O princípio da felicidade e da infelicidade

No que tange ao nosso estado de Espírito, os sentimentos que mais nos afetam são aqueles de felicidade e infelicidade… Ou, pelo menos, assim acreditamos. Dessa forma, a sociedade em geral vivem em uma busca da felicidade, quase sempre sem resultados duradouros, felicidade esta que, quando não alcançada, remete aos estados gerais que frequentemente conduzem aos abismos da depressão ou da melancolia.

Começo dizendo, prezado leitor, que a quase total ausência de rumo e de entendimento atuais se devem ao esquecimento do Espiritualismo Racional. Tendo transformado o homem em máquina biológica, ausente de uma alma, o materialismo tirou, da moral, a sua essência primordial, que o Espírito em seu papel de causa primeira de tudo o que se passa na matéria.

Paulo Henrique de Figueiredo diz:

As doutrinas religiosas e também o pensamento materialista são heterônomos, pois partem do princípio de que a moral estaria fundamentada na dor e no prazer, que são impulsos inatos e ligadas ao instinto e à sobrevivência, são sensações que surgem de alterações fisiológicas, próprias do corpo biológico. A falsa ideia do castigo divino para a criatura culpada aponta dogmaticamente a existência da dor física após a morte, causada pelo ambiente do inferno, por toda a eternidade. Por outro lado, prazeres e eterna contemplação para os eleitos no Céu. Já o Espiritismo vai demonstrar, pela primeira vez, em sua moral autônoma, a existência de sensações íntimas próprias do espírito, que são a felicidade e a infelicidade, dando a esses termos definições específicas

KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. Editora FEAL, 2021. Nota do Editor.

O Espiritismo, que se desenvolveu do Espiritualismo Racional – “movimento” que formou os mais ilustres pensadores do século XIX, tinha, de forma muito resumida((recomendo, para melhor compreensão, o estudo da obra O Céu e o Inferno, de Allan Kardec, pela editora FEAL, com comentários de Paulo Henrique de Figueiredo, e da obra “Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo”, do mesmo autor. Outra sugestão é procurar os vídeos com participação do Paulo, no YouTube)), na moral, os conceitos de felicidade e infelicidade muito bem definidos como conquistas da alma, ao passo que, do corpo ou da matéria, fazem parte as emoções, sejam elas o medo, a tristeza, a alegria, a raiva, etc. Também, no aspecto da matéria, devemos citar as sensações, como o prazer e a dor, que são o resultado imediato da impressão física captada pelos nervos e conduzida ao cérebro.

Como Espíritos encarnados, estamos todos sujeitos às condições da matéria. Por mais evoluído que um Espírito possa ser, o fato de receber uma martelada na mão vai causar muita dor, talvez a mesma que para todos os outros, mas o detalhe é que o Espírito superior não vai se apegar àquela dor ou ao indivíduo que eventualmente a tenha provocado — o que é um muito importante.

Temos, assim, bem separados, o que é do Espírito e o que é da matéria. De forma muito simplória, e contando com a boa vontade do leitor em acreditar que isso que estou dizendo está baseado nos estudos das obras originais de Allan Kardec, pelo que ele pode conferir por si mesmo, concluímos que as emoções do corpo não tem nada a ver, a priori, com os sentimentos da alma ou do Espírito. A felicidade tem a ver com as conquistas do Espírito, ao passo que a infelicidade tem a ver com a inferioridade dele. Um Espírito, encarnado, pode ser muito infeliz, apesar de rico e com todos os recursos de prazeres e alegrias ao seu alcance, ao passo que outro pode ser muito feliz morando num casebre de barro. Um Espírito encarnado num corpo são pode ser muito depressivo ou raivoso, ao passo que outro, num corpo deformado ou doente, pode ser muito calmo, feliz e bondoso.

Para formar um entendimento melhor, vamos falar sobre a infelicidade. Ela é muitas vezes confundida com as emoções e as dores humanas, mas, como vimos, não reside nelas. A infelicidade, na verdade, é o quanto o Espírito está afastado da felicidade. Parece bem óbvio isso, mas deixe-me explicar: a felicidade é viver sob a lei de Deus, isto é, viver no bem. A ausência dela, a infelicidade, é viver afastado do bem, sob o império das imperfeições que nos conduzem ao erro e ao sofrimento, sendo este o resultado das ações realizadas, e não uma punição divina.

Eis aí a grande chave para o entendimento da moral e da busca necessária, do ser humano, pela felicidade: ela não reside nas coisas passageiras da matéria, nem nos prazeres, nem nas paixões. Ela reside na alma, como resultado de uma conquista interior, individual e intransferível.

Diz Paulo Henrique, na mesma obra:

Já na lei que rege o espírito humano, que tem no mundo espiritual sua vida principal, o aperfeiçoamento das faculdades por seu esforço é a sua meta, fazendo uso das reencarnações como meio de progresso. A felicidade não é como a sensação fisiológica do prazer; é um estado ou sensação íntima do espírito, inerente ao seu aperfeiçoamento intelecto-moral. A todo ato do bem corresponde uma sensação de felicidade, e o desenvolvimento de virtudes, conhecimento e habilidades torna essa condição progressiva, até a felicidade plena dos espíritos puros. Por outro lado, a condição de imperfeição é inerente ao sofrimento moral, que vai durar até que o espírito supere a imperfeição por seu esforço. Trata-se de estados e sentimentos íntimos do espírito, em nada dependentes de algo que lhes seja exterior. Essas são as leis da alma, que regem o mundo moral. Assim Kardec se expressou, no item 2o, do Capítulo VIII:

“Sendo todos os espíritos perfectíveis, em virtude da lei do progresso, trazem em si os elementos de sua felicidade ou de sua infelicidade futura e os meios de adquirir uma e de evitar a outra trabalhando em seu próprio adiantamento. (p. 132)”

Os elementos da sua felicidade ou da sua infelicidade estão no próprio espírito; depende dele proporcionar-se um ou outro. Desse modo, a felicidade não é uma concessão ou uma graça divina, mas uma conquista do próprio ser. Tampouco a infelicidade é um castigo, mas uma condição criada quando o espírito desenvolve uma imperfeição que termina quando ele próprio a desfaz.

Ibidem

Podemos ficar muito alegres por vivenciar momentos descontraídos e divertidos com os amigos, mas, cessados esses momentos, o que permanece é o nosso estado de Espírito. Podemos ficar contentes comprando coisas para nos vestir bem ou comendo iguarias saborosas… Mas, cessadas essas ações, permanece, ainda, o mesmo estado de alma. E aqui chegamos a algo muito importante: essa constante perseguição pela felicidade nas coisas e nas ocasiões, ao invés de buscá-la na conquista interior, frequentemente nos conduz às imperfeições!

O homem, ao buscar a satisfação de seus desejos e instintos, confundindo essa busca com a busca pela felicidade, pode “exagerar na dose”. Tomemos o exemplo da compra de bens materiais: uma pessoa que vincule as posses à sensação da felicidade, quando não puder atender a essa vontade com seus próprios recursos, pode ser levada a cometer o crime do roubo ou do furto, a fim de satisfazê-la. Apenas nesse exemplo, temos a cobiça e o egoísmo sendo cultivados. Se repetidos, formando hábitos, poderão se instalar na alma, como imperfeições, que produzirão sofrimentos que, para serem superados, terão que ser compreendidos e enfrentados ativamente, pela vontade do Espírito, o que, comumente, leva mais de uma encarnação para ser alcançado.

Continua Paulo Henrique:

Toda imperfeição é fruto da livre escolha do espírito, que, por apego à matéria, usa as faculdades da alma para agir de forma a conquistar prazer (sensação) e alegria (emoção). Esse ato de abuso, transformado em hábito, é a imperfeição, que tem como consequência inerente o sofrimento moral, ou infelicidade (sensação do espírito). Essa condição é transitória, pois, superando as imperfeições, o espírito retorna ao caminho do bem e liberta-se da infelicidade

Ibidem

O contrário também é verdadeiro: o Espírito que confunde a infelicidade com as dores e as emoções negativas da matéria, para se ver longe delas, pode se lançar numa busca sem fim, que, frequentemente, também lhe coloca em contato com maus hábitos que poderão fazer surgir uma imperfeição.

Essa compreensão, que parece muito simples, em princípio, e que é de suma importância, não é muito fácil de ser internalizada. Como ela o será? Pelo estudo, que leva ao conhecimento, que fortalece a razão. O Espírito só se modifica, de verdade, quando entende suas imperfeições e seus erros e quando, ativamente, por vontade própria, passa a buscar vencê-los. Por isso, fica o convite aos estudos, sendo que aquele sendo realizado pelo Grupo de Estudos Espiritismo para Todos (EPT), sobre a obra O Céu e O Inferno (editora FEAL, baseado na 1.ª edição do original, não adulterado) é um dos melhores, nesse sentido.

Aqui, antes de terminar, temos mais uma reflexão. Falamos a respeito da formação das imperfeições surgindo dos maus hábitos… Por isso, não podemos deixar de falar da educação infantil. A criança, por força de um mau hábito, ensinado ou reforçado desde o berço, pode, também, adquirir uma imperfeição, da qual muito custará a se desvencilhar. Portanto, pais, é passada a hora de se debruçar sobre o estudo da moral e da educação, de modo a melhor educar os filhos, desde seus primeiros atos na vida material, auxiliando-os, pela caridade que nos compete, a auxiliar esses Espíritos a alcançarem, mais cedo, a felicidade, como nós desejaríamos ter alcançado.

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