Espiritismo e Ciência: superando desafios e erros modernos
O Espiritismo, como ciência de aspecto filosófico e consequências morais ((O Espiritismo somente pode ser visto como religião do ponto de vista filosófico, disse Kardec, justamente se baseando na filosofia de então, o Espiritualismo Racional, de onde o Espiritismo se desenvolveu.)), formada através do método científico, vive desafios de todos os lados. Colocado em figura, parece-se com a mais bela flor, do mais suave perfume e das maiores propriedades curativas, abafadas pelos espinhos e pelas ervas-daninhas.
Surgem de todos os lados as mais diversas dificuldades, nascidas principalmente de uma falta de empenho, de zelo e de cuidado. Sob essa nomenclatura, admitem quaisquer tipos de ideias, provenientes da boca ou da intermediação mediúnica de indivíduos tornados ícones inquestionáveis. Não bastasse isso, ausentes de conhecimento sobre o que seja ciência e sobre o necessário método científico, responsável justamente pela força inatacável da Doutrina nascida dos estudos coordenados por Allan Kardec, a maioria dos pesquisadores modernos promove, no meio espírita, novas ideias, novas teorias, distraindo-se do ponto essencial: as evocações, produzindo ensinamentos concordantes entre si, então submetidos à análise racional, frente à ciência humana e frente àquilo que já havia sido construído pelo mesmo método.
Método Científico
Retomemos, por um momento, a questão da definição do método científico, exemplificado na figura em anexo. Para quem se dedicou a estudar pelo menos o primeiro ano da Revista Espírita (1858), ficará muito fácil identificar os mesmos passos tomados por Kardec:
- a observação sistemática e controlada de certos fenômenos e, depois, das evocações;
- a verificação de fatos identificados;
- a investigação de hipóteses, que formam uma teoria, coesa em si mesma, de onde se obtêm implicações, conclusões e previsões;
- a realização de experimentos, através das evocações, de onde se obtém novas observações, analisadas racional e logicamente;
- daí, a observação de novos fatos, que corroborarão ou não com a teoria;
- por final, agregar os resultados dessas observações à teoria científica, se corroborarem com ela, ou reciclar hipóteses, realizando novas observações e percorrendo, novamente, o mesmo método.
Um fato muito notável, que denota o rigor científico de Kardec e o seu compromisso indissolúvel com a ciência verdadeira, é que ele nunca se apegou a qualquer ideia no estudo do Espiritismo. Quem passou sobre o estudo da Revista Espírita de 1858 e 1859 já compreende isso muito bem. Um exemplo disso é o estudo tratado principalmente a partir da RE de julho de 1859, iniciando no artigo O Zuavo de Magenta e concluído (pelo menos de momento) nos artigos do mês seguinte. Destacamos o estudo no artigo Materialidade de Além-Túmulo.
E é justamente nesse ponto, o do apego às ideias, somados à ausência do método necessário, que erra a imensa maioria dos pesquisadores modernos do Espiritismo.
O erro do movimento espírita moderno
O grande problema surge a partir do momento em que, abandonando o método científico indispensável para a ciência espírita, o Movimento Espírita passou a admitir teorias contrárias aos princípios já solidificados pelo mesmo método, tais como as ideias de colônias espirituais, umbral, etc., caindo no erro mais básico do espírita empolgado: crer cegamente nas opiniões dos Espíritos.
Não dizemos que o Espiritismo, estudado por Kardec, já tenha observado tudo o que há para ser observado. É claro que não. O que dizemos é que o movimento espírita moderno criou um grande conjunto de teorias que não podem enfrentar o método científico, porque não passaram por ele!
Encontramos, muito frequentemente, mesmo aqueles pesquisadores dedicados e de boa vontade — não tomaremos deles esse ímpeto verdadeiro — que, contudo, apegam-se às mais diversas ideias e que muito rapidamente se mostram irritado pela contradita daquilo que, cientificamente, faz parte dos princípios doutrinários do Espiritismo.
A base da metodologia indispensável no Espiritismo
Retomemos, aqui, o que está destacado em nossa página inicial – uma citação de Allan Kardec em A Gênese:
Generalidade e concordância no ensino, esse o caráter essencial da doutrina, a condição mesma da sua existência, donde resulta que todo princípio que ainda não haja recebido a consagração do controle da generalidade não pode ser considerado parte integrante dessa mesma doutrina. Será uma simples opinião isolada, da qual não pode o Espiritismo assumir a responsabilidade.
Essa coletividade concordante da opinião dos Espíritos, passada, ao demais, pelo critério da lógica, é que constitui a força da doutrina espírita e lhe assegura a perpetuidade.
Allan Kardec — A Gênese
A afirmação acima destacada, feita por Kardec, não é mero fruto de uma sistematização pessoal. Muito pelo contrário: ela representa o método científico necessário para o estudo e o desenvolvimento do Espiritismo. Não basta que um mesmo princípio seja consagrado pela generalidade (o que requer o emprego das evocações, porque não basta que apenas nos coloquemos no papel de ouvir e aceitar o que dizem os Espíritos); não: é necessário, além disso, que essa coletividade concordante da opinião dos Espíritos seja passada pelo critério da lógica, o que quer dizer confrontá-la frente à ciência humana e o método científico, para que, apenas assim, possa ser tomada como princípio do Espiritismo.
Note, ademais, o termo “opinião” utilizado por Kardec, não por acaso: o que dizem os Espíritos, através das comunicações mediúnicas, são opiniões próprias, nascidas de seus conhecimentos e suas próprias observações, quando não são frutos de uma deliberada intenção de mistificar, isto é, promover falsas ideias. Acontece nos melhores grupos. As opiniões dos Espíritos, como as opiniões dos seres humanos, podem estar carregadas de crenças, falsas ideias, pouco conhecimentos, ilusões, etc. Como, então, analisá-las de forma científica? Através da observação psicológica dessas comunicações.
As nuances em uma ciência psicológica
Quem já estudou pelo menos os dois primeiros anos da Revista Espírita nota que, ainda ao final do segundo ano, Kardec continua frequentemente questionando ao Espírito comunicante como ele chegou ali, como ele se apresenta, como ele vê outros Espíritos, etc. Se uma resposta destoar da teoria científica ou trouxer novos fatos, será investigado pelas evocações e segundo o método científico — o que não é realizado hoje em dia.
Kardec investigou, dentre tantas coisas, a questão da dor no Espírito. Houve aqueles que afirmaram sentirem frio ou calor; dores; fome; vermes roendo seu corpo, etc. Foi pelo estudo dedicado, pela análise racional nas nuances psicológicas dessas comunicações, que Kardec chegou a diversos princípios científicos doutrinários. Um exemplo disso é a comunicação do Espírito do assassino Lemaire na RE de março de 1858:
6. Imediatamente após a tua execução, tiveste consciência de tua nova existência? — Eu estava mergulhado numa perturbação imensa, da qual ainda não saí. Senti uma grande dor; parece que meu coração a sentiu. Vi qualquer coisa rolar ao pé do cadafalso. Vi o sangue correr e minha dor tornou-se mais pungente.
Kardec poderia facilmente, não fosse seu rigor científico, admitir que o Espírito sofria materialmente de uma dor no coração. Mas ele investiga:
7. Era uma dor puramente física, semelhante à causada por uma ferida grave, como, por exemplo, a amputação de um membro? — Não. Imagina um remorso, uma grande dor moral.
Poderíamos citar uma enorme diversidade de casos que ilustram esse princípio científico, mas deixamos a cargo da curiosidade sadia do leitor o propósito de estudar a Doutrina que abraça.
O Espiritismo precisa de defesa
Deixar de lado o método científico é um grande erro da maior parte dos pesquisadores modernos do Espiritismo, que visa construir novos princípios doutrinários sem passar por esse processo, quando deveria estar não só praticando as evocações, frente ao estudo dedicado da Revista Espírita, como também deveria estar a todo tempo incitando o movimento espírita a fazê-lo.
Por não fazê-lo, jogam mais uma pá de cal sobre o Espiritismo, produzindo, dele, uma má impressão e uma falsa ideia ante o meio científico, que não o reconhece como algo nascido da ciência, mas como uma mera crendice supersticiosa ou uma religião. Não são raras as vezes em que me deparo com alegações de pessoas que, não tendo tido a chance de conhecer o que realmente seja o Espiritismo, dele se afastaram por não poder admitir, pela razão, que, por exemplo, um Espírito tenha que tomar um ônibus voador para se locomover.
Temos muito a fazer e você já deve ter percebido que o primeiro passo é estudar.