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Permanece, em muitas mentes, a antiga imagem de Deus, atrelada aos conceitos de uma humanidade que não podia compreender aquilo que estava fora da matéria e das figuras humanas. Assim, criaram um Deus à sua imagem: um senhor barbudo, sentado num trono acima das nuvens, olhando – e julgando – a tudo e a todos.
Contudo, a mentalidade humana não é mais assim. Em mais de dois mil anos, se desenvolveu em razão e em ciência, e já não aceita mais, tão facilmente, os velhos dogmas das religiões humanas. Aliás, em questão de ciência, desde que sabemos que o céu não é uma abóbada e que, para todos os lados, se estende o Universo infinito, já não podemos mais supor essa imagem de Deus. Além disso, a razão mostra que Deus não se ocupa de nós diretamente, controlando nossas vidas. Longe disso, está demonstrado, pelo estudo do Espiritismo, que Deus age através de suas Leis, que são as Leis Naturais, que governam a tudo com perfeição.
Nasce, porém, uma dúvida: será que Deus está por toda a parte, como dizem? Será que Deus nos ouve? Será que aquele provérbio que diz que “nem uma folha cai sem a vontade de Deus” está correto?
Como sempre, o estudo do Espiritismo clareia o horizonte pela razão irretorquível. Vamos demonstrar a beleza das conclusões de Kardec, em A Gênese, mas lembramos ser importante se basear na nova edição, da FEAL, que é uma tradução baseada na quarta edição dessa obra, já que a quinta edição – a que deu base a todas as outras edições e traduções – foi adulterada.
Assim se expressa Allan Kardec, na obra citada:
20. A providência é a solicitude de Deus para com todas as criaturas. Deus está por toda parte, tudo vê e a tudo preside, mesmo as pequenas coisas; e é nisso que consiste sua ação providencial.“Como Deus, tão grande, tão poderoso, tão superior a tudo, pode imiscuir-se em detalhe ínfimos, preocupar-se com os menores atos e pensamentos de cada indivíduo? Essa é a pergunta que a incredulidade faz a si mesma, de onde ela conclui que, admitindo a existência de Deus, sua ação só deva se fazer sobre as leis gerais do Universo; que este funciona por toda eternidade, em virtude dessas leis, às quais cada criatura acha-se submetida em sua esfera de atividade, sem que seja necessário o concurso incessante da providência.
21. Em seu estado atual de inferioridade, os homens dificilmente compreendem um Deus infinito, porque, sendo eles mesmos restritos e limitados, só o entendem restrito e limitado como eles. Representam-no como um ser circunscrito e fazem dele uma imagem semelhante a si próprios. Os quadros que o pintam com traços humanos só contribuem para manter esse erro no espírito dos povos, que nele adoram mais a forma do que o pensamento. Para muita gente, ele é um soberano poderoso, sentado em um trono inacessível, perdido na imensidão dos céus; e por terem suas faculdades e percepções limitadas, não compreendem que Deus possa ou se digne a intervir diretamente nas pequenas coisas.
22. Ante a impossibilidade de compreender a essência da divindade, o homem só pode fazer dela uma ideia aproximada por meio de comparações, necessariamente muito imperfeitas, mas que podem, pelo menos, mostrar-lhe a possibilidade daquilo que, num primeiro momento, lhe parece impossível.
Suponhamos um fluido bastante sutil para penetrar em todos os corpos. É evidente que cada molécula desse fluido, encontrando-se com cada molécula da matéria, produzirá sobre os corpos uma ação idêntica àquela que produziria a totalidade do fluido. É o que a Química demonstra todos os dias, em proporções limitadas.
Esse fluido, não sendo inteligente, age mecanicamente, somente pelas forças materiais; mas, se o supusermos dotado de inteligência, de faculdades perceptivas e sensitivas, já não agirá às cegas, mas com discernimento, com vontade e liberdade; ele verá, entenderá e sentirá.
[…]
23. Por mais elevados que sejam, os Espíritos são criaturas limitadas em suas faculdades, em seu poder e na extensão de suas percepções, e não saberiam, sob esse aspecto, aproximar-se de Deus. Mas podemos nos servir deles, como ponto de comparação. O que o Espírito não pode executar, senão em um limite restrito, Deus, que é infinito, executa-o em proporções infinitas. Há ainda a diferença de que a ação do Espírito está momentaneamente subordinada às circunstâncias, e a de Deus é permanente; o pensamento do Espírito abarca durante um tempo um espaço circunscrito, o de Deus abarca o Universo e a eternidade. Em uma palavra, entre os Espíritos e Deus existe a distância do finito ao infinito.
24. O fluido perispiritual não é o pensamento do Espírito, mas o agente e o intermediário desse pensamento; como é ele que o transmite, de alguma forma, impregnado dele. Pela impossibilidade em que estamos de isolar o pensamento, parece-nos que ele e o fluido se confundem, como acontece com o som e o ar, de maneira que podemos, por assim dizer, materializá-lo. Da mesma forma que dizemos que o ar se torna sonoro, tomando o efeito pela causa, podemos dizer que o fluido se torna inteligente.
25. Que seja ou não assim quanto ao pensamento de Deus, quer dizer, que ele atue diretamente ou por intermédio de um fluido, para nosso raciocínio, vamos representá-lo sob a forma concreta de um fluido inteligente, preenchendo o Universo infinito, penetrando todas as partes da criação: a natureza inteira está imersa no fluido divino. Ora, em virtude do princípio de que as partes de um todo são da mesma natureza e têm as mesmas propriedades do todo, cada átomo desse fluido, se assim podemos nos exprimir, possuiria o pensamento, isto é, os atributos essenciais da divindade, e estando esse fluido por toda parte, tudo está sujeito à sua ação inteligente, à sua previsão, à sua solicitude. Não haverá um ser, por mais ínfimo que seja, que não esteja de alguma forma imerso nele. Estamos, assim, constantemente em presença da divindade e não podemos subtrair uma só de nossas ações, do seu olhar; nosso pensamento está em contato incessante com seu pensamento, e é com razão que se diz que Deus lê nas mais profundas entranhas do nosso coração; estamos nele, como ele está em nós, conforme a palavra de Cristo.
Para estender sua solicitude sobre todas as criaturas, Deus não tem necessidade de lançar seu olhar do alto da imensidão. Para que ouça nossas preces, não tem necessidade de transpor o espaço, nem que elas sejam ditas com voz retumbante, porque estando Deus incessantemente ao nosso lado, nossos pensamentos repercutem nele; são como os sons de um sino que fazem vibrar todas as moléculas do ar ambiente.
26. Longe de nós o pensamento de materializar a divindade. A imagem de um fluido inteligente universal é, evidentemente, apenas uma comparação capaz de dar uma ideia mais justa de Deus, que as pinturas que o representam sob uma figura humana. Essa comparação só objetiva a compreensão da possibilidade de Deus estar por toda parte e de se ocupar de tudo.
Vemos, portanto, que o Fluido Cósmico Universal, que origina toda a matéria, em qualquer estado possível, permeia a tudo. É esse fluido, conforme demonstra o Espiritismo, que conduz o pensamento por toda a parte. É por isso que é fácil entender que Deus está em tudo e que não é necessário se ajoelhar, olhar para o alto e formular certas palavras: ele ouve e conhece nossos mais íntimos pensamentos e necessidades.
Aliás, é esse mesmo fluido que conduz o nosso pensamento através do espaço infinito e chega até o pensamento de um Espírito em que pensemos:
Os fluidos espirituais que constituem um dos estados do fluido cósmico universal são a atmosfera dos seres espirituais. É o elemento de onde eles extraem os materiais sobre os quais agem; o meio onde se passam os fenômenos especiais, perceptíveis à vista e ao ouvido do Espírito e que escapam aos sentidos carnais impressionados somente pela matéria tangível. É, enfim, o veículo do pensamento, como o ar é o veículo do som
ibidem
É por esse motivo, que os Espíritos – bons ou maus – vêm, quase sempre prontamente, ao nosso chamado mental. E é em decorrência desse princípio que precisamos reconhecer que nunca estamos desprovidos de companhia, já que essa companhia não precisa ser “física”, como um Espírito que fique conosco durante todo o tempo. Um bom Espírito, inclusive um Espírito protetor ou anjo guardião, não precisa estar “plantado” ao nosso lado: basta que seu pensamento esteja projetado sobre nós e, da mesma forma, que o nosso pensamento esteja projetado sobre o dele.
É pela mesma ação dos fluidos que nos fazemos capazes de assimilar intuições e influências boas ou más, mesmo que de forma inconsciente. Se estamos nos esforçando em viver no bem (e não apenas fazer o bem, o que é muito diferente) nossos pensamentos moldam a vibração dos fluidos à nossa volta, nos tornando mais acessíveis aos bons Espíritos. O mesmo ocorre, em sentido contrário, quando estamos desligados do bem, isto é, mergulhados nas paixões e nos maus hábitos. É por isso que, nesse estado, é dito, nas obras do Espiritismo, que os bons Espíritos se afastam de nós. Não é que eles voltem suas costas para nós e nossas necessidades, pois, mesmo o Espírito mais apegado ao mal, ainda assim contará com a simpatia de Espíritos superiores, mas é que, nesse estado mental, adensamos nossos perispírito e os fluidos ao nosso redor, nos tornando inacessíveis aos bons fluidos, isto é, aos bons pensamentos dos Espíritos superiores.
Perguntamos, então: como sair do último estado? Ora, relativamente simples: através do esforço constante e dedicado na melhoria dos próprios pensamentos e ações, o que pode ser muito auxiliado pela ação da prece, que é (deve ser) uma ação honesta de buscar, pelo pensamento, modificar as próprias disposições mentais a fim de pedir auxílio, o que já ficou demonstrado que não é difícil, já que Deus está à nossa volta e em nós. Basta desejar a própria modificação, honestamente, reconhecendo a própria situação de penúria, causada pelo mau uso das faculdades da inteligência, e os bons Espíritos virão em nosso socorro, para dar suporte à nossa ação, mas jamais para fazer o trabalho que deve ser feito por nós. E de que forma eles agirão? Nos influenciando, e as pessoas à nossa volta, para nos conduzir às oportunidades, e também às provas, necessárias para a nossa modificação.
O fato de serem os Espíritos que vêm nos acudir, e não o próprio Deus em pessoa, não O diminui em absolutamente nada, pois é por Sua Criação e por Suas Leis que tudo age. É nesse sentido que podemos explicar aquele provérbio citado acima: “nem uma folha cai sem que Deus queira”, quer dizer que até mesmo uma folha que cai de uma árvore está respondendo a uma Lei da Natureza, Criação de Deus, e não que Deus tome de Sua atenção para dizer “esta folha vai cair agora, mas aquela outra, não”. É lógico entender que Deus sabe de tudo, pois, se não soubesse, não seria Deus, mas, da mesma forma, é lógico entender que ele não precisa interferir em nada, por sua criação ser perfeita.
Chegados a este ponto, não podemos deixar de destacar a total incoerência pregada pelas religiões humanas, por todos os tempos, que visam, para fins de controle de seus fiéis, “roubar” Deus para si, afirmando que Deus está somente dentro da Igreja, ou que Deus beneficia mais àqueles que seguem aquela religião, lhes conferindo prêmios e títulos de posses, riquezas materiais, etc.
A Kardec, um Espírito disse que “Deus não permitiria” que um Espírito inferior se materializasse numa forma horrenda, para assustar. Nós havíamos constatado que é claro que existia uma lei que ainda não conhecemos. Então, num dos últimos estudos da Revista Espírita, outro Espírito deu a entender que as materializações e os fenômenos físicos, causados por Espíritos inferiores, sempre se dão por “comando” de Espíritos superiores, com um propósito. É por isso, segundo entendemos, que um Espírito inferior não poderia se materializar de forma horrenda: porque um Espírito superior não o ajudaria a fazê-lo.
A criação divina é, entendemos, autônoma. Deus, intervindo, praticaria a heteronomia. Então, se ele poderia intervir em certos aspectos, por que não interviria em todos? Por que Ele próprio não interviria, por exemplo, para extinguir uma guerra ou a violência, ou, antes, para sequer deixá-la iniciar? Caímos, então, nas questões que aqueles que se guiam pelos princípios heterônomos das religiões caem, muitas vezes causando, neles, um completo abandono da espiritualidade.
Racionalmente, entendemos que Deus fez suas leis, e são elas que agem no Universo. Sua própria criação, que nos parece imperfeita, quando olhamos de um aspecto muito mesquinho de nossas vistas inferiores, é, na verdade, perfeita no todo, e se regula por si própria no caminho da evolução.
Isso tudo explicado dessa forma, fica racionalmente fácil entender que não existe destino predeterminado por Deus em nossas vidas, e que nós agimos segundo nosso livre-arbítrio, sempre, desde que conquistamos nossa consciência. Mas isso é assunto para outro artigo.
Encerremos com essa belíssima reflexão, dada por São Luís e Santo Agostinho, a respeito da doutrina dos anjos guardiões, em O Livro dos Espíritos:
495. Poderá dar-se que o Espírito protetor abandone o seu protegido, por se lhe mostrar este rebelde aos conselhos?
“Afasta-se, quando vê que seus conselhos são inúteis e que mais forte é, no seu protegido, a decisão de submeter-se à influência dos Espíritos inferiores. Mas não o abandona completamente e sempre se faz ouvir. É então o homem quem tapa os ouvidos. O protetor volta desde que este o chame.
“É uma doutrina, esta, dos anjos guardiães, que, pelo seu encanto e doçura, deveria converter os mais incrédulos. Não vos parece grandemente consoladora a ideia de terdes sempre junto de vós seres que vos são superiores, prontos sempre a vos aconselhar e amparar, a vos ajudar na ascensão da abrupta montanha do bem; mais sinceros e dedicados amigos do que todos os que mais intimamente se vos liguem na Terra? Eles se acham ao vosso lado por ordem de Deus. Foi Deus quem aí os colocou e, aí permanecendo por amor de Deus, desempenham bela, porém penosa missão. Sim, onde quer que estejais, estarão convosco. Nem nos cárceres, nem nos hospitais, nem nos lugares de devassidão, nem na solidão, estais separados desses amigos a quem não podeis ver, mas cujo brando influxo vossa alma sente, ao mesmo tempo que lhes ouve os ponderados conselhos.
“Ah! se conhecêsseis bem esta verdade! Quanto vos ajudaria nos momentos de crise! Quanto vos livraria dos maus Espíritos! Mas, oh! Quantas vezes, no dia solene, não se verá esse anjo constrangido a vos observar: “Não te aconselhei isto? Entretanto, não o fizeste. Não te mostrei o abismo? Contudo, nele te precipitaste! Não fiz ecoar na tua consciência a voz da verdade? Preferiste, no entanto, seguir os conselhos da mentira!” Oh! Interrogai os vossos anjos guardiães; estabelecei entre eles e vós essa terna intimidade que reina entre os melhores amigos. Não penseis em lhes ocultar nada, pois que eles têm o olhar de Deus e não podeis enganá-los. Pensai no futuro; procurai adiantar-vos na vida presente. Assim fazendo, encurtareis vossas provas e mais felizes tornareis as vossas existências. Vamos, homens, coragem! De uma vez por todas, lançai para longe todos os preconceitos e pensamentos ocultos. Entrai na nova senda que diante dos passos se vos abre. Caminhai! Tendes guias, segui-os, que não falhareis em atingir a meta, porquanto essa meta é o próprio Deus.
“Aos que considerem impossível que Espíritos verdadeiramente elevados se consagrem a tarefa tão laboriosa e de todos os instantes, diremos que nós vos influenciamos as almas, estando embora muitos milhões de léguas distantes de vós. O espaço, para nós, nada é, e não obstante viverem noutro mundo, os nossos Espíritos conservam suas ligações com os vossos. Gozamos de qualidades que não podeis compreender, mas ficai certos de que Deus não nos impôs tarefa superior às nossas forças e de que não vos deixou sós na Terra, sem amigos e sem amparo. Cada anjo guardião tem o seu protegido, pelo qual vela, como o pai pelo filho. Alegra-se, quando o vê no bom caminho; sofre, quando ele lhe despreza os conselhos.
“Não receeis fatigar-nos com as vossas perguntas. Ao contrário, procurai estar sempre em relação conosco. Sereis assim mais fortes e mais felizes. São essas comunicações de cada um com o seu Espírito familiar que fazem sejam médiuns todos os homens, médiuns ignorados hoje, mas que se manifestarão mais tarde e se espalharão qual oceano sem margens, levando de roldão a incredulidade e a ignorância. Homens doutos, instruí os vossos semelhantes; homens de talento, educai os vossos irmãos. Não imaginais que obra fazeis desse modo: a do Cristo, a que Deus vos impõe. Para que vos outorgou Deus a inteligência e o saber, senão para os repartirdes com os vossos irmãos, senão para fazerdes que se adiantem pela senda que conduz à bem-aventurança, à felicidade eterna?”
São Luís, Santo Agostinho
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