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Triste época, aquela da escravidão e da segregação, já em muito superada. Hoje, não falamos mais em “raças”, pois sabemos que só existe uma raça: a humana. Hoje, em grande maioria, sobretudo na nossa sociedade brasileira, os negros se integram e participam ativamente, enfrentando, ainda, algumas dificuldades, mas que decrescem dia após dia, com o avanço humano. Dessa época, surgem algumas falas de Allan Kardec, racistas aos olhos de hoje. Dizem, assim que ele seria racista, sem uma compreensão da época.
O erro, sempre, está em querer confundir Allan Kardec com o Espiritismo. O Espiritismo existe por si só, como fato da natureza. Kardec dedicou-se a estudá-lo. Nunca impôs suas ideias ou suas verdades para a Doutrina. Aliás, como veremos, foi por esse estudo que ele pôde verificar o negro, a mulher e até o homossexual, como veremos, por outro ângulo, como nunca antes nenhuma filosofia havia feito.
Resta lembrar que o conceito de raças era um conceito científico da época, que só veio ser superado no final do século XX.
A frase infamante
A frase em questão, utilizada para afirmarem que Allan Kardec seria racista, pertence a um artigo muito mais completo e profundo, publicado na Revista Espírita de abril de 1862 e que justamente vem de encontro com a ideia racista, demolindo-a:
“Assim, como organização física, os negros serão sempre os mesmos; como Espíritos, trata-se, sem dúvida, de uma raça inferior, isto é, primitiva; são verdadeiras crianças às quais muito pouco se pode ensinar […]”
Allan Kardec, R.E, abril de 1862
É, contudo, a velha mania do ser humano, cultivada até hoje: isola-se uma frase, retirando-a de todo um contexto, e apresenta-se como prova cabal do ponto contrário que se quer provar, quase sempre com vistas a denegrir a imagem de outrem.
Precisamos lembrar que Allan Kardec, ele se encontrava na França etnocêntrica de meados de 1800, quando toda a sociedade SEQUER atribuía uma alma aos negros e quando a própria ciência adotava um conceito racista:
No século XIX, iniciou-se o processo do neocolonialismo ou imperialismo europeu. A Inglaterra, a França, a Alemanha e outras potências capitalistas europeias investiram em novas políticas de expansão territorial e, praticamente, dividiram entre si os territórios da África, da Ásia e da Oceania.
Para justificar a exploração das riquezas daqueles lugares e a política de segregação racial, os europeus tiveram que buscar uma justificativa científica, pois, no século XIX, a ciência já estava amplamente divulgada e a religião já não era mais suficiente para justificar qualquer tipo de ação autoritária.
Nesse sentido, a antropologia surgiu como uma tentativa de criar teorias científicas que justificassem a exploração dos povos de fora da Europa pelos povos europeus. As primeiras teorias dessa área, desenvolvidas pelo biólogo e geógrafo inglês Herbert Spencer, afirmavam que havia uma espécie de hierarquia das raças.
Nessa perspectiva, os brancos europeus eram superiores, seguidos pelos asiáticos, pelos índios e pelos africanos, sendo os últimos os menos desenvolvidos. Essa corrente ficou conhecida como darwinismo social ou evolucionismo social, pois se apropriou da teoria da evolução biológica de Charles Darwin e aplicou-a no campo sociológico[…]
Francisco Porfírio – Brasil Escola – https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/etnocentrismo.htm
Diz Paulo Henrique de Figueiredo, em A Gênese (ed. FEAL, 2022):
Quando Allan Kardec escreveu esta obra, a hierarquização evolutiva das então consideradas raças humanas não era vista como racismo, mas adotada por cientistas eminentes como Cuvier, Charles Darwin, Buchner, ou Carl Vogt, que afirmou: “Logo que os jovens negros atingem o período da puberdade, assiste-se a um fenômeno idêntico ao que ocorre nos macacos. Doravante, as faculdades intelectuais permanecem estacionárias e o indivíduo, tal como toda a raça, torna-se incapaz de qualquer progresso” (Leçons sur l’homme. p. 253).
Esse entendimento era hegemônico no meio científico, contextualizando assim as descrições ultrapassadas aqui desenvolvidas, pertencentes à Ciência da época, e não ao Espiritismo.
Allan Kardec, foi, por isso, levado a cometer esse erro de julgamento, racista para os olhos de hoje, baseado em alguns preconceitos e conceitos científicos da época. Por outro lado, demonstrou, pelos estudos do Espiritismo, que todos os seres humanos possuem almas que, inclusive, podem reencarnar onde quer que seja e sob qualquer cor, “raça” ou credo.
Vejamos: Kardec julgava os negros a partir do ponto de vista dos conceitos da época, que os admitia apenas como selvagens, oriundos das selvas africanas, todos muito aquém de qualquer civilização e cultura. É nesse erro de fundamento que Kardec se baseia para dizer: “como Espíritos, trata-se, sem dúvida, de uma raça inferior, isto é, primitiva”. Era um conceito da ciência da época, pautada pelo racismo, até mesmo por conta de interesses!
Contudo, se passarmos além desse pensamento de Allan Kardec, racista por definição, estudando a Doutrina Espírita a fundo, veremos que ela contraria, repito, todo e qualquer preconceito racial, sexual ou de castas.
Recuperemos, aliás, trechos do artigo em questão, muito importantes:
Diz-se a respeito dos negros escravos: “São seres tão brutos, tão pouco inteligentes, que seria vão esforço querer instruí-los. São uma raça inferior, incorrigível, profundamente incapaz.” A teoria que acabamos de apresentar permite encará-los sob outro prisma. Na questão do aperfeiçoamento das raças é sempre necessário levar em consideração dois elementos constitutivos do homem: o elemento espiritual e o corporal. É preciso conhecer ambos, e só o Espiritismo nos pode esclarecer quanto à natureza do elemento espiritual, o mais importante, por ser o que pensa e o que sobrevive, ao passo que o corporal se destrói.
Allan Kardec, R.E. abril de 1862
Aqui fica muito evidente, principalmente para quem leu todo o artigo, que Kardec justamente traz a questão em voga, naquele momento, para a análise sob outro prisma – o do Espiritismo – que poderia trazer uma outra forma de interpretar o assunto. Vamos seguir, apresentando o parágrafo completo de onde foi extraído a frase citada:
Assim, como organização física, os negros serão sempre os mesmos. Como Espíritos, são inquestionavelmente uma raça inferior, isto é, primitiva. São verdadeiras crianças às quais muito pouco se pode ensinar. Mas, por meio de cuidados inteligentes é sempre possível modificar certos hábitos, certas tendências, o que já representa um progresso que levarão para outra existência, e que lhes permitirá, mais tarde, tomar um envoltório de melhores condições. Trabalhando por sua melhoria, trabalha-se menos pelo seu presente que por seu futuro e, por pouco que se consiga, para eles é sempre uma aquisição. Cada progresso é um passo à frente que facilita novos progressos.
ibidem
Vemos, como apresentado, que Allan Kardec partiu de um fundamento errado, racista, baseado em conceitos científicos, sociais e culturais da época — o de que os negros seriam uma “raça” selvagem e sem conhecimentos e o de que os brancos constituiriam uma raça superior — num contexto, onde muito provavelmente, ou ele sequer tinha contato com negros, ou, hipótese mais razoável, que ele apenas os conhecia de sua posição socialmente inferior, posto que a escravatura na França foi apenas abolida em 1848. Contudo, logo em seguida, ele adiciona que, por mais que pudessem constituir uma “raça” inferior, esses Espíritos, que ora ocupavam um corpo tido como “inferior” ao branco — nada mais afastado da realidade — através de sua progressão espiritual, ocupariam “envoltórios melhores”. Isso está mais ou menos expresso no seguinte pensamento, da Revista Espírita de novembro de 1858: “a Doutrina Espírita é mais ampla do que tudo isto. Para ela, não existem várias espécies de homens; simplesmente existem homens cujo Espírito é mais ou menos atrasado, susceptível, entretanto, de progredir“.
Kardec segue adiante e reproduz o pensamento reinante, naquele momento, a respeito do corpo físico constituinte da “raça negra”: “Por isso a raça negra, enquanto raça negra, corporalmente falando, jamais atingirá os níveis das raças caucásicas, mas como Espíritos é outra coisa: pode tornar-se e tornar-se-á aquilo que somos. Apenas necessitará de tempo e de melhores instrumentos.“
É repugnante aos nossos olhos, hoje? Sim, é. E é algo sobre o que precisamos discutir, de forma não anacrônica, a fim de entendermos e separarmos o pensamento do homem, imperfeito, do pensamento expresso pela ciência Espírita, como em tudo.
Observe que Kardec tomava um ponto de vista baseado na ciência humana e na ciência dos Espíritos. Pela primeira, baseou-se nas ideias de raças, exprimindo, assim, um pensamento errado. Pela segunda, acertou ao entender que somos todos iguais. O Espiritismo, portanto, não é racista, mas muito pelo contrário.
Compete, também, fazer uma outra observação: Kardec não via o negro como ser que não devesse ter os mesmos respeito, caridade, fraternidade e amor, como devemos a todos os outros. Vemos isso muito bem expresso na Revista Espírita de junho de 1859, quando um homem negro, falecido, é evocado, e se exprime assim:
4. ─ No entanto, éreis livre. Em que vos sentis mais feliz agora?
─ Porque meu Espírito não é mais negro.
Ao que Kardec faz a seguinte nota:
NOTA: Esta resposta é mais sensata do que parece à primeira vista. Com certeza jamais o Espírito é negro. Ele quer dizer que, como Espírito, não tem mais as humilhações às quais está sujeita a raça negra.
Ora, necessário, então, se faz entender essa questão, no contexto histórico certo, pelos dois lados: de um lado, Kardec, o branco, europeu, que acreditava ser o negro uma “raça” inferior, mas que entendia que se tratava de irmão nosso, Espírito como nós, que também sofria pelas humilhações e que desejava ser feliz. Do outro lado, o negro, que não apenas se sentia, mas que era humilhado e maltratado, por conta de sua cor de pele. Seria muito supor que, nesse contexto bem específico, muito diferente do que é hoje a sociedade moderna (em grande parte), o Espírito que encarnou em um corpo negro quisesse deixar de ser negro em uma próxima vida? Isso fica patente no pensamento do Espírito (Pai César):
10. (Ao Pai César) ─ Dissestes que procurais um corpo com qual possais avançar. Escolhereis um corpo branco ou preto?
─ Um branco, porque o desprezo me faria mal.
Partindo do ponto de vista que o negro era tratado como animal, enfrentando dificuldades acerbas, seria muito supor que, nessa época, um Espírito escolhesse encarnar em um corpo negro de modo a enfrentar as imensas dificuldades que essa vida lhe ofereceria, aprendendo com elas? Hoje, viver como negro não é mais tão sofrido como era nessa época e, com a evolução do ser humano, as expiações escolhidas pelos Espíritos seriam outras. A questão, sempre, para bem entender essas difíceis questões, é separar Espírito e corpo, além de contextualizar termos e ideias conforme época, história e contexto social.
Importa lembrar, também, que, se Kardec foi, de certa forma, preconceituoso, por outro lado não foi escravagista nem sequer segregacionista ou, se um dia o foi, mudou sua opinião quando de contato com a ciência espírita:
829. Haverá homens que estejam, por natureza, destinados a ser propriedade de outros homens?
“É contrária à lei de Deus toda sujeição absoluta de um homem a outro homem. A escravidão é um abuso da força. Desaparece com o progresso, como gradativamente desaparecerão todos os abusos.”
É contrária à natureza a lei humana que consagra a escravidão, pois que assemelha o homem ao irracional e o degrada física e moralmente (nota de Allan Kardec)
[…]
831. A desigualdade natural das aptidões não coloca certas raças humanas sob a dependência das raças mais inteligentes?
“Sim, mas para que estas as elevem, não para embrutecê-las ainda mais pela escravização. Durante longo tempo, os homens consideraram certas raças humanas como animais de trabalho, munidos de braços e mãos, e se julgaram com o direito de vender os dessas raças como bestas de carga. Consideram-se de sangue mais puro os que assim procedem. Insensatos! Nada veem senão a matéria. Mais ou menos puro não é o sangue, porém o Espírito.” (361–803.)
Allan Kardec – O Livro dos Espíritos
Não paremos, porém. Vamos seguir em frente, analisando outros assuntos importantes e correlatos.
Seria Kardec machista?
Para analisar esses temas, vou utilizar como base o artigo produzido por Paulo Henrique de Figueiredo, que pode ser apreciado, na íntegra, no link https://revolucaoespirita.com.br/kardec-homossexualidade/
Começando pela questão do machismo, Kardec faz uma interessantíssima abordagem na Revista Espírita de janeiro de 1866, no artigo de título “As mulheres tem alma?”. Sim, pasmem, era essa a questão de então.
As mulheres têm alma? Sabe-se que a coisa nem sempre foi tida como certa, pois, ao que se diz, foi posta em deliberação num concílio. A negação ainda é um princípio de fé em certos povos. Sabe-se a que grau de aviltamento essa crença as reduziu na maior parte das regiões do Oriente. Mesmo que hoje, nos povos civilizados, a questão seja resolvida em seu favor, o preconceito de sua inferioridade moral perpetuou-se a tal ponto que um escritor do século passado, cujo nome me foge, assim definia a mulher: “Instrumento de prazeres do homem”, definição mais muçulmana que cristã. Desse preconceito nasceu sua inferioridade legal, ainda não apagada de nossos códigos. Por muito tempo elas aceitaram essa escravização como uma coisa natural, tão poderosa é a força do hábito. É assim que acontece com aqueles que são submetidos à servidão de pai para filho, que acabam por se julgarem de natureza diversa da dos seus senhores.
Allan Kardec, R.E, Janeiro de 1866
Incrível, não? Ainda se questionava, em algumas sociedades, se a mulher realmente possuía alma e, nascida de um preconceito, sua inferioridade legal ainda existia. As mulheres não podiam sequer votar – fato muito bem conhecido ainda hoje. Notemos uma coisa: se Kardec pode ter sido preconceituoso com relação aos negros, ele, contudo, não os jugava animais que deveriam ser escravizados à vontade do branco, assim como a mulher não deveria ser escravizada à vontade do homem.
“Depois de ter reconhecido que elas têm uma alma, se lhes reconheceu o direito de conquistar os graus da ciência, é já alguma coisa. Mas a sua libertação parcial não é senão o resultado do desenvolvimento da urbanidade, do abrandamento dos costumes, ou, querendo-se, de um sentimento mais exato da justiça; é uma espécie de concessão que se lhe faz, e, é preciso bendizê-la, se lhes regateando o mais possível”.
ibidem
Comenta Paulo Henrique, em seu artigo:
Naquele tempo, apesar da questão da existência da alma da mulher ser considerada ridícula, ainda não se ponderava que a “igualdade de posição social entre o homem e a mulher fosse de direito natural”, e não uma concessão feita pelo homem. A contribuição do Espiritismo para o debate é extraordinária e atual. Enquanto atualmente se discute o fato de que as tradicionais diferenças de gênero se estabeleceram em função da cultura e não da natureza fisiológica (visando justificar o poder do homem), o Espiritismo demonstra o outro extremo da questão: a igualdade é natural, pois os espíritos não têm distinção sexual! Ou seja, se a divisão de sexo por gêneros é cultural (se sabe hoje), a igualdade é natural (explicam os espíritos).
Em O Livro dos Espíritos, Kardec se aprofunda nessa questão, de forma muito atual, criando, de uma vez por todas, através dos ensinamentos dos Espíritos Superiores, a mais profunda noção de igualdade já vista em uma Doutrina, por estar baseada nos princípios da Lei Natural, que transcende a matéria e o tempo:
817. São iguais perante Deus o homem e a mulher e têm os mesmos direitos?
“Não outorgou Deus a ambos a inteligência do bem e do mal e a faculdade de progredir?”
818. Donde provém a inferioridade moral da mulher em certas regiões?
“Do predomínio injusto e cruel que sobre ela assumiu o homem. É resultado das instituições sociais e do abuso da força sobre a fraqueza. Entre homens moralmente pouco adiantados, a força faz o direito.”
819. Com que fim mais fraca fisicamente do que o homem é a mulher?
“Para lhe determinar funções especiais. Ao homem, por ser o mais forte, os trabalhos rudes; à mulher, os trabalhos leves; a ambos o dever de se ajudarem mutuamente a suportar as provas de uma vida cheia de amargor.”
Allan Kardec – O Livro dos Espíritos
E, adiante, digno de nota, apresenta esse incrível e profundo pensamento:
821. As funções a que a mulher é destinada pela Natureza terão importância tão grande quanto as deferidas ao homem?
“Sim, maior até. É ela quem lhe dá as primeiras noções da vida.”
ibidem
Já vimos, até aqui, que Kardec vai na direção contrária do pensamento em vigência naquela época: a mulher, claro, possui alma e, sendo igual ao homem, deveria ser tratada com as mesmas condições garantidas pelo direito natural, dadas ao homem. O Espiritismo demonstra que a igualdade é natural, posto que o Espírito não tem sexo e, portanto, nem cor ou raça, como fica exemplificado na comunicação com o Espírito do senhor Sanson, um espírita da Sociedade de Paris, recém-desencarnado, em 1862, quando lhe fez a seguinte pergunta:
“Os Espíritos não têm sexo; entretanto, como há poucos dias ainda era homem, tende em vosso novo estado antes a natureza masculina do que a natureza feminina? Ocorre o mesmo com um Espírito que tivesse deixado seu corpo há muito tempo?”
E, por meio do médium, Sanson respondeu:
“Não temos que ser de natureza masculina ou feminina: os Espíritos não se reproduzem. Deus os cria à sua vontade, e se, por seus objetivos maravilhosos, quis que os Espíritos se reencarnem sobre a Terra, deveu acrescentar a reprodução das espécies para macho e a fêmea. Mas o sentis, sem que seja necessária nenhuma explicação, os Espíritos não podem ter sexo.”
É assim, enfim, que chegamos à questão:
Kardec homofóbico?
Prezado leitor, preciso dizer que nem sei de onde as pessoas tiram esses pensamentos. Na verdade, sei: do senso-comum, aquele conhecido “telefone sem fio”, que transmite ideias de um para o outro sem as analisarem com seriedade.
Quem realmente busca estudar e compreender o Espiritismo e Allan Kardec já entendeu, apenas pelo exposto acima, que ele não poderia ser homofóbico. Contudo, vamos finalizar o artigo com sua seguinte citação, na mesma edição da Revista Espírita, seguida da citação de Paulo Henrique de Figueiredo a respeito desse trecho:
“Se essa influência da vida corporal repercute na vida espiritual, o mesmo se dá quando o Espírito passa da vida espiritual para a corporal. Numa nova encarnação, ele trará o caráter e as inclinações que tinha como Espírito; se ele for avançado, será um homem avançado; se for atrasado, será um homem atrasado.
Mudando de sexo, poderá, pois, sob essa impressão e em sua nova encarnação, conservar os gostos, as tendências e o caráter inerentes ao sexo que acaba de deixar. Assim se explicam certas anomalias aparentes que se notam no caráter de certos homens e de certas mulheres”.
Portanto, só existe diferença entre o homem e a mulher em relação ao organismo material, que se aniquila com a morte do corpo. Mas, quanto ao Espírito, à alma, ao ser essencial, imperecível, ela não existe, porque não há duas espécies de almas.
Allan Kardec, R.E., Jan/1866
É muito importante destacar aqui que o termo “anomalia aparente”, usado por Kardec, estava presente nas ciências da época, se referindo aos fenômenos que fogem da explicação das teorias aceitas, não sendo para elas “normais”; mas que, ao se encontrar uma nova explicação natural para o fenômeno em novas teorias, elas deixam de ser “anomalias” e se tornam fenômenos naturais. Por isso ela é “aparente”
Paulo Henrique de Figueiredo, site Revolução Espírita, 25/08/2016
Considerações finais
Existem pessoas boníssimas de todas as cores, inclusive pessoas da pior espécie, também de todas as cores e opções sexuais. Há Espíritos elevados em corpos disformes, assim como há Espíritos terríveis nos corpos mais lindos. Precisamos aprender a deixar de julgar o próximo, bem como a deixar de criar conceitos e preconceitos baseados em como as pessoas se parecem, aos nossos olhos.
O entendimento do Espiritismo vem justamente nesse sentido, quando entendemos que o corpo é apenas um vaso, que pode conter água mais cristalina ou menos. O Espírito humano pode encarnar em qualquer tipo de corpo humano, de acordo com suas necessidades. Como pode, então, sabendo muito bem disso, Kardec ter emitido opinião tão errônea a respeito dos negros?
Em parte isso se explica por um forte preconceito etnocêntrico que, na França de meados de 1800, enxergava o negro como “raça” inferior, selvagens, sem conhecimentos e sem cultura. De outro lado, entendamos bem, Allan Kardec, partindo da ideologia racista da ciência vigente, supunha que os Espíritos que encarnavam nos negros, eram também Espíritos de menor evolução, em fase de infância espiritual. Nada, repito, nada mais afastado da verdade, visto que sabemos o quanto de valor moral e de conhecimentos tinham esses irmãos, ainda usados como escravos pouco tempo antes na França e, ainda, por muitas décadas à frente, no Brasil. Contudo, ao mesmo tempo que partia desse ponto de partida errado, adicionava: “são Espíritos como nós, fadados à evolução e à perfeição”.
Já foi um grande passo, para um homem daquela época, ter dado alma a um povo que era tratado como máquina. Mas, sabemos, a marcha do progresso avança e, como dizia sempre Kardec, deveríamos sempre acompanhar os avanços científicos, abandonando a opinião que se mostrasse errada frente à ciência. É isso o que fazemos aqui e é o mesmo que faria Allan Kardec se, hoje, se encontrasse encarnado entre nós.
Contudo, nada disso muda nossa forma de entender o Espiritismo, em sua verdadeira concepção, e nem mesmo com relação ao papel grandioso que Kardec teve em seu estudo, posto que foi um homem imperfeito, embora comprometido com a caridade e as ciências. Na verdade, acrescenta, à Doutrina dos Espíritos, a beleza real que ela tem, entendida em sua profundidade e sem os preconceitos e conceitos humanos que, afinal, ela não tem, mas, sim, desfaz.
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