A Caridade pelo Espírito de São Vicente de Paulo

Nesse artigo, São Vicente de Paulo traz uma grande reflexão sobre a caridade.

Blender:File:/home/linux3dcs/prj/Vicente_de_Paulo_201510/Reconstruction_5.blend

Analisemos, além da necessária aplicação moral que esse texto vem trazer, a sua forma e seu conteúdo, já que se trata de uma comunicação atribuída a esse Espírito. Que há nessas, senão elevação espiritual? 

“Vede a multidão de homens de bem, cuja lembrança piedosa a vossa história relembra. Eu poderia citar aos milhares aqueles cuja moral não tinha por objetivo senão melhorar o vosso globo. Não vos disse o Cristo tudo quanto concerne às virtudes da caridade e do amor? Por que são postos de lado os seus divinos ensinamentos? Por que os ouvidos são tapados às suas divinas palavras e o coração é fechado para todas as suas máximas suaves?

Eu gostaria que a leitura do Evangelho fosse feita com mais interesse pessoal. Mas abandonam esse livro; transformam-no em expressão vazia e letra morta; deixam ao esquecimento esse código admirável. Vossos males provêm do abandono voluntário em que deixais esse resumo das leis divinas. Lede, pois, essas páginas de fogo do devotamento de Jesus e meditai-as. Eu mesmo me sinto envergonhado de ousar prometer-vos um trabalho sobre a caridade, quando penso que nesse livro encontrais todos os ensinamentos que vos devem levar às regiões celestes.”

A caridade, no contexto de Kardec, era compreendida de forma diferente:

[…] a moral racional se fundamenta na psicologia e na definição de um ser humano ativo. Ou seja, o ato moral é caracterizado por um ato livre e consciente, que se definiu como sendo o ato do dever. É a moral da liberdade, portanto absolutamente livre, por definição, de qualquer recompensa ou castigo. Desse modo, como definiram os pensadores do Espiritualismo Racional, o dever fundamenta a caridade como ação livre e desinteressada. A beleza da caridade está justamente em sua liberdade, afirmava Victor Cousin, principal líder dessa escola na Universidade Sorbonne, em Paris. (Figueiredo 2019)

Isso quer dizer que precisamos apenas do Evangelho?

Supondo o Evangelho de Jesus muito bem entendido, sem sofismas e adulterações, sim, precisamos apenas dele. Contudo é necessário levar em conta que seus ensinamentos, mesmo que científicos, têm aspecto moral, segundo as Ciências Morais. Portanto, é um erro abandonar esse estudo para cair apenas no estudo Evangélico, dadas as presente necessidades de Espíritos de nossa categoria.

Seguindo no artigo sobre Caridade, segundo São Vicente: “Homens fortes, armai-vos; homens fracos, forjai as vossas armas de vossa doçura e de vossa fé; tende mais persuasão, mais constância na propagação de vossa nova doutrina. Nós só vimos trazer-vos um encorajamento; é apenas para vos estimular o zelo e as virtudes que Deus permite nos manifestemos a vós. Mas, se quisésseis, não necessitaríeis senão do auxílio de Deus e de vossa própria vontade

Isso quer dizer que não necessitamos do Espiritismo?

Moralmente falando, se nós soubéssemos aplicar todas as lições já apresentadas até hoje, sequer estaríamos falando disso agora. Mas não é assim que o progresso espiritual acontece – a solavancos. Ele é lento e gradual e, pelo que sabemos, é assim por toda a parte do Universo. Portanto, a Ciência Espírita, que, no limite, é a ciência da Criação, é parte necessária de nosso progresso, pois o conhecimento desenvolve a moral.

Vamos analisar de forma um pouco mais crítica, o conteúdo dessa mensagem. Chamou muito nossa atenção o seguinte trecho:

Quando deixardes que o vosso coração se abra à súplica do primeiro infeliz que vos estender a mão; quando lhe derdes sem se perguntar se sua miséria é fingida ou se seu mal tem um vício como causa; quando deixardes toda a justiça nas mãos de Deus; quando deixardes a cargo do Criador o castigo de todas as falsas misérias; enfim, quando praticardes a caridade pelo só prazer que ela proporciona, sem questionardes a sua utilidade, então sereis os filhos que Deus amará e que chamará para si.

Esse Espírito, que segue dizendo se felicitar pelo início de um movimento (Sociedade de São Vicente de Paulo), movimento esse muito importante e necessário, dá a entender que devemos atender a qualquer súplica, sem verificar se é algo fingido ou não. Em realidade, será que podemos e devemos fazer isso, principalmente hoje em dia?

Não devemos seguir cegamente qualquer Espírito, sobretudo quando não faz sentido à nossa própria razão. Mas Kardec vem ao nosso socorro:

Continuando a conversa com S. Vicente de Paulo, através da psicografia de um médium assistente, Kardec informa-se de que, nesse trecho anterior, esse Espírito fala especificamente da esmola. O professor então pergunta:

“[…] parece-nos que dar sem discernimento àqueles que não necessitam ou que poderiam ganhar a vida por um trabalho honesto, é encorajar o vício e a preguiça. Se os preguiçosos achassem facilmente aberta a bolsa alheia, multiplicar-se-iam ao infinito, em prejuízo dos verdadeiramente necessitados”

S.V.P. responde:

Podeis identificar os que podem trabalhar e então a caridade vos obriga a tudo fazer para lhes proporcionar trabalho. Entretanto, também há pobres mentirosos, que sabem muito bem simular misérias que não padecem. Esses é que devem ser deixados à justiça de Deus.”

Kardec continua com algumas questões de interesse:

6. ─ Disse Jesus: “Que a vossa mão direita não saiba o que faz a esquerda.” Têm algum mérito aqueles que dão por ostentação? ─ Têm apenas o mérito do orgulho, pelo qual serão punidos.

7. ─ A caridade cristã, na sua mais larga acepção, não compreende também a doçura, a benevolência e a indulgência para com as fraquezas alheias? ─ Fazei como Jesus. Ele vos disse tudo isso. Escutai-o mais do que nunca.

8. ─ É bem entendida a caridade, quando exclusiva entre as criaturas da mesma opinião ou do mesmo partido? ─ Não. É sobretudo o espírito de seita e de partido que deve ser abolido, porquanto todos os homens são irmãos. É sobre isso que concentramos os nossos esforços.

9. ─ Admitamos que uma pessoa veja dois homens em perigo, mas não possa salvar senão um. Um é seu amigo e o outro, inimigo. A quem deve salvar? ─ Deve salvar o amigo, pois esse amigo poderia acusá-lo de não lhe ter amizade. Quanto ao outro, Deus há de tomar conta.

Foi consenso que essa ultima pergunta (9.) nos pareceu estranha, mas ela deve ter uma razão de ser para aquele momento.