Ação do Espírito sobre a matéria
Postulado. A teoria de Mesmer e a Doutrina Espírita afirmam que os Espíritos agem sobre a matéria apenas através do pensamento e da vontade:
Os Espíritos agem sobre os fluidos espirituais, não os manipulando como os homens manipulam os gases, mas com a ajuda do pensamento e da vontade, que são para o Espírito o que a mão é para o homem.
(KARDEC, [1868] 2018, P. 290)
Para Mesmer, não existem fluidos, como a ciência de sua época postulava, como os fluidos calórico, elétrico, magnético, vital, etc. Sua teoria concebia o Fluido Cósmico Universal, de onde toda a matéria seria formada e que, portanto, preenche a tudo, como se fôssemos peixes, mergulhados no oceano((FIGUEIREDO, Paulo Henrique de. Mesmer – A Ciência Negada do Magnetismo Animal. FEAL, 2022)). Os diferentes estados da matéria estariam ligados a um diferente estado de onda, o que é comprovado pela física moderna. Assim, para um Espírito agir sobre a matéria fluídica, ele não age com suas mãos ou com força física, mas através de sua vontade. É assim que um Espírito pode, pelo seu perispírito, aparecer de diferentes formas, moldando-o como quiser. Contudo, ele somente pode agir sobre a matéria fluídica. Para agir sobre a matéria mais densa, é necessário algo a mais: ou um corpo, no qual se encarne, ou um corpo cujo controle é momentaneamente cedido por outro Espírito encarnado, ou, simplesmente, o auxílio de um encarnado, lúcido e por sua própria vontade.
É por esse princípio que um Espírito, como ficou comprovado nas experiências à época de Kardec, NÃO PODE se fazer visível, materialmente, muito menos tangível, sem a existência de um médium especial, que lhe forneça o “ectoplasma”, que seria uma espécie de fluido espiritual mais animalizado. Não fosse assim — o que está determinado pelas leis da Natureza, ou Leis Divinas — bastaria um Espírito, que queira fazer o mal, tomar uma faca ou uma pistola e cometer um crime qualquer. Ele pode, contudo, inspirar alguém a fazê-lo, sendo que essa pessoa, ao aceitar a sugestão, tem sua própria responsabilidade.
Espíritos agem sobre os fenômenos da Natureza?
De início, vamos encontrar algo que parece incongruente com tudo o que foi dito até aqui. Deixo claro que, neste tópico, estou me apoiando naquilo que nasceu do meu entendimento, e não totalmente em postulados do Espiritismo.
Primeiramente temos a questão nº 537 de O Livro dos Espíritos:
537. A mitologia dos antigos se fundava inteiramente em ideias espíritas, com a única diferença de que consideravam os Espíritos como divindades. Representavam esses deuses ou esses Espíritos com atribuições especiais. Assim, uns eram encarregados dos ventos, outros do raio, outros de presidir ao fenômeno da vegetação, etc. Semelhante crença é destituída de fundamento?
“Tão pouco destituída é de fundamento, que ainda está muito aquém da verdade.”
Então os Espíritos estão dizendo que existem aqueles que governam os fenômenos da Natureza? Parece que sim. Mas, em primeiro lugar, fomos ensinados, por Kardec, a nada aceitar sem passar pelo crivo da razão. Ora, conhecemos hoje as forças da natureza que fazem surgirem as tempestades. Conhecemos a ação da temperatura sobre os ventos, a razão da formação das nuvens que geram as precipitações e até mesmo a razão da descarga elétrica pelos raios. São fenômenos tão predizíveis que já existem modelos matemáticos computacionais que conseguem predizer, com grande taxa de acerto, quando e quanto vai chover, e com algumas semanas de antecedência.
Então, por que é que haveria de existirem Espíritos comandando algo previsível e que obedece às Leis da Natureza?
Prossigamos para a questão 538:
538. Formam categoria especial no mundo espírita os Espíritos que presidem aos fenômenos da natureza? Serão seres à parte, ou Espíritos que foram encarnados como nós?
“Que foram ou que o serão.”
a) – Pertencem esses Espíritos às ordens superiores ou às inferiores da hierarquia espírita?
“Isso é conforme seja mais ou menos material, mais ou menos inteligente o papel que desempenhem. Uns mandam, outros executam. Os que executam coisas materiais são sempre de ordem inferior, assim entre os Espíritos, como entre os homens.”
Assim, fica entendido que os Espíritos mais elevados não interagiriam diretamente sobre os elementos, mas deixam isso para os Espíritos menos desenvolvidos — o que é racional, afinal isso se torna um exercício de aprendizado para esses também. Segue Kardec, com grifos meus:
539. A produção de certos fenômenos, das tempestades, por exemplo, é obra de um só Espírito, ou muitos se reúnem, formando grandes massas, para produzi-los?
“Reúnem-se em massas inumeráveis.”
540. Os Espíritos que exercem ação nos fenômenos da natureza operam com conhecimento de causa, usando do livre-arbítrio, ou por efeito de instintivo ou irrefletido impulso?
“Uns sim, outros não. Estabeleçamos uma comparação. Considera essas miríades de animais que, pouco a pouco, fazem emergir do mar ilhas e arquipélagos. Julgas que não há aí um fim providencial e que essa transformação da superfície do globo não seja necessária à harmonia geral? Entretanto, são animais de ínfima ordem que executam essas obras, provendo às suas necessidades e sem suspeitarem de que são instrumentos de Deus. Pois, bem: do mesmo modo, os Espíritos mais atrasados oferecem utilidade ao conjunto. Enquanto se ensaiam para a vida, antes que tenham plena consciência de seus atos e estejam no gozo do livre-arbítrio, atuam em certos fenômenos, de que inconscientemente se constituem os agentes. Primeiramente, executam. Mais tarde, quando suas inteligências já houverem alcançado um certo desenvolvimento, ordenarão e dirigirão as coisas do mundo material. Depois, poderão dirigir as do mundo moral. É assim que tudo serve, que tudo se encadeia na natureza, desde o átomo primitivo até o arcanjo, que também começou pelo átomo. Admirável lei de harmonia, que o vosso acanhado espírito ainda não pode apreender em seu conjunto!”
Aqui chegamos a algo muito importante. Na resposta à questão n.º 539, fica esclarecido que os Espíritos a agir sobre tais fenômenos agem reunidos em massas. Não é um Espírito, então, que interage sobre esses fenômenos. Sendo que são massas de Espíritos, na questão n.º 540 Kardec busca entender se essas massas são inteligentes e racionais, agindo por sua vontade, ou não.
Observemos, primeiramente, algo importante: o Espírito não utiliza as tempestades para exemplificar sua resposta, mas usa o exemplo de uma ilha que pode ser formada pela ação de infinitos minúsculos animais, com a ação do tempo, como se dá com os corais. Na pergunta n.º 537, é Kardec quem dá vários exemplos das possibilidades de ação espiritual, incluindo, dentre elas, os ventos, os raios e os fenômenos da vegetação. A resposta do Espírito, limitada por diversas questões, sendo a primeira dela o compromisso de não revelar ao homem aquilo que ele mesmo deve concluir, pela ciência, foi respondida de forma genérica, e se encaixa bem com os fenômenos da última classe.
A resposta à questão n.º 540 demonstra que os seres inferiores (do ponto de vista evolutivo) obedecem às leis da natureza, isto é, ao instinto, de forma cega, mas que, ao fazer assim, atendem a um propósito maior. Esse propósito maior não se cumpre por milagres ou trancos, mas sim através das leis da Natureza, que são as leis de Deus, que visam a harmonia geral. Isso quer dizer que não são Espíritos de qualquer classe que provocam um desastre natural, mas a consequência, justamente, da Natureza. Um desastre pode se dar, por exemplo, pela ação de bactérias que, lentamente, corroam o ferro de uma ponte que, em certo momento, cai, ou pela ação de fungos que atuem de certa forma em um solo de região montanhosa que, saturado então pela chuva, se torne encharcado e deslize sobre toda uma cidade.
E aqui chegamos a um ponto importante: os seres vivos mais simples, desde a célula, o vírus e a bactéria, também tem um princípio espiritual. Estaria explicado, portanto, os Espíritos reunidos em “massas inumeráveis”, governadas pela Natureza, que fazem a harmonia que nosso “acanhado espírito ainda não pode apreender em seu conjunto”.
Então, quando se diz que os Espíritos presidem sobre os fenômenos da Natureza, o que está sendo dito é que existem os Espíritos mais elevados, que, pela sua influência, governam os menos elevados, ligados diretamente à matéria.
Pode um Espírito agir diretamente sobre a matéria?
Creio que a questão ficou bem esclarecida, mas, para reforçar o conceito, vamos recorrer novamente a O Livro dos Espíritos. Nas três questões seguintes e em suas respostas, está muito claro o princípio de que os Espíritos não podem agir diretamente sobre a matéria:
526. Tendo, como têm, ação sobre a matéria, podem os Espíritos provocar certos efeitos, com o objetivo de que se dê um acontecimento? Por exemplo: um homem tem que morrer; sobe uma escada, a escada se quebra e ele morre da queda. Foram os Espíritos que quebraram a escada, para que o destino daquele homem se cumprisse?
“É exato que os Espíritos têm ação sobre a matéria, mas para cumprimento das leis da natureza, não para as derrogar, fazendo que, em dado momento, ocorra um sucesso inesperado e em contrário àquelas leis. No exemplo que figuraste, a escada se quebrou porque se achava podre, ou por não ser bastante forte para suportar o peso de um homem. Se era destino daquele homem perecer de tal maneira, os Espíritos lhe inspirariam a ideia de subir a escada em questão, que teria de quebrar-se com o seu peso, resultando-lhe daí a morte por um efeito natural e sem que para isso fosse mister a produção de um milagre.”
527. Tomemos outro exemplo, em que não entre a matéria em seu estado natural. Um homem tem que morrer fulminado pelo raio. Refugia-se debaixo de uma árvore. Estala o raio e o mata. Poderá dar-se tenham sido os Espíritos que provocaram o raio, dirigindo-o para o homem?
“Dá-se o mesmo que anteriormente. O raio caiu sobre aquela árvore em tal momento porque estava nas leis da natureza que assim acontecesse. Não foi encaminhado para a árvore por se achar debaixo dela o homem. A este, sim, foi inspirada a ideia de se abrigar debaixo de uma árvore sobre a qual cairia o raio, porquanto a árvore não deixaria de ser atingida, só por não lhe estar debaixo da fronde o homem.”
528. No caso de uma pessoa mal intencionada disparar sobre outra um projétil que apenas lhe passe perto sem a atingir, poderá ter sucedido que um Espírito bondoso haja desviado o projétil?
“Se o indivíduo alvejado não tem que perecer desse modo, o Espírito bondoso lhe inspirará a ideia de se desviar, ou então poderá ofuscar o que empunha a arma, de sorte a fazê-lo apontar mal, porquanto, uma vez disparada a arma, o projétil segue a linha que tem de percorrer.”
Os Espíritos não derrogam as Leis da Natureza por um princípio moral, mas simplesmente porque essas Leis são naturais e se cumprem tanto quanto se cumpre que, sobre a superfície de um corpo celeste qualquer, ao soltar um objeto, ele vai cair, por conta da lei da gravidade, com uma velocidade que dependerá da massa desse corpo (planeta, estrela, etc.).
Conclusões
A digressão realizada até aqui serviu para dar um maior embasamento a outro artigo de minha autoria, “Magia negra, feitiços, banhos de sal grosso e ervas, amuletos, wicca: tudo isso existe?” (clique aqui para ler). A magia, como muitos imaginam, não existe. Caso contrário, estaríamos sujeitos a sermos atingidos, contra a nossa vontade, e não importa o quão no bem estejamos, por um feitiço qualquer. Podemos, é claro, ser atingidos por meios materiais, pela ação da vontade de indivíduo, secundado ou não por Espíritos encarnados. Mas, por meios não materiais, o máximo possível é que um Espírito interaja sobre a matéria fluídica, que, para se identificar com a nossa, depende exclusivamente da nossa permissão ostensiva ou da nossa impotência em combatê-la, por não termos subsídios morais para tanto.
E você, o que achou de todo esse pensamento desenvolvido aqui? Deixe seu comentário abaixo!