) )). Mas reconhecemos que o fundamento da caridade é a crença((A caridade, para ser possível, requer consciência, pautada na razão (N. do E.) )); que a falta de crença conduz ao materialismo e o materialismo leva ao egoísmo. Um sistema que, por sua natureza e para sua estabilidade, requer virtudes morais no mais supremo grau, deve tomar seu ponto de partida no elemento espiritual. Pois bem! já que o lado material é o seu objetivo exclusivo((Porque são sistemas baseados nas filosofias materialistas, com origem principal em Aristóteles e reproduzida com muita força por Comte (N. do E.) )), não só o elemento espiritual não é levado em consideração, como vários sistemas são fundados sobre uma doutrina materialista altamente confessada((Vejamos: a imperfeição pode se desenvolver por uma completa inabilidade em lidar com as questões da vida, por falta de entendimento da moral (carência de educação). Ao buscar, por exemplo, a felicidade nas coisas e nas situações da vida, o ser passa a atribuir uma importância descabida aos recursos necessários para fazê-lo. Se não os têm, sente-se infeliz (triste), mas, julgando que a ele também cabe a felicidade, pode julgar que, para satisfazer a isso, lhe seja lícito obtê-la daqueles que têm esses recursos em abundância. É a forma materialista de abordar o tema, reproduzida pela quase totalidade desses sistemas (N. do E.) )), ou sobre o panteísmo, espécie de materialismo disfarçado, verdadeiro adorno do belo nome de fraternidade. Mas a fraternidade, assim como a caridade, não se impõe nem se decreta; é preciso que esteja no coração e não será um sistema que a fará nascer, se lá ela não estiver; caso contrário o sistema ruirá e dará lugar à anarquia.

Ibidem. Idem.

Kardec lançou a semente: as virtudes morais, de onde nasce a fraternidade, não nascem de um sistema. Não podem ser impostas nem decretadas. É preciso nascer do coração.

A experiência aí está para provar que não se sufocam nem as ambições, nem a cupidez. Antes de fazer a coisa para os homens, é preciso formar os homens para a coisa, como se formam obreiros, antes de lhes confiar um trabalho. Antes de construir, é preciso assegurar-se da solidez dos materiais. Aqui os materiais sólidos são os homens de coração, de devotamento e de abnegação. O egoísmo, o amor e a fraternidade são, como já dissemos, palavras vãs; como, então, sob o império do egoísmo, fundar um sistema que requeira a abnegação num grau tanto maior quanto tem, por princípio essencial, a solidariedade de todos para com cada um e de cada um para com todos?

Ibidem. Idem.

Chega a ser incrível não ver, ainda, Kardec ocupar espaço entre os nomes da mais alta filosofia moral. Mas não é só a moral que está esquecida, mas, também, junto a ela, a espiritualidade racional.

Simples e sem adornos linguísticos que só servem para confundir e envaidecer, diz o professor: “Antes de fazer a coisa para os homens, é preciso formar os homens para a coisa”. Sempre, sempre, atacando o cerne da questão, desde seus tempos de juventude, com pouco mais de 20 anos: a educação. Se se deseja mudar a sociedade, é preciso educar desde a infância. Ora, numa sociedade em que não existe educação, mas apenas instrução, que se quer atingir, senão os resultados que somos obrigados a topar, diariamente, mundo afora? Que se pode esperar de indivíduos que são formados, desde os primeiros passos, nas escolas da disputa, da trapaça, da recompensa e do castigo, numa palavra, da heteronomia? Decerto, não serão indivíduos autônomos e fraternos, muito menos caridosos. E, para Kardec,

Sem a caridade, não há instituição humana estável; e não pode haver caridade nem fraternidade possíveis, na verdadeira acepção da palavra, sem a crença((Novamente, Kardec destaca a importância do conhecimento, que alicerça a razão (N. do E.) )). Aplicai-vos, pois a desenvolver esses sentimentos que, engrandecendo-se, destruirão o egoísmo que vos mata. Quando a caridade tiver penetrado as massas, quando se tiver transformado na fé, na religião da maioria, então vossas instituições se tornarão melhores pela força mesma das coisas; os abusos, oriundos do personalismo, desaparecerão. Ensinai, pois, a caridade e, sobretudo, pregai pelo exemplo: é a âncora de salvação da sociedade. Só ela pode realizar o reino do bem na Terra, que é o reino de Deus; sem ela, o que quer que façais, só criareis utopias, das quais só vos resultarão decepções.

Ibidem. Idem.

Não é preciso ir muito mais longe. O pensamento de Kardec é bastante claro e lúcido, e o tomo não como argumento de autoridade , mas porque está de pleno acordo com aquilo que acredito ser a melhor expressão do conhecimento em moral, filosofia e educação, sobretudo no que tange ao progresso sucessivo e autônomo do ser, princípio demonstrado pelo Espiritismo.

Enquanto continuarmos lutando por transformações sociais impostas pela força, e até mesmo pela violência, criaremos apenas utopias e decepções. Vejamos que os exemplos disso, após Kardec, já são vários, e pululam à nossa volta. De certa forma, ele praticamente fez uma previsão daquilo que boa parte do mundo viria enfrentar, no século seguinte, por força dos sistemas e ideologias materialistas que vingam ainda hoje e que, paradoxalmente, são defendidos por expressiva parte do Movimento Espírita, que, em verdade, ainda não entendeu a verdadeira moral do Espiritismo e quer forçar os outros a se modificarem conforme o que agentes externos definem como ideal, e não pela própria consciência, num movimento autônomo e consciente.

Quando se trata de Movimento Espírita, é um disparate ver ideias materialistas defendidas dentro desse meio. Suponhamos, de forma bastante ingênua, que se crie uma lei que obrigue o rico a partilhar das suas riquezas: isso apenas gerará revolta nos Espíritos que tenham a imperfeição da avareza e, na primeira oportunidade, nesta ou em outras vidas, lutarão para restabelecer o poder antes possuído. Isso para não falar nos indivíduos que, acostumados aos vícios diversos, apenas utilizarão dos recursos partilhados para se refestelarem um tanto mais. Não é assim que se modifica uma sociedade.

Sem a caridade, que nasce da compreensão da moral da lei divina e do movimento autônomo em direção ao bem, o homem não constrói senão sobre a areia.




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Ciência e Espiritismo: matérias em dimensões opostas?

Obtivemos, recentemente, a seguinte observação de uma correspondente nossa, srta. A…:

A ciência hoje não confirma muito do que acreditamos ser o mundo espiritual e a intervenção no nosso plano. A própria mesa girante já foi acusada de ser apenas resultado do efeito ideomotor e não mensagens dos espíritos. Não temos comprovação científica de muitas coisas e mesmo assim acreditamos nelas. A ciência na época de Kardec evoluiu e não confirmou tudo. Espiritismo, por mais que tenha utilizado o método científico não é comprovado pela ciência, talvez no futuro seja. Mas ainda não é ciência. Podemos chamar de filosofia, religião baseado no método científico. Há coisas que sabemos que não são reais como o nome de quem deu certas mensagens em psicografias e nos é dito para apenas considerar o teor da mensagem dada e ignorar a suposta falsa identidade. Há coisas que preferimos não saber ou aceitamos ser estranhas mesmo. Mas quando vemos essas mesmas coisas em outras doutrinas e em outros grupos acusamos de falta de bom senso e de método científico.

Resumiremos a seguir nossa resposta a tais observações:

A prezada srta. A… disse bem: a ciência DE HOJE e, adicionamos, desde sempre, a ciência materialista, dogmática, não aceitam as constatações que os Espíritos vieram demonstrar. Porém, ainda antes de Kardec, muitos cientistas honestos constataram até mesmo a existência de algo além do corpo material. Diz Paulo Henrique de Figueiredo, em” Mesmer: a ciência negada do magnetismo animal”:

“Os magnetizadores comprovaram muito cedo as relações dos sonâmbulos com seres invisíveis. Deleuze, discípulo de Mesmer, em sua correspondência mantida com o doutor G. P. Billot por mais de quatro anos, de março de 1829 até agosto de 1833, inicialmente foi relutante, mas por fim afirmou: “O magnetismo demonstra a espiritualidade da alma e a sua imortalidade; ele prova a possibilidade da comunicação das inteligências separadas da matéria com as que lhes estão ainda ligadas.” (BILLOT, 1839)”

Por sua vez, Deleuze afirmou: “Não vejo razão para negar a possibilidade da aparição de pessoas que, tendo deixado esta vida, ocupam-se daqueles que aqui amaram e a eles se venham manifestar, para lhes transmitir salutares conselhos. Acabo de ter disto um exemplo.” (Ibidem)

“Anos depois, o magnetizador Louis Alphonse Cahagnet (1809-1885), com coragem e determinação, conversou com os espíritos por meio de seus sonâmbulos em êxtase, principalmente Adèle Maginot, registrando em sua obra mais de cento e cinquenta cartas assinadas por testemunhas que reconheceram a identidade dos espíritos comunicantes. Cahagnet antecipou em mais de dez anos esse instrumento de pesquisa da ciência espírita.”

Vemos, então, Rivail, educador emérito, anos antes, dizendo, a respeito da educação das crianças que, se fosse bem realizada, evitaria que elas acreditassem em almas do outro mundo ou em fantasmas; que elas não tomariam fogos-fátuos por Espíritos((RIVAIL, H.- L.- D. Discurso pronunciado na Distribuição de prêmios. Paris, 1834)). Veja a incrível mudança que se operou em suas ideias – não sem resistência, como podemos constatar no artigo “Pluralidade das existências“, da Revista Espírita de novembro de 1858 – para, já então como Kardec, dizer que “em geral, se faz uma ideia muito falsa do estado dos Espíritos. Eles não são, como alguns pensam, seres vagos e indefinidos, nem chamas, como fogos-fátuos, nem fantasmas, como nos contos de aparições. São seres semelhantes a nós, possuindo um corpo como o nosso, mas fluídico e invisível em estado normal((Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1864 > Abril > Resumo da lei dos fenômenos Espíritas))”.

Produziríamos um texto sem fim, buscando reafirmar os inúmeros pontos que demonstram a força da formação do Espiritismo como ciência – ciência, esta, aliás, desenvolvida sobre o Espiritualismo Racional((ver “Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo”, de Paulo Henrique de Figueiredo)) – tarefa que somente pode ser bem desempenhada e alcançada por aquele que, livremente, decida sair de suas pré-concepções e ESTUDAR o Espiritismo, em toda sua formação, o que se encontra facilmente na Revista Espírita e, depois, profundamente estabelecido em antologia, filosofia e moral nas obras O Céu e o Inferno e A Gênese (em suas versões originais, não adulteradas).

Vê-se que o caminho é longo e somente pode ser trilhado por aquele realmente interessado em sair da heteronomia, que congela o passo, para a autonomia, que nos coloca no comando do leme de nossa própria nau.

Veja, apenas para complementar, que o Espiritismo nasceu como toda ciência que conhecemos: pela observação metodológica e racional de fatos da natureza. Se ela ainda não atingiu o status de ciência reconhecida, não é por culpa sua, mas por conta do grande desvio que tomaram as ciências filosóficas espiritualistas no final do século XIX, que apagaram as luzes do raciocínio sustentado pela moral para nos deixar nas sombras do materialismo aristotélico, que contamina e define nossa sociedade até hoje em dia. Chegamos ao cúmulo de ver a Psicologia esquecida de sua própria definição – o estudo da alma – para olhar o homem apenas sob o ponto de vista behaviorista, materialista. Percebe o fosso que existe entre o ponto de vista atual e as ciências filosóficas, morais, psicológicas e racionais do passado?

O grande erro está em querer definir a ciência pelo entendimento atual, como se fosse apenas aquilo que se faz em laboratório, esquecendo-se de que, ainda hoje, a inferência e a elaboração de ideias através de hipóteses ainda faz parte do método científico. Incrível, então, será constatar que Kardec, corroborando com Mesmer e apoiado pela pesquisa espírita, já havia, naquele tempo, chegado aos conceitos de campo e onda, aproximando-se da Física Moderna((Ver A Gênese, editora FEAL)). Vemos, enfim, que a ciência natural é uma só, subdividida, porém, pelas especialidades dos homens.

Kardec diria, na Revista Espírita de janeiro de 1858:

Talvez nos contestem a denominação de ciência que damos ao Espiritismo. Ele não teria, sem dúvida e em nenhum caso, as características de uma ciência exata e precisamente nisso está o erro dos que o pretendem julgar e experimentar como uma análise química ou um problema de matemática; já é bastante que seja uma ciência filosófica. Toda ciência deve basear-se em fatos, mas estes, por si sós, não constituem a ciência. Ela nasce da coordenação e da dedução lógica dos fatos: é o conjunto de leis que os regem. Chegou o Espiritismo ao estado de ciência? Se se trata de uma ciência acabada, sem dúvida será prematuro responder afirmativamente, mas as observações já são hoje bastante numerosas para permitirem pelo menos deduzir os princípios gerais, onde começa a ciência.

Quando a senhorita A… diz que “há coisas que preferimos não saber ou aceitamos ser estranhas mesmo”, fala apenas do seu ponto de vista, do qual não fazem parte nossas ideias. Não agimos dessa maneira. Não aceitamos, simplesmente. Pesquisamos, buscamos respostas. Se, realmente, não há respostas, ficamos no aguardo do dia que poderemos obtê-las, através do método científico necessário para estabelecer a comunicação com seres que não podemos julgar de outra forma senão pela razão. Se, hoje, o Movimento Espírita não prima por esse método, ainda uma vez, a culpa não é do Espiritismo, mas das deturpações realizadas no seio doutrinário, mas que, para quem tem boa vontade de estudar, estão sendo rapidamente corrigidas e anuladas, com a consequente restauração do Espiritismo verdadeiro.

Vamos fazer parte desse movimento?