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No primeiro semestre de 2021, tive — e eu nem lembro mais como — contato com a obra de Simoni Privato — O Legado de Allan Kardec — obra essa que muito me abalou, frente ao entendimento de tudo o que aconteceu com o Movimento Espírita francês, após a morte de Kardec, e o quanto isso definiu o rumo desse movimento no século seguinte, em especial no Brasil. Em seguida, “por acaso”, alguém postou, em um grupo, um questionamento sobre uma obra recém-lançada, na época: “Nem céu, nem inferno”, de Lucas Sampaio e Paulo Henrique de Figueiredo (PHF). O primeiro pensamento foi: deve ser um absurdo. Mas o título era desafiador demais para deixar passar. Resolvi pesquisar e encontrei um artigo, em um blog espírita, falando sobre a obra… E, para entender quais eram as bases do que os autores afirmavam, adquiri e li a obra, com grande avidez, devo confessar.
Da leitura dessas obras, além da constatação da distância mencionada (entre Movimento Espírita e o Espiritismo), me nasceu a necessidade de estudar o Espiritismo nas obras de Kardec, pois o fato patente constatado é que, com pelo menos 20 anos estudando ou lendo obras espíritas, eu não conhecia o Espiritismo. Demérito? Nenhum. Estudei o que estava ao meu alcance. Humilhação? Só se eu julgasse que a verdade era apenas o que eu conhecia e que, fora disso, nada existiria. Mas se tem uma coisa que eu conhecia sobre Kardec, por tradição de estudos de O Livro dos Espíritos, com meu pai, era o seu grandioso empenho na busca científica da verdade, motivo que me instigou a estudar, sem apegos. Mas… Estudar o quê? O Livro dos Espíritos eu já conhecia em grande parte. A essência de O Livro dos Médiuns, também. Quero dizer: frente àquilo que estava ao meu alcance, a essência moral e científica me parecia bem compreendida.
Um fato que me chamou a atenção e que talvez a intuição tenha reforçado é que deveria haver algo de importante nessa tal “Revista Espírita”, posto que esses autores frequentemente recorriam a citações muito pertinentes e perspicazes de Kardec ou de Espíritos, contidas nesses volumes. Assim, nasceu esta iniciativa e nosso grupo de estudos… Mas isso tudo vocês provavelmente já sabem. Não é esse o ponto, somente achei interessante demonstrar, mais uma vez, o caminho que percorri até aqui, pois esse caminho está me levando para lugares nunca antes visitados.
Um fato muito importante que aconteceu nessa trajetória foi a aproximação com o Grupo de Estudos Espiritismo para Todos, o que aconteceu porque, em contato com o Paulo Henrique, ele mesmo me indicou alguém desse grupo, que estudava junto a ele as obras de Kardec e seu contexto científico. Daí, veio o conhecimento sobre o Espiritualismo Racional, que várias vezes já abordamos por aqui, um pouco sobre o Magnetismo e, mais recentemente, um aprofundamento gigantesco em todo o contexto de Kardec, desconhecido atualmente. A metafísica, coisa totalmente desconhecida ou desconectada da ciência atual, era parte elementar dos estudos de qualquer cientista da época, e foi ela, juntamente a tudo o que a ciência fornecia, naquela época, que deu possibilidade à formação da Doutrina Espírita.
Da mesma forma que a Ciência propriamente dita tem como objeto o estudo das leis do princípio material, o objeto especial do Espiritismo é o conhecimento das leis do princípio espiritual. Ora, como este último princípio é uma das forças da natureza que reage incessantemente sobre o princípio material e reciprocamente, disso resulta que o conhecimento de um não pode estar completo sem o conhecimento do outro; que o Espiritismo e a Ciência se completam; que a Ciência sem o Espiritismo está impossibilitada de explicar certos fenômenos recorrendo somente às leis da matéria, e por ter prescindido do princípio espiritual se encontra em meio a tantas dificuldades; que o Espiritismo sem a Ciência careceria de apoio e de controle e poderia equivocar-se. Se o Espiritismo tivesse chegado antes das descobertas científicas, teria fracassado, como tudo o que ocorre antes do seu tempo.
KARDEC, Allan. A Gênese, 1868
É impossível descrever, somente neste artigo, tudo o que temos estudado até agora. O leitor que nos acompanha poderá identificar, na leitura dos textos deste site, diversas sugestões e pistas que frequentemente damos e que cabe a cada um o interesse de investigar ou não. O fato é que estamos chegando a um ponto, acompanhando os estudos do amigo Paulo Henrique, em que minhas primeiras indagações começam a ser respondidas: será possível retomar o Espiritismo, estudado cientificamente, como Kardec fazia? Será possível retomar o contato com os Espíritos, dando continuidade à formação, ou mesmo à recuperação doutrinária? Sim, é possível (e escrevo isso com um sorriso no rosto).
Veja: Kardec havia compreendido e avançado sobre pontos científicos que nós jamais suspeitávamos, e isso pôde ser constatado através de um método que, em breve, será conhecido por nós e pelo prezado leitor, porque o interesse é apresentá-lo para a humanidade. Não só o método, na verdade, mas o conhecimento encontrado através dele. Em estudo com PHF, onde esse conhecimento está sendo elaborado, não pude me sentir nada mais do que muito diminuído frente a Kardec. Me senti ignorante frente à minha compreensão prévia do Espiritismo. A cada nova constatação, eu ria, mas não era uma risada de desdém ou sarcasmo: era uma risada impossível de conter, que expressava meu nível de ignorância, frente ao tamanho que tomava a ciência espírita, formada pelos estudos de Kardec, através de anos de aprendizado junto aos Espíritos.
Nós já sabemos (e, se você não sabe, corra agora para estudar a Revista Espírita) que, no aprendizado com os Espíritos, não podemos tratá-los como reveladores, para os quais basta perguntar e eles respondem, com a teoria pronta. Não.
“… no mundo dos espíritos ocorre um fato muito singular, o qual seguramente ninguém havia suspeitado – os de existirem espíritos que não se consideram mortos. Pois bem: os Espíritos superiores, que conhecem perfeitamente esse fato, nunca vieram dizer por antecipação: “Há Espíritos que supõem ainda viver na vida terrestre; conservando seus gostos, hábitos e instintos”. Em lugar disso, provocaram a manifestação de Espíritos dessa categoria para que os observássemos. Assim, depois de ver Espíritos inseguros em relação ao seu estado, ou afirmando pertencerem a este mundo e desempenhando suas ocupações habituais, do exemplo se deduz a regra. A multiplicidade de fatos semelhantes provou não se tratar de uma exceção, mas de uma das fases da vida espiritual, permitindo estudar todas as variedades e causas dessa singular ilusão, além de reconhecer, sobretudo, ser essa situação própria de Espíritos pouco avançados moralmente, e característica de determinados tipos de morte; que é apenas temporária, mas podendo durar dias, meses e anos. Assim, a teoria nasceu da observação. O mesmo aconteceu com todos os demais princípios da doutrina.”
KARDEC, Allan. Ibidem.
É fácil perceber, portanto, quantos conhecimentos esses estudos requerem e, num século onde cada área está nichada, isto é, onde o físico não estuda filosofia; onde o matemático não conhece botânica; onde o químico não conhece astronomia, e onde nenhum deles conhece metafísica, fica mais fácil ainda compreender a dificuldade que enfrentamos. De minha parte, reconheço: se aventurar nesses estudos não é para qualquer um, e eu só posso me portar como um ganso (porque não quero me comparar a uma galinha, seria muito humilhante), correndo atrás das migalhas que caem das mãos daquele que plantou e que agora colhe os grãos da plantação.
Bem, como eu dizia, novos horizontes estão se abrindo e, cada um que se interesse em aprender e espalhar o conhecimento, pode e deve se lançar aos estudos, da forma que for possível a cada um. É difícil colher todo o aprendizado para retomar, por mãos próprias, o estudo científico do Espiritismo, mas quem disse que nós precisamos ser tão geniais como Einstein para entender a essência das leis do nosso universo, demonstradas por esse grande gênio? Podemos nos portar da mesma forma com o Espiritismo: basta dedicação, colocar a cabeça para funcionar e, de nossa parte, pesquisar, questionar e se aprofundar em tudo o que nos parecer nebuloso. O mais importante de tudo é que não estamos sozinhos: em grupo, a construção torna-se muito mais proveitosa, pois cada um, estando na posição de ajudar e de ser ajudado, auxilia e participa da construção do conhecimento. O que precisamos é sair da condição de professores de Espiritismo.
Terminamos nosso último estudo com o Paulo dizendo algo mais ou menos assim: “se esse conhecimento é tão interessante e transformador para nós, que somos ignorantes, imaginem para quem é inteligente!”. Sim. Imagine o que será para um matemático verificar que o Espiritismo fala de matemática. Imagine o que será para o físico, para o químico, para o médico, para o filósofo, verificar que, no Espiritismo, trata-se de tudo isso, com aspecto moral e sem misticismo? De que tudo se depreende da Lei Natural, e de que é disso que o Espiritismo vem tratar?
Mas, para isso, é preciso vencer algumas barreiras concretadas pelo materialismo, não só na ciência, mas também dentro do movimento espírita. Primeiramente, será necessário demonstrar que a ciência moderna, ao virar as costas para a metafísica, tornou-se tão dogmática quanto a Igreja que, no passado, tratava como herege aquele que afirmava que a Terra girava ao redor do sol, ou que queimava “bruxas” por afirmarem estarem ouvindo ou vendo Espíritos. Depois, será necessário demonstrar que isso que eles acham que é Espiritismo — muitas vezes baseados em coisas absurdas que leem por aí, outras vezes baseados no que lhes apresentam conhecidos, ditos espíritas, mas dogmáticos e caminhando pelas falsas ideias, ou ainda pela falsa confusão entre Espiritismo e espiritualismo moderno, místico, supersticioso e também dogmático — será necessário demonstrar, eu dizia, que isso não é Espiritismo. Será preciso demonstrar que o Espiritismo foi (é) algo tão racional e sério, um fato inegável, que adiantou, há mais de 150 anos, verdades que apenas agora a Ciência está constatando. Enfim, para aqueles que chegarem, pelo uso do bom-senso, a esse ponto, será necessário demonstrar que o Espiritismo, como ciência muito bem instituída em sua época, formou-se da mesma forma que todas as outras ciências de observação, sendo, portanto, racional — tão racional quanto a busca, da física atual, pela existência da matéria negra ou da existência de outros universos, guiados por efeitos cujas causas não são, e talvez nunca sejam, diretamente observáveis. Eis o desafio.
E quanto ao Movimento Espírita materialista, apegado aos erros? Esse depende da vontade de cada um. Os Espíritos, nossos bons Espíritos protetores, nos intuem ou nos direcionam a situações, a obras, a pessoas, isto é, eles nos ajudam, quando sabem que temos um mínimo de disposição. A cada um cabe o interesse em investigar. A mim, não foi suficiente me conduzirem a um lar de idosos, em momento em que eu precisava de ajuda, onde, não obstante haver um predomínio de cultura religiosa católica, encontrei na estante alguns volumes da Revista Espírita! Não. Eu abri, folheei, mas, naquele momento, não fui adiante. Foi necessário passar o apuro, para, somente mais tarde, dar atenção a tal obra, pelo processo explicado anteriormente. Natural que cada um siga seu caminho, e devemos respeitar as escolhas de cada um. Talvez, aqueles que se apeguem e se fechem ao conhecimento, acreditem que estão fazendo o bem, tanto quanto muitos dos que queimavam obras científicas acreditavam estar fazendo o que era certo (o que não os exime de sua responsabilidade, mas o que atenua suas faltas, perante suas próprias consciências). Apresentemos o conhecimento, se desejarmos, mas, se desejarem queimá-lo, deixemo-los, enquanto fazemos a nossa parte. O tempo se encarrega de tudo.
Bem, escrevi bastante. Fico por aqui. Preciso colher alguns grãos que ficaram pelo caminho.
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