Espírito batedor de Bergzabern I

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Uma celeuma na Baviera

Já tínhamos ouvido falar de certos fenômenos espíritas que em 1852 haviam causado enorme celeuma na Baviera renana, nas cercanias de Spira; sabíamos até que havia sido publicada uma brochura em alemão, com um relato autêntico. Depois de longas e infrutíferas buscas, uma senhora, nossa assinante da Alsácia, demonstrando grande interesse e perseverança, pelo que lhe somos imensamente agradecidos, conseguiu um exemplar daquela brochura e no-la ofereceu.

Kardec deu aqui a sua tradução in extenso, esperando seja lida com tanto maior interesse quanto mais uma vez vem provar que fatos desse gênero são de todos os tempos e lugares, desde que estes ocorreram numa época em que apenas se começava a falar em Espíritos.

A Brochura

Prefácio

Há vários meses um acontecimento singular constitui o assunto de todas as conversas em nossa cidade e suas imediações. Referimo-nos ao Batedor, como é chamado, da casa do alfaiate Pedro Sänger.

Fizeram abster-se de qualquer relato em sua folha ─ o Jornal de Bergzabern ─ das manifestações que desde 1.º de janeiro de 1852 se produzem naquela casa. Como, porém, chamaram a atenção geral a tal ponto que as autoridades se sentiram no dever de pedir ao Dr. Bentner uma explicação para o caso e o Dr. Dupping, de Spira, chegou a ir ao local para observar os fatos, não nos podemos por mais tempo furtar ao dever de lhes dar publicidade.

Quanto a nós, limitar-nos-emos ao simples relato dos fatos, principalmente daqueles que testemunhamos ou que ouvimos de pessoas dignas de fé. O leitor que forme a sua opinião.

A introdução foi assinada por F. A. Blanck, Redator do Jornal de Bergzabern, em maio de 1852.

Os primeiros golpes do batedor de Bergzabern

A 1.º de janeiro deste ano, em Bergzabern, na casa em que residia, e no quarto vizinho à sala de estar, a família de Pedro Sänger ouviu um como martelar, que começava por golpes surdos e como se viessem de longe, e que se tornavam progressivamente mais fortes e distintos. Esses golpes pareciam desferidos na parede, junto à qual se achava o leito de sua filha de doze anos de idade.

Habitualmente, o ruído era ouvido entre nove e meia e dez e meia. A princípio o casal não ligou importância; como, porém, essa singularidade se repetisse todas as noites, pensaram que viesse da casa vizinha, onde talvez um doente se distraísse tamborilando na parede. Logo, entretanto, se convenceram de que não havia tal doente, nem ele poderia ser a causa do ruído. Foi revolvido o chão do quarto; a parede foi derrubada, mas tudo sem resultado. A cama foi mudada para o lado oposto do quarto: então ─ coisa admirável ─ o ruído mudou de lugar e era percebido assim que a menina dormia.

Era claro que de algum modo a garota participava da manifestação daquele ruído. Depois das inúteis pesquisas da polícia, começou-se a pensar que o fato deveria ser atribuído a uma doença da criança ou a uma particularidade de sua conformação. Entretanto, até agora nada veio confirmar tal suposição. É ainda um enigma para os médicos.

Com a espera, a coisa se desenvolveu: o ruído prolongou-se por mais de uma hora e os golpes eram vibrados com mais força. A menina mudou de cama e de quarto, mas o batedor se manifestou nesse outro quarto; debaixo da cama; na cama e na parede. Os golpes não eram idênticos: ora mais fortes, ora mais fracos e isolados, ora, enfim, sucedendo-se rapidamente e seguindo o ritmo das marchas militares e das danças.

Estado sonambúlico da menina

A menina ocupava desde alguns dias o quarto mencionado, quando notaram que, durante o seu sono, ela emitia palavras curtas e incoerentes. As palavras logo se tornaram mais distintas e mais inteligíveis; parecia que a criança falava com outra pessoa sobre a qual ela tinha autoridade. Entre os fatos que diariamente se produziam, o autor desta brochura relata um, do qual foi testemunha:

A criança achava-se na cama, deitada sobre o lado esquerdo. Apenas adormecida, os golpes começaram e assim começou ela a falar: “Você, você! Bata uma marcha!” E o batedor marcou uma que se parecia muito com uma marcha bávara. À ordem de “alto!” dada pela menina, o batedor parou. Então ela ordenou: “Bata três, seis, nove vezes”. O batedor executou a ordem. A uma nova ordem de bater 19 golpes, ouviram-se 20 batidas, ao que retorquiu a menina adormecida: “Não está certo; foram 20 batidas”. Logo foi possível contar 19 golpes. A seguir ela pediu 30 pancadas e as 30 foram ouvidas. À ordem de 100 pancadas só foi possível contar até 40, tão rápidos eram os golpes. Soado o último golpe a menina disse: “Muito bem! Agora 110”. Então só nos foi possível contar até cerca de 50. Ao último golpe disse a dorminhoca: “Não está certo. Você deu apenas 106”; e logo se fizeram ouvir as 4 pancadas para completar as 110. Depois ela pediu: “Mil!” Foram batidas apenas 15. “Ora, vamos!” O batedor marcou ainda 5 golpes e parou.

Então os assistentes tiveram a ideia de dar ordens diretamente ao batedor, o qual as executou. Parava quando recebia a ordem de “Alto! Silêncio! Basta!” Depois, por si mesmo e sem comando, recomeçava a bater. Um dos assistentes disse, em voz baixa, num canto do quarto, que queria comandar apenas por pensamento, para que fossem dadas 6 batidas. Então o experimentador postou-se junto ao leito e não disse uma só palavra: foram ouvidas as 6 pancadas. Ainda por pensamento foram pedidas 4 e os 4 golpes foram ouvidos. A mesma experiência foi tentada por outras pessoas, mas nem sempre deu bom resultado.

Em breve a menina espreguiçou-se, afastou as cobertas e levantou-se.

O Espírito batedor é reconhecido

Quando lhe perguntaram o que havia acontecido, respondeu que tinha visto um homem grande e mal-encarado, junto a seu leito, e que lhe apertava os joelhos. Acrescentou que sentia dor nos joelhos quando o homem batia. Ela adormeceu novamente e as manifestações prosseguiram até que o relógio bateu onze horas. De repente o batedor parou, a menina entrou em sono tranquilo, reconhecido pela regularidade da respiração e naquela noite nada mais foi ouvido.

Observamos que o batedor obedecia à ordem de marcar marchas militares. Várias pessoas afirmaram que quando se lhe pedia uma marcha russa, austríaca ou francesa, ela era marcada com muita exatidão.

A 25 de fevereiro, estando adormecida, a menina disse: “Agora você não quer mais bater; quer arranhar. Está bem! Quero ver como você fará isso.” Com efeito, no dia seguinte, 26, em vez dos golpes ouvia-se um arranhar que parecia vir da cama e que se manifestou até hoje. As batidas se misturaram à raspagem, ora alternadas, ora simultaneamente, de tal modo que nas árias de marcha ou de dança a raspagem marcava os tempos fortes e a batida os tempos fracos. Conforme os pedidos, a hora do dia ou a idade das pessoas eram indicadas por golpes secos ou pela raspagem. Em relação à idade das pessoas, às vezes havia erros, logo corrigidos na segunda ou terceira tentativa, desde que se dissesse que o número tinha sido marcado erradamente. Algumas vezes, em lugar de dar a idade pedida, o batedor executava uma marcha.

A linguagem da menina aperfeiçoa-se

Dia a dia a linguagem da criança, durante o sono, tornava-se mais perfeita. Aquilo que a princípio não passava de simples palavras ou de ordens rápidas ao batedor, transformou-se, com o tempo, numa conversa encadeada com os pais. Assim, um dia se entreteve com a irmã mais velha sobre assuntos religiosos, num tom de exortação e de ensino, dizendo-lhe que ela devia ir à missa, fazer as preces todos os dias e mostrar submissão e obediência aos pais. À noite retomou o mesmo assunto. Em seus ensinamentos, nada havia de teológico, mas apenas algumas daquelas noções que se aprendem na escola.

Antes dessas conversas ouviam-se durante uma hora, pelo menos, pancadas e arranhões, não só durante o sono da menina, mas até em seu estado de vigília. Vimo-la comer e beber enquanto as batidas e raspagens eram ouvidas, do mesmo modo que, estando acordada, tínhamos ouvido a transmissão de ordens ao batedor, as quais foram todas executadas.

Na noite de sábado, 6 de março, várias pessoas se reuniram em casa dos Sänger, pois estando desperta a menina, havia predito durante o dia que o batedor apareceria às nove horas da noite. Ao bater essa hora, quatro golpes tão violentos foram desferidos na parede que os assistentes se assustaram. Logo, e pela primeira vez, as batidas foram dadas na madeira da cama e exteriormente. O leito foi todo abalado. Esses golpes se manifestaram de todos os lados da cama, ora num, ora noutro lugar. Pancadas e arranhões alternavam-se. A uma ordem da menina e das pessoas presentes, ora os golpes se ouviam no interior da cama, ora externamente. De repente o leito levantou-se em sentidos diferentes, enquanto os golpes eram desferidos com força. Mais de cinco pessoas em vão tentaram repor o leito no lugar, e quando desistiram da tentativa, ele ainda se balançou por alguns instantes, depois do que tomou a sua posição natural. Este fato já havia ocorrido uma vez, antes dessa manifestação pública.

Batedor de Bergzabern
Vista da cidade de Bergzabern, na Alemanha.

O discurso da jovem

Todas as noites a menina fazia uma espécie de discurso, de que falaremos de modo sucinto.

Antes de mais nada, é preciso notar que ela, assim que baixava a cabeça, logo adormecia e começavam os golpes e as arranhaduras. Com as batidas ela gemia, agitava as pernas e parecia sentir-se mal. Já o mesmo não acontecia com as raspagens. Chegado o momento de falar, a menina deitava-se em decúbito dorsal, o rosto tornava-se pálido, assim como as mãos e os braços. Ela acenava com a mão direita e dizia: “Vamos! Venha para perto de minha cama e junte as mãos. Vou lhe falar do Salvador do mundo”. Então cessavam batidas e arranhaduras e todos os assistentes ouviam com respeitosa atenção o discurso da adormecida.

Ela falava com vagar e de modo muito inteligível em puro alemão, o que surpreendia tanto mais quanto mais se sabia que ela era menos adiantada que seus colegas de colégio, nessa matéria, o que certamente era devido a uma doença dos olhos, que lhe dificultava o estudo. Suas palestras discorriam sobre a vida e as ações de Jesus desde os doze anos; sua presença no templo entre os escribas; seus benefícios à Humanidade e os seus milagres. Depois se entretinha em descrever os seus sofrimentos e censurava duramente os judeus por terem crucificado Jesus, apesar de seus atos de bondade e de suas bênçãos. Terminando, a menina dirigia a Deus uma fervorosa prece, pedindo que “lhe concedesse a graça de suportar com resignação os sofrimentos que lhe tinha enviado, pois que a havia escolhido para entrar em comunicação com o Espírito”. Pedia a Deus para não morrer ainda, pois era criança e não queria descer ao túmulo escuro. Terminadas as suas prédicas, recitava com uma voz solene o Pater noster, depois do que dizia: “Agora você pode vir”. Imediatamente recomeçavam as batidas e arranhaduras. Ela ainda falou duas vezes ao Espírito e, a cada uma delas, o batedor parava. Dizia ainda algumas palavras e acrescentava: “Agora você pode ir, em nome de Deus”. E despertava.

Durante essas palestras os olhos da menina ficavam bem fechados, mas os lábios se mexiam. As pessoas mais próximas do leito podiam observar-lhe os movimentos. A voz era pura e harmoniosa.

Despertando, perguntavam-lhe o que tinha visto e o que se havia passado. Ela respondia:

— O homem que vem me ver.

— Onde está ele?

— Perto de minha cama, com as outras pessoas.

— Você viu as outras pessoas?

— Vi todos os que estavam perto da minha cama.

Incredulidade das manifestações

É fácil compreender que tais manifestações encontrassem muitos incrédulos. Chegou-se mesmo a pensar que toda essa história era pura mistificação. Mas o pai era incapaz de palhaçadas, sobretudo de uma palhaçada que exigia toda a habilidade de um prestidigitador profissional. Ele goza da reputação de homem decente e honesto.

Para responder e fazer cessar a suspeita, a menina foi levada para uma casa estranha. Apenas lá chegando, ouviram-se as batidas e arranhaduras. Além disso, alguns dias antes ela tinha ido com a mãe a uma pequena aldeia chamada Capela, a cerca de meia légua de distância, à casa da viúva Klein. Como ela disse que estava cansada, deitaram-na num canapé, e imediatamente o mesmo fenômeno se produziu. Várias testemunhas o podem afirmar. Posto a criança tivesse um aspecto saudável, devia ser afetada por uma doença que, se não ficasse provada pelas manifestações acima relatadas, pelo menos pelos movimentos involuntários dos músculos e dos abalos nervosos.

Para terminar, faremos notar que há algumas semanas a menina foi levada ao Dr. Bentner, com quem ficou, a fim de que esse sábio pudesse estudar mais de perto os fenômenos em apreço. Desde então cessou todo barulho em casa da família Sänger, passando a produzir-se na do Dr. Bentner.

São estes, com toda a sua autenticidade, os fatos que se passaram. Entregamo-los ao público sem emitir opinião. Possam os homens da Medicina dar-lhes em breve uma explicação satisfatória.

Blank




Teoria das manifestações físicas I

Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Maio > Teoria das manifestações físicas I

Nesta Revista Espírita, Allan Kardec coloca que é fácil conceber a influência moral dos Espíritos e as relações que possam ter com a nossa alma, ou com o Espírito em nós encarnado. Compreende-se que dois seres da mesma natureza possam comunicar-se pelo pensamento, que é um de seus atributos, sem o concurso dos órgãos da palavra. Já é, entretanto, mais difícil dar-nos conta dos efeitos materiais que eles podem produzir, tais como os ruídos, o movimento dos corpos sólidos, as aparições e sobretudo as aparições tangíveis.

A Teoria de manifestações defendida por Kardec

A teoria que Kardec defende é a de que o Espírito, sendo imaterial por definição, algo ainda tem de matéria, pois se nada tivesse, nada seria.

Encarnado no corpo, o Espírito constitui a alma. Quando o deixa, com a morte, não sai despojado de todo o envoltório. Dizem-nos todos que conservam a forma que tinham quando vivos; realmente, quando nos aparecem, em geral é sob a forma por que os conhecíamos.

Observemo-los atentamente, no instante em que deixam a vida: eles se acham em estado de perturbação; ao seu redor tudo é confuso; veem o próprio corpo, inteiro ou mutilado, conforme o gênero de morte. Por outro lado, veem-se e sentem-se vivos; algo lhes diz que aquele é o seu corpo, mas não compreendem como podem estar separados. O laço que os unia ainda não está, pois, rompido completamente.

Após o momento de perturbação, o espírito vê-se livre do envoltório carnal que lhe servia como uma gaiola, da qual se despojaram sem pesar, mas continuam a se ver em sua forma primitiva. 

Certas manifestações produzidas pelo Sr. Home e por outros médiuns do mesmo gênero ocorrem com aparecimento de mãos que têm todas as propriedades das vivas, que tocamos, que nos seguram e que se desfazem repentinamente.

Que devemos concluir disso? Veja os conceitos mais marcantes presentes na Revista:

A alma e o perispírito

A alma não deixa tudo no caixão: leva algo consigo.

Há em nós duas espécies de matéria: uma grosseira, que constitui o envoltório exterior; a outra sutil e indestrutível. A morte é a destruição, ou melhor, a desagregação da primeira, daquela abandonada pela alma; a outra se destaca e segue a alma que, assim, continua tendo sempre um envoltório.

A esse envoltório denominamos perispírito. Essa matéria sutil, por assim dizer extraída de todas as partes do corpo a que estava ligada durante a vida, conserva a forma daquele. Eis por que todos os Espíritos são vistos e por que nos aparecem tais quais eram em vida.

O perispírito não tem a tenacidade nem a rigidez da matéria compacta do corpo: é flexível e expansiva. Eis por que a forma que toma, muito embora calcada sobre a do corpo, não é absoluta: dobra-se à vontade do Espírito, que lhe dá, conforme queira, esta ou aquela aparência, enquanto que o envoltório sólido lhe oferece uma resistência intransponível.

Desembaraçando-se desse entrave que o comprimia, o perispírito distende-se ou se contrai; transforma-se e, numa palavra, presta-se a todas as metamorfoses, de acordo com a vontade que sobre ele atua.

Kardec assinala que, por extensos estudos, a matéria sutil que constitui o segundo envoltório do Espírito só pouco a pouco se desprende do corpo, e não instantaneamente.

Dito isso, a experiência ainda prova que a duração desse desprendimento varia conforme os indivíduos. Em alguns opera-se em três ou quatro dias, ao passo que noutros não se completa senão ao cabo de vários meses.

Como ocorre a separação do Espírito após a morte do corpo?

Em algumas pessoas a separação começa antes da morte: são as que em vida se elevaram pelo pensamento e pela pureza de seus sentimentos, acima das coisas materiais.

Nelas a morte encontra apenas fracos liames entre a alma e o corpo e que se rompem quase instantaneamente. Quanto mais materialmente viveu o homem; quanto mais seus pensamentos foram absorvidos nos prazeres e nas preocupações da personalidade, tanto mais tenazes são aqueles laços. Parece que a matéria sutil se identifica com a matéria compacta e que entre elas se estabelece uma coesão molecular. Eis por que só se separam lentamente e com dificuldade.

Nos primeiros instantes que se seguem à morte, quando ainda existe união entre o corpo e o perispírito, este conserva muito melhor a impressão da forma corpórea, da qual, por assim dizer, reflete todas as nuanças e mesmo todos os acidentes. Eis por que um supliciado nos dizia, alguns dias após a sua execução: Se me pudésseis ver, ver-me-íeis com a cabeça separada do tronco. Um homem que tinha sido assassinado nos dizia: Vede a ferida que me fizeram no coração. Pensava ele que poderíamos vê-lo.

Teoria das manifestações físicas
Teoria das manifestações físicas

Sensação dos Espíritos

Imaginemos o Espírito revestido de seu envoltório semimaterial, ou perispírito, tendo a forma ou aparência que possuiu quando vivo. Alguns até se servem desta expressão para se designarem: minha aparência está em tal lugar. A matéria desse envoltório é suficientemente sutil para escapar à nossa vista em seu estado normal, mas não é completamente invisível. Para começar, vemo-lo pelos olhos da alma, nas visões produzidas durante os sonhos. Mas não é disto que nos queremos ocupar. Nessa matéria eterizada pode haver uma modificação; o próprio Espírito pode fazê-la sofrer uma espécie de condensação que a torna perceptível aos olhos do corpo. É o que ocorre nas aparições vaporosas. A sutileza dessa matéria lhe permite atravessar os corpos sólidos, razão por que tais aparições não encontram obstáculos e por que tantas vezes desaparecem através das paredes.

A condensação pode chegar ao ponto de produzir a resistência e a tangibilidade. É o caso das mãos que podemos ver e tocar. Mas essa condensação ─ e esta é a única palavra de que nos podemos servir, para dar uma ideia, embora imperfeita, de nosso pensamento ─ esta condensação, íamos dizendo, ou ainda essa solidificação da matéria etérea, é apenas temporária ou acidental, porque esse não é o seu estado normal. Eis por que, em um dado momento, as aparições tangíveis nos escapam como uma sombra. Assim, do mesmo modo que um corpo se nos apresenta em estado sólido, líquido ou gasoso, conforme o grau de condensação, assim a matéria etérea do perispírito pode aparecer-nos em estado sólido, vaporoso visível ou vaporoso invisível.

Como a matéria espiritual aparece para nós?

A mão aparente, tangível, oferece uma resistência: exerce pressão, deixa impressões, opera uma tração sobre os objetos que seguramos. Nela há, pois, uma força. Ora, estes fatos, que não são hipóteses, podem levar-nos à explicação das manifestações físicas.

Notemos, antes de mais nada, que essa mão obedece a uma inteligência, pois age espontaneamente; dá sinais inequívocos de uma vontade e obedece a um pensamento: pertence, pois, a um ser completo, que só nos mostra essa parte de si mesmo, e a prova é que produz impressões com as partes invisíveis; os dentes deixam marcas na pele e produzem dor.

Entre as diversas manifestações, uma das mais interessantes é, sem dúvida, o toque espontâneo de instrumentos de música. Os pianos e acordeons são aparentemente os instrumentos prediletos. Este fenômeno é explicado muito naturalmente pelo que precede. A mão que tem a força para apanhar um objeto, também pode tê-la para fazer pressão sobre as teclas e fazê-las soar. Aliás, por diversas vezes vimos os dedos em ação, e quando a mão não é vista, veem-se as teclas em movimento e o fole a distender-se e fechar-se. As teclas só podem ser movidas por mão invisível, a qual dá mostras de inteligência, tocando árias perfeitamente ritmadas e não sons incoerentes.

Desde que essa mão pode enfiar-nos as unhas na carne, beliscar-nos, arrebatar aquilo que temos na mão; desde que a vemos apanhar e transportar um objeto, assim como nós o faríamos, também nos pode dar pancadas, erguer e derrubar uma mesa, tocar uma campainha, puxar uma cortina e até mesmo nos dar uma bofetada invisível.

Perguntarão talvez como essa mão, no estado vaporoso invisível, pode ter a mesma força que no estado tangível. E por que não? Vemos o ar derrubar edifícios, o gás lançar projéteis, a eletricidade transmitir sinais, o fluido do ímã levantar massas? Por que a matéria etérea do perispírito seria menos poderosa? Mas não a queiramos submeter às nossas experiências de laboratório e às nossas fórmulas algébricas. Principalmente pelo fato de havermos tomado os gases como termo de comparação, não lhes vamos atribuir propriedades idênticas, nem computar sua força do mesmo modo pelo qual calculamos a do vapor. Até agora ela escapa a todos os nossos instrumentos. É uma nova ordem de ideias, fora da competência das ciências exatas. Eis por que essas ciências não nos oferecem a aptidão especial para apreciá-las.

O movimento dos corpos

Damos esta teoria do movimento dos corpos sólidos sob a influência dos Espíritos apenas para mostrar a questão sob todos os seus aspectos e provar que, sem nos afastarmos muito das ideias recebidas, é possível dar-nos conta da ação dos Espíritos sobre a matéria inerte. Há, porém, uma outra, de alto alcance filosófico, dada pelos próprios Espíritos, e que lança sobre este problema uma luz inteiramente nova. Ela será mais bem compreendida depois que a tiverem lido. Aliás, é útil conhecer todos os sistemas, a fim de poder compará-los.

Resta agora explicar como se opera essa modificação da substância etérea do perispírito; por que processo o Espírito opera e, em consequência, o papel dos médiuns de influência física na produção desses fenômenos; aquilo que em tais circunstâncias neles se passa; a causa e a natureza de suas faculdades, etc.

É o que se fará no próximo artigo.




O Sr. Home III e Variedades

O Sr. Home III

O Sr. Home sempre foi citado por Allan Kardec como médium de capacidades especiais e surpreendentes, mas sobre fenômenos de aparição, nada foi imposto a ele. Nesta Revista Espírita, Kardec nos conta um pouco mais sobre outras faculdades e os fenômenos advindos dela em outros médiuns. Para concluir, ainda citaremos fatos extras que ele intitulou de Variedades.

Kardec indaga-se: por que mãos e não outras partes do corpo são materializadas? No entanto, há relatos de médiuns que fazem aparecer todo o corpo.

As mãos

De um modo geral, o aparecimento da mão se manifesta sob a toalha da mesa, por ondulações produzidas ao percorrer toda a superfície. Depois se mostra às bordas da toalha, que ela levanta; por vezes vem postar-se sobre a toalha, bem no meio da mesa; outras vezes toma um objeto e o leva para baixo da toalha. Essa mão, a todos visível, nem é vaporosa nem translúcida: tem a cor e a opacidade naturais; no pulso, termina de forma indefinida. Se alguém a toca sem segunda intenção hostil, ela oferece a resistência, a solidez e a impressão de mão viva; seu calor é suave, um tanto úmido. Não é absolutamente inerte, pois age, presta-se aos movimentos que se lhe imprimem, ou resiste, acaricia-nos, ou nos aperta. Se, pelo contrário, quisermos pegá-la bruscamente e de surpresa, apenas encontraremos o vazio.

Casos que as envolvem

Caso 1

Tinha entre os seus dedos uma campainha de mesa; mão invisível a princípio, e pouco depois perfeitamente visível, veio pegá-la, fazendo esforços para arrebatá-la; não o tendo conseguido, passou a puxá-la por cima, a fim de fazê-la escorregar. O esforço de tração era sensível quanto teria sido o de qualquer mão humana. Havendo tentado segurar violentamente essa mão, a sua apenas encontrou o ar; tendo aberto os dedos, a campainha ficou suspensa no ar e foi lentamente pousar no soalho.

Caso 2

Várias pessoas achavam-se reunidas em torno de uma dessas mesas de sala de jantar que se abrem em duas. Ouvem-se batidas; a mesa se agita, abre-se por si mesma e através da fenda aparecem três mãos: uma de tamanho normal, outra muito grande e uma terceira muito peluda. Tocam-nas, apalpam-nas, elas apertam as mãos dos circunstantes e depois se dissolvem.

Caso 3

Em casa de um dos amigos que havia perdido uma criança em tenra idade, o que aparece é a mão de um recém-nascido. Todos podem vê-la e tocá-la. Essa criança senta-se no colo da mãe que sente distintamente a impressão de todo o seu corpo sobre os joelhos.

As mãos que escrevem

A mão que aparece também pode escrever. Algumas vezes, ela para no meio da mesa, toma um lápis e traça as letras num papel preparado. Na maioria das vezes, porém, leva o papel para debaixo da mesa e o devolve todo escrito. Se a mão fica invisível, a escrita parece produzir-se por si mesma. Por este meio conseguem-se respostas às diversas perguntas que se pode fazer.

Mãos que tocam instrumentos

Outro gênero de manifestações não menos notável, mas que se explica pelo que acabamos de dizer, é o dos instrumentos de música que tocam sozinhos. Em geral são pianos ou acordeons. Em tais circunstâncias, veem-se distintamente as teclas se moverem, bem como o fole. A mão que toca ora é visível, ora invisível. A ária que se ouve pode ser conhecida e tocada a pedido. Se o artista invisível é deixado à vontade, produz acordes harmoniosos, cujo efeito lembra a vaga e suave melodia da harpa eólia.

Em casa de um assinante, onde tais fenômenos se produziram muitas vezes, o Espírito que assim se manifestava era o de um moço falecido há algum tempo, amigo da família que quando vivo revelava notável talento musical. A natureza das árias que preferia tocar não deixava a menor dúvida quanto à sua identidade para todos aqueles que o haviam conhecido.

Conclusão

O mais extraordinário fato neste gênero de manifestações não é, na opinião de Kardec, o da aparição. Se esta fosse sempre aeriforme, seria compatível com a natureza etérea que atribuímos aos Espíritos. Ora, nada se oporia a que essa matéria eterizada se tornasse perceptível à vista, por uma espécie de condensação, sem perder a sua propriedade vaporosa. O que há de mais estranho é a solidificação dessa mesma matéria, suficientemente resistente para deixar uma visível impressão em nossos órgãos. No próximo número daremos a explicação desse fenômeno singular, conforme o ensinamento dos próprios Espíritos. Naquela data, limitaram-se a deduzir-lhe uma consequência relativa ao toque espontâneo dos instrumentos de música. Com efeito, desde que a ocasional tangibilidade dessa matéria eterizada é um fato constatado, e desde que em tal estado a mão, aparente ou não, oferece resistência suficiente para exercer pressão sobre os corpos sólidos, não é de admirar que ela possa exercer uma pressão suficiente para mover as teclas de um instrumento. Por outro lado, fatos não menos positivos provaram que essa mão pertence a um ser inteligente. Nada, pois, de admirar que essa inteligência se manifestasse por sons musicais, de vez que poderia fazê-lo pela escrita e pelo desenho.

Uma vez entrados nesta ordem de ideias, as batidas vibradas, o movimento dos objetos e todos os fenômenos espíritas de ordem material se explicam muito naturalmente.

Variedades

Vamos à segunda parte deste post. Kardec demonstra insatisfação com as críticas atribuídas ao Sr. Home nos seguintes termos:

Maledicência contra o Sr. Home

Em certos indivíduos a malevolência não conhece limites. A calúnia tem sempre veneno contra todo aquele que se eleva acima da multidão. Os adversários do Sr. Home acharam que o ridículo é uma arma muito frágil: ela devia amolgar-se contra os nomes respeitáveis que o cercam com a sua proteção. Desde que não podiam rir à sua custa, procuraram denegri-lo. Espalharam o boato, com o objetivo que bem compreendemos e as más línguas o repetem de que o Sr. Home não havia partido para a Itália, conforme fora anunciado, mas que estava na prisão de Mazas, sob o peso de graves acusações, que são contadas como anedotas, de que são sempre ávidos os desocupados e os amigos de escândalos.

Podemos afirmar que nada há de verdadeiro em todas essas maquinações infernais. Temos à vista várias cartas do Sr. Home, datadas de Pisa, de Roma e de Nápoles, onde atualmente ele se encontra. Estamos, pois, em condição de provar aquilo que afirmamos.

Têm razão os Espíritos de afirmar que os verdadeiros demônios se acham entre os homens.

Seriam as mesas girantes alienadoras de pessoas?

Leu-se num jornal: conforme a Gazette des Hôpitaux (Gazeta dos hospitais)naquele momento, contavam-se no hospital de “alienados” de Zurique 25 pessoas que perderam a razão graças às mesas girantes e aos Espíritos batedores.

Para começar, perguntaram se estava bem averiguado que esses 25 alienados deviam todos a perda da razão aos Espíritos batedores, o que é contestável, pelo menos até haver provas autênticas. Admitindo que esses estranhos fenômenos tenham podido impressionar de modo prejudicial certos caracteres fracos, perguntaríamos se, por outro lado, o medo do diabo não fez mais loucos do que a crença nos Espíritos. Ora, de vez que os Espíritos não são impedidos de bater, o perigo está na crença de que todos aqueles que se manifestam são demônios. Afaste-se esta ideia, dando a conhecer a verdade, e não haverá mais medo do que dos vagalumes. A ideia de que se é assediado pelo diabo é feita sob medida para perturbar a razão.

Em contraposição, tiveram uma outra notícia, de outro jornal, que dizia: há um curioso documento estatístico das funestas consequências a que, entre os ingleses, arrastava o hábito da intemperança e das bebidas fortes. De cada 100 indivíduos entrados no hospital de alienados de Hamwel, havia 72 cuja alienação mental devia ser atribuída à embriaguez.

Receberam dos assinantes numerosos relatos de fatos muito interessantes que nos apressaremos a publicar em nossas próximas edições, de vez que a falta de espaço não os permitiu fazê-lo nesta.




Teoria das Manifestações Físicas – Primeiro Artigo

https://www.youtube.com/watch?v=3NVwXDL3HdA

Allan Kardec inicia a Revista do mês de Maio de 1858 trazendo à luz uma reflexão sobre as Manifestações Físicas dos Espíritos, o que, para muitos, é algo “sobrenatural” e mesmo impossível.

Isso se deve ao fato de pensarmos que o Espírito é uma abstração. Diz Kardec: Interrogados sobre se são imateriais, assim responderam os Espíritos: “Imaterial não é bem o termo, porque o Espírito é alguma coisa; do contrário seria o nada. É material, se se quiser, mas de uma matéria de tal modo etérea que para vós é como se não existisse”. 

Assim, o Espírito não é uma abstração, como pensam alguns; é um ser, mas cuja natureza íntima escapa aos nossos sentidos grosseiros.

Segundo observações, e não um sistema, o Espírito recém liberto do corpo guarda suas características físicas da encarnação imediata, envolto, quase sempre, em uma perturbação que se segue por mais ou menos tempo, dependendo de cada um. Após esse período, o corpo torna-se para eles como uma “roupa velha”, que não se quer mais.

Voltemos então aos vários relatos de aparições tangíveis, como foi citado no caso do Sr Home, na edição de abril. Kardec retoma esse fato para concluir o seguinte: que a alma não deixa tudo no caixão: leva algo consigo.

Haveria, portanto, em nós, duas espécies de matéria alem do Espírito: a matéria grosseira, que constitui o corpo, e uma matéria mais sutil, que constitui o que Kardec chamou de perispírito.

Essa matéria sutil, por assim dizer extraída de todas as partes do corpo a que estava ligada durante a vida, conserva a forma daquele. Eis por que todos os Espíritos são vistos e por que nos aparecem tais quais eram em vida

O perispírito, contudo, não é algo rígido e compacto como o corpo: é uma matéria expansível e flexível, e que não se circunscreve ao corpo, como numa casca: se expande em volta dele, à razão de centímetros ou metros, e é o que dá origem àquilo que muitos chamam de aura. Na realidade, a aura é como se fosse um campo de energias do corpo sólido e não o perispírito.

Desembaraçando-se desse entrave que o comprimia, o perispírito distende-se ou se contrai; transforma-se e, numa palavra, presta-se a todas as metamorfoses, de acordo com a vontade que sobre ele atua.

Prova a observação ─ e insistimos sobre o vocábulo observação, porque toda a nossa teoria é consequência dos fatos estudados ─ que a matéria sutil, que constitui o segundo envoltório do Espírito, só pouco a pouco se desprende do corpo, e não instantaneamente

Os laços que unem alma e corpo não se rompem de súbito pela morte. Ora, o estado de perturbação que observamos dura todo o tempo em que se opera o desprendimento. Somente quando esse desprendimento é completo o Espírito recobra a inteira liberdade de suas faculdades e a consciência clara de si mesmo.

A experiência ainda prova que a duração desse desprendimento varia conforme os indivíduos. Em alguns opera-se em três ou quatro dias, ao passo que noutros não se completa senão ao cabo de vários meses. Assim, a destruição do corpo e a decomposição pútrida não bastam para que se opere a separação. Eis a razão por que certos Espíritos dizem: Sinto que os vermes me roem.

E nós nos perguntamos: Haveria nisso uma explicação para os supostos Hospitais Espirituais? Veja o video com nossa discussão a respeito.

Em algumas pessoas a separação começa antes da morte: são as que em vida se elevaram pelo pensamento e pela pureza de seus sentimentos, acima das coisas materiais. Nelas a morte encontra apenas fracos liames entre a alma e o corpo e que se rompem quase instantaneamente. Quanto mais materialmente viveu o homem; quanto mais seus pensamentos foram absorvidos nos prazeres e nas preocupações da personalidade, tanto mais tenazes são aqueles laços. 

Parece que a matéria sutil se identifica com a matéria compacta e que entre elas se estabelece uma coesão molecular. Eis por que só se separam lentamente e com dificuldade.

A matéria do perispírito é algo sutil o suficiente para escapar às nossas vistas e atravessar objetos sólidos, mas, segundo a vontade do Espírito, pode se condensar o suficiente, embora momentaneamente, para se tornar sólida como a rocha. Temos exemplo disso no artigo do Sr. Home de abril, onde citam-se mãos que saiam do meio da mesa, mas que se tornavam tangíveis. Bozzano também cita isso em O Espiritismo e as Manifestações Supranormais.

A mão aparente, tangível, oferece uma resistência: exerce pressão, deixa impressões, opera uma tração sobre os objetos que seguramos. Nela há, pois, uma força. Ora, estes fatos, que não são hipóteses, podem levar-nos à explicação das manifestações físicas.

Kardec continua, afirmando que essas mãos (ou outras corporais), quando condensadas, tem a força suficiente, assim como nós o faríamos, também nos pode dar pancadas, erguer e derrubar uma mesa, tocar uma campainha, puxar uma cortina e até mesmo nos dar uma bofetada invisível.

Onde poderia haver a capacidade para tal matéria sutil ser capaz de tanta força material?

Mas Kardec assevera: não queiramos testar o Espírito com nossos instrumentos de laboratório, principalmente após termos tomado o vapor como base de comparação: É uma nova ordem de ideias, fora da competência das ciências exatas. Eis por que essas ciências não nos oferecem a aptidão especial para apreciá-las.

Kardec toma essas comparações apenas para poder mostrar aos demais que os fatos das manifestações físicas não são assim algo tão inconcebível, nem tão longe daquilo que nós já conhecemos (ou conhecíamos naquele tempo).

No Livro dos Espíritos, há uma explicação sobre:

257. O corpo é o instrumento da dor. Se não é a causa primária desta é, pelo menos, a causa imediata. A alma tem a percepção da dor: essa percepção é o efeito. A lembrança que da dor a alma conserva pode ser muito penosa, mas não pode ter ação física. De fato, nem o frio, nem o calor são capazes de desorganizar os tecidos da alma, que não é suscetível de congelar-se, nem de queimar-se. Não vemos todos os dias a recordação ou a apreensão de um mal físico produzirem o efeito desse mal, como se real fora? Não as vemos até causar a morte? Toda gente sabe que aqueles a quem se amputou um membro costumam sentir dor no membro que lhes falta. Certo que aí não está a sede, ou, sequer, o ponto de partida da dor. O que há, apenas, é que o cérebro guardou desta a impressão. Lícito, portanto, será admitir-se que coisa análoga ocorra nos sofrimentos do Espírito após a morte. Um estudo aprofundado do perispírito, que tão importante papel desempenha em todos os fenômenos espíritas; nas aparições vaporosas ou tangíveis; no estado em que o Espírito vem a encontrar-se por ocasião da morte; na ideia, que tão frequentemente manifesta, de que ainda está vivo; nas situações tão comoventes dos suicidas, dos supliciados, dos que se deixaram absorver pelos gozos materiais; e inúmeros outros fatos, lançaram luz sobre esta questão, dando lugar a explicações que passamos a resumir. 
O perispírito é o laço que à matéria do corpo une o Espírito; é tirado do meio ambiente, do fluido universal. Participa ao mesmo tempo da eletricidade, do fluido magnético e, até certo ponto, da matéria inerte. Poder-se-ia dizer que é a quintessência da matéria. É o princípio da vida orgânica, porém, não o da vida intelectual, que reside no Espírito. É, além disso, o agente das sensações exteriores. No corpo, os órgãos, servindo-lhe de condutos, localizam essas sensações. Destruído o corpo, elas se tornam gerais. Daí o Espírito não dizer que sofre mais da cabeça do que dos pés, ou vice-versa. Não se confundam, porém, as sensações do perispírito, que se tornou independente, com as do corpo. Estas últimas só por termo de comparação as podemos tomar e não por identidade. Libertos do corpo, os Espíritos podem sofrer, mas esse sofrimento não é corporal, embora não seja exclusivamente moral, como o remorso, pois que eles se queixam de frio e calor. Também não sofrem mais no inverno do que no verão: temo-los visto atravessar chamas, sem experimentarem qualquer dor. Nenhuma impressão lhes causa, conseguintemente, a temperatura. A dor que sentem não é, pois, uma dor física propriamente dita: é um vago sentimento íntimo, que o próprio Espírito nem sempre compreende bem, precisamente porque a dor não se acha localizada e porque não a produzem agentes exteriores; é mais uma reminiscência do que uma realidade, reminiscência, porém, igualmente penosa. Algumas vezes, entretanto, há mais do que isso, como vamos ver.
Ensina-nos a experiência que, por ocasião da morte, o perispírito se desprende mais ou menos lentamente do corpo; que, durante os primeiros minutos depois da desencarnação, o Espírito não encontra explicação para a situação em que se acha. Crê não estar morto, porque se sente vivo; vê a um lado o corpo, sabe que lhe pertence, mas não compreende que esteja separado dele. Essa situação dura enquanto haja qualquer ligação entre o corpo e o perispírito. Disse-nos, certa vez, um suicida: “Não, não estou morto.” E acrescentava: No entanto, sinto os vermes a me roerem. Ora, indubitavelmente, os vermes não lhe roíam o perispírito e ainda menos o Espírito; roíam-lhe apenas o corpo. Como, porém, não era completa a separação do corpo e do perispírito, uma espécie de repercussão moral se produzia, transmitindo ao Espírito o que estava ocorrendo no corpo. Repercussão talvez não seja o termo próprio, porque pode induzir à suposição de um efeito muito material. Era antes a visão do que se passava com o corpo, ao qual ainda o conservava ligado o perispírito, o que lhe causava a ilusão, que ele tomava por realidade. Assim, pois, não haveria no caso uma reminiscência, porquanto ele não fora, em vida, roído pelos vermes: havia o sentimento de um fato da atualidade. Isto mostra que deduções se podem tirar dos fatos, quando atentamente observados. Durante a vida, o corpo recebe impressões exteriores e as transmite ao Espírito por intermédio do perispírito, que constitui, provavelmente, o que se chama fluido nervoso. Uma vez morto, o corpo nada mais sente, por já não haver nele Espírito, nem perispírito. Este, desprendido do corpo, experimenta a sensação, porém, como já não lhe chega por um conduto limitado, ela se lhe torna geral. Ora, não sendo o perispírito, realmente, mais do que simples agente de transmissão, pois que no Espírito é que está a consciência, lógico será deduzir-se que, se pudesse existir perispírito sem Espírito, aquele nada sentiria, exatamente como um corpo que morreu. Do mesmo modo, se o Espírito não tivesse perispírito, seria inacessível a toda e qualquer sensação dolorosa. É o que se dá com os Espíritos completamente purificados. Sabemos que quanto mais eles se purificam, tanto mais etérea se torna a essência do perispírito, donde se segue que a influência material diminui à medida que o Espírito progride, isto é, à medida que o próprio perispírito se torna menos grosseiro.
Mas, dir-se-á, desde que pelo perispírito é que as sensações agradáveis, da mesma forma que as desagradáveis, se transmitem ao Espírito, sendo o Espírito puro inacessível a umas, deve sê-lo igualmente às outras. Assim é, de fato, com relação às que provêm unicamente da influência da matéria que conhecemos. O som dos nossos instrumentos, o perfume das nossas flores nenhuma impressão lhe causam. Entretanto, ele experimenta sensações íntimas, de um encanto indefinível, das quais ideia alguma podemos formar, porque, a esse respeito, somos quais cegos de nascença diante da luz. Sabemos que isso é real; mas, por que meio se produz? Esse ponto escapa ao conhecimento. Sabemos que no Espírito há percepção, sensação, audição, visão; que essas faculdades são atributos do ser todo e não, como no homem, de uma parte apenas do ser; mas, de que modo ele as tem? Ignoramo-lo. Os próprios Espíritos nada nos podem informar sobre isso, por inadequada a nossa linguagem a exprimir ideias que não possuímos, precisamente como o é, por falta de termos próprios, a dos selvagens, para traduzir ideias referentes às nossas artes, ciências e doutrinas filosóficas.
Dizendo que os Espíritos são inacessíveis às impressões da matéria que conhecemos, referimo-nos aos Espíritos muito elevados, cujo envoltório etéreo não encontra analogia neste mundo. Outro tanto não acontece com os de perispírito mais denso, os quais percebem os nossos sons e odores, não, porém, apenas por uma parte limitada de suas individualidades, conforme lhes sucedia quando vivos. Pode-se dizer que, neles, as vibrações moleculares se fazem sentir em todo o ser e lhes chegam assim ao sensorium commune, que é o próprio Espírito, embora de modo diverso e talvez, também, dando uma impressão diferente, o que modifica a percepção. Eles ouvem o som da nossa voz, entretanto nos compreendem sem o auxílio da palavra, somente pela transmissão do pensamento. Em apoio do que dizemos há o fato de que essa penetração é tanto mais fácil, quanto mais desmaterializado está o Espírito. Pelo que concerne à vista, essa, para o Espírito, independe da luz, qual a temos. A faculdade de ver é um atributo essencial da alma, para quem a obscuridade não existe. É, contudo, mais extensa, mais penetrante nas mais purificadas. A alma, ou o Espírito, tem, pois, em si mesma, a faculdade de todas as percepções. Estas, na vida corpórea, se obliteram pela grosseria dos órgãos do corpo; na vida extracorpórea, se vão desanuviando, à proporção que o envoltório semimaterial se eteriza.
Haurido do meio ambiente, esse envoltório varia de acordo com a natureza dos mundos. Ao passarem de um mundo a outro, os Espíritos mudam de envoltório, como nós mudamos de roupa, quando passamos do inverno ao verão, ou do polo ao equador. Quando vêm visitar-nos, os mais elevados se revestem do perispírito terrestre e então suas percepções se produzem como nos Espíritos comuns de nosso mundo. Todos, porém, assim os inferiores como os superiores, não ouvem, nem sentem, senão o que queiram ouvir ou sentir. Não possuindo órgãos sensitivos, eles podem, livremente, tornar ativas ou nulas suas percepções. Uma só coisa são obrigados a ouvir: os conselhos dos Espíritos bons. A vista, essa é sempre ativa; mas, eles podem fazer-se invisíveis uns aos outros. Conforme a categoria que ocupem, podem ocultar-se dos que lhes são inferiores, porém não dos que lhes são superiores. Nos primeiros instantes que se seguem à morte, a visão do Espírito é sempre turbada e confusa. Aclara-se à medida que ele se desprende, e pode alcançar a nitidez que tinha durante a vida terrena, independentemente da possibilidade de penetrar através dos corpos que nos são opacos. Quanto à sua extensão através do espaço indefinido, do futuro e do passado, depende do grau de pureza e de elevação do Espírito.
Objetarão, talvez: “Toda esta teoria nada tem de tranquilizadora. Pensávamos que, uma vez livres do nosso grosseiro envoltório, instrumento das nossas dores, não mais sofreríamos, e eis nos informais de que ainda sofreremos. De uma forma ou de outra, será sempre sofrimento.” Sim! pode dar-se que continuemos a sofrer, e muito, e por longo tempo, mas também que deixemos de sofrer, até mesmo desde o instante em que se nos acabe a vida corporal.
Os sofrimentos deste mundo independem, algumas vezes, de nós; muitos, contudo, são devidos à nossa vontade. Remonte cada um à origem deles e verá que a maior parte de tais sofrimentos são efeitos de causas que lhe teria sido possível evitar. Quantos males, quantas enfermidades não deve o homem aos seus excessos, à sua ambição, numa palavra: às suas paixões? Aquele que sempre vivesse com sobriedade, que de nada abusasse, que fosse sempre simples nos gostos e modesto nos desejos, a muitas tribulações se forraria. O mesmo se dá com o Espírito. Os sofrimentos por que passa são sempre a consequência da maneira por que viveu na Terra. Certo já não sofrerá mais de gota, nem de reumatismo; no entanto, experimentará outros sofrimentos que nada ficam a dever àqueles. Vimos que seu sofrer resulta dos laços que ainda o prendem à matéria; que quanto mais livre estiver da influência desta, ou, por outra, quanto mais desmaterializado se achar, menos sensações dolorosas experimentará. Ora, está nas suas mãos libertar-se de tal influência desde a vida atual. Ele tem o livre-arbítrio, tem, por conseguinte, a faculdade de escolha entre o fazer e o não fazer. Dome suas paixões animais; não alimente ódio, nem inveja, nem ciúme, nem orgulho; não se deixe dominar pelo egoísmo; purifique-se, nutrindo bons sentimentos; pratique o bem; não ligue às coisas deste mundo importância que não merecem; e, então, embora revestido do envoltório corporal, já estará depurado, já estará liberto do jugo da matéria e, quando deixar esse envoltório, não mais lhe sofrerá a influência. Nenhuma recordação dolorosa lhe advirá dos sofrimentos físicos que haja padecido; nenhuma impressão desagradável eles deixarão, porque apenas terão atingido o corpo e não o Espírito. Sentir-se-á feliz por se haver libertado deles, e a paz da sua consciência o isentará de qualquer sofrimento moral. Interrogamos, aos milhares, Espíritos que na Terra pertenceram a todas as classes da sociedade, ocuparam todas as posições sociais; estudamo-los em todos os períodos da vida espírita, a partir do momento em que abandonaram o corpo; acompanhamo-los passo a passo na vida de além-túmulo, para observar as mudanças que se operavam neles, nas suas ideias, nas suas sensações e, sob esse aspecto, não foram os que aqui se contaram entre os homens mais vulgares os que nos proporcionaram menos preciosos elementos de estudo. Ora, notamos sempre que os sofrimentos guardavam relação com o proceder que eles tiveram e cujas consequências experimentavam; que a outra vida é fonte de inefável ventura para os que seguiram o bom caminho. Deduz-se daí que, aos que sofrem, isso acontece porque o quiseram; que, portanto, só de si mesmos se devem queixar, quer no outro mundo, quer neste.

Há, porém, uma outra [teoria], de alto alcance filosófico, dada pelos próprios Espíritos, e que lança sobre este problema uma luz inteiramente nova. Ela será mais bem compreendida depois que a tiverem lido. Aliás, é útil conhecer todos os sistemas, a fim de poder compará-los.

Resta agora explicar como se opera essa modificação da substância etérea do perispírito; por que processo o Espírito opera e, em consequência, o papel dos médiuns de influência física na produção desses fenômenos; aquilo que em tais circunstâncias neles se passa; a causa e a natureza de suas faculdades, etc.



É o que faremos no próximo artigo.




MEHMET – ALI, Antigo Pachá do Egito (Primeira Conversa)

https://www.youtube.com/watch?v=WR8ZR94D9lA&t=4207s

Mehmet-Ali, ou Maomé Ali, 1769 a 1849, foi vice-rei do Egito de 1805 a 1848, na condição de Governador do Império Otomano em nome do sultão.

Considerado como o fundador do Egito moderno, introduziu grandes reformas no país, entre elas: a construção de canais de irrigação para melhor distribuição das águas do Rio Nilo, construção de prédios, instituição de novas leis, impostos, a modernização do exército , etc.. Ele conseguiu considerável autonomia frente ao Império Otomano e também ampliou consideravelmente suas fronteiras. Mais sobre a vida de Mehmet-Ali clique aqui.

Pachá Mehmet-Ali

O Pachá Mehmet-Ali havia morrido há cerca de 10 anos antes dessa evocação, atendo ao pedido de Kardec e seus colegas. Ele disse que viera para os instruir. Eles pediram provas que ele era realmente o Espírito desencarnado do Pachá, no que ele contestou dizendo que o Espirito se revela pela suas palavras, sempre.

Ele disse que estava perto da medium Ermance Dufaux. Ele se “acomodou” em uma cadeira vazia. Ninguém o via.

O Pachá se dizia infeliz (ele usou o termo que estava desgraçado), que estava na condição de errante, que não se lembrava nitidamente de sua existência anterior como Mehmet-Ali…

10. ─ Recordais-vos daquilo que fostes na existência anterior a esta?

─ Eu era um pobre na Terra. Invejei as grandezas terrenas e subi para sofrer.

11. ─ Se puderdes renascer na Terra, que condição escolhereis de preferência?

─ A obscura: os deveres são menores.

12. ─ Que pensais agora da posição que ocupastes ultimamente na Terra?

─ Pura vaidade! Quis conduzir os homens. Sabia eu conduzir-me a mim mesmo?

14. ─ A opinião pública aprecia aquilo que fizestes pela civilização do Egito e por isso vos coloca entre os grandes príncipes. Ficais satisfeito com isso?

─ Que me importa? A opinião dos homens é o vento do deserto que levanta o pó

15. ─ Vedes com prazer os vossos descendentes seguindo o mesmo caminho? Os seus esforços vos interessam?

─ Sim, porque eles têm por objetivo o bem comum.

16. ─ Entretanto sois acusado de atos de grande crueldade. Agora os lamentais?

─ Eu os expio.

17. ─ Vedes aqueles a quem mandastes massacrar?

─ Sim.

18. ─ Que sentimento experimentam eles a vosso respeito?

─ Ódio e piedade.

Revista Espírita abril/1858

O Espírito segue dando suas opiniões a respeito das religiões muçulmana e cristã. Na visão desse Espírito, a primeira ainda era muito materialista, ao passo que a segunda era mais elevada. Diz, inclusive, que considerava que Maomé desvirtuou sua missão, pois quis reinar.

Na opinião de Mehmet-ali, a poligamia era um dos laços que ainda retêm os povos na barbárie; diz, também, entender que a escravidão da mulher não era justificável; diz que a escravidão apenas embrutece o homem; 

Diz ele que a Doutrina Espírita era a Doutrina dos sacerdotes do antigo Egito, que eles recebiam manifestações, tinham a mesma fonte que as recebidas por Moisés, pois eles foram iniciados por eles. Ele continuou dizendo que Moisés queria revelar, enquanto os Sacerdotes Egípcios queriam apenas ocultá-las. Ainda falando sobre as religiões, acrescentou dizendo que todas as religiões-mães estão ligadas entre si por laços quase invisíveis. Elas procedem de uma mesma fonte, sendo irmãs.

Esse Espírito tinha lembranças de outras existências bastante longínquas, dizendo ter vivido no tempo dos faraós por três vezes: como sacerdote(na época de Sesóstris, segundo sua lembrança), como mendigo e como príncipe, sendo a primeira aproximadamente 1900 anos antes de Cristo. Ele dissera que progrediu lentamente.

48. ─ É porque fostes sacerdote naqueles tempos que nos pudestes falar com conhecimento de causa da antiga religião dos Egípcios?

─ Sim, mas não sou suficientemente perfeito para tudo saber. Outros leem o passado como num livro aberto.

Revista Espírita abril/1858

E, então, aparentemente o Pachá se esquiva às últimas perguntas de Kardec, uma sobre o motivo da construção das pirâmides e outra que não chega a ser mencionada.

Essa evocação expressa muito o pesar do Espirito que fez uma encarnação não muito proveitosa para sua elevação moral.




Palestras familiares de além-túmulo: Bernard Palissy (9 de março de 1858)

Por intermédio de evocações anteriores, soube-se que Bernard Palissy, um célebre oleiro do século XVI, habita o planeta Júpiter. Quando evocado, Allan kardec, como era de seu costume, fez-lhe perguntas cujas respostas foram, para mais praticidade de leitura, condensadas em texto do foi dito sobre esse planeta, em várias ocasiões, por outros Espíritos e através de diferentes médiuns. Vejamos o diálogo por tópicos:

Visão geral do Espírito de Bernard Palissy

Bernard Palissy ainda demorou a deixar a superfície do planeta. Confessou ter estado sob o aspecto de uma mulher amorosa e dedicada, em uma missão que durou trinta anos. Disse que era obscuro citar o nome da mulher.

O Espírito traçou, pela mão do Sr. Victorien Sardou, os admiráveis desenhos sobre o planeta Júpiter com o fim de nos inspirar o desejo de nos tornarmos melhores. Disse não se importar com as obras materiais dos esboços, mas, sim, com o sofrimento que o elevou.

Finalmente, argumentou que vem com frequência a esta Terra que habitou várias vezes. Sobre o seu estado físico e moral, estabeleceu uma comparação entre ela e Júpiter dizendo que veio ao nosso globo apenas como Espírito e que ele não tem mais sensações materiais.

Estado físico do globo

A temperatura de Júpiter não pode ser comparada a uma de nossas latitudes, pois ela é suave e temperada; é sempre igual, enquanto a nossa varia.

O Sol aparece aos habitantes de Júpiter em tamanho muito pequeno e, consequentemente, fornece muito pouca luz. Assim, Júpiter é cercado de uma espécie de luz espiritual, em relação com a essência de seus habitantes. A luz grosseira de nosso Sol não foi feita para eles. A atmosfera de Júpiter não é formada dos mesmos elementos que a atmosfera terrestre, pois os homens não são os mesmos. Suas necessidades mudaram.

Lá existe água e mares. A água é mais etérea que a nossa.

Não há vulcões. O globo não é atormentado como o nosso. Lá a Natureza não teve suas grandes crises. É a morada dos bem-aventurados. Nele, a matéria quase não existe. As plantas têm analogia com as nossas, mas são mais belas.

Júpiter com sua lua Europa à esquerda: novidades na atmosfera do planeta recente foto do telescópio Hubble captada em 2020.

Estado físico dos habitantes

A conformação do corpo dos seus habitantes tem relação, sendo considerada a mesma. Sua estatura, comparada com a dos habitantes da Terra, é de seres grandes e bem proporcionados. Maiores que os nossos maiores homens. O corpo do homem é como o molde de seu espírito: belo, onde ele é bom. O envoltório é digno dele: não é mais uma prisão. A densidade específica do corpo humano permite ao homem transportar-se de um a outro ponto, sem ficar, como aqui, preso ao solo.

Lá os os corpos inertes são opacos, diáfanos e translúcidos. Uns têm tal propriedade, outros têm outra, conforme a sua finalidade.

Em relação aos corpos humanos, o corpo envolve o Espírito sem ocultá-lo, como um tênue véu lançado sobre uma estátua. Nos mundos inferiores, o envoltório grosseiro oculta o Espírito aos seus semelhantes, mas os bons nada mais têm a ocultar: cada um pode ler no coração dos outros. Sendo o corpo dos habitantes de Júpiter menos denso que os nossos, é formado de matéria compacta e condensada ou vaporosa que é compacta para eles, mas não para nós. Ela é menos condensada e impenetrável.

Lá existe diferença de sexo. Sexo há por toda parte onde existe a matéria.

A base da alimentação dos habitantes é puramente vegetal, pois o homem é o protetor dos animais. Parte de sua alimentação é extraída do meio ambiente, cujas emanações eles aspiram.

Comparada com a nossa, a duração da vida é mais longa. Eles vivem mais ou menos cinco séculos. Na infância, o homem conserva sua superioridade: a infância não comprime a inteligência nem a velhice a extingue.

Os homens não são sujeitos a doenças.

A vida não está dividida entre o sono e a vigília, mas entre a ação e o repouso.

Sobre as várias ocupações dos homens que lá os eles têm, foi dito que muito teria a falar. Sua principal ocupação é o encorajamento dos Espíritos que habitam os mundos inferiores, a fim de que perseverem no bom caminho. Não havendo entre eles infortúnios a serem aliviados, vão procurá-los onde esses existem: são os bons Espíritos que vos amparam e vos atraem para o bom caminho.

Lá as artes são consideradas inúteis. Para eles, as nossas artes são brinquedos que distraem as nossas dores.

Não existem lá o tédio e o desgosto da vida. O desgosto da vida origina-se no desprezo de si mesmo.

Os habitantes não têm, como nós, uma linguagem articulada. Há entre eles a comunicação pelo pensamento. A segunda vista é, como nos informaram, uma faculdade normal e permanece entre eles. O Espírito não conhece entraves. Nada lhe é oculto. Eles se comunicam sempre e mais facilmente que nós com os outros Espíritos. Não existe mais a matéria entre eles e nós.

O conhecimento do futuro depende do grau de perfeição do Espírito: isso tem menos inconvenientes para eles do que para nós; é-lhes mesmo necessário, até certo ponto, para a realização das missões de que são incumbidos, mas dizer que conhecem o futuro sem restrições seria nivelá-los a Deus. A predição do futuro é por mérito.

A morte não inspira o mesmo horror e pavor que entre nós, pois entre eles já não existe o mal. Só o mau se apavora ante o seu último instante. Ele teme o seu juiz. Os habitantes de Júpiter depois da morte crescem sempre em perfeição, sem passar por mais provas. Não há em Júpiter Espíritos que se submetam a provas a fim de cumprir uma missão, pois só o amor do bem os leva ao sofrimento. Eles não podem falhar em sua missão porque são bons. Só existe fraqueza onde há defeitos.

Perguntado se poderia nomear alguns dos Espíritos habitantes de Júpiter que tenham desempenhado uma grande missão na Terra, foi enumerado São Luís. Não quis nomear outros, pois há missões desconhecidas, cujo objetivo é a felicidade de um só. Por vezes são as maiores e as mais dolorosas.

Júpiter é muito maior do que a Terra e consideravelmente menos denso: seu volume corresponde a 1.321 vezes o da Terra.

Dos Animais

O corpo dos animais é mais material que o dos homens, pois o homem é o rei, o deus planetário. Os animais não se estraçalham mutuamente. Vivem todos submetidos ao homem e se amam entre si. Não há porém animais que escapam à ação do homem, assim como os insetos, os peixes e os pássaros. Todos lhe são úteis.

Os animais são os operários e os capatazes que executam os trabalhos materiais, constroem as habitações etc. O homem não mais se rebaixa para servir ao semelhante. Os animais servidores estão ligados a uma família particular, sob o estado de submissão, sem remuneração.

As faculdades dos animais são desenvolvidas por si mesmos. Sua linguagem é mais precisa e caracterizada que a dos animais terrenos.

Estado moral dos habitantes

As habitações de que ele deu uma mostra nos teus desenhos estão reunidas em cidades como aqui. Aqueles que se amam se reúnem. Só as paixões estabelecem a solidão em torno do homem. Disse que, se o homem ainda mau procura o seu semelhante, que é para ele um instrumento de dor, o homem puro e virtuoso não deve fugir de seu irmão.

Os Espíritos são de diversos graus, mas da mesma ordem. Perguntado se poderia reportar-se especialmente à escala espírita que demos no segundo número da Revista e que nos dissesse a que ordem pertencem os Espíritos encarnados em Júpiter, disse que são todos bons, todos superiores. Por vezes, o bem desce até o mal; entretanto, o mal jamais se mistura com o bem.

Os habitantes formam diferentes povos como aqui na Terra, mas todos unidos entre si pelos laços do amor. As guerras são desconhecidas.

Argumentou que o homem poderá chegar, na Terra, a um tal grau de perfeição que a guerra seja desnecessária. A guerra desaparecerá com o egoísmo dos povos e à medida que melhor seja compreendida a fraternidade.

Os povos são governados por chefes. A autoridade dos chefes está em seu grau superior de perfeição. A superioridade e a inferioridade dos Espíritos em Júpiter, de vez que todos são bons, é medida pela maior ou menor soma de conhecimentos e de experiência; depuram-se à medida que se esclarecem.

Diferente Terra, lá não existem povos mais ou menos avançados que outros, mas entre os povos há diversos graus. Se o povo mais adiantado da Terra fosse transportado para Júpiter, ocuparia a função que os macacos possuem entre nós.

Os povos se regem por leis e não há leis penais, pois não há mais crimes. Quem faz as leis é Deus.

Não há ricos e pobres e nem homens que vivem na abundância e no supérfluo e outros a quem falta o necessário, pois todos são irmãos. Se um possuísse mais do que o outro, com esse repartiria; não seria feliz quando seu irmão fosse necessitado. A ninguém falta o necessário; ninguém tem o supérfluo. Por outras palavras, a fortuna de cada um está em relação com a sua condição. Aquele que tem menos não é infeliz em relação àquele que tem mais. Ele não pode sentir-se infeliz, se não é invejoso nem ciumento. A inveja e o ciúme produzem mais infelizes que a miséria.

Não quis responder em que consiste a riqueza em Júpiter, mas confirmou que existem desigualdades sociais nas leis da sociedade. Uns são mais adiantados que outros na perfeição. Os superiores têm sobre os outros uma espécie de autoridade, como um pai sobre os filhos.

As faculdades do homem são desenvolvidas pela educação. Pode o homem adquirir bastante perfeição na Terra para merecer passar imediatamente a Júpiter, mas na Terra o homem é submetido a imperfeições a fim de estar em relação com os seus semelhantes. Quando um Espírito deixa a Terra e deve reencarnar-se em Júpiter, fica errante durante algum tempo, até encontrar o corpo a que se deve unir para que se tenha livrado das imperfeições terrenas.

Não há várias religiões, pois todos professam o bem e todos adoram um só Deus. Não há templos e um culto, visto que, por templo há o coração do homem; por culto, o bem que ele faz.




Evocação de Espíritos na Abissínia

O Império Etíope, também conhecido como Abissínia, foi um império que ocupou os presentes territórios da Etiópia e da Eritreia, existindo desde aproximadamente o ano de 1270 (início da dinastia salomónica) até 1974, quando a monarquia foi deposta por um golpe de estado. Portanto, ainda existia na época de Allan Kardec.

Kardec abre o artigo citando uma narração de James Bruce (1730 – 1794), um explorador e escritor escocês, em sua obra Voyage aux sources du Nil, em que diz estar estarrecido com as práticas de bruxaria e evocação do diabo praticadas pelo rei de Gingiro, pequeno reinado na parte meridional de Abissínia.

Kardec assinala que, tivesse Bruce conhecido o Espiritismo, veria que não havia ali nada de absurdo (no que tange às evocações). Além disso, seria um povo que, com certeza, guardou grande número de tradições judaicas e algumas ideias rudimentares do Cristianismo em que, por falta de conhecimento, sorveram a ideia do diabo, não entendendo que eram para Espíritos inferiores que faziam seus sacrifícios.

Dois embaixadores que Socínios, ao rei da Abissínia, enviou ao papa, por volta de 1625, e que tiveram de atravessar o Gingiro. Foi, então, necessário que fosse pedido ao rei uma audiência para que a caravana atravessasse seu território. Aconteceu de o rei estar em cerimonial e determinou que o embaixador e seu acompanhante esperassem oito dias para a audiência com ele. Findo o prazo, a comitiva foi recebida.

A área central em laranja corresponde ao território abissiniano.

O que Kardec cogita é que a tão pouca distância ainda havia degradação e ignorância em se fazer tudo mediante consultas a Espíritos estando tão perto dos principais centros intelectuais. Mescla essa ideia com a temperatura local que, sendo quente, poderia ser potencializada em climas frios. Compara os etíopes, que abrangem quase toda a Abissínia, com os gingiranos que nem adoram o diabo, nem pretendem ter com ele qualquer comunicação; bem como não sacrificam homens em seus altares; enfim, entre eles nenhum traço se encontrava dessa revoltante atrocidade.

Nosso codificador continua a censura ao afirmar que o rei de Gingiro sacrificava ao diabo, naquela época de comércio escravo, os pobres coitados que teriam o destino de serem degredados, dado à proximidade daquele reino com o mar, pois, afastados da costa, sua segurança era garantida.

Como vimos, o Sr. Bruce é o narrador da história e, se ele tivesse visto aquilo que hoje testemunhamos, nada de assombroso acharia na prática das evocações usadas em Gingiro. Ele só viu nelas uma crença supersticiosa, enquanto nós encontramos a sua causa no fato de manifestações falsamente interpretadas, que puderam produzir-se lá como em outros lugares documentados.

Para terminar o artigo, ao sacrificar seres humanos, Kardec conclui, com total confiança à luz do Espiritismo, que não podiam atrair ao seu meio Espíritos superiores. Atribui-se à credulidade o fato de os povos bárbaros cultuarem a um poder maléfico os fenômenos que não podiam explicar, pois tratava-se de um povo bastante atrasado moral e espiritualmente.




Magnetismo e Espiritismo

revista espírita março 1858

O magnetismo já era um fenômeno estudado antes de o Espiritismo surgir como doutrina, filosofia e ciência.

Allan Kardec diz: com efeito, baseando-se ambas na existência e na manifestação da alma, longe de se combaterem, podem e devem prestar-se mútuo apoio, pois elas se completam e se explicam mutuamente. Entretanto, seus respectivos adeptos discordam em alguns pontos: certos magnetistas ainda não admitem a existência ou, pelo menos, a manifestação dos Espíritos.

Kardec enfatiza que, no começo de uma ciência ainda tão nova, é muito fácil com que cada um, olhando as coisas de seu ponto de vista, dela forme uma ideia diferente. As ciências mais positivas tiveram sempre, e têm ainda, suas escolas, que sustentam ardorosamente teorias contrárias. Os sábios têm levantado escola contra escola, bandeira contra bandeira e, muitas vezes, para sua dignidade, as polêmicas se tornaram irritantes e agressivas para o amor próprio ofendido e ultrapassaram os limites de uma sábia discussão.

Os magnetistas baseiam-se no fato de que tudo podem explicar pela ação dos fluidos. Ao contrário, os adeptos do Espiritismo são todos concordes com o magnetismo por meio de fenômenos sonambúlicos.

Passe: uma das formas de transferência do magnetismo animal e espiritual.

O magnetismo preparou o caminho para o Espiritismo, e os rápidos progressos desta última doutrina são incontestavelmente devidos à vulgarização das ideias sobre a primeira. Sua conexão é tal que, por assim dizer, é impossível falar de um sem falar do outro. Se tivermos que ficar fora da Ciência do magnetismo, nosso quadro ficará incompleto. Por meio do magnetismo induzido, segundo O Livro dos Espíritos, há a relação entre o sonambulismo natural e os sonhos, ou seja, de acordo com essa obra pioneira da Doutrina Espírita, durante o sonambulismo, a alma pode fluir livremente, fazendo com que o corpo reaja de acordo com o que a alma vê. 

Ele espera que os sectários do magnetismo e do Espiritismo, melhor inspirados, não deem ao mundo o escândalo de discussões muito pouco edificantes e sempre fatais à propagação da verdade, seja qual for o lado em que ela esteja.

Kardec é muito fiel aos leitores e, discorrendo sobre o inimigos do Espiritismo, diz: devíamos esta profissão de fé, que terminamos com uma justa homenagem aos homens de convicção que enfrentando o ridículo, o sarcasmo e os dissabores, dedicaram-se corajosamente à defesa de uma causa tão humanitária.

Finalizando o texto, o codificador, conclui que, graças aos esforços perseverantes de muitos contemporâneos da elite parisiense, o magnetismo, popularizado, fincou pé na Ciência oficial, onde já se fala dele aos cochichos. Este vocábulo passou à linguagem comum: já não afugenta e, quando alguém se diz magnetizador, já não riem mais na sua cara.

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O Período Psicológico

Kardec traz à reflexão o fato de que o Espiritismo entrava, passados os momentos iniciais de manifestações puramente materiais, no Período Psicológico.

Discorda, todavia, que a Ciência humana estaria encerrada: muito longe disso, ainda teria muito a se desenvolver, no futuro.  

Para melhor entender o artigo, precisamos entender o significado de Psicologia no contexto de Allan Kardec e no contexto atual.

A Psicologia atual

A Psicologia, nos dias atuais, de característica terapêutica materialista, tem 3 vertentes:

Behaviorismo
Tem como objeto de estudo o comportamento. Essa teoria psicológica defende que a psicologia humana ou animal pode ser objetivamente estudada por meio de observação de suas ações, ou seja, observando o comportamento.  Os Behavioristas acreditam que todos os comportamentos são resultados de experiência e condicionamentos.

Psicologia da forma (Gestalt)
É uma doutrina da psicologia baseada na ideia da compreensão da totalidade para que haja a percepção das partes.  A proposta deste modelo é associar praticas cognitivas com as emoções e sentimentos do paciente, para que ele possa enxergar novos meios de encarar as situações difíceis da vida.

Psicologia analítica (Psicanálise)
Psicologia analítica, também conhecida como psicologia junguiana ou psicologia complexa, é um ramo de conhecimento e prática da Psicologia, iniciado por Carl Gustav Jung. Ela enfatiza a importância da psique, do inconsciente, dos arquétipos e do processo de individuação.

A Psicologia no contexto de Kardec

No contexto de Kardec, a Psicologia não tinha a característica terapêutica materialista de hoje: ela era uma ciência moral, espiritualista, inserida no contexto do Espiritualismo Racional, e seu principal objetivo era investigar e analisar as leis naturais que regem a natureza humana, inclusive de forma experimental.

Nesse contexto, a Psicologia compreendia o ser humano como um ser constituído de corpo e de alma. A alma, que sobreviveria ao corpo, era a causa primária da psique, não sendo esta um efeito apenas material de química e estímulos.

Antes de Allan Kardec, ou antes do Espiritualismo Racional, a filosofia tradicional tratou da alma de forma especulativa, por meio de sistemas criados por pensadores como Platão, Aristóteles, Leibniz e Kant. O advento da psicologia experimental abriu novo caminho: o das ciências filosóficas, que o Espiritismo vem complementar. Nas palavras de Allan Kardec:

O Espiritismo, a seu turno, vem dar a sua teoria. Ele se apoia na psicologia experimental; ele estuda a alma, não só durante a vida, mas após a morte; ele a observa em estado de isolamento; ele a vê agir em liberdade, ao passo que a filosofia ordinária só a vê em união com o corpo, submetida aos entraves da matéria, razão pela qual muitas vezes confunde causa e efeito

 Allan Kardec – R.E. – Maio de 1864

A psicologia é a ciência que estuda os processos mentais (sentimentos, pensamentos, razão) e o comportamento humano. Deriva-se das palavras gregas: psiquê, que significa “alma” e logia, que significa “estudo de”.

E de que forma o Espiritismo estuda a alma? Através dos fenômenos espíritas que, contudo, não são mais estudados apenas pelo entretenimento ou pela curiosidade, mas, justamente, com o fim de investigar as leis naturais que regem a natureza humana!

E por que tudo isso acabou?

O fim do período psicológico, ou, antes, o crepúsculo das Ciências Filosóficas, segundo Paulo Henrique de Figueiredo, se deu por conta da união do poder da Igreja com o Estado Ditatorial, que eram hostis ao esclarecimento da sociedade e contra a doutrina liberal defendida pelo Espiritualismo Racional.

Importa dizer: o liberalismo nesse contexto não diz respeito a uma liberdade desenfreada, fruto do egoísmo, mas sim a uma liberdade conduzida pela razão e iluminada pela consciência.

Aliado a isso, um forte movimento materialista começa a se levantar na Alemanha, por volta de 1860, e acaba por invadir a França, onde destitui as Ciências Morais da cátedra oficial.

E no Brasil? O Espiritualismo Racional, que formou a primeira escola filosófica estabelecida no país e que chegou a ser implantado na estrutura curricular de ensino, também se deparou com

 […] condições adversas que os primeiros indivíduos conscientes da teoria original enfrentaram quando pretenderam criar um movimento espírita brasileiro. Uma Igreja combativa, lutando para manter seus privilégios e o poder que se esvaía desde o Segundo Império. E uma corrente científica materialista, embalada pelos pensamentos retrógrados de Comte e dos fisiologistas alemães, como Vogt, Moleschott, Virchow e Büchner. A corrente espiritualista racional, bravamente defendida pela liderança de Gonçalves de Magalhães e Porto-Alegre, que se tornaram divulgadores do magnetismo animal e depois do Espiritismo, apesar de contagiar professores e estudantes de seu tempo, logo foi silenciada e esquecida. Em realidade, não foi possível estabelecer em nossas terras o cenário favorável que Kardec encontrou na França

Paulo Henrique de Figueiredo – Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo

O resultado disso tudo é o que vemos hoje: uma sociedade totalmente materialista, voltada aos prazeres da carne e esquecida da espiritualidade, amedrontada ante a vida e desesperada ante o túmulo!

O que esperar para o futuro?

Apenas o melhor, porque, da mesma forma que o Espiritualismo Racional nasceu em oposição ao materialismo da época, vivemos agora um fervilhar de iniciativas como a nossa e ainda melhores, que, com certeza, produzirão, em alguns anos, frutos importantíssimos para esta época de mudanças que atravessamos!

Lembra Kardec, com o que encerramos o artigo:

Esses excessos, entretanto, têm a sua utilidade, a sua razão de ser. Eles assustam a sociedade, e o bem sai sempre do mal; é preciso o excesso do mal para fazer sentir a necessidade do melhor, sem isto o homem não sairia de sua inércia

(KARDEC, [RE] 1868, p. 201)




O Sr. Home II

revista espírita março 1858

O Sr Home já havia sido citado por Allan Kardec na edição da Revista Espírita do mês de fevereiro. Kardec parece manter uma afeição grande pela mediunidade e características pessoais do Sr. Home. Nele, vemos um homem dotado de uma faculdade surpreendente. É um jovem de 24 anos, estatura mediana, louro e cuja fisionomia melancólica nada tem de excêntrica; é de compleição muito delicada, de costumes simples e meigos, de caráter afável e benevolente, sobre o qual o contato das grandezas nem lançou arrogância nem ostentação. Dotado de excessiva modéstia, jamais faz alarde de sua maravilhosa faculdade.

Leia a Revista Espírita que aborda o primeiro artigo sobre o Sr. Home clicando AQUI!

O Sr. Home é um médium de diversas faculdades com destaque para as de fenômenos físicos e manifestações inteligentes que, por não ser escrevente, as respostas dos Espíritos são dadas por batidas vibradas.

O que chama a atenção do Sr. Home a despeito de sua mediunidade é que nele a faculdade está desenvolvida de modo excepcional. Sob a influência do Sr. Home fazem-se ouvir os ruídos mais retumbantes e todo o mobiliário de uma sala pode ser revirado e os móveis amontoados uns sobre os outros. Além disso, ele próprio gravita sem se aperceber do fato.

Outro dom notável de todas as suas manifestações produzidas é o das aparições, razão por que nelas mais Kardec insistiu rm comentar, à vista das graves consequências daí decorrentes e da luz que elas lançam sobre uma porção de outros fatos. O mesmo se dá com os sons produzidos no ar; instrumentos de música que tocam sozinhos, etc.

Kardec arremata o artigo falando que a religião nos ensina a existência da alma e a sua imortalidade; o Espiritismo dá-nos a sua prova viva e palpável, não mais pelo raciocínio, mas pelos fatos e que a Doutrina Espírita nos mostra a felicidade na prática das virtudes evangélicas; ela lembra ao homem os seus deveres para com Deus, para com a Sociedade e para consigo mesmo. 

Em nova investida, Kardec conclui que:

“Ajudar na sua propagação (do Espiritismo) é desferir um golpe mortal na chaga do cepticismo que nos invade como um mal contagioso. Honra, pois, aos que empregam nessa obra os bens com que Deus os favoreceu na Terra!”