O difícil trabalho de desobsessão

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Kardec assim define a obsessão:

A obsessão é a ação persistente que um malvado Espírito exerce sobre um indivíduo. Apresenta caracteres muito distintos, desde a simples influência moral sem marcas externas sensíveis até a perturbação completa do organismo e das faculdades mentais. Oblitera todas as faculdades mediúnicas. Na mediunidade auditiva e psicográfica, ela se traduz pela obstinação de um Espírito em se manifestar com a exclusão dos demais.

A obsessão é quase sempre o fato de uma vingança exercida por um Espírito e que o mais frequente tem origem nas relações que o obsedado tenha tido com aquele em uma existência anterior. 

Nos casos de obsessão grave, o obsidiado é envolvido e impregnado por um fluido pernicioso que neutraliza a ação dos fluidos salutares e os repulsa. É desse fluido que se torna necessário se desembaraçar; ora, um mau fluido não pode ser repelido por outro mau fluido. Por uma ação idêntica à do médium curador, no caso de doenças, é necessário expulsar o fluido mau com a ajuda de um fluido melhor. 

Essa é a ação mecânica, mas que nem sempre é suficiente. É preciso também, e sobretudo, atuar sobre o ser inteligente, ao qual é preciso ter o direito de falar com autoridade, e essa autoridade só é dada pela superioridade moral; quanto maior ela for, maior será a autoridade.

Allan Kardec, A Gênese, 1868

A obsessão se dá de Espírito para Espírito, mesmo de encarnado para encarnado e tem, na sua raiz, sempre uma falta de capacidade inicial de lutar contra uma influência perniciosa. Vemos isso nas relações doentias de casais, quando um exerce um domínio pernicioso que não é combatido pelo outro. Quando se dá de Espírito para encarnado, na origem, identifica-se a falta de capacidade, do encarnado, de identificar a influência perniciosa sobre suas próprias imperfeições e paixões (sentimentos), levando-o, lenta e progressivamente, a entrar em estados diversos como os de prazer, inquietação, melancolia, etc. Isso quer dizer que, muitas vezes, o próprio encarnado aceita voluntariamente, embora inconscientemente, a influência que o instiga ao cultivo das imperfeições ou dos hábitos que o agradam.

Existe também a possibilidade menos frequente de haver uma auto-obsessão, onde o próprio indivíduo se prenda a certos pensamentos ou a certas questões, sem a participação de outros Espíritos. Vamos tratar de cada uma dessas possibilidades a seguir.

Importa dizer, antes de mais nada, que a obsessão precisa ser combatida, o quanto antes, pela vontade do encarnado, em primeiro lugar. Acontece que, se a obsessão estiver avançada, essa vontade pode estar obliterada, o que é muito comum nos casos identificados como depressivos. É aí que é necessário haver uma intervenção, de pessoas próximas, que possam auxiliar, com persistência benevolente, a soerguer essa vontade inexistente ou apagada. Por esse motivo, cremos importante destacar o estado de subjugação e os de possessão, definidos assim por Kardec:

Subjugação

É uma ligação moral que paralisa a vontade de quem a sofre e que impele a pessoa às mais desarrazoadas atitudes, frequentemente as mais contrárias ao seu próprio interesse. [RE, out/1858]

A subjugação pode ser moral ou corporal. No primeiro caso, o subjugado é constrangido a tomar resoluções muitas vezes absurdas e comprometedoras que, por uma espécie de ilusão, ele julga sensatas: é um tipo de fascinação. No segundo caso, o Espírito atua sobre os órgãos materiais e provoca movimentos involuntários. Traduz-se, no médium escrevente, por uma necessidade incessante de escrever, ainda nos momentos menos oportunos. Vimos alguns que, à falta de pena ou lápis, simulavam escrever com o dedo, onde quer que se encontrassem, mesmo nas ruas, nas portas, nas paredes. [O Livro dos Médiuns]

Possessão 

Dava-se outrora o nome de possessão ao império exercido por maus Espíritos, quando a influência deles ia até à aberração das faculdades da vítima. A possessão seria, para nós, sinônimo da subjugação. [O Livro dos Médiuns]

Na possessão, em lugar de agir exteriormente, o Espírito livre se substitui, por assim dizer, ao Espírito encarnado; faz eleição de domicílio em seu corpo sem que, contudo, este o deixe definitivamente, o que não pode ter lugar senão com a morte. A possessão é, pois, sempre temporária e intermitente porque um Espírito desencarnado não pode tomar definitivamente o lugar e a dignidade de um Espírito encarnado, atentando que a união molecular do perispírito e do corpo só pode se operar no momento da concepção.

O Espírito, na posse momentânea do corpo, serve-se dele como do seu próprio; fala por sua boca, vê pelos seus olhos, atua com seus braços como se tivesse feito de sua vivência. Não é mais como na mediunidade psicofônica, na qual o Espírito encarnado fala transmitindo o pensamento de um Espírito desencarnado. É este último ele próprio que fala e que atua e se o tiver conhecido em vida, reconhecê-lo-á pela sua linguagem, sua voz, pelos seus gestos e até pela expressão de sua fisionomia.

A obsessão é sempre uma ocorrência de um Espírito malfeitor. A possessão pode ser a atuação de um bom Espírito que quer falar e, para causar maior impressão em seu ouvinte, toma emprestado o corpo de um encarnado, que lhe empresta voluntariamente como se emprestasse sua veste. Isso se faz sem nenhuma perturbação nem mal-estar, e durante esse tempo o Espírito se encontra em liberdade, como no estado de emancipação, e, mais frequentemente ele se coloca ao lado de seu substituto para escutá-lo.

Quando o Espírito possessor é mau, as coisas se passam diferentemente. Ele não toma emprestado o corpo, mas se apodera se o titular não possuir força moral a lhe resistir. Ele o faz por maldade para com o dito, a quem tortura e martiriza de todas as maneiras, até querer fazer com que pereça, seja pelo estrangulamento, seja colocando-o no fogo, seja em outros lugares perigosos. Servindo-se dos membros e dos órgãos do desditoso paciente, insulta, difama e maltrata os que o cercam; libera-se a essas excentricidades e a atos que tenham todas as características de loucura furiosa. [A Gênese]

Vemos, assim, a extensão do mal ao qual se pode chegar com uma influência não combatida. Chegamos ao ponto importante: como combater uma obsessão.

Combatendo uma obsessão

Seja por iniciativa própria, seja com a ajuda de alguém, o combate a uma obsessão deve abranger todos os envolvidos. Quando se trata de uma auto-obsessão, esse será o único alvo; a abordagem será outra quando houver a relação entre uns e outros indivíduos. No caso da obsessão de encarnado para encarnado, o trabalho poderá ser muito auxiliado pela psicologia humana, mas também pela abordagem junto ao obsessor encarnado que, por sua vez, quase sempre, também está sofrendo um quadro de obsessão. Dependendo da gravidade desse quadro, de encarnado para encarnado, a interrupção da influência, mesmo por meios legais, poderá ser necessária.

O quadro mais frequente, porém, é o da obsessão de Espíritos imperfeitos sobre encarnados. Como vimos, quase sempre ela se dá por ação de vingança. Outras vezes, se dá simplesmente pela vontade que um ou mais Espíritos imperfeitos têm de atrair para a infelicidade de que compartilham aqueles a quem invejam. Outra possibilidade que muito deve importar aos trabalhadores da Doutrina Espírita é a dos Espíritos que, inimigos dessa ciência, fazem de tudo para atrapalhar a sua propagação, criando verdadeiros planos malignos para atacá-la em suas bases, como foi o caso envolvendo o sr. Roustaing, na época de Kardec, e o sr. Leymarie, que, após a morte de Kardec, cedeu às paixões da fama e do dinheiro e, assim, destruiu e deturpou os caminhos anteriormente traçados pelo patrono da Doutrina Espírita, lançando, sobre esta, grande mancha que somente hoje começa a se apagar.

O trabalho de combate à obsessão espiritual, como dizíamos, deve abordar os dois lados da relação. Do lado dos Espíritos, um bom grupo espírita, suficientemente instruído e cuidadoso, poderá ser de grande auxílio, através do trabalho de desobsessão, que consiste em procurar fazer os Espíritos obsessores entenderem a perda de tempo e a inutilidade de fazerem o que fazem. Para isso, porém, os trabalhadores do grupo precisam oferecer aquilo que Kardec chamava de ascendente moral, isto é, precisam ser honestos e empenhados no trabalho de correção das próprias imperfeições, pois, muito comumente, os Espíritos obsessores apontarão para qualquer vestígio de desonestidade ou de demagogia, que é quando se diz uma coisa e se faz outra. O Espírito obsessor, por exemplo, quando convidado a deixar de agir por ciúmes, poderá se voltar e dizer: “quem é você para me dizer isso, se agiu assim ontem, com sua esposa?”. É claro, não esperamos que os encarnados sejam perfeitos, mas é necessário que sejam honestos e empenhados. Nessa situação, poderia o indivíduo replicar: “sim, eu infelizmente cedi a esse mau hábito, ontem, mas você deve ter visto que eu sofri com seus resultados. É por isso que, se tem me acompanhado, deve ter visto que estou tentando vencê-lo”.

Durante o contato mediúnico, o Espírito, que muitas vezes está tresloucado num pensamento fixo, sofre uma espécie de “choque”, que não consiste em nada energético, mas, sim, na contenção de seus pensamentos, durante a ligação perispiritual com o médium. Assim, torna-se mais fácil raciocinar e refletir.

O trabalho junto a um obsessor pode demandar persistência e cuidado, por diversas sessões, que poderão envolver a evocação do Espírito envolvido. Mas também é necessário abordar o encarnado, que precisa despertar, em si, a vontade de querer se libertar desse jugo. Para isso, será necessário levá-lo a raciocinar, também, para que, pela razão, tome essa decisão.

Na Revista Espírita de outubro de 1858, Kardec apresenta um caso do tipo, bem-sucedido, afinal:

Empreguei toda a minha força de vontade para chamar os bons Espíritos por seu intermédio; toda a minha retórica para lhe provar que era vítima de Espíritos detestáveis; que aquilo que escrevia não tinha senso, além de ser profundamente imoral. Para essa obra de caridade juntei-me a um colega, o Sr. T… e pouco a pouco conseguimos que escrevesse coisas sensatas. Ele tomou aversão àquele mau gênio, repelindo-o por vontade própria cada vez que tentava manifestar-se, e lentamente os bons Espíritos triunfaram.

Para modificar suas ideias, ele seguiu o conselho dos Espíritos, de entregar-se a um trabalho rude, que lhe não deixasse tempo para ouvir as sugestões más.

O efeito sobre o Espírito também foi positivo:

O próprio Dillois acabou confessando-se vencido e manifestou o desejo de progredir em nova existência. Confessou o mal que tinha tentado fazer e deu provas de arrependimento. A luta foi longa e penosa e ofereceu ao observador particularidades realmente curiosas. Hoje o Sr. F. sente-se livre e feliz. É como se tivesse deposto um fardo. Recuperou a alegria e agradece-nos o serviço que lhe prestamos.

É interessante notar que, nesse caso apresentado, o trabalho de Kardec foi ainda mais ativo com relação ao encarnado, porque, adquirindo essa vontade ativa e benevolente, este oferecerá o “ascendente moral” sobre esses Espíritos, que deixarão de perturbá-lo quando verificarem essa força, além de adquirir a simpatia dos bons Espíritos.

Portanto, instruir-se ao máximo na Doutrina Espírita, tirando dela todas as consequências morais e racionais que nos impulsionam no caminho da “reforma íntima”, trabalhe sobre os próprios pensamentos e ações, medos e vontades, a fim de que, a cada dia mais, tudo esteja sob as leis divinas, é o melhor caminho para se manter livre das obsessões, pois, mesmo que o Espírito obsessor não se convença da necessidade de se reformar, poderá não mais encontrar abertura para influencia o encarnado.

Recomendamos a leitura aprofundada e complementar de O Livro dos Médiuns, parte segunda, Cap. XXIII, onde Kardec aborda o tema em extensão.

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