“Espírito sente fome?” ou, “como afastar do estudo o estudante honesto”

Espírito sente fome, mas, calma!

Ao contrário do que muitos afirmam taxativamente (e muitas vezes de forma bastante áspera, melhor fórmula para afastar do estudo as pessoas que vêm do movimento espírita como o conhecemos), o Espírito apegado à matéria poderá sofrer de todas as vicissitudes da matéria, quando muito apegado a ela. Poderá sofrer de fome, de frio, de calor, de medo, etc. Claro: é um sofrimento que se origina nele, em si, isto é, é um sofrimento de origem moral, mas que, para ele, até que entenda, tem todas as características de um sofrimento material.

Quem diz isso é Kardec e os Espíritos, não eu:

“A quem quer que não conheça a verdadeira constituição do mundo invisível, parecerá estranho que Espíritos que, segundo eles, são seres abstratos, imateriais, indefinidos, sem corpo, sejam vítimas dos horrores da fome; mas o espanto cessa quando se sabe que esses mesmos Espíritos são seres como nós, que têm um corpo fluídico, é verdade, mas que não deixa de ser matéria; que deixando o seu envoltório carnal, certos Espíritos continuam a vida terrena com as mesmas vicissitudes, durante um tempo mais ou menos longo. Isto parece singular, mas assim é, e a observação nos ensina que essa é a situação dos Espíritos que viveram mais a vida material do que a vida espiritual, situação por vezes terrível, porque a ilusão das necessidades da carne se faz sentir, e eles têm todas as angústias de uma necessidade impossível de saciar. O suplício mitológico de Tântalo, entre os Antigos, acusa um conhecimento mais exato do que se supõe, do estado do mundo de além-túmulo, sobretudo mais exato do que entre os modernos. Muito diferente é a posição daqueles que desde esta vida se desmaterializaram pela elevação de seus pensamentos e sua identificação com a vida futura. Todas as dores da vida corporal cessam com o último suspiro, e logo o Espírito plana, radioso, no mundo etéreo, feliz como um prisioneiro livre de suas cadeias. Quem nos disse isto? É um sistema, uma teoria? Alguém disse que deveria ser assim, e nós acreditamos sob palavra? Não; são os próprios habitantes do mundo invisível que o repetem em todos os pontos do globo, para ensinamento dos encarnados. Sim, legiões de Espíritos continuam a vida corporal com suas torturas e suas angústias. Mas quais? Aqueles que ainda estão muito avassalados à matéria para dela se destacarem instantaneamente. É uma crueldade do Ser Supremo? Não. É uma lei da Natureza, inerente ao estado de inferioridade dos Espíritos e necessária ao seu adiantamento; é uma prolongação mista da vida terrestre durante alguns dias, alguns meses, alguns anos, conforme o estado moral dos indivíduos. “

[RE, junho, 1868]

As comunicações que indicaram tais tipos de sofrimentos são as mais diversas, frequentemente apresentadas na Revista Espírita e nas outras obras. Algumas delas:

10. Lembrai-vos dos instantes de vossa morte?

– R. É alguma coisa de terrível, impossível de descrever. Figurai-vos estar numa fossa com dez pés de terra sobre vós, querer respirar e faltar ar, querer gritar: “Estou vivo!” e sentir sua voz abafada; ver-se morrer e não poder chamar por socorro; sentir-se cheio de vida e riscado da lista dos vivos; ter sede e não poder se dessedentar; sentir as dores da fome e não poder fazê-la cessar; morrer, numa palavra, numa raiva de condenado

[RE, agosto, 1862]

[…] Quanto aos Espíritos inferiores, estão ainda completamente impregnados de fluidos terrenos; portanto, são materiais, como podeis compreender. Por isso sofrem fome, frio, etc., sofrimentos que não podem atingir os Espíritos superiores, visto que os fluidos terrenos já foram depurados no seu pensamento, quer dizer, na sua alma

[LAMENNAIS, OLM, 1861]

[…] não há um único [Epírito] cuja matéria não tenha que lutar com o Espírito que se reencontra. O duelo teve lugar, a carne foi dilacerada, o Espírito obscureceu-se no instante da separa- ção, e na erraticidade o Espírito reconheceu a verdadeira vida. Agora vou dizer-vos algumas palavras daqueles para os quais esse estado é uma prova. Oh! quanto ela é penosa! eles se crêem vivos e bem vivos, possuindo um corpo capaz de sentir e de saborear os gozos da Terra, e quando suas mãos vão tocar, suas mãos se apagam; quando querem aproximar seus lábios de uma taça ou de uma fruta, seus lábios se aniquilam; eles vêem, querem tocar, e não podem nem sentir nem tocar. Quanto o paganismo oferece uma bela imagem desse suplício, apresentando Tântalo tendo fome e sede e não podendo jamais tocar os lábios na fonte d’água que murmura ao seu ouvido, ou o fruto que parece amadurecer para ele

[Santo Agostinho, RE, 1864]

“É um suplício para o orgulhoso ver-se relegado às últimas posições, enquanto acima dele, cobertos de glória e de festas, estão aqueles que ele desprezou na Terra. Para o hipócrita, ver-se penetrado pela luz que põe a nu seus mais secretos pensamentos que todos podem ler, sem nenhum meio para se esconder e dissimular. Para o sensual, ter todas as tentações, todos os desejos, sem poder satisfazê-los. Para o avaro, ver seu ouro dilapidado e não poder retê-lo. Para o egoísta, ser abandonado por todos e sofrer tudo o que outros sofreram por ele: terá sede e ninguém lhe dará de beber, terá fome e ninguém lhe dará de comer.”

[Kardec, OCI, 1865]

O Espírito pode sentir uma fome maior do que a nossa, por conta de um sofrimento moral, isso é claro, devido ao apego material. Por esse apego, se verá em corpo, e não em Espírito. Materializará todas as sensações. Poderá até mesmo tentar ingerir um “alimento”, criado pela sua própria mente, e esse alimento poderá ter todas as características de um alimento material… Mas que, contudo, não o saciará, posto que, de fato, o Espírito não tem um estômago real, nem qualquer outro órgão. Não depende da alimentação para sobreviver. Assim, ficará nesse estado por um tempo maior ou menor, que para ele parecerá eterno, enquanto se mantiver voluntariamente nesse estado mental — ao que, muitas vezes, a reencarnação compulsória, como ato da misericórdia divina, atendendo à sua incapacidade de escolha, o vem furtar. Há uma forma de agir, se espalhando entre o movimento espírita estudioso, que é tão danosa quanto àquela dos espíritas que acreditam em tudo: é o de negar a tudo e a tudo refutar duramente. É a isso que tenho tentado chamar a atenção. Muitos tendem, mesmo, a atacar indivíduos e a rechaçar ideias com pedras nas mãos, como se fossem todas ridículas, sem compreender as nuances do mundo espiritual e se fazendo doutores em assuntos dos quais somos apenas aprendizes, aprendendo a balbuciar as primeiras letras do alfabeto. Já estive entre eles, e hoje compreendo meu erro.

Talvez, guiados por uma animosidade irresoluta e quase raivosa quanto a certas afirmativas frequentemente vistas no meio espírita em geral, e crendo-se senhores das luzes espirituais, muitos recebem questionamentos como esses — “Espíritos sentem fome” — com o mesmo grau de animosidade. Ao invés de esclarecer, afastam o indivíduo, que se sente humilhado por ter perguntado sobre algo que, talvez, tenha visto o próprio Kardec afirmar.

Não foi à toa (nunca é à toa que um Espírito, de qualquer elevação, agindo com honestidade, faz qualquer tipo de afirmação) que São Luís disse, na RE de 1866:

Mas se, graças às luzes do alto, fordes mais instruídos e compreenderdes mais, também deveis ser mais tolerantes e não empregar, como meio de propagação, senão o raciocínio, porque toda crença sincera é respeitável.

Amigos, Espiritismo é ciência, e tem duas partes: a parte dos Espíritos, que é de conhecimento maior ou menor deles e que conhecemos por suas manifestações, e a a parte dos homens, que é puramente teórica, ainda que absolutamente racional e lógica (e o que não faz dela menos “ciência”). Teorias se aproximam mais ou menos da verdade e, de nossa parte, nos cabe a investigação, e não a tola mania a tudo afirmar ou negar. Kardec, esse sim, foi o cientista extremamente brilhante que entendeu esse princípio, o que o fez, ao invés de descartar, investigar as afirmações aparentemente mais absurdas vindas dos Espíritos, quando, é lógico, identificava nela honestidade, e não o claro propósito de mistificar.

Portanto, aos questionamentos “Espírito sente fome? Sente frio? Sono? Constrói casas?”, a resposta é: depende de sua elevação. Pode sentir ou fazer tudo isso, mas, tenha certeza, não tem necessidade nenhuma, sofre e perde tempo quando se encontra nesse estado, por apego à matéria.




Obrigações do Espiritismo

O Espiritismo é uma ciência essencialmente moral. Então, os que se dizem seus adeptos não podem, sem cometer uma grave inconsequência, subtrair-se às obrigações que ele impõe.

(Revista Espírita, Paris, abril de 1866 ─ Médium: Sra. B…)

[grifos nossos; leia até o fim]

Essas obrigações são de duas ordens.

A primeira concerne o indivíduo que, ajudado pelas claridades intelectuais que a doutrina espalha, pode melhor compreender o valor de cada um de seus atos, melhor sondar todos os refolhos de sua consciência, melhor apreciar a infinita bondade de Deus, que não quer a morte do pecador mas que ele se converta e viva, e que para lhe deixar a possibilidade de erguer-se de suas quedas, lhe deu a longa série de existências sucessivas, em cada uma das quais, levando o peso de suas faltas passadas, ele pode adquirir novos conhecimentos e novas forças, fazendo-o evitar o mal e praticar o que é conforme à justiça e à caridade. Que dizer daquele que, assim esclarecido sobre os seus deveres para com Deus, para com os irmãos, permanece orgulhoso, cúpido, egoísta? Não parece que a luz o tenha enceguecido, porque não estava preparado para recebê-la? Desde então marcha nas trevas, embora esteja em meio à luz. Ele só é espírita de nome. A caridade fraterna dos que veem realmente, deve esforçar-se por curá-lo dessa cegueira intelectual. Mas, para muitos dos que se lhe assemelham, será necessária a luz que o túmulo traz, porque seu coração está muito ligado aos prazeres materiais e seu espírito não está maduro para receber a verdade. Numa nova encarnação compreenderão que os planetas inferiores, como a Terra, não passam de uma espécie de escola mútua, onde a alma começa a desenvolver suas faculdades, suas aptidões, para em seguida aplicá-las ao estudo dos grandes princípios da ordem, da justiça, do amor e da harmonia que regem as relações das almas entre si e as funções que elas desempenham na direção do Universo. Eles sentirão que, chamada a uma tão alta dignidade, qual a de se tornar mensageira do Altíssimo, a alma humana não deve aviltar-se, degradar-se ao contato dos prazeres imundos da volúpia; das ignóbeis tentações da avareza que subtrai a alguns filhos de Deus o gozo dos bens que ele deu para todos; compreenderão que o egoísmo, nascido do orgulho, cega a alma e a faz violar os direitos da justiça, da humanidade, porquanto ele engendra todos os males que fazem da Terra um lugar de dores e expiações. Instruído pelas duras lições da adversidade, seu espírito será amadurecido pela reflexão, e seu coração, depois de ter sido ralado pela dor, se tornará bom e caridoso. É assim que aquilo que nos parece um mal, por vezes é necessário para reconduzir os endurecidos. Esses pobres retardatários, regenerados pelo sofrimento, esclarecidos por essa luz interior que podemos chamar de batismo do Espírito, velarão com cuidado sobre si mesmos, isto é, sobre os movimentos do seu coração e o emprego de suas faculdades, para dirigi-los conforme as leis da justiça e da fraternidade. Eles compreenderão que não são apenas obrigados, eles próprios, a se melhorarem, cálculo egoísta que impede o atingimento do objetivo visado por Deus, mas que a segunda ordem das obrigações do espírita, que decorre necessariamente da primeira e a completa, é a do exemplo, que é o melhor meio de propagação e renovação.

Com efeito, aquele que está convencido da excelência dos princípios que lhe são ensinados e que devem, se a eles conformar a sua conduta, proporcionar-lhe uma felicidade duradoura, não pode, se estiver verdadeiramente animado dessa caridade fraterna que está na própria essência do Espiritismo, senão desejar que sejam compreendidos por todos os homens. Daí a obrigação moral de conformar sua conduta com a sua crença e de ser um exemplo vivo, um modelo, como o Cristo o foi para a Humanidade.

Vós, fracas centelhas oriundas do eterno foco do amor divino, certamente não podeis pretender uma tão vasta radiação quanto a do Verbo de Deus encarnado na Terra, mas cada um, na vossa esfera de ação, pode espalhar os benefícios do bom exemplo. Podeis fazer com que a virtude seja amada, cercando-a do encanto dessa benevolência constante que atrai, cativa e mostra, enfim, que a prática do bem é coisa fácil; que gera a felicidade íntima da consciência que se colocou sob sua lei, pois ela é o cumprimento da vontade divina que nos fez dizer, por intermédio do seu Cristo: Sede perfeitos, como vosso Pai celestial é perfeito.

Ora, o Espiritismo não é senão a aplicação verdadeira dos princípios da moral ensinada por Jesus, porque não é senão com o objetivo de fazê-la por todos compreendida, a fim de que por ela todos progridam mais rapidamente, que Deus permite esta universal mani­festação do Espírito, vindo explicar-vos o que vos parecia obscuro e vos ensinar toda a verdade. Ele vem, como o Cristianismo bem compreendido, mostrar ao homem a absoluta necessidade de sua renovação interior pelas próprias consequências de cada um de seus atos, de cada um de seus pensamentos, porque nenhuma emanação fluídica, boa ou má, escapa do coração ou do cérebro do homem sem deixar uma impressão em algum lugar. O mundo invisível que vos cerca é para vós esse Livro de Vida onde tudo se inscreve com uma incrível fidelidade, e a Balança da Justiça divina não é senão uma figura que revela cada um dos vossos atos, cada um dos vossos sentimentos. É, de certo modo, o peso que sobrecarrega a vossa alma e a impede de elevar-se, ou que traz o equilíbrio entre o bem e o mal.

Feliz aquele cujos sentimentos partem de um coração puro. Ele espalha em seu redor uma suave atmosfera que faz amar a virtude e atrai os bons Espíritos; seu poder de radiação é tanto maior quanto mais humilde for, e consequentemente mais desprendido das influências materiais que atraem a alma e a impedem de progredir.

As obrigações impostas pelo Espiritismo são, portanto, de uma natureza essencialmente moral, porque são uma consequência da crença; cada um é juiz e parte em sua própria causa; mas as claridades intelectuais que ele traz a quem realmente quer conhecer-se a si mesmo e trabalhar em seu melhoramento são tais que amedrontam os pusilânimes, e é por isso que ele é rejeitado por tantas pessoas. Outros tratam de conciliar a reforma que sua razão lhes demonstra ser uma necessidade com as exigências da Sociedade atual. Daí uma mistura heterogênea, uma falta de unidade que faz da época atual um estado transitório. É muito difícil para a vossa pobre natureza corporal despojar-se de suas imperfeições para revestir o homem novo, isto é, o homem que vive segundo os princípios de justiça e de harmonia desejados por Deus. Com esforços perseverantes, nada obstante, lá chegareis, porque as obrigações impostas à consciência, quando suficientemente esclarecida, têm mais força do que jamais terão as leis humanas baseadas no constrangimento de um obscurantismo religioso que não suporta exame. Mas se, graças às luzes do alto, fordes mais instruídos e compreenderdes mais, também deveis ser mais tolerantes e não empregar, como meio de propagação, senão o raciocínio, porque toda crença sincera é respeitável. Se vossa vida for um belo modelo em que cada um possa achar bons exemplos e sólidas virtudes, onde a dignidade se alia a uma graciosa amenidade, rejubilai-vos, porque tereis compreendido, pelo menos em parte, a que obriga o Espiritismo.

LUÍS DE FRANÇA (São Luís)

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O problema da atual ideia da “reforma íntima” não é uma questão de palavras, mas isso ter se tornado ponto central, como se a missão do indivíduo fosse se melhorar, somente. A cada dia, está demonstrado que o verdadeiro espírita, porque entendeu a luz que se lhe abriu ante os horizontes espirituais, se melhora de forma humilde, auxiliando o seu próximo com a mesma humildade, não lhe fustigando a consciência a golpes de murros e facas. A verdadeira face do bem é a cooperação, e não a disputa. O mais elevado, serve.

Luís inicia o texto afirmando: o Espiritismo é uma ciência e, como tal, espalha claridades intelectuais. O Espiritismo serve ao conhecimento, que é peça necessária para o progresso do indivíduo. Mas não basta isso: é necessário o exemplo, e disso temos várias provas na humanidade, sendo o Cristo a mais expressiva delas. Ele, que veio lavar nossos pés, demonstrou: o mais elevado, serve, dando de si mesmo o exemplo abnegado.

Ao final, Luís destaca: se somos mais instruídos, é graças às “luzes do alto”, não porque não nos cabe o esforço pessoal, mas porque, sem a cooperação caridosa daquele que está mais alto, não aprenderíamos! Aliás, aquele que entra na falsa ideia e se isola pelo egoísmo e pelo orgulho, sai da possibilidade desse aprendizado, por algum tempo. Essa é a face mais verdadeira possível da Criação, conforme o Espiritismo demonstra! A disputa, a ideia de que o mundo seja dos mais espertos, o egoísmo, o orgulho, enfim, são todas falsas concepções, ligadas às falsas ideias humanas, que conduzem o ser aos abismos que os aprisionam e dos quais cabe apenas dele o esforço em escapar. Em absoluto, são ideias que não representam a verdade sobre a Criação ou as relações como Espíritos!

Essa é uma comunicação que deve ser lida, relida, discutida e, quem sabe, colocada à cabeceira.




Cidades no mundo Espiritual: Materialidade do Além-Túmulo

Recentemente, uma série de estudos da Revista Espírita nos suscitaram um interessante aprendizado, que vai diretamente de encontro com as ideias de cidades no mundo espiritual, que muitos acreditam e divulgam. O estudo foi realizado sobre os seguintes artigos da Revista Espírita:

  • Julho de 1859:

    • O zuavo de Magenta;

      • Um oficial superior morto em Magenta

  • Agosto de 1859:
    • Mobiliário de além-túmulo;
    • Pneumatografia ou escrita direta;
    • Um espírito serviçal;
    • O guia da senhora Mally

Além disso, utilizamos a conclusão de Kardec em A Gênese (Editora FEAL) — Natureza e Propriedade dos Fluidos.

Vamos destacar os pontos principais do estudo, onde relacionamos nossos comentários entre colchetes ([comentário]).

O zuavo de Magenta

45. ─ Sabeis a razão pela qual nos vedes, ao passo que nós não vos podemos ver?

─ Acredito que vossos óculos estão muito fracos.

[Ele não sabe. Por isso, usa uma metáfora ou figura de linguagem.]

46. ─ Não seria por essa mesma razão que não vedes o general em seu uniforme?

─ Sim, mas ele não o veste todos os dias.

47. ─ Em que dias o veste?

─ Ora essa! Quando o chamam ao palácio.

[Os Espíritos, ignorantes de certas coisas, expressam-se como podem, e veem o mundo dos Espíritos conforme suas ideias, assim como uma criança, utilizando imagens mentais para descrever algo que ela não compreende, fala de coisas que imputamos apenas à imaginação, mas que, no fundo, tem seu significado. O erro, aqui, seria tomar o “palácio” como uma expressão da verdade espiritual permanente.]

48. ─ Por que estais aqui vestido de zuavo se não vos podemos ver?

─ Simplesmente porque ainda sou zuavo, mesmo depois de cerca de oito anos, e porque entre os Espíritos conservamos essa forma durante muito tempo. Mas isso apenas entre nós. Compreendeis que quando vamos a um mundo muito diferente, como a Lua ou Júpiter, não nos damos ao trabalho de fazer essa toalete toda.

[Isso aqui é muito interessante. O que entendemos é que ele está se referindo ao fato de Espírito adotar uma forma perispiritual de acordo com o mundo onde vai e de acordo com a existência de uma personalidade nesse mundo, sem nem perceberem. Se tivesse vivido em um mundo distante como, por exemplo, um vendedor de animais, ao ser lá evocado, se apresentaria dessa forma. Ao se deslocar no espaço, sem ser evocado, não toma forma específica, ou seja, “não precisa fazer essa toalete toda”.]

49. ─ Falais da Lua e de Júpiter. Porventura já lá estivestes depois de morto?

─ Não. Não estais me entendendo. Depois da morte nos informamos de muitas coisas. Não nos explicaram uma porção de problemas da nossa Terra? Não conhecemos Deus e os outros seres muito melhor do que há quinze dias? Com a morte, o Espírito sofre uma metamorfose que não podeis compreender.

[Ele está tentando explicar o pensamento anterior, sem saber como fazê-lo.]

Um oficial superior morto em Magenta

13. ─ No momento da morte vos reconhecestes imediatamente?

─ Reconheci-me quase que imediatamente, graças às vagas noções que tinha do Espiritismo.

14. ─ Podeis dizer algo a respeito do Sr… também morto na última batalha?

─ Ele ainda está nas redes da matéria. Tem mais trabalho em se desvencilhar. Seus pensamentos não se tinham voltado para este lado.
OBSERVAÇÃO: Assim, o conhecimento do Espiritismo auxilia no desprendimento da alma após a morte e abrevia o período de perturbação que acompanha a separação. Isto é compreensível, pois o Espírito conhecia antecipadamente o mundo em que se encontra.

[Se esse conhecimento é tão importante, como conceber que justamente no momento em que o Espiritismo era estudado cientificamente, no melhor momento possível, nada foi falado a respeito dessa materialidade que hoje domina as comunicações?]

Mobiliário de além-túmulo

Até aqui nenhuma dificuldade no que concerne à personalidade do Espírito. Sabemos, porém, que se apresentam com roupagens cujo aspecto mudam à vontade; por vezes mesmo têm certos acessórios de toalete, joias, etc. Nas duas aparições citadas no começo, uma tinha um cachimbo e produzia fumaça; a outra, uma tabaqueira e tomava pitadas. Note-se, entretanto, o fato de que este Espírito era de uma pessoa viva e que sua tabaqueira era em tudo semelhante à de que se servia habitualmente, e que tinha ficado em casa. Que significam, então, essa tabaqueira, esse cachimbo, essas roupas e essas joias? Os objetos materiais que existem na Terra teriam uma representação etérea no mundo invisível? A matéria condensada que forma tais objetos teria uma parte quintessenciada, que escapa aos nossos sentidos?

Eis um imenso problema, cuja solução pode dar a chave de uma porção de coisas até aqui não explicadas. Foi essa tabaqueira que nos pôs no caminho, não apenas do fato, mas do fenômeno mais extraordinário do Espiritismo: o fenômeno da pneumatografia ou escrita direta, de que falaremos a seguir.

[Posição do verdadeiro cientista, em busca da verdade, sem nada descartar.]

3. ─ Essa tabaqueira tinha a forma daquela que ele usa habitualmente, e que estava em sua casa. O que era essa tabaqueira entre as mãos do Espírito?

─ Sempre aparência. Era para que as circunstâncias fossem notadas, como o foram, e para que a aparição não fosse tomada por uma alucinação produzida pelo estado de saúde da vidente. O Espírito queria que essa senhora acreditasse na realidade de sua presença e tomou todas as aparências da realidade.

4. ─ Dizeis que é uma aparência, mas uma aparência nada tem de real; é como uma ilusão de óptica. Eu gostaria de saber se essa tabaqueira não era senão uma imagem irreal, como, por exemplo, a de um objeto que se reflete num espelho.

(Um dos membros da Sociedade, o Sr. Sanson, faz observar que na imagem reproduzida pelo espelho há qualquer coisa de real. Se a imagem não fica no espelho, é que nada a fixa, mas se for projetada sobre uma chapa do daguerreótipo, deixa uma impressão, prova evidente de que é produzida por uma substância qualquer e que não é apenas uma ilusão de óptica).

4 (continuação) – A observação do Sr. Sanson é perfeitamente justa. Teríeis a bondade de nos dizer se existe alguma analogia com a tabaqueira, isto é, se existe algo de material nessa tabaqueira?
─ Certamente. É com o auxílio desse princípio material que o perispírito toma a aparência de vestimenta semelhante às que o Espírito usava quando vivo.

[Sabemos, hoje, o princípio da imagem refletida em um espelho e sua fixação em uma fotografia: o comportamento de ondas. A luz, como energia eletromagnética, reflete no espelho e impressiona o dispositivo de fotografia, seja ele qual for. Parece que é a esse mesmo princípio (de onda) que o Espírito se refere.]

OBSERVAÇÃO: Evidentemente o vocábulo aparência deve aqui ser tomado no sentido de imagem, de imitação. A tabaqueira real lá não estava. A que o Espírito tinha era apenas uma reprodução. Comparada à original, era apenas uma aparência, conquanto formada por um princípio material.

A experiência nos ensina que não devemos tomar ao pé da letra certas expressões usadas pelos Espíritos. Interpretando-as segundo as nossas ideias, expomo-nos a grandes equívocos, por isso devemos aprofundar o sentido de suas palavras, sempre que existe uma ambiguidade mínima. Eis uma recomendação feita constantemente pelos Espíritos. Sem a explicação que provocamos, o vocábulo aparência, repetido continuamente em casos análogos, poderia dar lugar a uma falsa interpretação [Pois “aparência” poderia dar lugar à ideia de algo que não existe.].

5. ─ Haveria um desdobramento da matéria inerte? Haveria, no mundo invisível, uma matéria essencial, revestindo a forma dos objetos que vemos? Numa palavra, esses objetos teriam o seu duplo etéreo no mundo invisível, como os homens aí são representados em Espírito?

OBSERVAÇÃO: Eis uma teoria como qualquer outra, e que era pensamento nosso. O Espírito, no entanto, não a levou em consideração, o que absolutamente não nos humilhou, porque sua explicação nos pareceu muito lógica e porque ela repousa sobre um princípio mais geral, do qual encontramos muitas explicações.

─ Isto não se passa dessa maneira. O Espírito tem sobre os elementos materiais disseminados em todo o espaço, na nossa atmosfera, um poder que estais longe de suspeitar. Ele pode, à vontade, concentrar esses elementos e lhes dar uma forma aparente, adequada a seus projetos.

6. ─ Faço novamente a pergunta de maneira categórica, a fim de evitar qualquer equívoco. As roupas com que se cobrem os Espíritos são alguma coisa?

─ Parece que a minha resposta anterior resolve a questão. Não sabeis que o próprio perispírito é alguma coisa?

7. ─ Resulta desta explicação que os Espíritos fazem a matéria eterizada sofrer transformações à sua vontade e que, assim, no caso da tabaqueira, o Espírito não a encontrou perfeitamente acabada; ele mesmo a fez no momento em que dela necessitava, e depois a desfez. O mesmo deve acontecer com todos os outros objetos, tais como vestimentas, joias, etc.

─ Mas é evidente.

8. ─ Essa tabaqueira foi tão perfeitamente visível para a senhora R… a ponto de iludi-la. Poderia o Espírito tê-la tornado tangível?

─ Poderia.

9. ─ Nesse caso, a senhora R… poderia tê-la tomado nas mãos, julgando pegar uma autêntica tabaqueira?

─ Sim.

10. ─ Se a tivesse aberto teria provavelmente encontrado rapé. Se o tivesse tomado, ele a teria feito espirrar?

─ Sim.

11. ─ Pode então o Espírito dar não somente a forma, mas até propriedades especiais?

─ Se o quiser; é em virtude deste princípio que respondi afirmativamente às questões precedentes. Tereis provas da poderosa ação que o Espírito exerce sobre a matéria e que, como já vos disse, estais longe de suspeitar.

[Sabemos, hoje, que a Criação está longe de ser um “cada um por si”, e que, na verdade, é um “um por todos e todos por um”, sendo que aqueles mais inferiores são sempre “conduzidos” pelos mais elevados.]

12. ─ Suponhamos então que ele tivesse querido fazer uma substância venenosa e que uma pessoa a tivesse tomado. Esta teria sido envenenada?

─ Poderia, mas não teria feito, porque não teria tido permissão para fazê-lo.

13. ─ Teria podido fazer uma substância salutar e própria para curar, em caso de moléstias? Já houve esse caso?

─ Sim; muitas vezes.

OBSERVAÇÃO: Um fato desse gênero será encontrado com uma explicação teórica muito interessante no artigo que damos a seguir sob o título Um Espírito serviçal.

14. ─ Assim também poderia ele fazer uma substância alimentar; suponhamos que tivesse feito um fruto ou um petisco qualquer. Poderia alguém comê-lo e sentir-se alimentado?

─ Sim, sim. Mas não procureis tanto para encontrar aquilo que é fácil de compreender. Basta um raio de sol para tornar perceptíveis aos vossos órgãos grosseiros essas partículas materiais que enchem o espaço em cujo meio viveis. Não sabeis que o ar contém vapor d’água? Condensai-o e o levareis ao estado normal. Privai-o do calor e eis que suas moléculas impalpáveis e invisíveis se tornarão corpo sólido e muito sólido. Outras matérias existem que levarão os químicos a vos apresentar maravilhas ainda mais assombrosas. Só o Espírito possui instrumentos mais perfeitos que os vossos: a sua própria vontade e a permissão de Deus. 

OBSERVAÇÃO: A questão da saciedade é aqui muito importante. Como uma substância que tem apenas existência e propriedades temporárias e, de certo modo, convencionais, pode produzir a saciedade? Por seu contato com o estômago, essa substância produz a sensação de saciedade, mas não a saciedade resultante da plenitude. Se tal substância pode agir sobre a economia orgânica e modificar um estado mórbido, também pode agir sobre o estômago e produzir a sensação da saciedade. Contudo, pedimos aos senhores farmacêuticos e donos de restaurantes que não tenham ciúmes, nem pensem que os Espíritos lhes venham fazer concorrência. Esses casos são raros e excepcionais e jamais dependem da vontade. Do contrário, a alimentação e a cura seriam muito baratas.

15. ─ Do mesmo modo poderia o Espírito fabricar moedas?

─ Pela mesma razão.

16. ─ Desde que tornados tangíveis pela vontade do Espírito, poderiam esses objetos ter um caráter de permanência e de estabilidade?

─ Poderiam, mas isto não se faz. Está fora das leis.

17. ─ Todos os Espíritos têm esse mesmo grau de poder?

─ Não, não.

[Porque apenas os Espíritos superiores poderiam fazê-lo (resposta seguinte).]

18. ─ Quais os que têm mais particularmente esse poder?

─ Aqueles a quem Deus o concede, quando isto é útil.

19. ─ A elevação de um Espírito influi nesse caso?

─ É certo que quanto mais elevado o Espírito, mais facilmente obtém esse poder. Isto, porém, depende das circunstâncias. Espíritos inferiores também podem obtê-lo.

[E, nesse caso, são supridos pela assistência de Espíritos superiores, muitas vezes sem nem saberem disso. Ver O Livro dos Médiuns ou guia dos médiuns e dos evocadores > Segunda parte — Das manifestações espíritas > Capítulo V — Das manifestações físicas espontâneas > Arremesso de objetos.]

20. ─ A produção dos objetos semimateriais resulta sempre de um ato da vontade do Espírito, ou por vezes ele exerce esse poder malgrado seu?

─ Isso frequentemente acontece malgrado seu.

[Quer dizer: ele nem percebe, conscientemente, que faz o que faz.]

21. ─ Seria então esse poder um dos atributos, uma das faculdades inerentes à própria natureza do Espírito? Seria, de algum modo, uma das propriedades, como a de ver e ouvir?─ Certamente. Mas por vezes ele mesmo o ignora. Então outro o exerce por ele, malgrado seu, quando as circunstâncias o exigem. O alfaiate do zuavo era justamente o Espírito de que acabo de falar e ao qual ele fazia alusão na sua linguagem chistosa.

OBSERVAÇÃO: Encontramos um exemplo dessa faculdade em certos animais, como, por exemplo, no peixe-elétrico, que irradia eletricidade sem saber o que faz, nem como, e que nem ao menos conhece o mecanismo que a produz. Nós mesmos por vezes não produzimos certos efeitos por atos espontâneos dos quais não nos damos conta? Assim, pois, parece-nos muito natural que o Espírito opere nessa circunstância por uma espécie de instinto. Ele opera por sua vontade, sem saber como, assim como nós andamos sem calcular as forças que colocamos em jogo.

OBSERVAÇÃO: Esse era, por exemplo, o caso da rainha de Oude, cuja evocação consta do nosso número de março de 1858, que ainda se julgava coberta de diamantes.

23. ─ Dois Espíritos podem reconhecer-se mutuamente pela aparência material que tinham em vida?

─ Não é por esse meio que eles se reconhecem, pois não tomarão essa aparência um para o outro. Se, porém, em certas circunstâncias, se acham em presença um do outro, revestidos dessa aparência, por que não se haveriam de reconhecer?

[Isto aqui é importante! Nos romances mediúnicos, o mundo fantástico criado é todo material ou materialista, e a forma, nesses contos, é fundamental. Aqui, temos novamente a confirmação já feita antes que a forma não é importante para os Espíritos em geral, embora seja predominante para os Espíritos ainda muito presos à matéria (ou seja, de pensamento muito apegado). Decorre daí que faria sentido um Espírito em perturbação “se ver” numa condição como aquela do umbral de André Luiz, mas o mesmo não poderia se dar quando já desapegado dessas ideias, o que não parece ser algo tão distante, conforme o relato de vários Espíritos, dados a Kardec.]

24. ─ Como podem os Espíritos reconhecer-se no meio da multidão de outros Espíritos, e sobretudo como podem fazê-lo quando um deles vai procurar em lugar distante e muitas vezes em outros mundos, aqueles que chamamos?

─ Isto é uma pergunta cuja resposta levaria muito longe. É necessário esperar.

Não estais suficientemente adiantados. No momento contentai-vos com a certeza de que assim é, pois disso tendes provas suficientes.

25. ─ Se o Espírito pode tirar do elemento universal os materiais para fazer todas essas coisas e dar a elas uma realidade temporária, com suas propriedades, também pode tirar dali o necessário para escrever. Consequentemente, isto nos dá a chave do fenômeno da escrita direta((A escrita direta acontece quando um Espírito, pela vontade e com a utilidade em fazê-lo, faz aparecer, sobre um papel, uma escrita real, ora em grafite, ora em tinta, ora em formato de impressão. Recomendamos a leitura do artigo seguinte, “Pneumatografia ou escrita direta”, assim como do artigo de mesmo título, em maio de 1860, e também do Capítulo XII de O Livro dos Médiuns  — “Da pneumatografia ou escrita direta”. 

Pneuma: entre os antigos pensadores gregos, sobretudo os estoicos, designativo do espírito, sopro animador ou força criadora, usada pela razão divina para vivificar e dirigir todas as coisas.)).

─ Finalmente o compreendeis.

[amadurecimento científico]

26. ─ Se a matéria de que se serve o Espírito não é permanente, como não desaparecem os traços da escrita direta?

─ Não julgueis pelas palavras. Desde o início eu nunca disse jamais. Nos casos estudados, tratava-se de objetos materiais volumosos; aqui se trata de sinais que convém conservar e são conservados.

[Entendo que S. Luis afirma que essa matéria não é impermamente, e que ela se desfaz quando é “condensada” apenas por um efeito passageiro, por Espíritos inferiores. No caso da escrita direta, se há interesse em conservá-la, ela é conservada. O Cap. VI – Uranografia Geral – n’A Gênese, dá a chave para esse entendimento.]

A teoria acima pode resumir-se assim: O Espírito age sobre a matéria; tira da matéria primitiva universal os elementos necessários para, à vontade, formar objetos com a aparência dos diversos corpos existentes na Terra. Também pode operar sobre a matéria elementar, por sua vontade, uma transformação íntima que lhe dá determinadas propriedades. Essa faculdade é inerente à natureza do Espírito, que muitas vezes a exerce, quando necessário, como um ato instintivo, que não chega a perceber.

[É importante notar que, depois, parece ficar claro que essa interação sobre a matéria nunca é direta, mas que necessita do fluido perispiritual do encarnado para acontecer.]

Os objetos formados pelos Espíritos têm uma existência temporária, subordinada à sua vontade ou à necessidade. Ele pode fazê-los e desfazê-los à vontade. Em certos casos, aos olhos das pessoas vivas, esses objetos podem ter todas as aparências da realidade, isto é, tornar-se momentaneamente visíveis e até tangíveis. Há formação, mas não criação, visto que o Espírito nada pode tirar do nada. (O Livro dos Médiuns, questões 130 e 131).

O guia da senhora Mally

O artigo “Um espírito serviçal”, do mesmo número, apresenta o caso da senhora Mally, onde, ao seu redor, muitos fatos interessantes acontecem. Desde cedo tinha a capacidade de visão de Espíritos. Certas vezes, via seu Espírito guia; outras, via aparições desagradáveis, que tinham o intuito de chamar sua atenção para manter-se vigilante. Chegou a haver a materialização de um Espírito (agênere).

“Em 1856, a terceira filha da Senhora Mally, de quatro anos de idade, caiu doente. Foi em agosto. A criança estava continuamente mergulhada num estado de sonolência, interrompido por crises e convulsões. Durante oito dias eu mesmo [o correspondente] vi a criança, que parecia sair do seu abatimento, tomar uma expressão sorridente e feliz, de olhos semicerrados, sem olhar para os que a cercavam; estender a mão em gesto gracioso, como para receber alguma coisa; levá-la a boca e comer; depois agradecer com um sorriso encantador. Durante esses oito dias a menina foi sustentada por esse alimento invisível e seu corpo readquiriu a aparência de frescura habitual.”

[O artigo é interessante e recomendamos a leitura. Vamos seguir para a evocação do guia da Sra. Mally.]

A evocação inicia-se com o estabelecimento das relações daquele Espírito com a sra Mally: tinham uma relação de simpatia antiga. O Espírito era o de um menino de oito anos, falecido há muito tempo. Kardec pergunta se era sempre ele quem aparecia para ela, e ele diz que não, mas assevera que é ele mesmo quem produzia certos fenômenos materiais *:

13. ─ Então você tem o poder de se tornar visível à vontade?

─ Sim, mas eu disse que não era eu.

14. ─ Você também não tem nada a ver com as outras manifestações materiais produzidas na casa dela?

─ Perdão! Isto sim. Foi o que eu me impus, junto a ela, como trabalho material, mas faço para ela outro trabalho muito mais útil e muito mais sério.

* Kardec diz, no artigo anterior: “Por outras manifestações ele revela o seu estado moral. Esse Espírito tem um caráter pouco sério, entretanto, ao lado de sinais de leviandade, deu provas de sensibilidade e dedicação.”

16. ─ Você poderia tornar-se visível aqui, a um de nós?

─ Sim, se pedirdes a Deus para que isso aconteça. Eu posso, mas não ouso fazê-lo.

17. ─ Se você não quer tornar-se visível, poderia pelo menos dar-nos uma manifestação, como por exemplo trazer qualquer coisa para cima desta mesa?

─ Certamente, mas qual seria a utilidade? Para ela é assim que eu testemunho a minha presença, mas para vós isto seria inútil, pois estamos conversando.

18. ─ O obstáculo não seria a falta de um médium, necessário para produzir essas manifestações?

─ Não, isto é um pequeno obstáculo. Não vedes frequentemente aparições súbitas a pessoas sem nenhuma mediunidade?

19. ─ Então todo mundo é apto a ver aparições espontâneas?

─ Sim, pois todo ser humano é médium.

20. ─ Entretanto, o Espírito não encontra no organismo de certas pessoas uma facilidade maior para comunicar-se?

─ Sim, mas eu vos disse ─ e vós deveis sabê-lo ─ que os Espíritos têm o poder por si mesmos. O médium nada é. Não tendes a escrita direta? É necessário médium para isso? Não, mas apenas a fé e um ardente desejo. E ainda às vezes isto se produz a despeito dos homens, isto é, sem fé e sem desejo.

[Aqui, Kardec está aprofundando os estudos. Não podemos tomar isso como conclusivo, pois, talvez, o que diz esse Espírito não seja a verdade, mas apenas o que ele compreende. Contudo, não é difícil pensar que, se a Matéria forma-se pelo pensamento dos Espíritos puros, formas materiais muito simples possam ser formadas, sob essa influência e por sua utilidade, por Espíritos menos elevados.]

21. ─ Você acha que as manifestações, como a escrita direta, por exemplo, se tornarão mais comuns do que são hoje?

─ Certamente. Como compreendeis, então, a vulgarização do Espiritismo?

22. ─ Você pode explicar-nos o que é que a filha da senhora Mally pegava na mão e comia quando estava doente?

Maná, uma substância criada por nós, que encerra o princípio contido no maná ordinário e a doçura do confeito.

23. ─ Essa substância é formada da mesma maneira que as roupas e os outros objetos que os Espíritos produzem por sua vontade e pela ação que exercem sobre a matéria?

─ Sim, mas os elementos são muito diferentes. Os ingredientes que formam o maná não são os mesmos que eu arranjava para criar madeira ou roupa.

[“Não devemos tomar ao pé da letra certas expressões usadas pelos Espíritos”. Sigamos, antes de formar ideias]

24. ─ (A São Luís) Os elementos utilizados pelo Espírito para formar seu maná eram diferentes dos que ele tomava para formar outras coisas? Sempre nos disseram que há um só elemento primitivo universal, do qual os diferentes corpos são simples modificações.

[Aqui, por haver dúvida ou imprecisão na resposta daquele Espírito, Kardec questiona a São Luis, Espírito guia do grupo. É o princípio que demonstramos em nosso artigo recente]

─ Sim. Isto significa que esse elemento primitivo está no espaço, aqui sob uma forma, ali sob outra. É o que ele quer dizer. Ele obtém o seu maná de uma parte desse elemento, que supõe diferente, mas que é sempre o mesmo.

25. ─ A ação magnética pela qual se pode dar propriedades especiais a uma substância, como à da água, por exemplo, tem relação com a do Espírito que cria uma substância?

─ O magnetizador não emprega nada além da sua vontade. É um Espírito que o ajuda, que se encarrega de preparar o remédio.


Análise sobre passagem em “Nosso Lar”

Em Nosso Lar, vemos a seguinte passagem. Analisemo-la:

A mensageira do bem fixou o quadro, compreendeu a gravidade do momento e acrescentou:

– Não temos tempo a perder.

Antes de tudo, aplicou passes de reconforto ao doente, isolando-o das formas escuras, que se afastaram como por encanto. Em seguida, convidou-me com decisão:

– Vamos à Natureza.

Acompanhei-a sem hesitação e ela, notando-me a estranheza, acentuou:

– Não só o homem pode receber fluidos e emiti-los. As forças naturais fazem o mesmo, nos reinos diversos em que se subdividem. Para o caso do nosso enfermo, precisamos das árvores. Elas nos auxiliarão eficazmente.

Admirado da lição nova, segui-a, silencioso. Chegados a local onde se alinhavam enormes frondes, Narcisa chamou alguém, com expressões que eu não podia compreender.

[É claro que os Espíritos não falavam pela boca. Isso é uma figura de linguagem. A expressão é do pensamento, e André Luiz não conseguia compreender esses pensamentos, ainda.]

Daí a momentos, oito entidades espirituais atendiam-lhe ao apelo. Imensamente surpreendido, vi-a indagar da existência de mangueiras e eucaliptos. Devidamente informada pelos amigos, que me eram totalmente estranhos, a enfermeira explicou:

– São servidores comuns do reino vegetal, os irmãos que nos atenderam.

[Os mais elevados, SERVEM. Não são “duendes”. São Espíritos, ocupando suas atividades na natureza. Não vivem em meio à mata, mas se ocupam desse reino, como outros Espíritos se ocuparão de outros. Talvez não sejam mais adiantados que nós, mas são mais adiantados que aqueles que ainda estão na posição do Princípio Inteligente. Por isso, servem ao seu propósito. As obras mediúnicas precisam, com base no Espiritismo, ser relidas e, se ainda restar dúvida, esses Espíritos devem ser EVOCADOS!]

E, à vista da minha surpresa, rematou:

– Como vê, nada existe de inútil na Casa de Nosso Pai. Em toda parte, se há quem necessite aprender, há quem ensine; e onde aparece a dificuldade, surge a Providência. O único desventurado, na obra divina, é o espírito imprevidente, que se condenou às trevas da maldade.

[Aqui, ela reforça o ensinamento, asseverando que o Espírito (portanto, consciente) que voluntariamente se condenou à trevas, isto é, que voluntariamente se apegou à imperfeição, é o único que se afasta do “caminho”, que é a relação constante dos Espíritos, aprendendo, cooperando e ensinando, em direção ao bem.]

Narcisa manipulou, em poucos instantes, certa substância com as emanações do eucalipto e da mangueira [“[o] elemento primitivo está no espaço, aqui sob uma forma, ali sob outra”] e, durante toda a noite, aplicamos o remédio ao enfermo, através da respiração comum e da absorção pelos poros.


Continuando: O guia da senhora Mally

26. ─ (Ao guia) Há tempos relatamos fatos curiosos de manifestações de um Espírito por nós designado com o nome de Duende de Bayonne. Você conhece esse Espírito?

─ Particularmente, não, mas acompanhei o que fizestes a seu respeito e foi dessa forma que tomei conhecimento dele.

27. ─ Ele é um Espírito de ordem inferior?

─ Inferior quer dizer mau? Não. Quer dizer, simplesmente: não inteiramente bom, pouco adiantado? Sim.

[Espírito inferior não é sinônimo de Espírito imperfeito, porque a imperfeição é algo adquirido pelo hábito e pela vontade. Na Escala Espírita, isso fica claro.

Tudo isso está sendo fantástico! Poder verificar, na RE, a confirmação, dada por toda parte, daquilo que se conclui nas obras finais. Mal sabem, os resistentes, a riqueza que existe nesse estudo!]

28. ─ Agradecemos pela bondade de ter vindo, e pelas explicações que nos deu.

─ Às vossas ordens.

OBSERVAÇÃO: Oferece-nos esta comunicação um complemento àquilo que dissemos nos dois artigos precedentes sobre a formação de certos corpos pelos Espíritos. A substância dada à criança, durante a doença, evidentemente era preparada por eles e objetivava restaurar a saúde. De onde tiraram os seus princípios? Do elemento universal, transformado para o uso desejado. O fenômeno tão estranho das propriedades transmitidas por ação magnética, problema até aqui inexplicado, e sobre o qual se divertiram os incrédulos, está agora resolvido. Com efeito, sabemos que não são apenas os Espíritos dos mortos que agem, mas que os dos vivos também têm a sua parte de ação no mundo invisível. O homem da tabaqueira dá-nos a prova disso. Que há, pois, de admirável em que a vontade de uma pessoa, agindo para o bem [Lei], possa operar uma transformação da matéria primitiva e dar-lhe determinadas propriedades? Em nossa opinião, aí está a chave de muitos efeitos supostamente sobrenaturais, dos quais teremos oportunidade de falar.

É assim que, pela observação, chegamos a perceber as coisas que fazem parte da realidade e do maravilhoso. Mas quem diz que esta teoria é verdadeira? Vá lá! Ela tem pelo menos o mérito de ser racional e de estar perfeitamente em concordância com os fatos observados. Se algum cérebro humano achar outra mais lógica do que esta dada pelos Espíritos, que sejam comparadas. Um dia talvez nos agradeçam por termos aberto o caminho ao estudo racional do Espiritismo.

Certo dia alguém nos dizia: “Eu bem que gostaria de ter um Espírito serviçal às minhas ordens, mesmo que tivesse de suportar algumas travessuras que me fizesse.”

É uma satisfação que a gente desfruta sem o perceber, porque nem todos os Espíritos que nos assistem se manifestam de maneira ostensiva, mas nem por isso deixam de estar ao nosso lado e, pelo fato de ser oculta, sua influência não é menos real.

A Gênese (FEAL) > Natureza e Propriedade dos Fluidos

Como já foi demonstrado, o fluido cósmico universal é a matéria elementar primitiva da qual as modificações e transformações constituem a inumerável variedade de corpos da natureza. Como princípio elementar do Universo, ela apresenta dois estados distintos: o de eterização ou de imponderabilidade que se pode considerar como o estado primitivo, e o de materialização ou de ponderabilidade, que vem a ser, de alguma forma, sua consequência. O ponto intermediário é o de transformação do fluido em matéria tangível. Mas, ainda aí, não existe transição brusca, pois pode-se considerar nossos fluidos imponderáveis como um ponto intermediário entre os dois estados ((Para compreender as afirmações de Allan Kardec é fundamental considerar que havia em seu tempo, na Física, a teoria de que a matéria seria constituída por duas classes: matéria comum, tangível ou ponderável, e matéria imponderável ou átomos representativos da luz, da eletricidade, do calor, etc. (são os fluidos luminoso, elétrico, calórico, etc.). Os fluidos psíquicos ou espirituais (tema deste capítulo) seriam, então, estados ainda mais sutis do fluido cósmico universal do que desses fluidos imponderáveis então aceitos. Haveria, então, numa sequência de maior para menor sutiliza: matéria comum, matéria imponderável, matéria psíquica. Atualmente sabemos que a hipótese da substância imponderável é falsa, e esses fenômenos são explicados como ondas eletromagnéticas. Transpondo o raciocínio de Kardec para a Física Moderna, poderíamos concluir que a matéria psíquica ou espiritual estaria acima da luz. Mas essa hipótese leva a questões e implicações mais complexas no atual paradigma científico para as quais não temos nesta obra os desenvolvimentos que permitam resolvê-las. (N. do E.) )).

Os Espíritos agem sobre os fluidos espirituais, não os manipulando como os homens manipulam os gases, mas com a ajuda do pensamento e da vontade, que são, para o Espírito, o que a mão é para o homem. Pelo pensamento, eles imprimem no fluido essa ou aquela direção; eles os aglomeram, combinam ou dispersam e formam conjuntos com uma aparência, uma forma, uma cor determinada; mudam suas propriedades, como um químico muda as de um gás ou de outros corpos, combinando-os segundo certas leis. É a grande oficina ou laboratório da vida espiritual.

Algumas vezes, essas transformações são o resultado de uma intenção, mas frequentemente são o produto de um pensamento inconsciente, pois basta o Espírito pensar numa coisa para que ela seja feita.

É assim, por exemplo, que um Espírito se apresenta à vista de um encarnado, dotado da vista espiritual, sob a aparência que tinha quando estava vivo, na época em que o conheceu, embora já tenha tido várias outras encarnações. Ele se apresenta com as vestes, os sinais externos, enfermidades, cicatrizes, membros amputados, etc. que tinha; um decapitado se apresentará sem a cabeça. Não digo que tenham conservado tais aparências; não, certamente, porque, como Espírito, ele não é coxo nem maneta, nem caolho nem decapitado. Mas seu pensamento, se reportando à época em que era assim, seu perispírito toma instantaneamente essa aparência, a qual muda também instantaneamente. Se ele havia sido uma vez negro e outra vez branco, ele se apresentará como negro ou como branco, de acordo com qual das duas encarnações ele seja evocado e para onde vá seu pensamento.

Por um efeito análogo, o pensamento do Espírito cria fluidicamente os objetos que estava habituado a utilizar. Um avaro manejará ouro; um militar terá suas armas e seu uniforme; um fumante, seu cachimbo; um trabalhador, sua charrua e seus bois; uma velha mulher, sua roca.

Esses objetos fluídicos são tão reais para o Espírito quanto seriam no estado material para o homem encarnado. Mas, pelo fato de serem criados pelo pensamento, sua existência é tão efêmera quanto ele [aqui Kardec faz referência ao artigo abordado anteriormente, Mobiliário de além-túmulo].

Observações nossas

  • O Espírito materializa, pela ação do pensamento, os fluidos, de acordo com sua elevação, seus apegos e suas ideias. Essa materialização pode ir de simples objetos a, provavelmente, amplos cenários, formados em grupo.
  • Espíritos às vezes pouco elevados, mas já desprendidos dos apegos materiais, demonstram não estar envolvidos nessa materialidade, tão predominante em outros.
  • Espíritos pouco esclarecidos formam imagens mentais para descrever algo que eles não compreendem, assim como crianças podem fazer. O papel de um estudioso da psicologia, em ambos os casos, é ir além das imagens e das figuras para entender o fundo do que dizem. 
  • O erro está em se apegar à palavra, de forma literal.
  • Longe de descartarmos como tolice, precisaremos estar prontos para, havendo uma retomada do Espiritismo científico, sabermos filtrar os diversos atavismos que os Espíritos, dominados por essas ideias amplamente disseminadas, poderão utilizar.
  • Como destacamos em artigo recente, é um grave erro formar sistemas sobre metáforas, retiradas de seu contexto e não entendidas corretamente. Para se desfazer desses erros, necessário será retomar o Espiritismo cientificamente, da mesma forma que Kardec realizou.
  • A “codificação” apresenta todos os elementos para entender que a materialidade do mundo espiritual está diretamente ligada ao materialismo dos Espíritos. Aqueles que são mais “espiritualizados”, não necessariamente esclarecidos, não a apresentam, enquanto aqueles que encontram-se em estado de perturbação, causado por imperfeições, frequentemente apresentam ideias de apego à matéria. São fartos esses exemplos. Perguntamos: como, justamente no momento mais importante do Espiritismo, essa suposta realidade de cidades e colônias, que seria tão importante, já que seria imediata à nossa morte, não ficou claramente estabelecida para Kardec? Já tratamos dessas questões em artigo recente, e não vamos repetí-la.



A questão das escolhas

A vida é feita de escolhas. Às vezes, são escolhas lúcidas, isto é, sabemos bem que algo é correto ou não; outras vezes, são escolhas “ignorantes”, isto é, não conhecemos o suficiente para supor os resultados. Destas, podemos colher erros ou acertos e, no caso de erro, não existe “pecado”, pois o erro faz parte da evolução. Desde que não se apegue a ele, “está tudo certo”. Basta seguir em frente e não repetir o erro. Não há condenação, nem houve propósito de mal.

A grande questão é quando a escolha por aquilo que é errado se dá de forma mais consciente — e aqui não considero uma plena consciência, porque, se ela existisse, não se faria a má escolha. O indivíduo, dotado de consciência e de inteligência, age em favor do apego àquilo que é errado ou que traz maus frutos. Sim, age envolto numa confusão de ideias, que nasceram em primeiro lugar do seu ímpeto de se satisfazer em algum aspecto — daí a assertividade em dizer que o egoísmo e o orgulho são as mães de todas as demais imperfeições — e, muitas vezes, nem pensa em fazer o mal, mas sim em satisfazer seus próprios desejos ou [falsas] necessidades. Esse é o ponto problemático das más escolhas, onde o próprio indivíduo se condena a um turbilhão de maus efeitos em que a causa é ele mesmo e ninguém mais, e onde se afasta do Bem, que é o caminho, para tomar um desvio que duras penas lhe custarão para retomar, pois requer o exercício do desapego.

Dito isto, muitos se perguntarão: em ambos os casos, mas especialmente no segundo, então, como errar menos? Como julgar melhor nossas próprias ações? Como evitar o erro pontual e como exercitar o desapego antes que certo hábito se torne uma terrível imperfeição?

Resumidamente, a resposta é uma pergunta retórica: por que você acha que os próprios Espíritos dos indivíduos antes encarnados — Espíritos sábios e Espíritos ignorantes; Espíritos bondosos e Espíritos maldosos; Espíritos felizes e Espíritos sofredores — dedicaram seu tempo para nos contar de suas próprias aventuranças? Por que você acha que um indivíduo de ciências, dedicado filósofo da educação e conhecedor de tantas outras ciências, tendo vislumbrado algo nessas comunicações, dedicou, à exaustão, cerca de 14 anos de sua vida, de suas finanças, de suas alegrias, e de sua saúde em estudar e disseminar esse conhecimento, que formou o que conhecemos por Espiritismo ou Doutrina Espírita? POR QUÊ?

Quando a criança vê seu irmão sofrer uma queimadura por colocar a mão em brasa quente, muito provavelmente pensará duas vezes antes de fazer o mesmo. Imagine o que pode fazer um adulto, pleno de suas capacidades cerebrais, como esse conhecimento?! É, ainda assim, quantas pessoas, passando por anos e anos de sofrimentos tolamente cultivados, ESCOLHEM manter essas obras fechadas nas estantes, esquecidas em seus locais virtuais?

A passagem de Zaqueu, que, ao ver Jesus passar por sua porta, subiu em uma árvore para tentar vê-lo, sem se deixar ver interessado pelos cidadãos da cidade, pode ser a nossa mesma: basta ter interesse. A diferença é que nós não temos a necessidade de nos esconder de ninguém para ler um livro, a não ser quando ESCOLHEMOS nossa esconder de NÓS MESMOS, por um tolo medo de, vendo-se descoberto por si mesmo, ter que realizar o movimento de correção. Bem, a essa altura, se você agir assim, eu já posso lhe perguntar: por que é que você gosta tanto da infelicidade?

A salvação é o conhecimento. A cura é realizada por você mesmo. E tudo isso está tão perto quanto a sua vontade QUEIRA. Essa é a mensagem: para fazer melhores escolhas, você precisa ENTENDER como funciona a Lei.

Ótimos novos dias para você.




A continuidade científica do Espiritismo

Por uma estranha ideia, adotamos o princípio de que não podemos evocar os Espíritos, e que o único que pôde fazer isso foi Kardec, porque tinha a permissão ou um propósito muito peculiar.

À luz do conhecimento, precisamos corrigir um pouquinho essa ideia, pois, na verdade, os únicos que puderam fazer as evocações foram os milhares de indivíduos e pequenos grupos, espalhados pelo mundo, não só na época de Kardec, mas antes mesmo dele, pois, quando Kardec se interessou pela nova ciência e antes mesmo de se dar o pseudônimo de Allan Kardec, o Espiritismo já era praticado em muitos pontos do mundo.

Interessante, não? Por que será que hoje, então, não podemos ou não devemos evocar os Espíritos? Não conheço essa lei, nem nunca a vi escrita em qualquer lugar, senão numa frase tirada de contexto, metafórica de Chico Xavier: “o telefone só toca de lá para cá”. Muito pelo contrário, vamos encontrar, ao estudar as obras de Kardec, a recomendação da prática do Espiritismo pelos pequenos grupos, prática essa que consistia, a seu ver, uma ciência: a constante investigação, junto aos Espíritos, das leis que regem a Criação.

Por essa estranhíssima ideia, passamos a colocar os médiuns na posição das antigas secretárias telefônicas automáticas, cuja única missão era atender a uma ligação e gravar a mensagem, e nada mais. Os médiuns se transformaram nisso:

imagem de uma secretária eletrônica

Não só isso: os grupos espíritas, que hoje praticamente inexistem fora da figura dos centros espíritas, passaram a adotar uma ideia ainda mais estranha: passaram a ouvir as “gravações telefônicas” sem as questionar! Isso mesmo: não se questiona a mensagem dada, apenas as tomam pelo princípio de que são sempre dotadas de verdade e sabedoria, e de propósitos de bem. É muito, muito estranha essa ideia, porque ontem mesmo minha mãe recebeu uma mensagem de uma pessoa que se dizia ser eu, e que queria três mil reais para pagar uma conta urgente. Imagine se minha mãe adotasse a prática de muitos grupos espíritas e simplesmente confiasse no interlocutor!

Os sistemas

Por um princípio ainda mais estranho, certos indivíduos passaram a criar e defender sistemas erigidos justamente sobre essas comunicações passivamente recebidas e não verificadas, gastando precioso tempo e causando enormes dificuldades ao movimento espírita, que deixou de estudar Kardec para confiar nesses sistemas. Incongruentemente, os indivíduos que agem assim são, muitas vezes, aqueles que teriam plena capacidade, por terem conhecimentos científicos, para investigarem essas questões.

Mas nem só de comunicações espíritas não checadas se forma esse triste cenário. Outros tantos erigem verdadeiros sistemas de ideias sobre metáforas utilizadas por Kardec em seus estudos, não conseguindo compreender que os cientistas, sobretudo naquela época, vislumbrando novos aspectos científicos que não tinham como compreender, criavam metáforas para tentar dar luz à ideia que buscavam expressar, confiando à continuidade da ciência melhores explicações. Todos os grandes cientistas fizeram isso, sobretudo no aspecto filosófico e especialmente no âmbito metafísico dessas ideias. Kardec fez isso, por exemplo, ao tentar explicar a presença divina como sendo um oceano, onde tudo estaria imerso. Uma metáfora((Ainda hoje as metáforas são utilizadas para dar explicações científicas, chegando certos cosmólogos a dizer que o Espaço é como se fosse um shampoo ou um queijo! Pobre sujeito que erija um sistema sobre essas metáforas!))!

Mas não só a ciência humana usou metáforas. Os Espíritos também as utilizaram, frequentemente. Espíritos sábios utilizaram sábias metáforas para explicar ideias que, de forma científica, ainda não podíamos compreender. Jesus usou metáforas para explicar princípios da ciência espírita que os homens daquele tempo não podiam compreender. Espíritos ignorantes usaram metáforas para explicar causas e efeitos que nem eles conseguiam compreender de forma científica, mas que sabiam existir e funcionar.

A questão toda, aqui, é uma só:

METÁFORAS

Apenas para ficar muito claro e não restar dúvida, vamos definir o significado do termo: metáfora é a “figura de linguagem em que uma palavra que denota um tipo de objeto ou ação é usada em lugar de outra, de modo a sugerir uma semelhança ou analogia entre elas; translação (por metáfora se diz que uma pessoa bela e delicada é uma flor, que uma cor capaz de gerar impressões fortes é quente, ou que algo capaz de abrir caminhos é a chave do problema); símbolo.”((MICHAELIS. Moderno Português – Busca – Português Brasileiro – Metáfora. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/metafora. Acesso em: 29 mai. 2023.)). Do grego, metaphōrá.

São verdadeiros sistemas de ideias erigidas, muitas vezes, sobre nada mais que metáforas, tomando-as como se fossem literais. No âmbito das comunicações espíritas, o estudo da comunicação do soldado zuavo (“O zuavo de Magenta“), na Revista Espírita de julho de 1858, nos dá uma interessante perspectiva, pois, ao ser questionado sobre sua aparência espiritual naquela evocação (ou perispiritual), ele responde:

42. ─ Se vos pudéssemos ver, como o veríamos?
─ De turbante e culote.

43. ─ Pois bem! Suponhamos que nos aparecêsseis de turbante e culote. Onde teríeis arranjado essas roupas, desde que deixastes as vossas no campo de batalha?
─ Ora, ora! Não sei como é isto mas Tenho um alfaiate que mE as arranja.

44. ─ De que são feitos o turbante e o culote que usais? Não tendes ideia?
─ Não. Isto é lá com o trapeiro.

OBSERVAÇÃO: Esta questão da vestimenta dos Espíritos, como várias outras não menos interessantes, ligadas ao mesmo princípio, foram completamente elucidadas por novas observações feitas no seio da Sociedade. Daremos notícias disso no próximo número. Nosso bom zuavo não é suficientemente adiantado para resolver sozinho. Foi-nos preciso, para isso, o concurso de circunstâncias que se apresentaram fortuitamente e que nos puseram no caminho certo.

Depois, questionado sobre seu general, também já morto, assim responde:

46. ─ Não seria por essa mesma razão que não vedes o general em seu uniforme?
─ Sim, mas ele não o veste todos os dias.

47. ─ Em que dias o veste?
─ Ora essa! Quando o chamam ao palácio((Os Espíritos, ignorantes de certas coisas, expressam-se como podem, e veem o mundo dos Espíritos conforme suas ideias, assim como uma criança, utilizando imagens mentais para descrever algo que ela não compreende, fala de coisas que imputamos apenas à imaginação, mas que, no fundo, tem seu significado. O erro, aqui, seria tomar o “palácio” como uma expressão da verdade espiritual permanente.)).

Poderíamos tomar essa comunicação como mais uma base de suporte para o sistema das cidades espirituais. Kardec, porém, agindo de forma científica, não sistematizou sobre essa ideia, mas apenas viu nela algo muito interessante para ser pesquisado. Daí, surgiu a hipótese de que, no mundo dos Espíritos, a matéria terrestre poderia ter um “duplo etérico”. No artigo “Mobiliário de além-túmulo”, da Revista de agosto de 1859, ele pergunta a São Luis:

5. ─ Haveria um desdobramento da matéria inerte? Haveria no mundo invisível uma matéria essencial, revestindo a forma dos objetos que vemos? Numa palavra, esses objetos teriam o seu duplo etéreo no mundo invisível, como os homens aí são representados em Espírito?

─ Isto não se passa dessa maneira. O Espírito tem sobre os elementos materiais disseminados em todo o espaço, na nossa atmosfera, um poder que estais longe de suspeitar. Ele pode, à vontade, concentrar esses elementos e lhes dar uma forma aparente, adequada a seus projetos.

Não ficando satisfeito com a resposta, questiona:

6. ─ Faço novamente a pergunta de maneira categórica, a fim de evitar qualquer equívoco. As roupas com que se cobrem os Espíritos são alguma coisa?
─ Parece que a minha resposta anterior resolve a questão. Não sabeis que o próprio perispírito é alguma coisa?

No mesmo artigo, pouco antes, Kardec se refere especialmente ao caso do Espírito de um encarnado, que se apresentou em outro lugar, para uma pessoa, com as mesmas características do corpo físico e carregando sua tabaqueira. Reproduzimo-la, por ser autoexplicativa:

3. ─ Essa tabaqueira tinha a forma daquela que ele usa habitualmente, e que estava em sua casa. O que era essa tabaqueira entre as mãos do Espírito?
─ Sempre aparência. Era para que as circunstâncias fossem notadas, como o foram, e para que a aparição não fosse tomada por uma alucinação produzida pelo estado de saúde da vidente. O Espírito queria que essa senhora acreditasse na realidade de sua presença e tomou todas as aparências da realidade.

4. ─ Dizeis que é uma aparência, mas uma aparência nada tem de real; é como uma ilusão de óptica. Eu gostaria de saber se essa tabaqueira não era senão uma imagem irreal, como, por exemplo, a de um objeto que se reflete num espelho.

(Um dos membros da Sociedade, o Sr. Sanson, faz observar que na imagem reproduzida pelo espelho há qualquer coisa de real. Se a imagem não fica no espelho, é que nada a fixa, mas se for projetada sobre uma chapa do daguerreótipo, deixa uma impressão, prova evidente de que é produzida por uma substância qualquer e que não é apenas uma ilusão de óptica).

─ A observação do Sr. Sanson é perfeitamente justa. Teríeis a bondade de nos dizer se existe alguma analogia com a tabaqueira, isto é, se existe algo de material nessa tabaqueira?

─ Certamente. É com o auxílio desse princípio material que o perispírito toma a aparência de vestimenta semelhante às que o Espírito usava quando vivo. OBSERVAÇÃO: Evidentemente o vocábulo aparência deve aqui ser tomado no sentido de imagem, de imitação. A tabaqueira real lá não estava. A que o Espírito tinha era apenas uma reprodução. Comparada à original, era apenas uma aparência, conquanto formada por um princípio material.

A experiência nos ensina que não devemos tomar ao pé da letra certas expressões usadas pelos Espíritos. Interpretando-as segundo as nossas ideias, expomo-nos a grandes equívocos, por isso devemos aprofundar o sentido de suas palavras, sempre que existe uma ambiguidade mínima. Eis uma recomendação feita constantemente pelos Espíritos. Sem a explicação que provocamos, o vocábulo aparência, repetido continuamente em casos análogos, poderia dar lugar a uma falsa interpretação.

A imagem do espelho é aqui tomada como uma metáfora. Naquela época, não se conhecia os princípios físicos dessa imagem, crendo-se, em geral, que ela era algo irreal, uma “aparência“. A justa observação do Sr. Sanson demonstra que o reflexo no espelho tem algo de real, pois, se em lugar do espelho, fosse uma chapa fotossensível, como a do daguerreótipo, essa imagem ficaria gravada. Eles não tinham como explicar o fenômeno, por isso utilizavam metáforas. O Espírito de São Luis responde com a exatidão confirmada pela ciência moderna: assim como o reflexo no espelho e a gravação da fotografia agem por efeito da interação com fótons de luz, a aparência que toma o perispírito resulta da interação da vontade do Espírito sobre o elemento tomado do fluido cósmico universal. Isto se conclui na questão n.º 25:

25. ─ Se o Espírito pode tirar do elemento universal os materiais para fazer todas essas coisas e dar a elas uma realidade temporária, com suas propriedades, também pode tirar dali o necessário para escrever. Consequentemente, isto nos dá a chave do fenômeno da escrita direta.
─ Finalmente o compreendeis.

O propósito deste artigo

Se o leitor nos acompanhou até aqui, entendeu que estamos traçando uma linha de raciocínios bastante clara: é um erro erigir sistemas sobre metáforas. Isso não é científico. Tendo-se colocado de lado a ciência espírita, os modernos espíritas têm formado complexos sistemas de ideias e princípios que, muitas vezes, fixam-se sobre uma frágil vareta fincada na areia. A questão toda é: nós precisamos retomar o Espiritismo como ciência e, antes de demonstrar nossa visão sobre isso, vamos deixar bem claro que, para isso, uma condição é imprescindível: estudar e conhecer o Espiritismo e os princípios dessa ciência (portanto, é lógico, estudar as obras de Allan Kardec), bem como estar compenetrado do assunto que se queira estudar.

O ponto interessante é que temos diversas pessoas plenamente capazes de retomar essa ciência nas áreas que lhes interessam. Temos grandes conhecedores do Espiritismo e das diversas ciências humanas, espalhados mundo afora: físicos, biólogos, filósofos, matemáticos, etc. A diferença está em que, na época de Kardec, as ciências estavam todas interconectadas pela metafísica e que praticamente todos os cientistas conheciam várias áreas da ciência((Sugestão de leitura: Autonomia – A História Jamais Contada do Espiritismo, por Paulo Henrique de Figueiredo)). Além disso, é interessante destacar que o princípio que rege o bom cientista é o desapego ao orgulho. Pode-se ter uma ideia prévia, como Kardec as teve; pode-se questionar respostas que divirjam dessa ideia, defendendo-a, como fez Kardec; porém, frente à evidência inegável do contrário, quando não sobram dúvidas de que a ideia prévia não se sustenta, deve o bom cientista deixar essa ideia de lado, escolhendo ficar com aquilo que atende à razão e à lógica.

É nesse ponto que o bom cientista e a boa ciência experimental divergem dos cientistas sistemáticos, que querem impor à Natureza a adequação às suas próprias ideias, como se isso fosse possível. São esses últimos que, baseando-se em metáforas, distorcidas e retorcidas à sua conveniência, elaboram intrincados sistemas que, não raramente, dominam a humanidade por um tempo expressivo. Vimos isso em várias áreas, e a ciência espírita não escapou desse problema.

Chegamos, enfim, ao ponto crucial deste artigo.

A retomada da ciência espírita

Imbuídos do propósito da retomada do estudo; interessados no restabelecimento da ciência espírita; aderentes ao propósito do abandono ou, ao menos, do questionamento dos sistemas; compenetrados do fato de que Kardec relegou ao futuro a continuidade e a elucidação das questões que ele não pôde tratar senão de maneira metafórica, vamos dar nossa visão sobre o que requer a recuperação da pesquisa espírita do ponto de vista da ciência experimental, detentores da compreensão de que, sim, podemos e devemos evocar espíritos para esse propósito. Basearemos, porém, nossas ideias, no verdadeiro guia do laboratório espírita dado por Allan Kardec: a Revista Espírita.

É muito fácil compreender, com o estudo dos primeiros anos da Revista Espírita, os princípios básicos necessários para a pesquisa científica do Espiritismo. Vamos dividi-los em duas seções: princípios morais e princípios práticos.

Princípios morais

  • Compromisso pessoal com a moral; desapego das próprias ideias.
  • Interesse na investigação legítima da verdade
  • Humildade e espírito de cooperação
  • Seriedade e responsabilidade na pesquisa
  • Formação de grupos coesos em ideias e princípios

Princípios práticos

  • Elaboração de grupos de pesquisa e estudo, onde só participem pessoas verdadeiramente conhecedoras do Espiritismo
  • Cooperação de médiuns, de preferência psicógrafos, com especial interesse nos psicógrafos mecânicos((Porque o controle dos centros motores necessários à fala é mais difícil e porque às respostas “psicofônicas” são mais difíceis de ser analisadas em sua independência com relação às ideias do próprio médium.)), desapegados de suas próprias personalidades e de seus próprios interesses nesse trabalho.
  • Organização cuidadosa de estudos, capacidade de analisar e separar o que é metafórico do que é literal nas comunicações

A pesquisa através das evocações

Dotados de princípios legítimos e da vontade de pesquisar, seriamente, determinado tema, os pequenos grupos – que devem operar em âmbito fechado ao público geral – serão dirigidos por um ou mais Espíritos mais elevados, cuja autoridade moral poderá ser facilmente estabelecida se o grupo for realmente compenetrado da ciência espírita. Esse Espírito, que, no caso de Kardec, seria São Luís, é aquele que cuidará de auxiliar na parte espiritual, encaminhando Espíritos comunicantes, complementando ideias, etc.

A pesquisa sobre um determinado tema ou princípio deve seguir, então, os seguintes passos, onde EG é o Espírito guia do grupo:

Ousei resumir em um fluxograma a complexidade das evocações com fins de pesquisa científica, mas é claro que o digrama apenas exemplifica os passos que o próprio Allan Kardec demonstrou tomar, sem demonstrar toda a complexidade por trás disso, no sentido da necessidade de conhecimentos, seriedade, compromisso moral, etc.

O fluxograma é bem simples e autoexplicativo, basta seguir as setas direcionais. Ele demonstra os passos da preparação prévia de questões, da seleção de Espíritos a evocar (porque evocar Espíritos sem um propósito sério dá na mesma que ficar à disposição de qualquer Espírito, e pode ser ainda pior), da verificação da evocabilidade e da utilidade da evocação daquele Espírito em particular, da realização da evocação e da realização das perguntas e do registro das respostas, antes às quais, frente a questionamentos pontuais presentes, poderão ser realizadas novas questões para esclarecimento, ao próprio Espírito ou ao Espírito guia e, enfim, da documentação e da posterior análise das respostas dadas, com a criação de uma “base de dados” do grupo e com a disponibilização, quando pertinente, da evocação e do estudo para outros grupos, que poderão analisá-las e buscar confirmações ou refutações em seus próprios estudos. O médium não faz parte do fluxograma, mas é claro que também tem um papel fundamental, tratado com dedicação na obra O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec.

É evidente que cada resposta precisará ser analisada com um grande cuidado pelo grupo, considerando a Psicologia e sabendo que os Espíritos, simplesmente por estarem livre do corpo, não ganham plenas luzes instantaneamente – por isso, sempre, a recomendação do estudo da Revisa Espírita, que evidencia o fato de Kardec nunca ter formado sistemas sobre ideias incompletas ou de um só Espírito, o que teria condenado o Espiritismo ao misticismo, logo em seu primeiro ano de estudos.

E o que podemos perguntar? Com seriedade, honestidade e conhecimento do Espiritismo, tudo. Isto é: é claro que, satisfazendo as condições expressas, não iremos realizar uma evocação para pedir a previsão da loteria, nem para fazer o mal, isto é evidente. Mas, por exemplo, poderíamos evocar alguns Espíritos para buscar compreender mais a fundo essas ideias de fluidos, frente ao conhecimento da física moderna. Por que não? Talvez isso possa ser aprofundado ou, quem sabe, recebamos uma resposta do tipo “ainda faltam conhecimentos para que o ser humano possa compreender esses conceitos”.

As falsas ideias

É um erro pensar que os tempos modernos vão atrapalhar esse trabalho, imaginando que a facilidade da comunicação vai “contaminar” as ideias entre os grupos. Os Espíritos não revelam um conhecimento de forma exclusiva, mas, antes, o espalham por toda parte, onde houverem pessoas aptas ao estudo. Se uma falsa ideia for aceita por um grupo e divulgada aos outros, se os outros forem grupos sérios, facilmente a rejeitarão, porque verão os Espíritos demonstrando seu erro. A facilidade de comunicação, antes, vai facilitar esse trabalho, desde que exista a seriedade nos grupos que se comunicam.

Também é falso supor que o pesquisador espírita tenha que ser uma tela em branco. Não! O pesquisador sempre vai partir de uma ou mais hipóteses, que ele precisará testar numa população – no caso, a dos Espíritos. Ele pode ter uma ideia prévia porque, com base nos seus conhecimentos, é para onde lhe aponta a razão, e pode ver essa ideia ser confirmada ou refutada na prática das evocações. Se o pesquisador não tiver apego às suas próprias ideias, isto é, se não houver orgulho, ele as abandonará quando a razão apontar em outra direção, por novos fatos e evidências.

Eis aí, amigos, tudo o que é necessário para a retomada da pesquisa espírita. Ao invés de se apegarem às ideias erigidas sobre metáforas e figuras, arregacemos as mangas e nos coloquemos ao trabalho, que deve começar com o estudo e o entendimento da obra de Kardec, em seu contexto. Muito em breve, cremos, teremos um material ainda mais completo para essa correta compreensão. Sem atropelações, portanto, tomemos o primeiro passo e estudemos((Lembrando que, de acordo com o que nos mostram os fatos, as obras O Céu e o Inferno e A Gênese foram adulterados em suas respectivas 4.ª e 5.ª edições, motivo pelo qual indicamos a leitura das recentes edições da editora FEAL, que trazem na capa o termo “versão original” e com preciosas notas explicativas de Paulo Henrique de Figueiredo e outros)). O que virá disso será a consequência, pois bem sabemos que não estamos abandonados à própria sorte.

As adulterações

Outro fator importante nesse conjunto é a questão das adulterações das obras O Céu e o Inferno, a partir da 4.ª edição, e de A Gênese, a partir da 5.ª edição. Digam o que quiserem aqueles que querem transformar evidências em provas: para nós, a esta altura, não há outra forma de concluir senão pela adulteração dessas obras, posto que elas não condizem, nas edições alteradas, nem sequer com o que Kardec desenvolvia na Revista Espírita, além de introduzem pontos desconexos entre si e que mutuamente se contradizem. Baseados nessas edições, alguns sistemas foram elaborados, sendo um dos mais danosos a ideia do pagamento de dívidas através da encarnação, como um castigo. O restabelecimento das obras originais, sendo especialmente realizado pela Editora FEAL, foi de substancial importância nesse sentido.

A condição principal

Para que o desenvolvimento doutrinário seja retomado, será necessário desapego da personalidade, não só do pesquisador e do médium, mas também do Espírito evocado. A Doutrina demonstra a condição coletiva dos Espíritos e demonstra que, ao evocar, por exemplo, São Luis, outro Espírito pode responder em seu lugar. Para que esse seja um bom Espírito, que represente a mesma ideia, é necessário que o grupo esteja imbuído de tudo aquilo que demonstramos acima, evocando os bons Espíritos e, sob a tutela desses, realizando os estudos com Espíritos que, por ventura, sejam menos elevados. Além disso, para a retomada do Espiritismo, além da necessidade de recuperar a Doutrina “em Kardec”, de forma muito bem compreendida (porque os Espíritos só podem ensinar a partir de princípios verdadeiros), será necessário que isso se espalhe por diversos grupos pelo mundo, para que possa voltar a existir as condições de concordância universal do ensinamento.

Estamos aqui, incentivando esse processo.

Lembre-se de registrar o contato do seu grupo em nosso diretório, ou, se tiver dúvidas ou quiser conversar, basta entrar em contato!




Explorando a Teoria do Duplo Material no Mundo dos Espíritos com Allan Kardec

As manifestações espiritas sempre foram um ponto nevrálgico na Doutrina Espirita. Foi através dessas manifestações e sua melhor compreensão que Kardec conseguiu estabelecer a sua filosofia moral. Assim, destacamos esse estudo de 1859 exposto na Revista Espirita de agosto de 1859.

Segue.

Extraímos a passagem seguinte de uma carta que uma correspondente da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas nos enviou do departamento do Jura:

“…Como vos disse, senhor, os Espíritos gostavam da nossa velha habitação. Em outubro último (1858), a senhora Condessa de C…, amiga íntima de minha filha, veio com seu filhinho de 8 anos passar uns dias em nossa mansão. A criança dormia no mesmo quarto que sua mãe, e a porta de comunicação para o quarto de minha filha ficava aberta, a fim de prolongar as horas do dia e da conversa. O menino não dormia e dizia à mãe: ‘Que é que a senhora vai fazer com esse homem que está sentado junto à sua cama? Ele está fumando um grande cachimbo. Veja como enche o quarto de fumaça! Mande-o embora, pois está sacudindo as cortinas.’
“Essa visão durou a noite toda. A mãe não conseguiu que a criança se calasse, e ninguém conseguiu fechar os olhos. Esta circunstância não espantou nem a mim, nem à minha filha, pois sabemos que há manifestações espíritas. A mãe, entretanto, acreditava que a criança estivesse sonhando acordada ou se divertindo.

RE 1859

Observação: A visão era mediúnica por isso só a criança via.

“Eis outro fato que testemunhei pessoalmente e que me aconteceu no mesmo aposento, em maio de 1858. É o caso da aparição do Espírito de uma pessoa viva, que ficou muito admirado por ter vindo visitar-me. Eis as circunstâncias: Eu estava muito doente e há tempos não dormia, quando vi, às dez horas da noite, um amigo de minha família sentado junto à minha cama. Manifestei-lhe minha surpresa por sua visita àquela hora. Ele me disse: “Não faleis, pois venho velar-vos; não faleis, pois é preciso que durmais”, e estendeu a mão sobre minha cabeça. Várias vezes abri os olhos para ver se ainda lá estava, e a cada vez ele me fazia sinal para fechá-los e calar-me. Rodava a tabaqueira entre os dedos, e de vez em quando tomava uma pitada, como era seu costume. Por fim adormeci, e quando despertei a visão tinha desaparecido.

Idem

OBSERVAÇÃO: Kardec faz uma breve citação das explicações sobre os fatos de aparições de encarnados e de Espíritos (condensação do perispírito ou modificação molecular).

Ele segue:

Opera-se na sua contextura uma modificação molecular, que o torna visível e mesmo tangível, e que lhe pode dar, até certo ponto, as propriedades dos corpos sólidos. Sabemos que corpos perfeitamente transparentes se tornam opacos pela simples mudança na posição das moléculas ou pela adição de outro corpo, igualmente transparente. Não sabemos bem como fazem os Espíritos para tornar visível o seu corpo etéreo. A maior parte deles não chega mesmo a se dar conta disso, mas, pelos exemplos que temos citado, compreendemos a sua possibilidade física, o que é bastante para tirar do fenômeno aquilo que, à primeira vista, poderia parecer sobrenatural. Pode, pois, o Espírito fazê-lo, quer por simples modificação íntima, quer assimilando uma porção de fluido estranho que altera momentaneamente o aspecto de seu perispírito. É, na verdade, esta última hipótese que ressalta das explicações que nos têm sido dadas, e que relatamos ao tratar do assunto (maio, junho e dezembro).

Até aqui nenhuma dificuldade no que concerne à personalidade do Espírito. Sabemos, porém, que se apresentam com roupagens cujo aspecto mudam à vontade; por vezes mesmo têm certos acessórios de toalete, joias, etc. Nas duas aparições citadas no começo, uma tinha um cachimbo e produzia fumaça; a outra, uma tabaqueira e tomava pitadas. Note-se, entretanto, o fato de que este Espírito era de uma pessoa viva e que sua tabaqueira era em tudo semelhante à de que se servia habitualmente, e que tinha ficado em casa. Que significam, então, essa tabaqueira, esse cachimbo, essas roupas e essas joias? Os objetos materiais que existem na Terra teriam uma representação etérea no mundo invisível? A matéria condensada que forma tais objetos teria uma parte quintessenciada, que escapa aos nossos sentidos?

OBSERVAÇÃO: Posição do verdadeiro cientista, em busca da verdade, sem nada descartar.

Eis um imenso problema, cuja solução pode dar a chave de uma porção de coisas até aqui não explicadas. Foi essa tabaqueira que nos pôs no caminho, não apenas do fato, mas do fenômeno mais extraordinário do Espiritismo: o fenômeno da pneumatografia ou escrita direta, de que falaremos a seguir.

Todas as teorias que apresentamos, relativas ao Espiritismo, nos foram fornecidas pelos Espíritos, que muitas vezes contraditaram as nossas próprias ideias, como aconteceu no caso presente, provando que as respostas não eram reflexo do nosso pensamento. Mas a maneira de se obter uma solução não é coisa sem importância. 

Sabemos por experiência própria que não basta pedir bruscamente uma coisa para a obtermos. Nem sempre as respostas são bastante explícitas; é necessário desenvolver o assunto com certas precauções; chegar ao objetivo progressivamente e por um encadeamento de deduções que requerem um trabalho prévio. Em princípio, a maneira de formular as questões, a ordem, o método e a clareza são coisas que não podem ser negligenciadas e que agradam aos Espíritos sérios, porque veem nisso um objetivo sério.

OBSERVAÇÃO: Isto significa que, é claro, o pesquisador pode ter uma ideia prévia, mas que, agindo de boa-fé, não pode se apegar a ela. E também, claro, que a intenção da pergunta é tão importante quanto.

Eis a conversa que tivemos com o Espírito de São Luís, a propósito da tabaqueira, visando a solução do problema da produção de certos objetos no mundo invisível. (Sociedade, 24 de junho de 1859).

1. ─ No relato da senhora R…, trata-se de uma criança que viu perto do leito da mãe um homem fumando um grande cachimbo. Compreende-se que esse Espírito tenha podido tomar a aparência de um fumante; parece, entretanto, que fumava realmente, pois o menino via o quarto cheio de fumaça. O que era essa fumaça?

─ Uma aparência produzida para o menino.

2. ─ A senhora R… também cita o caso de uma aparição, vista por ela, do Espírito de uma pessoa viva. Esse Espírito tinha uma tabaqueira e tomava rapé. Poderia ele experimentar a sensação que a gente tem ao tomar uma pitada?

─ Não.

3. ─ Essa tabaqueira tinha a forma daquela que ele usa habitualmente, e que estava em sua casa. O que era essa tabaqueira entre as mãos do Espírito?

─ Sempre aparência. Era para que as circunstâncias fossem notadas, como o foram, e para que a aparição não fosse tomada por uma alucinação produzida pelo estado de saúde da vidente. O Espírito queria que essa senhora acreditasse na realidade de sua presença e tomou todas as aparências da realidade.

4.1 ─ Dizeis que é uma aparência, mas uma aparência nada tem de real; é como uma ilusão de óptica. Eu gostaria de saber se essa tabaqueira não era senão uma imagem irreal, como, por exemplo, a de um objeto que se reflete num espelho.

NOTA de A.K.:Um dos membros da Sociedade, o Sr. Sanson, faz observar que na imagem reproduzida pelo espelho há qualquer coisa de real. Se a imagem não fica no espelho, é que nada a fixa, mas se for projetada sobre uma chapa do daguerreótipo, deixa uma impressão, prova evidente de que é produzida por uma substância qualquer e que não é apenas uma ilusão de óptica.

4.2 – A observação do Sr. Sanson é perfeitamente justa. Teríeis a bondade de nos dizer se existe alguma analogia com a tabaqueira, isto é, se existe algo de material nessa tabaqueira?

─ Certamente. É com o auxílio desse princípio material que o perispírito toma a aparência de vestimenta semelhante às que o Espírito usava quando vivo. 

NOTA de A.K.: Evidentemente o vocábulo aparência deve aqui ser tomado no sentido de imagem, de imitação. A tabaqueira real lá não estava. A que o Espírito tinha era apenas uma reprodução. Comparada à original, era apenas uma aparência, conquanto formada por um princípio material.
A experiência nos ensina que não devemos tomar ao pé da letra certas expressões usadas pelos Espíritos. Interpretando-as segundo as nossas ideias, expomo-nos a grandes equívocos, por isso devemos aprofundar o sentido de suas palavras, sempre que existe uma ambiguidade mínima. Eis uma recomendação feita constantemente pelos Espíritos. Sem a explicação que provocamos, o vocábulo aparência, repetido continuamente em casos análogos, poderia dar lugar a uma falsa interpretação.

OBSERVAÇÃO: Sabemos, hoje, o princípio da imagem refletida em um espelho e sua fixação em uma fotografia: o comportamento de ondas. A luz, como energia eletromagnética, reflete no espelho e impressiona o dispositivo de fotografia, seja ele qual for. Parece que é a esse mesmo princípio (de onda) que o Espírito se refere.

5. ─ Haveria um desdobramento da matéria inerte? Haveria, no mundo invisível, uma matéria essencial, revestindo a forma dos objetos que vemos? Numa palavra, esses objetos teriam o seu duplo etéreo no mundo invisível, como os homens aí são representados em Espírito?

NOTA de A.K.: Eis uma teoria como qualquer outra, e que era pensamento nosso. O Espírito, no entanto, não a levou em consideração, o que absolutamente não nos humilhou, porque sua explicação nos pareceu muito lógica e porque ela repousa sobre um princípio mais geral, do qual encontramos muitas explicações.
─ Isto não se passa dessa maneira. O Espírito tem sobre os elementos materiais disseminados em todo o espaço, na nossa atmosfera, um poder que estais longe de suspeitar. Ele pode, à vontade, concentrar esses elementos e lhes dar uma forma aparente, adequada a seus projetos.

6. ─ Faço novamente a pergunta de maneira categórica, a fim de evitar qualquer equívoco. As roupas com que se cobrem os Espíritos são alguma coisa?

─ Parece que a minha resposta anterior resolve a questão. Não sabeis que o próprio perispírito é alguma coisa?

7. ─ Resulta desta explicação que os Espíritos fazem a matéria eterizada sofrer transformações à sua vontade e que, assim, no caso da tabaqueira, o Espírito não a encontrou perfeitamente acabada; ele mesmo a fez no momento em que dela necessitava, e depois a desfez. O mesmo deve acontecer com todos os outros objetos, tais como vestimentas, joias, etc.

─ Mas é evidente.

8. ─ Essa tabaqueira foi tão perfeitamente visível para a senhora R… a ponto de iludi-la. Poderia o Espírito tê-la tornado tangível?

─ Poderia.

9. ─ Nesse caso, a senhora R… poderia tê-la tomado nas mãos, julgando pegar uma autêntica tabaqueira?

─ Sim.

10. ─ Se a tivesse aberto teria provavelmente encontrado rapé. Se o tivesse tomado, ele a teria feito espirrar?

─ Sim.

11. ─ Pode então o Espírito dar não somente a forma, mas até propriedades especiais?

─ Se o quiser; é em virtude deste princípio que respondi afirmativamente às questões precedentes. Tereis provas da poderosa ação que o Espírito exerce sobre a matéria e que, como já vos disse, estais longe de suspeitar.

OBSERVAÇÃO: Kardec nunca foi tão claro em suas indagações no transcorrer desse 1 ano e meio de Revista Espirita. Evidentemente ele está elaborando tanto a nova edição aumentada de O livro dos Espiritos e depois o que seria O Livro dos Mediuns, publicado alguns anos depois.

12. ─ Suponhamos então que ele tivesse querido fazer uma substância venenosa e que uma pessoa a tivesse tomado. Esta teria sido envenenada?

─ Poderia, mas não teria feito, porque não teria tido permissão para fazê-lo.

OBSERVAÇÃO: Sabemos, hoje, que a Criação está longe de ser um “cada um por si”, e que, na verdade, é um “um por todos e todos por um”, sendo que aqueles mais inferiores são sempre “conduzidos” pelos mais elevados. Os pensamentos do espíritos mais elevados serem irresistíveis aos menos elevados. Tendemos a nos julgar abandonados à própria sorte, mas, cada vez mais, entendo que isso não é verdade. Os Espíritos superiores nos “conduzem” para o bem, isto é, oferecem uma atração irresistível, através do pensamento. É possível compreender o motivo de os Espíritos imperfeitos, inclinados ao mal, não conseguirem romperem essa Lei para fazer o mal.

“Tudo se encadeia no Universo”

13. ─ Teria podido fazer uma substância salutar e própria para curar, em caso de moléstias? Já houve esse caso?

─ Sim; muitas vezes.

14. ─ Assim também poderia ele fazer uma substância alimentar; suponhamos que tivesse feito um fruto ou um petisco qualquer. Poderia alguém comê-lo e sentir-se alimentado?
─ Sim, sim. Mas não procureis tanto para encontrar aquilo que é fácil de compreender. Basta um raio de sol para tornar perceptíveis aos vossos órgãos grosseiros essas partículas materiais que enchem o espaço em cujo meio viveis. Não sabeis que o ar contém vapor d’água? Condensai-o e o levareis ao estado normal. Privai-o do calor e eis que suas moléculas impalpáveis e invisíveis se tornarão corpo sólido e muito sólido. Outras matérias existem que levarão os químicos a vos apresentar maravilhas ainda mais assombrosas. Só o Espírito possui instrumentos mais perfeitos que os vossos: a sua própria vontade e a permissão de Deus.

OBSERVAÇÃO de A.K.: A questão da saciedade é aqui muito importante. Como uma substância que tem apenas existência e propriedades temporárias e, de certo modo, convencionais, pode produzir a saciedade? Por seu contato com o estômago, essa substância produz a sensação de saciedade, mas não a saciedade resultante da plenitude. Se tal substância pode agir sobre a economia orgânica e modificar um estado mórbido, também pode agir sobre o estômago e produzir a sensação da saciedade. Contudo, pedimos aos senhores farmacêuticos e donos de restaurantes que não tenham ciúmes, nem pensem que os Espíritos lhes venham fazer concorrência. Esses casos são raros e excepcionais e jamais dependem da vontade. Do contrário, a alimentação e a cura seriam muito baratas.

15. ─ Do mesmo modo poderia o Espírito fabricar moedas?

─ Pela mesma razão.

16. ─ Desde que tornados tangíveis pela vontade do Espírito, poderiam esses objetos ter um caráter de permanência e de estabilidade?

─ Poderiam, mas isto não se faz. Está fora das leis.

17. ─ Todos os Espíritos têm esse mesmo grau de poder?

─ Não, não.

18. ─ Quais os que têm mais particularmente esse poder?─ Aqueles a quem Deus o concede, quando isto é útil.

19. ─ A elevação de um Espírito influi nesse caso?

─ É certo que quanto mais elevado o Espírito, mais facilmente obtém esse poder. Isto, porém, depende das circunstâncias. Espíritos inferiores também podem obtê-lo.

OBSERVAÇÃO: E, nesse caso, são supridos pela assistência de Espíritos superiores, muitas vezes sem nem saberem disso. Ver O Livro dos Médiuns ou guia dos médiuns e dos evocadores > Segunda parte — Das manifestações espíritas > Capítulo V — Das manifestações físicas espontâneas > Arremesso de objetos.

20. ─ A produção dos objetos semimateriais resulta sempre de um ato da vontade do Espírito, ou por vezes ele exerce esse poder malgrado seu?

─ Isso frequentemente acontece malgrado seu.

21. ─ Seria então esse poder um dos atributos, uma das faculdades inerentes à própria natureza do Espírito? Seria, de algum modo, uma das propriedades, como a de ver e ouvir?─ Certamente. Mas por vezes ele mesmo o ignora. Então outro o exerce por ele, malgrado seu, quando as circunstâncias o exigem. O alfaiate do zuavo era justamente o Espírito de que acabo de falar e ao qual ele fazia alusão na sua linguagem chistosa

OBSERVAÇÃO: Encontramos um exemplo dessa faculdade em certos animais, como, por exemplo, no peixe-elétrico, que irradia eletricidade sem saber o que faz, nem como, e que nem ao menos conhece o mecanismo que a produz. Nós mesmos por vezes não produzimos certos efeitos por atos espontâneos dos quais não nos damos conta? Assim, pois, parece-nos muito natural que o Espírito opere nessa circunstância por uma espécie de instinto. Ele opera por sua vontade, sem saber como, assim como nós andamos sem calcular as forças que colocamos em jogo.

22. ─ Compreendemos que nos dois casos citados pela Senhora R.., um dos Espíritos quisesse ter um cachimbo e o outro uma tabaqueira para impressionar a visão de uma pessoa viva. Pergunto, porém, se caso não tivesse chegado a fazê-la ver, poderia o Espírito pensar que tinha esses objetos, criando para si mesmo uma ilusão?

─ Não, se ele tiver uma certa superioridade, porque terá perfeita consciência de sua condição. Já o mesmo não se dá com os Espíritos inferiores. 

OBSERVAÇÃO de A. K. : Esse era, por exemplo, o caso da rainha de Oude, cuja evocação consta do nosso número de março de 1858, que ainda se julgava coberta de diamantes. (Clique aqui para o artigo sobre Rainha de Oude)

23. ─ Dois Espíritos podem reconhecer-se mutuamente pela aparência material que tinham em vida?

─ Não é por esse meio que eles se reconhecem, pois não tomarão essa aparência um para o outro. Se, porém, em certas circunstâncias, se acham em presença um do outro, revestidos dessa aparência, por que não se haveriam de reconhecer?

OBSERVAÇÃO: sto aqui é importante! Nos romances mediúnicos, o mundo fantástico criado é todo material ou materialista, e a forma, nesses contos, é fundamental. Aqui, temos novamente a confirmação já feita antes que a forma não é importante para os Espíritos em geral, embora seja predominante para os Espíritos ainda muito presos à matéria (ou seja, de pensamento muito apegado). Decorre daí que faria sentido um Espírito em perturbação “se ver” numa condição como aquela do umbral de André Luiz, mas o mesmo não poderia se dar quando já desapegado dessas ideias, o que não parece ser algo tão distante, conforme o relato de vários Espíritos, dados a Kardec.

24. ─ Como podem os Espíritos reconhecer-se no meio da multidão de outros Espíritos, e sobretudo como podem fazê-lo quando um deles vai procurar em lugar distante e muitas vezes em outros mundos, aqueles que chamamos?

─ Isto é uma pergunta cuja resposta levaria muito longe. É necessário esperar.Não estais suficientemente adiantados. No momento contentai-vos com a certeza de que assim é, pois disso tendes provas suficientes.

PARA PENSAR: Entendo que ele quis dizer, ao final: “como um Espírito pode reconhecer o outro que assume outra aparência, ao visitar outros mundos?”. SE bem que nós sempre esquecemos que nosso mundo, onde vivemos agora, é material e precisa de olhos e luz para ver. na espiritualidade não tem necessidade de aparencia muito menos os espíritos tem olhos para ver. Será que é isso?

25. ─ Se o Espírito pode tirar do elemento universal os materiais para fazer todas essas coisas e dar a elas uma realidade temporária, com suas propriedades, também pode tirar dali o necessário para escrever. Consequentemente, isto nos dá a chave do fenômeno da (( escrita direta *Esclarecimento: A escrita direta acontece quando um Espírito, pela vontade e com a utilidade em fazê-lo, faz aparecer, sobre um papel, uma escrita real, ora em grafite, ora em tinta, ora em formato de impressão. Recomendamos a leitura do artigo seguinte, “Pneumatografia ou escrita direta”, assim como do artigo de mesmo título, em maio de 1860, e também do Capítulo XII de O Livro dos Médiuns  — “Da pneumatografia ou escrita direta”.  Pneuma: entre os antigos pensadores gregos, sobretudo os estoicos, designativo do espírito, sopro animador ou força criadora, usada pela razão divina para vivificar e dirigir todas as coisas. )) .

─ Finalmente o compreendeis.

26. ─ Se a matéria de que se serve o Espírito não é permanente, como não desaparecem os traços da escrita direta?

─ Não julgueis pelas palavras. Desde o início eu nunca disse jamais. Nos casos estudados, tratava-se de objetos materiais volumosos; aqui se trata de sinais que convém conservar e são conservados.

PARA PENSAR: Isto aqui envolve uma questão profunda. Kardec havia entendido que a matéria fluídica de que servem os Espíritos é sempre impermanente, posto que, nos casos citados, ela sempre se desfaz. Contudo, os casos de escrita direta não se desfazem. Como poderia ser isso?

*Esclarecimento: A escrita direta acontece quando um Espírito, pela vontade e com a utilidade em fazê-lo, faz aparecer, sobre um papel, uma escrita real, ora em grafite, ora em tinta, ora em formato de impressão. Recomendamos a leitura do artigo seguinte, “Pneumatografia ou escrita direta”, assim como do artigo de mesmo título, em maio de 1860, e também do Capítulo XII de O Livro dos Médiuns  — “Da pneumatografia ou escrita direta”.  Pneuma: entre os antigos pensadores gregos, sobretudo os estoicos, designativo do espírito, sopro animador ou força criadora, usada pela razão divina para vivificar e dirigir todas as coisas.

A teoria acima pode resumir-se assim: O Espírito age sobre a matéria; tira da matéria primitiva universal os elementos necessários para, à vontade, formar objetos com a aparência dos diversos corpos existentes na Terra. Também pode operar sobre a matéria elementar, por sua vontade, uma transformação íntima que lhe dá determinadas propriedades. Essa faculdade é inerente à natureza do Espírito, que muitas vezes a exerce, quando necessário, como um ato instintivo, que não chega a perceber.

Os objetos formados pelos Espíritos têm uma existência temporária, subordinada à sua vontade ou à necessidade. Ele pode fazê-los e desfazê-los à vontade. Em certos casos, aos olhos das pessoas vivas, esses objetos podem ter todas as aparências da realidade, isto é, tornar-se momentaneamente visíveis e até tangíveis. Há formação, mas não criação, visto que o Espírito nada pode tirar do nada. ( LM 130 e 131)




Um Oficial Superior morto em Magenta

Este artigo é continuação DESTE ARTIGO

Após a evocação do Zuavo de Magenta, Kardec faz evocação de outro oficial da mesma batalha. Neste caso ele era um conhecido deles, como podemos observar na questão numero 4,

1. ─ (Evocação).

─ Eis-me aqui.

2. ─ Poderíeis dizer como atendestes tão prontamente ao nosso apelo?

─ Eu estava prevenido do vosso desejo.

3. ─ Por quem fostes prevenido?

─ Por um emissário de Luís.

4. ─ Tínheis conhecimento da existência de nossa sociedade?

─ Vós o sabeis.

NOTA DE A.K.: O oficial em questão tinha realmente ajudado a sociedade a ser registrada.

5. ─ Sob que ponto de vista consideráveis a nossa sociedade, quando ajudastes na sua formação?

─ Eu não estava ainda inteiramente decidido, mas me inclinava muito a crer. Sem os acontecimentos que sobrevieram, certamente teria ido instruir-me no vosso círculo.

6. ─ Há muitas grandes notabilidades que comungam as ideias espíritas, mas não o confessam de público. Seria desejável que pessoas influentes arvorassem abertamente essa bandeira?

─ Paciência. Deus o quer, e desta vez a expressão corresponde à verdade.

7. ─ De que classe influente da sociedade pensais que deverá partir o exemplo?─ De todas as classes. Inicialmente de algumas, depois de todas.

8. ─ Do ponto de vista do estudo, poderíeis dizer-nos, embora morto mais ou menos na mesma época em que foi morto o zuavo que há pouco aqui esteve, se vossas ideias são mais lúcidas do que as dele?

─ Muito. Aquilo que ele vos pôde dizer testemunhando uma certa elevação foi-lhe soprado. Ele é muito bom, mas muito ignorante, e um pouco leviano.

9. Ainda vos interessais pelo sucesso das nossas armas?

─ Muito mais do que nunca, pois hoje conheço o objetivo.

10. ─ Podeis definir o vosso pensamento? O objetivo sempre foi confessado publicamente e, sobretudo em vossa posição, deveríeis conhecê-lo?

─ O objetivo estabelecido por Deus, vós o conheceis?

NOTA DE A.K. : Ninguém ignorará a gravidade e a profundidade desta resposta. Quando vivo, ele conhecia o objetivo dos homens, como Espírito, vê o que há de providencial nos acontecimentos.

11. ─ De um modo geral, que pensais da guerra?

─ Meu desejo é que progridais rapidamente, para que ela se torne tão impossível quanto inútil.

12. ─ Credes que chegará o dia em que ela será impossível e inútil?

─ Penso que sim, e não duvido. Posso dizer-vos que esse momento não está tão longe quanto pensais, embora não vos dê a esperança de que o vejais.

13. ─ No momento da morte vos reconhecestes imediatamente?

─ Reconheci-me quase que imediatamente, graças às vagas noções que tinha do Espiritismo.

14. ─ Podeis dizer algo a respeito do Sr… também morto na última batalha?

─ Ele ainda está nas redes da matéria. Tem mais trabalho em se desvencilhar. Seus pensamentos não se tinham voltado para este lado.

NOTA de A.K.: Assim, o conhecimento do Espiritismo em vida auxilia no desprendimento da alma após a morte e abrevia o período de perturbação que acompanha a separação. Isto é compreensível, pois o Espírito conhecia antecipadamente o mundo em que se encontra.

Para Pensar: Se esse conhecimento é tão importante, como conceber que justamente no momento em que o Espiritismo era estudado cientificamente, no melhor momento possível, nada foi falado a respeito dessa materialidade que hoje domina as comunicações?

15. ─ Assististes à entrada de nossas tropas em Milão?

─ Sim, e com alegria. Fiquei encantado com a ovação que acolheu as nossas tropas, a princípio por patriotismo, depois, pelo futuro que as aguarda.

16. ─ Como Espírito podeis exercer alguma influência sobre os planos estratégicos?

─ Credes que isto não tenha sido feito desde o princípio e tendes dificuldades de imaginar por quem?

17. ─ Como foi que os austríacos abandonaram tão rapidamente uma praça forte como Pavia?

─ Por medo.

OBSERVAÇÃO: A Sardenha buscava expandir seu território e estabelecer uma posição mais forte no cenário político europeu, enquanto a França via a guerra como uma oportunidade para aumentar sua influência na Itália e consolidar sua posição como potência europeia. Por sua vez, o Império Austríaco buscava manter sua posição dominante na região e evitar a fragmentação de seu império.

18. ─ Então estão desmoralizados?

─ Completamente. Ademais, se agimos sobre os nossos num sentido, deveis pensar que sobre eles age uma influência de outra natureza.

NOTA de A.K.: Aqui a intervenção dos Espíritos nos acontecimentos é inequívoca. Eles preparam as vias para a realização dos desígnios da Providência. Os Antigos teriam dito que era obra dos Deuses. Nós dizemos que é obra dos Espíritos, por ordem de Deus.

19. ─ Podeis dar a vossa opinião sobre o General Giulay como militar, pondo de lado qualquer sentimento nacionalista?

─ Pobre, pobre general!

OBSERVAÇÃO: Ferenc Gyulai de Marosnémeti et Nádaska (Peste, 1 de setembro de 1799 — Viena, 1 de setembro de 1868) foi um general húngaro exército austro-húngaro. Em 1849 foi nomeado ministro da Guerra pelo imperador Francisco José I, porém permaneceria no cargo somente um ano. Como militar se destacou por sua participação na invasão do Piemonte durante a Reunificação da Itália. Comandando suas tropas atravessou o rio Ticino em 29 de abril de 1859, invadindo o território piemontês. Nesta invasão sofreu duas duras derrotas: na Batalha de Montebello e na Batalha de Magenta, perdendo em ambas milhares de homens e pendendo a guerra a favor do lado italiano. Depois da derrota em Magenta foi destituído de seu cargo, retornando à Áustria-Hungria, onde morreu nove anos mais tarde.

20. ─ Voltaríeis com prazer se vos pedíssemos?

─ Estou à vossa disposição e prometo vir, mesmo sem o vosso chamado. Deveis acreditar que a simpatia que tinha por vós não pode senão aumentar. Adeus.




Materialidade de além-túmulo: o Zuavo de Magenta

Apresentamos na ultima LIVE uma das Conversas Além Túmulo da Revista Espírita de 1859, tratando do tema Materialidade de além-túmulo.

Desta vez, eles conversam com um soldado morto em batalha.

O governo permitiu que os jornais apolíticos dessem notícias da guerra*. Como, porém, são abundantes os relatos sob todas as formas, seria inútil repeti-los aqui. A maior novidade para os nossos leitores é uma história vinda do outro mundo.

Embora não seja extraída da fonte oficial do Moniteur, nem por isso oferece menos interesse do ponto de vista dos nossos estudos. Assim, pensamos interrogar algumas das gloriosas vítimas da vitória, presumindo que daí pudéssemos extrair alguma instrução útil. Semelhantes temas de estudo, e principalmente de atualidade, não se apresentam a cada passo. Não conhecendo pessoalmente nenhum dos participantes da última batalha, rogamos aos Espíritos que nos assistem que nos enviassem alguém. Chegamos a pensar que a presença de um estranho seria preferível à de amigos ou de parentes dominados pela emoção. Dada uma resposta afirmativa, obtivemos as seguintes comunicações.

RE 1859 O Zuavo de Magenta

Isso se passou na Segunda Guerra Italiana de Independência. A guerra ocorreu em 1859, e foi travada entre o Reino da Sardenha, liderado por Camillo di Cavour, e a França, liderada pelo Imperador Napoleão III, contra o Império Austríaco. Exporemos alguns trechos dessa longa conversa além túmulo.

1. ─ Rogamos a Deus Todo Poderoso permita ao Espírito de um militar morto na batalha de Magenta vir comunicar-se conosco.

─ Que quereis saber?

2. ─ Onde vos encontráveis quando vos chamamos?

─ Não saberia dizer.

3. ─ Quem vos preveniu que desejávamos conversar convosco?

─ Alguém mais sagaz do que eu.

4. ─ Quando em vida duvidáveis que os mortos pudessem vir conversar com os vivos?

─ Oh! Isso não.

5. ─ Que sensação experimentais por estardes aqui?

─ Isto me causa prazer. Segundo me dizem, tendes grandes coisas a fazer.

6. ─ A que corpo do exército pertencíeis? (Alguém diz a meia-voz: Pela linguagem parece um “zuzu”)

─ Ah! Bem o dizes!

7. ─ Qual era o vosso posto?

─ O de todo o mundo.

8. ─ Como vos chamáveis?

─ Joseph Midard.

9. ─ Como morrestes?

─ Quereis saber tudo sem pagar nada?

10. ─ Ainda bem que não perdestes a jovialidade. Dizei, dizei; nós pagaremos depois. Como morrestes?

─ De uma ameixa [projétil] que recebi.

11. ─ Ficastes contrariado com a morte?

─ Palavra que não! Estou bem, aqui.

12. ─ No momento da morte percebestes o que houve?

─ Não. Eu estava tão atordoado que não podia acreditar.[nota a seguir]

NOTA de A. K.: Isto está de acordo com o que temos observado nos casos de morte violenta. Não se dando conta imediatamente da sua situação, o Espírito não se julga morto. Este fenômeno se explica muito facilmente. É análogo ao dos sonâmbulos, que não acreditam que estejam dormindo. Realmente, para o sonâmbulo, a ideia de sono é sinônima de suspensão das faculdades intelectuais. Ora, como ele pensa, não acredita que dorme. Só mais tarde se convence, quando familiarizado com o sentido ligado a esse vocábulo. Dá-se o mesmo com um Espírito surpreendido por uma morte súbita, quando nada está preparado para a separação do corpo. Para ele, a morte é sinônimo de destruição, de aniquilamento. Ora, desde que ele vive, sente e pensa, entende que não está morto. É preciso algum tempo para reconhecer-se.

13. ─ No momento de vossa morte, a batalha não havia terminado. Seguistes as suas peripécias?

─ Sim, pois como vos disse, não me julgava morto. Eu queria continuar batendo nos outros cães.

14. ─ Que sensação experimentastes então?

─ Eu estava encantado, pois me sentia muito leve.

15. ─ Víeis os Espíritos dos vossos camaradas deixando os corpos?

─ Eu nem pensava nisso, pois não me acreditava morto.

16. ─ Em que se transformava, nesse momento, a multidão de Espíritos que perdia a vida no tumulto da batalha?─ Creio que faziam o mesmo que eu

17. ─ Encontrando-se reunidos nesse mundo dos Espíritos, que pensavam aqueles que se batiam mais encarniçadamente? Ainda se atiravam uns contra os outros?

─ Sim. Durante algum tempo, e conforme o seu caráter.

18. ─ Reconhecei-vos melhor agora?

─ Sem isto não me teriam mandado aqui.

19. ─ Poderíeis dizer-nos se entre os Espíritos de soldados mortos há muito tempo ainda se encontravam alguns interessados no resultado da batalha? (Rogamos a São Luís que o ajudasse nas respostas, a fim de que, para nossa instrução, fossem tão explícitas quanto possível).─ Em grande quantidade. É bom que saibais que esses combates e suas consequências são preparados com muita antecedência e que os nossos adversários não se envolveriam em crimes, como fizeram, se a isto não tivessem sido compelidos em razão das consequências futuras, que não tardareis a conhecer.

20. ─ Deveria haver ali Espíritos que se interessavam no sucesso dos austríacos. Haveria então dois campos de batalha entre eles?

─ Evidentemente.

OBSERVAÇÃO: Não parece que estamos vendo aqui os deuses de Homero tomando partido, uns pelos Gregos, outros pelos Troianos? Na verdade, quem eram esses deuses do paganismo, senão os Espíritos que os Antigos haviam transformado em divindade? Não temos razão quando dizemos que o Espiritismo é uma luz que esclarecerá diversos mistérios, a chave de numerosos problemas?

21. ─ Eles exerciam alguma influência sobre os combatentes?

─ Muito considerável.

22. ─ Podeis descrever-nos de que maneira eles exerciam tal influência?

─ Da mesma maneira que todas as influências dos Espíritos se exercem sobre os homens. [pelo pensamento]

OBSERVAÇÃO: É fato, como fica cada vez mais constatado, que a mentalidade do Espírito cria cenários de matéria fluídica ao seu redor. Outra coisa também pode ser possível: eles continuam no campo de batalha terreno, provavelmente com algumas “adições fluídicas”. Tudo isso deve ser indistinguível, de início, quando no estado de perturbação. Contudo, não é regra, ou seja, não constitui uma verdade geral para todo soldado, morto em guerra (vide O Tambor de Beresina, RE, julho de 1858). O erro, sempre, é tomar as palavras de Espíritos quaisquer sem analisar o seu fundo, principalmente quando o Espírito está em perturbação pós-morte ou é pouco esclarecido, o que se denota de suas próprias ideias. Eis o longo trabalho de Psicologia Experimental de Kardec!

23. ─ Que esperais fazer agora?

─ Estudar mais do que o fiz em minha última etapa.

24. ─ Ides voltar como espectador aos combates que ainda serão travados?

─ Ainda não sei. Tenho afeições que me prendem no momento. Contudo, espero de vez em quando dar uma fugida, para me divertir com as surras subsequentes.

25. ─ Que gênero de afeição vos retém ainda?

─ Uma velha mãe doente e sofredora, que chora por mim.

26. ─ Peço que me desculpeis o mau pensamento que me atravessou o espírito, relativamente à afeição que o retém.

─ Não tem importância. Digo bobagens para vos fazer rir um pouco. É natural que não me tomeis por grande coisa, tendo em vista o regimento medíocre a que pertenci. Ficai tranquilos, eu só me engajei por causa dessa pobre mãe. Mereço um pouco que me tenham mandado a vós.

27. ─ Quando vos encontráveis entre os Espíritos, ouvíeis o rumor da batalha? Víeis as coisas tão claramente como em vida?

─ A princípio eu a perdi de vista, mas depois de algum tempo via muito melhor, porque percebia todas as artimanhas. [está falando no sentido dos pensamentos]

28. ─ Pergunto se escutáveis o troar do canhão.

─ Sim.

29. ─ No momento da ação, pensáveis na morte e naquilo em que vos tornaríeis, caso fosseis morto?

─ Eu pensava no que seria de minha mãe.

30. ─ Era a primeira vez que entráveis em fogo?

─ Não, não. E a África?

31. ─ Vistes a entrada dos franceses em Milão?

─ Não.

32. ─ Aqui sois o único dos que morreram na Itália?

─ Sim.

33. ─ Pensais que a guerra durará muito tempo?

─ Não. É fácil e por isso mesmo pouco meritório fazer tal predição.

34. ─ Quando vedes, entre os Espíritos, um dos vossos chefes, ainda o reconheceis como vosso superior?

─ Se ele o for, sim; se não, não. [nota a seguir]

NOTA de A. K. : Na sua simplicidade e no seu laconismo, esta resposta é eminentemente profunda e filosófica. No mundo espírita, a superioridade moral é a única reconhecida. Quem não a teve na Terra, fosse qual fosse a sua posição, não tem, de fato, superioridade nenhuma. Lá o chefe pode estar abaixo do soldado e o patrão abaixo do servidor. Que lição para o nosso orgulho!

35. ─ Pensais na justiça de Deus e vos inquietais por isso?

─ Quem não pensaria nisso? Felizmente não tenho muito o que temer. Eu resgatei, por algumas ações que Deus considerou boas, as poucas leviandades que cometi como “zuzu”, como dizeis.

36. ─ Assistindo a um combate, poderíeis proteger um de vossos companheiros e desviar dele um golpe fatal?

─ Não. Não podemos fazer isso. A hora da morte é marcada por Deus. Se tem que acontecer, nada o impedirá, do mesmo modo ninguém poderá atingi-la se sua hora não tiver soado.

37. ─ Vedes o General Espinasse?

─ Não o vi ainda. Mas espero vê-lo em breve.

SEGUNDA CONVERSA

(17 DE JUNHO DE 1859)

38. (Evocação).

─ Presente! Firme! Em frente!

39. ─ Lembrai-vos de ter vindo aqui há oito dias?

─ Como não?!

40. ─ Disseste-nos que ainda não tínheis visto o General Espinasse. Como poderíeis reconhecê-lo, já que ele não levou consigo seu uniforme de general?─ Não, mas eu o conheço de vista. Ademais, não temos uma porção de amigos junto a nós, prontos a nos revelar a senha? Aqui não é como no quartel. A gente não tem medo de dar um encontrão com alguém, e eu vos garanto que só os velhacos ficam sozinhos.

41. ─ Sob que aparência aqui vos encontrais?

─ Zuavo.

42. ─ Se vos pudéssemos ver, como o veríamos?

─ De turbante e culote.

43. ─ Pois bem! Suponhamos que nos aparecêsseis de turbante e culote. Onde teríeis arranjado essas roupas, desde que deixastes as vossas no campo de batalha?

─ Ora, ora! Não sei como é isto, mas tenho um alfaiate que me as arranja.

44. ─ De que são feitos o turbante e o culote que usais? Não tendes ideia?

─ Não. Isto é lá com o trapeiro.

NOTA de A. K. : Esta questão da vestimenta dos Espíritos, como várias outras não menos interessantes, ligadas ao mesmo princípio, foram completamente elucidadas por novas observações feitas no seio da Sociedade. Daremos notícias disso no próximo número. Nosso bom zuavo não é suficientemente adiantado para resolver sozinho. Foi-nos preciso, para isso, o concurso de circunstâncias que se apresentaram fortuitamente e que nos puseram no caminho certo.

45. ─ Sabeis a razão pela qual nos vedes, ao passo que nós não vos podemos ver?

─ Acredito que vossos óculos estão muito fracos.

46. ─ Não seria por essa mesma razão que não vedes o general em seu uniforme?

─ Sim, mas ele não o veste todos os dias.

47. ─ Em que dias o veste?

─ Ora essa! Quando o chamam ao palácio.

48. ─ Por que estais aqui vestido de zuavo se não vos podemos ver?─ Simplesmente porque ainda sou zuavo, mesmo depois de cerca de oito anos, e porque entre os Espíritos conservamos essa forma durante muito tempo. Mas isso apenas entre nós. Compreendeis que quando vamos a um mundo muito diferente, como a Lua ou Júpiter, não nos damos ao trabalho de fazer essa toalete toda.

OBSERVAÇÂO: Isso aqui é muito interessante. O que eu entendo é que ele está se referindo ao fato de Espírito adotar uma forma perispiritual de acordo com o mundo onde vão e de acordo com a existência de uma personalidade nesse mundo, sem nem perceberem. Se tivesse vivido em um mundo distante como, por exemplo, um vendedor de animais, ao ser lá evocado, se apresentaria dessa forma.

49. ─ Falais da Lua e de Júpiter. Porventura já lá estivestes depois de morto?

─ Não. Não estais me entendendo. Depois da morte nos informamos de muitas coisas. Não nos explicaram uma porção de problemas da nossa Terra? Não conhecemos Deus e os outros seres muito melhor do que há quinze dias? Com a morte, o Espírito sofre uma metamorfose que não podeis compreender.

50. ─ Revistes o corpo deixado no campo de batalha?

─ Sim. Ele não está bonito.

51. ─ Que impressão vos deixou essa vista?

─ De tristeza.

52. ─ Tendes conhecimento de vossa existência anterior?

─ Sim, mas não é suficientemente gloriosa para que possa me pavonear.

53. ─ Dizei-nos apenas o gênero de vida que tínheis.

─ Simples mercador de peles de animais selvagens.

54. ─ Nós vos agradecemos a bondade de ter vindo pela segunda vez.

─ Até breve. Isto me diverte e me instrui. Já que sou bem tolerado aqui, voltarei de boa vontade.

OBSERVAÇÂO: A tolerância é uma das consequências da caridade. O zuavo se sentiu “acolhido” na comunicação.

A próxima publicação trará a evocação do oficial superior que estava na mesma batalha que este zuavo.




Nossa posição final sobre as adulterações nas obras de Kardec

Estamos aqui apenas para deixar registrada nossa posição final sobre o assunto das adulterações nas obras de Kardec, sobre o qual não mais se discute, a não ser ante a evidências inquestionáveis ou provas irrefutáveis, coisa que nem o “CSI do Espiritismo” produziu. Apresentamos, sucintamente, os seguintes pontos:

  1. A questão legal: O Depósito Legal de A Gênese foi realizado apenas em 1872, cerca de três anos após a morte de Kardec; o DL de O Céu e o Inferno, foi realizado cerca de três meses após sua morte. Isto já é fato legal suficiente para configurar crime a distribuição das obras alteradas, publicadas após o fatídico evento, e sobre isto não há discussão, nem, até hoje, nenhuma prova de que Kardec tenha realizado o processo legal, necessário para tal.

    Esse ponto é importante, porque, ainda que tudo o que esteja ali publicado seja mesmo da mão de Kardec — o que implicaria no fato de ele ter voltado atrás de suas palavras, removido princípios e formado obras desconexas em si e entre si — ainda que tudo o que está ali seja das mãos de Kardec, ainda assim não podemos ter nem sequer a certeza de que ele desejaria que tudo aquilo fosse publicado, pela mera dúvida possível de que aquelas edições poderiam não estar finalizadas. É isso o que garante o direito autoral.

    Mais que isso: legalmente, não importa se foram encontradas cartas (uma carta) em que Kardec mencionava a produção dessas novas edições. Se não houve o Depósito Legal da obra, pelas mãos de Allan Kardec, está configurado o crime contra a lei vigente à época e, do fato de o DL ser posterior à sua época, está configurado o crime contra o direito autoral.

  2. Ainda que evidências apontem que Kardec estava finalizando ou mesmo que teria finalizado essas edições, nada prova que as edições impressas não tenham sido adulteradas. Resta dúvida, além do indiscutível fato legal.
  3. Além disso, restam os fatos constatados pela razão, já discutidos aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

Portanto, repetindo sempre a nossa vontade de nos permanecer resguardado contra o erro, preferimos seguir o conselho de Erasto, dispensando dez verdades para não ser possível ficar com uma só mentira, um só engano. Há dúvida e, se há dúvida, a razão nos manda ficar com as obras originais, republicadas pela Editora FEAL, onde não apenas temos certeza de que todas as vírgulas vêm das mãos de Kardec, como também onde, pelo estudo, percebemos que as conexões intrínsecas das obras em si e entre si estão intactas e atendem à razão.

Assim, declaramos encerrado o assunto, tornando essa decisão parte de nossos princípios, não fazendo dele palco de discussões vazias, até que provas irrecusáveis venham a ser apresentadas. Até lá, ficamos com o que a nossa razão nos manda, por nossa livre vontade, respeitando quem, pela sua razão, chegue a outra conclusão, por mais estranho que isso nos pareça.

O Grupo.




Nossa posição final sobre as colônias espirituais e o umbral

Este artigo é bem sucinto e serve apenas para destacar nossa posição final, como grupo, sobre a questão das colônias espirituais, sobre a qual muitos insistem em dedicar tempo precioso em debates sem fim. Sendo sucinto, não dedicaremos tempo em longas explicações ou citações de Kardec, posto que o que falamos, aqui, está baseado no Espiritismo, do ponto de vista científico — o que quase absolutamente se encerrou com a morte de Kardec. Assim, que cada um tome, ou não, a decisão de estudar e raciocinar.

Adianto que este artigo não é para aquele que acredita já saber de tudo e que prefere seguir o que os outros dizem, mas sim para aqueles que buscam raciocinarem por si mesmos, com base em conhecimento cientificamente produzido.

Os estudos de Allan Kardec

São fartas, nas obras do dedicado cientista, obtidas das comunicações dos Espíritos, passadas pelo método do duplo controle — generalidade dos ensinamentos, submetidos ao crivo da razão — as assertivas sobre a materialidade do mundo espiritual. Não é demais asseverar que não foram ideias que nasceram de sua cabeça, mas muito pelo contrário: nasceram da observação dos próprios Espíritos, milhares deles, por milhares de médiuns, espalhados pelo mundo. Muitas vezes, os próprios Espíritos demonstraram o erro das hipóteses que Kardec considerava.

O Livro dos Espíritos dá o princípio geral, que se confirma na Revista Espírita e que se conclui em A Gênese, após mais de uma década de estudos. Resumimos:

  1. O Espírito pouco evoluído não se desprende fácil das ideias da matéria. Muitas vezes, nem percebe que o corpo morreu. Como, pelo pensamento, é capaz de manipular a matéria fluídica, condensa, assim, sem nem o perceber, suas próprias criações, que, contudo, são efêmeras, isto é, passageiras, e que duram apenas enquanto seu pensamento esteja sobre elas.
  2. Juntos, Espíritos afins criam verdadeiros cenários, ora mais alegres, ora verdadeiramente infernais.
  3. Os cenários, individuais ou coletivos, refletem as crenças e os atavismos desses Espíritos, apegados às ideias materiais. É justamente por isso, o que é fácil perceber, que os Espíritos infelizes, através do tempo, transmitiram ideias que refletiram essas ideias: o inferno, o purgatório, o nada, os profundos vales, a caverna escura, etc. Por outro lado, é muito fácil perceber que os Espíritos mais felizes transmitem as ideias em sentido figurado, referindo-se ao sétimo céu, à cidade das flores, ao banquete espiritual, etc.
  4. Os Espíritos infelizes externalizam suas dores morais e seus vícios, mas é justamente por não poder atender a esses últimos que sofrem, como um “castigo”.

Até onde a Doutrina se desenvolveu como ciência, isso está bem estabelecido. Depois dela, nasceram e se fortaleceram ideias de um materialismo absoluto no mundo dos Espíritos, onde até banheiro se usa e sopa se come. Um mundo fantástico foi formado pelos espíritas e adeptos que, pouco afeitos ao estudo, se permitiram dominar pelas ideias fantásticas, narradas em romances mediúnicos, cuja culpa não é do médium, nem do Espírito, mas sim de quem não julgou tais comunicações, não questionou, como deve ser – afinal, não saímos por aí acreditando na palavra de qualquer um, não é?

Ideias nascidas de opiniões

Hoje, esse folclore está de tal forma estabelecido que muitos se perguntam até “onde ficam as 58 colônias espirituais no Brasil”. Até quantidade estabelecida já tem. “Para qual colônia espiritual eu vou?” é outra indagação frequentemente feita…

Perguntamos: por que é que os Espíritos superiores não trouxeram essa verdade justamente a Kardec, que poderia muito bem explorá-la cientificamente? O argumento de que “o entendimento na época não seria possível” é completamente falso e não se sustenta, pois, na época de Kardec, as cidades, o desenvolvimento científico e industrial, a inteligência, enfim, todo o desenvolvimento científico humano encontrava-se na sua mais alta luz. Por que não, então? Se Kardec abordou todo tipo de questão concernente ao mundo espiritual, repito: por que não? Se essa é uma verdade tão importante, já que estaria diretamente ligada ao nosso futuro próximo, após a morte, por que os Espíritos superiores não conduziram Espíritos nas mais diversas condições para tratar desse assunto, pela exploração científica, como fizeram com todos os outros assuntos? Por que conduziram aqueles que levaram, aliás, para o entendimento contrário, que conduz ao desapego a essa materialidade? Por quê?

Será que os apaixonados partidários dos sistemas nascidos desses romances nunca se fizeram essas perguntas? Será que a ausência dessas ideias sobre colônias espirituais e outras, no estudo científico de Kardec, se deve justamente ao fato de elas não refletem a verdade espiritual e só são transmitidas por Espíritos pouco desenvolvidos ou até por Espíritos mistificadores, que seriam prontamente vistos em erro, tal como acontece na Revista Espírita de julho de 1858 — O Falso Padre Ambrósio?

16. ─ Por que não sustentas a impostura em nossa presença?

─ Porque minha linguagem é uma pedra de toque, com a qual não vos podeis enganar.

A Gênese, obra final, reunindo mais de 10 anos de estudos

Para não deixar de fora algumas conclusões muito importantes de Kardec, citaremos A Gênese, no cap. XIV — Os Fluidos:

Os Espíritos agem sobre os fluidos espirituais, não os manipulando como os homens manipulam os gases, mas com a ajuda do pensamento e da vontade, que são para o Espírito o que a mão é para o homem. Pelo pensamento, eles imprimem no fluido essa ou aquela direção; eles os aglomeram, combinam ou dispersam e formam conjuntos com uma aparência, uma forma, uma cor determinada; mudam suas propriedades, como um químico muda as de um gás ou de outros corpos, combinando-os segundo certas leis. É a grande oficina ou laboratório da vida espiritual.

Algumas vezes, essas transformações são o resultado de uma intenção, mas frequentemente são o produto de um pensamento inconsciente, pois basta o Espírito pensar numa coisa para que ela seja feita.

É assim, por exemplo, que um Espírito se apresenta à vista de um encarnado, dotado da vista espiritual, sob a aparência que tinha quando estava vivo, na época em que o conheceu, embora já tenha tido várias outras encarnações. Ele se apresenta com as vestes, os sinais externos, enfermidades, cicatrizes, membros amputados, etc. que tinha; um decapitado se apresentará sem a cabeça. Não digo que tenham conservado tais aparências; não, certamente, porque, como Espírito, ele não é coxo nem maneta, nem caolho nem decapitado. Mas seu pensamento, se reportando à época em que era assim, seu perispírito toma instantaneamente essa aparência, a qual muda também instantaneamente. Se ele havia sido uma vez negro e outra vez branco, ele se apresentará como negro ou como branco, de acordo com qual das duas encarnações ele seja evocado e para onde vá seu pensamento.

Por um efeito análogo, o pensamento do Espírito cria fluidicamente os objetos que estava habituado a utilizar. Um avaro manejará ouro; um militar terá suas armas e seu uniforme; um fumante, seu cachimbo; um trabalhador, sua charrua e seus bois; uma velha mulher, sua roca.

Esses objetos fluídicos são tão reais para o Espírito quanto seriam no estado material para o homem encarnado. Mas, pelo fato de serem criados pelo pensamento, sua existência é tão efêmera quanto ele((Veja sobre objetos fluídicos na Revista Espírita, julho de 1859, página 184. Livro dos Médiuns, 2a parte, cap. VIII. (Nota de Allan Kardec.))).

Vale a pena ler também o artigo da Revista Espírita, citado por Kardec na nota de rodapé. Leia com atenção. A pergunta n.º 22 e sua resposta resumem tudo:

22. ─ Compreendemos que nos dois casos citados pela Senhora R.., um dos Espíritos quisesse ter um cachimbo e o outro uma tabaqueira para impressionar a visão de uma pessoa viva. Pergunto, porém, se caso não tivesse chegado a fazê-la ver, poderia o Espírito pensar que tinha esses objetos, criando para si mesmo uma ilusão?

Não, se ele tiver uma certa superioridade, porque terá perfeita consciência de sua condição. Já o mesmo não se dá com os Espíritos inferiores.

OBSERVAÇÃO: Esse era, por exemplo, o caso da rainha de Oude, cuja evocação consta do nosso número de março de 1858, que ainda se julgava coberta de diamantes.

Conclusão

Longe de nós endeusarmos a personalidade de Allan Kardec, como se ele não estivesse sujeito ao erro. Apenas nos perguntamos, uma vez mais: como é que, em mais de uma década de estudos, onde Kardec penetrou em tantas verdades sobre o mundo dos Espíritos, ele não chegou a essa verdade, defendida apaixonadamente por certas pessoas? Como, em contrário, ele foi conduzido, pelos Espíritos superiores, para o entendimento de que a materialidade do mundo espiritual está ligado à ignorância do Espírito e que, portanto, é efêmera, não sendo possível cogitar, dessa forma, de cidades espirituais, erguidas e comandadas por Espíritos elevados, feitas para sustentar as ideias materialistas e atrasar o seu desapego, as cultivando, pelo contrário? São perguntas que não podem ser respondidas pelos sistemas, mas que estão muito clara e pacificamente respondidas pela ciência espírita.

Sabemos de tudo sobre o mundo dos Espíritos? Não, longe disso. Mas, daí a sistematizar ideias que não passaram pelo método científico, vai um largo (e torto) passo. Não o daremos, pois preferimos ficar com o conselho de Erasto, asseverando que “mais vale rejeitar dez verdades do que admitir uma única mentira, uma única teoria falsa“.

E, com isso, encerramos esse assunto, até que ele possa voltar ao campo científico, se necessário for, para ser continuado.