A CRÍTICA AO TRABALHO MEDIÚNICO

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Um bom médium deve sempre estar pronto para a crítica à sua obra, já que ela não lhe pertence, jamais se magoando nem se sentindo humilhado quando uma ideia qualquer tiver vindo de um espírito imperfeito e não puder ser aceita como doutrinária.

Essa crítica e esse julgamento, quando se trata de um bom médium, não deve nem precisa se estender ao médium em si. Contudo, se no grupo mediúnico há o indivíduo invigilante, quase sempre movido por hábitos de vaidade e orgulho, que frequentemente lhes promovem quadros de obsessão e fascinação, deve ser aconselhado em particular, com firmeza, mas com benevolência. Se a razão lhe falar mais alto, entenderá e buscará modificar seu quadro; se não, frequentemente se afastará. “Neste caso, quaisquer que sejam as faculdades que possua, seu afastamento não é de causar saudades.”, diria Kardec [RE, julho de 1858]


O papel do médium é transmitir o conteúdo, inclusive de espíritos inferiores, e o papel de um bom espírita deveria ser o de julgar, com base no estudo e na razão, as comunicações mediúnicas e aprender inclusive com aquelas que forem provenientes de espíritos inferiores, não por aceitá-las cegamente, mas por entender as ideias, as dificuldades, as ilusões, as reflexões sobre a vida anterior, etc. E isso, prezado leitor, se aplica, também, ao querido Chico Xavier, a Divaldo, a Sueli Caldas e todos os médiuns, pois nenhum conta com a graça divina de ser “blindado” contra Espíritos imperfeitos — muito pelo contrário, como creio que está claro pela própria finalidade da mediunidade.


Criou-se uma distorção absurda, não somente no Movimento Espírita, mas também em todo o movimento espiritualista, com trabalhos mediúnicos, desde que se esqueceu desse princípio e que se passou a tratar dos Médiuns como oráculos infalíveis. Importa lembrar que essa ideia foi justamente aquela inculcada por Roustaing, o maior inimigo do Espiritismo e que, infelizmente, permeou e dominou o Movimento Espírita desde sua chegada às terras brasileiras, antes de 1900, tendo encontrado largo apoio para disseminação na FEB, autointitulada órgão máximo de representação do Espiritismo no Brasil (em contrário daquilo que o próprio Kardec recomendou e planejava dar início, se não tivesse morrido tão cedo, conforme apresentado em Constituição Transitória do Espiritismo — RE — dezembro de 1869).


O senhor Roustaing, um dos “judas do Espiritismo”, não era médium. Porém, por uma boa médium, sra. Emilie Collignon, que inclusive se comunicava com Kardec, começou a obter comunicações atribuídas aos quatro evangelistas, que vinham dizer que Roustaing seria o novo profeta, produzindo aquilo que ficou conhecido como Os Quatro Evangelhos, que até hoje influenciam negativamente, com diversos conceitos, o Movimento Espírita no Brasil, principalmente.


Tudo isso que estou apontando foi justamente o que Kardec apontou a Roustaing. A própria médium chegou a afirmar, para Kardec, que não concordava com aquelas comunicações, mas sempre que estava junto a Roustaing, elas eram obtidas. Após Kardec chamar a atenção de Roustaing para a obsessão de que era vítima, tentando fazer um bem a ele, este se revoltou, por vaidade e orgulho… E, então o estrago foi feito.


Após a morte do prof. Rivail (Kardec), um rico (bastante rico) seguidor de Roustaing, Jean Guérin, se aproximou de Leymarie, o “continuador” do Espiritismo que, por interesses menos elevados, se vendeu e, dentre tantos crimes contra o Espiritismo, passou a veicular, na Revista Espírita, conteúdos provenientes dessa ideologia, ainda que contrárias à Doutrina. Isso provocou revolta nos verdadeiros seguidores de Kardec, dentre eles Berthe Fropo, amiga íntima do casal, Camille Flamarion, Leon Denis e Gabriel Delanne. Fropo chegou a publicar:

Apelo a todos os espíritas, meus irmãos. Esse homem [Leymarie] pode permanecer na direção do espiritismo? já que ele não é mais espírita? Ele, que não tem nenhuma crença, que tem somente interesses, que renegou a doutrina que devia defender e proteger, envileceu-a em si mesmo ao preferir outra. Agora quer fazer que a doutrina entre na fase teológica, para estabelecê-la como religião, e fazer que nossa bela filosofia seja rebaixada mediante congressos, cerimônias e, mais tarde, por dogmas, e tudo isso por amor ao dinheiro, para comprazer às ideias do Sr. Guérin, o milionário. Converteu-se em roustainguista, preconizou as ideias subversivas sobre a natureza de Jesus e, atualmente, coloca para estudo até a própria não existência do Cristo.

Em nome de nosso mestre venerado, não podemos deixar nossa doutrina de vida nas mãos de um homem sem crença, sem convicção, e que a renegou. Suplico a todos os espíritas que têm ações da Sociedade Anônima fundada pela Sra. Allan Kardec que se reúnam em assembleia geral; eles têm o direito como acionistas. Se são espíritas sinceros, pessoas honradas, grandes corações que desejam a felicidade de toda a nossa humanidade mediante a propagação da doutrina em toda a sua pureza, devem considerar que é para eles um direito e sobretudo um dever, e que, se não o cumprem, seja por temor, seja por inércia, isso seria um covarde abandono de nossa querida filosofia, que, estai persuadidos, encontra-se em perigo, e em grande perigo. Como é possível respeitar o espiritismo quando se vê, para representá-lo e fazê-lo avançar, pessoas sem moralidade, sem crença e sem lealdade?

A Revista de Allan Kardec não é mais que uma abominável rapsódia; com o pretexto de ecletismo, são inseridas nela as ideias mais subversivas, e perverte-se o juízo daqueles irmãos nossos que, como não têm instrução suficiente para fazer justiça a todas essas ridículas concepções, são confundidos e tornam-se de uma credulidade que pode ser perigosa para seu repouso.

Estudemos o ensinamento de nosso querido mestre Allan Kardec, aceitemos o que essa elevada inteligência compendiou durante trinta anos de um trabalho tenaz, e sobretudo saibamos compreendê-lo e aplicá-lo em nós para nos tornarmos melhores, justos, leais e fraternos, dedicados à doutrina consoladora que os Espíritos nos revelaram.

Jesus, que tão bem nos ensinou o amor, a caridade e a fraternidade, expulsou, no entanto, em um momento de indignação, os vendedores do templo, e as correias das quais ele se serviu ainda não estão gastas. Utilizei as de nossa época; Deus e os bons Espíritos julgar-me-ão.

Considero ter cumprido a missão da qual me encarregaram. Corresponde aos espíritas acionistas atuarem agora e salvarem a Villa Ségur, que, de acordo com a ideia do mestre, estava destinada a uma casa de refúgio para os idosos espíritas; ele desejava construir ali, além disso, um edifício suficientemente vasto para estabelecer nele um lugar de reunião, o museu e a biblioteca espíritas

Fropo, Beacoup de lumière

Kardec, por defender os princípios básicos e necessários da ciência Espírita, também foi chamado ortodoxo, orgulhoso, pedante, vaidoso, etc. Justamente ele, que demonstrava sempre que nem sequer iniciou os estudos do Espiritismo e que, tendo apenas se dedicado a esse estudo de forma metodológica, científica e organizada, sendo muitas vezes contrariado, em suas ideias, pela força da razão, pelos próprios Espíritos, sempre destacou que tudo pertencia aos Espíritos e não às ideias particulares de ninguém, muito menos dele.


Eis os fatos que muitos custam a aceitar, mas que já são bem conhecidos e que estão relatados em O Legado de Allan Kardec, de Simoni Privato, e Ponto Final, de Wilson Garcia.

Referências

  • O Legado de Allan Kardec, de Simoni Privato
  • Ponto Final, de Wilson Garcia
  • Beacoup de lumière, de Berthe Fropo
  • Revista Espírita de 1858
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