O que é a Revista Espírita e como estudá-la?

No momento em que escrevo este artigo, estamos entrando no estudo da 10.ª edição da Revista Espírita — outubro de 1858. Começamos esse estudo semanal (clique aqui para conhecê-lo), transmitindo-o ao-vivo, sabendo, por uma intuição, que ele seria muito importante e útil, mas, de fato, não sabíamos o que esperar desse estudo. A verdade é que, senão pela leitura de algumas citações de trechos dessa obra, não sabíamos nem sequer do que se tratava a Revista Espírita.

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Hoje, então, passadas nove edições dessa publicação, dentre as 136 das quais o próprio Kardec esteve à frente, de janeiro de 1858 a abril de 1869 (ele morreu em março, mas já havia deixado pronta essa última e importante edição, da qual falaremos mais adiante) — e continuamos nos perguntando onde é que ele arrumava tempo e disposição para isso, coisa digna de missionário — já conseguimos vislumbrar um pouco do brilhantismo de Rivail no encadeamento lógico do desenvolvimento dos temas que, agora compreendemos um pouco, dão base e rumo ao crescimento e ao fortalecimento da Doutrina Espírita — lembremos que as próximas obras foram produzidas, em grande parte, justamente a partir de muitos dos temas e estudos desenvolvidos na Revista Espírita.

Importa dizer, antes de tudo, que a Revista Espírita, como demonstra o nome, foi um periódico mensal, onde Allan Kardec apresentava diversos temas, sendo alguns deles totalmente doutrinários, outros deles ligados às questões sociais, histórias e científicas e outros nos quais percebemos uma crescente e ininterrupta elaboração de pesquisas e conhecimentos que foram dando cada vez mais base à Doutrina Espírita.

Revista Espírita: Jornal de Estudos Psicológicos

Muitos não sabem, mas esse é o subtítulo completo desse periódico: jornal de estudos psicológicos. E isso é importante ser destacado, pois, pelos olhos de hoje, não parece que psicologia tem muito a ver com um jornal espírita, não é mesmo? É aqui que entra o valoroso e importante trabalho de Paulo Henrique de Figueiredo, um dos mais expoentes pesquisadores espíritas da atualidade, que foi buscar, no passado, um conhecimento esquecido, varrido para baixo do tapete: em resumo, aquele que se encerrava no contexto do Espiritualismo Racional, sobre o qual já falamos um pouco aqui. É somente através do estudo desse conhecimento esquecido que poderemos, adiantamos, contextualizar muito do que se fala na R.E. e, sobre isso, destacamos a importância da obra Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo, desse mesmo autor.

No contexto de Kardec, a Psicologia não tinha a característica terapêutica materialista de hoje: ela era uma ciência moral, espiritualista, inserida no contexto do Espiritualismo Racional, e seu principal objetivo era investigar e analisar as leis naturais que regem a natureza humana, inclusive de forma experimental.

Nesse contexto, a Psicologia compreendia o ser humano como um ser constituído de corpo e de alma. A alma, que sobreviveria ao corpo, era a causa primária da psique, não sendo esta um efeito apenas material de química e estímulos. Tratamos um pouco disso nos estudos baseados no artigo “O Período Psicológico”, que você pode ler aqui.

O nascimento da Revista e sua finalidade

Kardec criou a Revista Espírita baseado, em parte, nas sugestões de um Espírito que se comunicou através da Srta. Hermance Dufaux (é com H, mesmo) que, segundo Canuto de Abreu, cooperou para a transmissão de valiosas orientações para esse periódico:

No final de 1857, Kardec teve a ideia de publicar um periódico espírita e quis ouvir a opinião dos guias espirituais. Hermance foi a médium escolhida e, através dela, um Espírito deu várias e ótimas orientações ao Mestre de Lion. O órgão ganhou o nome de “Revista Espírita” e foi lançado em janeiro do ano seguinte.

Um dos maiores interesses de Kardec era o de se corresponder, de forma facilitada, com os adeptos do Espiritismo espalhados pela Europa. Através da Revista, uma publicação de fácil circulação e de interesse geral — Kardec, nela, abordava até os fatos cotidianos e de grande interesse, envolvendo os Espíritos — a Doutrina foi rapidamente permeando as massas, que liam avidamente suas folhas. Não faltaram as cartas de assinantes, milhares delas, muitas das quais Kardec sequer encontrava tempo para responder.

Destacamos a palavra “assinantes” de propósito: Kardec, ou melhor, a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, cobrava por uma assinatura desse periódico, mas jamais para enriquecimento próprio, e sim com a finalidade de obter recursos para baratear custos das obras, fornecer apoio social, etc. Fizemos uma citação a esse respeito no artigo Propagação do Espiritismo.

Dizíamos dos propósitos da Revista. Bem sabemos que Kardec identificou, logo de início, com sua perspicácia de pesquisador formado, desde criança, pelo método investigativo da Natureza, de Pestalozzi, que…

… A opinião isolada de um Espírito não passa disso — uma opinião — portanto, não pode ser tomada, isoladamente, como se fosse fonte inquestionável da verdade, já que Espíritos de todos os tipos podem se comunicar, sendo que os Espíritos enganadores tomam os nomes até mesmo dos santos e de Jesus, sem pudor, principalmente quando percebem que não são questionados.

Portanto, Kardec buscava um meio de fortalecer o princípio básico e inexorável da Doutrina, que é o da concordância universal do ensinamento dos Espíritos, que deve, além disso, atender à lógica, à razão, ao bom-senso e à ciência já formada, tanto da parte dos homens, quanto da parte dos Espíritos, pelo mesmo método. Ora, como já podemos perceber, através da Revista Espírita, onde recebia os diversos relatos de várias partes do mundo, através de seus correspondentes, o mestre lionês obteve justamente isso, em grande parte! Vemos um exemplo disso na carta do Sr. Jobard, em julho de 1858, e nas observações de um correspondente em setembro de 1858.

As evocações de Kardec

Há também um aspecto ainda mais importante apresentado na Revista, que demonstra claramente uma face pouquíssimo conhecida do Espiritismo, no atual movimento espírita: o da natureza e da utilidade das evocações de Espíritos. Ora, num momento onde virou lei a famosa frase do querido Chico Xavier — “o telefone só toca de lá para cá” — sobre a qual já fizemos uma análise no artigo “O Espiritismo sem os Espíritos” — qual não foi nosso espanto (pelo menos para aqueles que não conhecíamos essa realidade) ao verificarmos que Kardec fazia uso das evocações com tanta naturalidade — mas com a necessária seriedade — como aquela que usamos para conversar com as pessoas ao nosso redor.

Em praticamente todas as edições, Kardec apresenta evocações de Espíritos, as quais realizava com a finalidade de obter melhores compreensões a respeito da moral compreendida em certos acontecimentos, bem como o de tentar sondar alguns fatos científicos envolvendo fenômenos Espíritas, como se deu em “Uma nova descoberta fotográfica“, de julho de 1858.

Foi assim que, número após número, Kardec apresentou as mais diversas evocações, algumas feitas por ele mesmo e outras feitas por correspondentes seus. Evocaram-se Espíritos de suicidas, de loucos, de assassinos, de reis, de plebeus, de gente de grande moral e benevolência e de Espíritos inferiores. Muitos desses, diga-se de passagem, a pouquíssimos dias de sua morte, o que contraria aquilo que grande parte do movimento espírita atual tem dito.

Importa destacar, é claro, que as evocações não tinham a finalidade de atenderem à curiosidade vazia e inferior ou à diversão de ninguém: além dos ensinamentos que se podiam colher de todas elas, para os Espíritos superiores sempre foi uma felicidade nos ajudar e, para os inferiores, muitas vezes forneceram preciosos momentos de reflexão e de reequilíbrio.

Fortalecimento da Doutrina e descontrução de falsos ou inconpletos conceitos

A forma para o Espírito

Para dar um exemplo prático, nessas desconstruções de ideias fartamente enraizadas atualmente, temos, ainda que em primórdios, uma delas que começou a chamar nossa atenção: a questão da forma para o Espírito errante (entre as encarnações). É de praxe, hoje em dia, a concepção de todo um mundo fantástico e cheio até mesmo de automóveis no plano espiritual… Contudo, Kardec, a partir de certa edição, passa a sondar o que é a forma para os Espíritos, através de perguntas como “de que forma lhe veríamos se pudéssemos vê-lo com nossos olhos?” ou “vê outros Espíritos? De que forma?”.

Foi assim que, em julho de 1858, no artigo “O tambor de Berezina“, Kardec faz as seguintes perguntas, após realizar uma série de indagações tentando compreender o estado moral e racional daquele Espírito, que foi um soldado em sua última encarnação:

28. ─ Vês outros Espíritos ao teu redor? ─ Sim, muitos.

29. ─ Como sabes que são Espíritos? ─ Entre nós, vemo-nos tais quais somos.

30. ─ Com que aparência os vês? ─ Como se podem ver Espíritos, mas não pelos olhos.

31. ─ E tu, sob que forma aqui estás? ─ Sob a que tinha quando vivo, isto é, como tambor.

32. ─ E vês os outros Espíritos com as formas que tinham em vida? ─ Não. Nós não tomamos uma aparência senão quando somos evocados. Fora disso vemo-nos sem forma.

A última resposta foi bastante interessante, mas, até o momento, era apenas a opinião de um Espírito. Digno de nota a metodologia de Kardec, sondando os assuntos de interesse, ao invés de fazer perguntas diretas que poderiam ser respondidas de forma enviesada. Então, em setembro do mesmo ano, no artigo “Palestras de além-túmulo — Senhora Schwabenhaus. Letargia Extática“, Kardec faz as seguintes perguntas, obtendo as seguintes respostas. Notem bem:

29. ─ Sob que forma estais entre nós? ─ Sob minha última forma feminina.

30. ─ Vós nos vedes tão distintamente quanto se estivésseis viva? ─ Sim.

31. ─ Desde que aqui vos encontrais com a forma que tínheis na Terra, é pelos olhos que nos vedes? ─ Não, o Espírito não tem olhos. Só me encontro sob minha última forma para satisfazer às leis que regem os Espíritos quando evocados e obrigados a retomar aquilo a que chamais perispírito.

Vejamos, então: já são dois os Espíritos, de elevações diferentes, dizendo a mesma coisa: para o Espírito liberto da matéria, não há forma, como a que compreendemos. Eles assumem o perispírito, atendendo a uma lei natural, apenas quando precisam agir materialmente, quando, por exemplo, se aproximam de nós para se comunicar (com materialmente quero dizer: eles precisam assumir o perispírito para poder se colocar em comunicação conosco, o que, antes de tudo, se dá através dessa “roupagem”. É, portanto, matéria, mas uma matéria muito sutil, extraída do fluido cósmico universal[1]).

Significa então que os estudos de Kardec desmentem André Luiz? Bem, apesar de a metodologia de Kardec ser bastante lógica, deixando pouco espaço para erro, seria talvez precipitado tirar conclusões baseados apenas nesses dois Espíritos — ainda não sabemos se existem, mais adiante, mais evocações que deem suporte a essa tese — mas também não estamos dizendo que Chico Xavier errou, já que ele foi uma ferramenta dos Espíritos, nem que André Luiz mentiu, mas sim que ele falou segundo suas concepções e seus entendimentos. Quem sabe, ele poderia estar falando de uma situação de “encarnação” de Espíritos, em matéria mais sutil? Também não descartamos a existência de verdadeiras cidades, formadas pelos Espíritos ainda muito dependentes da matéria e da forma — o que, em suma, não é nada bom, mas compreendemos que seja uma fase.

O suicídio

Outro tema que foi fartamente desconstruído de suas concepções modernas é aquele a respeito do suicídio. Reinam, hoje, no meio espírita, as afirmações de que o suicida fica no “umbral” ou no “vale dos suicidas”; o de que ele ficará preso ao corpo, “sentindo-o” ser roído pelos vermes; o de que ele ficará anos em perturbação extrema, sendo impossível se comunicar; e, ainda, o de que o suicida amanhã nascerá com defeitos físicos de modo a “resgatar um débito cármico” (esse último trecho causa aversão até para escrever).

Bem, até o momento, Kardec já fez a evocação de dois suicidas: O Suicida da Samaritana, em junho de 1858, e Suicídio por Amor — setembro de 1858 — onde um rapaz se matou à porta da namorada, num ápice das emoções, pois ela se obstinara em não aceitá-lo de volta, após uma grande discussão.

O primeiro é evocado cerca de dois meses após o episódio fatídico: “Peço a Deus Todo-Poderoso permita ao Espírito do indivíduo que se suicidou a 7 de abril de 1858, nos banhos da Samaritana, venha comunicar-se conosco” — notem a simplicidade na evocação. Esse Espírito denotou um grande sofrimento moral, que vinha desde antes de sua morte, a qual buscou por um desespero em não saber lidar com os desgostos e as provações da vida. São Luís encerra a comunicação dizendo apenas que o suicídio interrompe a vida bruscamente, o que pode provocar uma certa dificuldade momentânea de se desapegar do corpo.

O segundo é evocado sete ou oito meses após o suicídio. Esse espírito já não sofre tanto, pois entendeu a falta de utilidade no que fez, e que o fez por um ato irrefletido levado pelas paixões (emoções) incontidas. Nesse, há apenas um “aprisionamento mental” ao momento do ato, que ficava se repetindo na mente desse Espírito, já que a ele se ligava com arrependimento.

Em nenhum deles, nenhuma menção àquilo que se tornou lugar-comum no meio Espírita, que, na verdade, são meias-verdades: existem as diversas possibilidades, segundo a mentalidade de cada um, mas o espírita atual insiste em tomar a exceção por regra.

A moral autônoma

Paulo Henrique de Figueiredo muito tem falado e defendido a essência do Espiritismo como moral autônoma. E muito tem sido criticado por alguns poucos que ainda não conseguiram ver isso na Doutrina. Aqui, há mais um conceito atual desconstruído pelo estudo da Revista Espírita. Não vou me aprofundar sobre o assunto, pois neste artigo já apresentei o conceito. Apenas quero destacar que, na própria Revista, nós vemos esse conceito muito bem fundamentado, e não por Kardec, apenas, mas pelos Espíritos.

Logo na primeira edição da RE, em janeiro de 1858, temos o artigo “Uma conversão“, que apresenta a seguinte sequência de perguntas e respostas, feitas ao pai falecido de um rapaz, por esse mesmo rapaz, que buscava acreditar no Espiritismo:

15. — Seremos punidos ou recompensados de acordo com nossos atos? — Se você fizer o mal, sofrerá.

16. — Serei recompensado se fizer o bem? — Avançará em seu caminho.

17. — Estou no bom caminho? — Faça o bem e estará.

Observe a profundidade moral desse simples diálogo. Não há castigo e recompensa, mas apenas nós mesmos, diante de nossa própria consciência, segundo nossas escolhas.

Mais adiante, em outubro de 1858, no artigo “Assassinato de cinco crianças por outra de doze anos — Problema moral“, Kardec questiona a São Luís sobre a possibilidade daquele Espírito, do assassino, voltar a encarnar sobre a Terra, e não sobre um planeta ainda mais atrasado:

11. ─ Então pode ele encontrar na Terra os meios de expiar sua falta, sem ser obrigado a regressar a um mundo inferior?

─ Aos olhos de Deus, o arrependimento é sagrado, porque é o homem que a si mesmo se julga, o que é raro no vosso planeta.

Prezado(a) amigo(a), vê a beleza da Doutrina Espírita, verdadeiramente consoladora e autônoma, transparecida em sua face original? Nada de carma. Nada de “ação e reação”. Nada de “lei do retorno”. Estudemos, estudemos, porque o movimento espírita atual, inundado de conceitos exíguos e contrários à Doutrina dos Espíritos, anda muito afastado de suas essência e realidade originais!

Como estudar a Revista Espírita

Muito bem: já apresentamos a importância inestimável desse periódico de Kardec; já apresentamos, também, a profundidade que ele tem e o encadeamento lógico e racional de algo que vai formando o corpo de uma Doutrina Científica, muito bem estabelecida, que é o Espiritismo. Resta saber: como estudar esses 136 números dessa publicação?

Cremos haver duas formas principais, sobre as quais, aliás, estamos discutindo e nos adequando, no momento, de modo a chegar no melhor método. A primeira delas é aquela que respeita a forma cronológica, edição a edição; a segunda é aquela que “passa a perna”, no bom sentido, em Kardec, e avança por assuntos, de forma mais ou menos cronológica. Explico:

Na primeira modalidade, que é o que fizemos até então, pegamos a Revisa, edição por edição, e nos dedicamos a estudá-la individualmente, em primeiro lugar, a fim de extrair de cada número e assunto o melhor entendimento, enriquecendo o estudo. Isso porque existem, nela, assuntos acessórios, que não apresentam grande ganho em trazer para o estudo em grupo, como é o caso dos fenômenos apresentados por Kardec, no que chamaríamos hoje de “causos espíritas”. Não que não sejam artigos úteis, pois reforçam muito o entendimento a respeito do fato dos fenômenos espíritas, principalmente para aqueles que ainda tem dúvidas sobre eles.

Já outros assuntos são tão importantes e profundos que merecem uma atenção especial, por vezes buscando complementos não só em Kardec, mas também em obras complementares de outros pesquisadores contemporâneos ou não de Kardec. Por diversas vezes já encontramos grande utilidade em abordar não apenas demais obras de Kardec que, se fôssemos nos basear pela cronologia correta, sequer haviam sido publicadas, mas também obras como as de Ernesto Bozzano e aquelas recentes de Paulo Henrique.

Outra forma de realizar esse estudo é, como dissemos, “passar a perna” em Kardec e avançar sobre os assuntos em todos os anos da Revista e da obra completa do Professor. Mas isso no bom sentido: Kardec, cronologicamente, o que é óbvio, vai amadurecendo a própria compreensão a respeito da Doutrina dos Espíritos, através da pesquisa incessante. Assim, podemos ver, por exemplo, Kardec falando em fluido vital, em 1858, mas, em A Gênese, descartando os fluidos e ficando com a tese de Mesmer, do Magnetismo Animal e do princípio vital. Portanto, pode-se desrespeitar a ordem cronológica de modo a estudar os assuntos abordados na Revista, complementando-os e relembrando-os conforme se avança pelos números, na ordem.

No momento, estamos optando por um meio-termo: descartamos o aprofundamento nos assuntos acessórios, nos atendo aos assuntos principais e, deles, fazendo o devido aprofundamento, conforme observamos a necessidade. Talvez passaremos a abordar mais de uma edição num mesmo estudo, quando verificarmos que os assuntos de mais de uma delas é construído e complementado sequencialmente. Apena não julgamos útil avançar a passos grandes demais, pois compreender a construção do pensamento de Kardec, de seu método, dos ensinamentos dos Espíritos nas entrelinhas, é algo que julgamos muito proveitoso e importante.

O fim da Revista Espírita sob a tutela de Kardec

Chegamos, enfim, ao final do artigo, citando o fim da Revista Espírita com a morte de Allan Kardec. “Mas, Paulo, a Revista Espírita continuou sendo veiculada por muitos anos após sua morte”. Sim, continuou… Mas, infelizmente, foi subvertida pelos interesses mesquinhos do dinheiro e da vaidade. Enquanto esteve sob Kardec, foi uma publicação metódica, bem formulada e, sobretudo, impessoal, voltada aos interesses do Espiritismo, isto é, da Doutrina dos Espíritos, que não pertence a nenhum encarnado e nem sai das ideias de nenhum deles, de forma isolada.

Após a morte de Kardec, aqueles que assumiram e subverteram a Sociedade (para mais detalhes leia O Legado de Allan Kardec, de Simoni Privato) passaram a utilizar desse periódico para veicular os mais completos absurdos, dentre eles, sob a direção de Pierre Leymarie, artigos promovendo um falso médium, que dizia obter fotografias dos Espíritos. A promoção era literal, pois, na Revista Espírita, chegou-se a dar a indicação e os valores cobrados para se obter uma suposta fotografia de um parente morto. O caso rendeu um grande processo judicial contra Leymarie e seus associados, naquilo que ficou conhecido como O Processo dos Espíritas e que manchou absurdamente a reputação da Doutrina perante a sociedade.

Mas não parou por aí. A Revista Espírita, depois de 1869, passou a ser constantemente lugar de veiculação de absurdos artigos, muitos contrários à Doutrina até então formada pela metodologia indispensável aplicada por Kardec. É por isso que, juntamente aos demais estragos causados à Doutrina, que, hoje, ficamos com a Revista apenas sob o tempo em que ela esteve sob as conscienciosas mãos de Allan Kardec, e é por todo o exposto, até aqui, que…

… Convidamos a todos a montarem grupos de estudos sobre essa publicação, juntando a isso as pesquisas mais atuais, de modo que o aprendizado do Espiritismo, como Doutrina Científica que é, possa, a cada dia mais, sair dos círculos dos estudiosos espíritas e espalhar suas influências sobre a sociedade, que está desesperada em busca de respostas, uma vez mais.

Para isso, recomendamos observar as obras recomendadas para estudo, bem como acompanhar os estudos do grupo Espiritismo para Todos, no YouTube.


1. Diz Paulo Henrique de Figueiredo, em A Gênese (FEAL, 2018):

“Havia a teoria do fluido cósmico universal, adotada inicialmente por Franz Anton Mesmer (na Ciência do Magnetismo Animal), segundo a qual o Universo seria composto de um só elemento gerador, ocupando plenamente o espaço, dividido em inúmeras fases de densidade, progressivamente, desde a matéria tangível, líquida, gasosa, o éter e demais condições ainda mais sutis, imperceptíveis aos sentidos. Nessa outra teoria, as forças não seriam substâncias, mas estados de vibração em diversos níveis sutis do fluido universal. Por exemplo, a luz seria um estado de vibração do éter. Por analogia, considerando a adoção nessa obra da teoria do único elemento gerador como explicação universal dos fenômenos físicos, os fluidos espirituais estariam entre os estados mais sutis do fluido cósmico universal”. Recomendamos a obra Mesmer: a ciência negada do magnetismo animal, desse mesmo autor.




Envenenamento do Duque de Guyenne

Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Junho > Confissões de Luis XI – Extraídas da vida de Luis XI.

Envenenamento do Duque de Guyenne

…Ocupei-me depois da Guyenne. Odet d’Aidies, senhor de Lescun, que se tinha desentendido comigo, conduzia os preparativos da guerra com uma vivacidade maravilhosa. Era com muito esforço que alimentava o ardor belicoso de meu irmão, o Duque de Guyenne. Ele tinha de combater um adversário temível no espírito de meu irmão: a Senhora Thouars, amante de Carlos, Duque de Guyenne.

Essa mulher não procurava senão tirar partido do poder que exercia sobre o jovem duque, a fim de desviá-lo da guerra, pois não ignorava que a guerra tinha por objetivo o casamento do seu amante. Seus inimigos secretos tinham afetado, em sua presença, louvar a beleza e as brilhantes qualidades da noiva. Isto foi suficiente para persuadi-la de que sua desgraça seria certa se aquela princesa desposasse o Duque de Guyenne. Certa da paixão de meu irmão, recorreu às lágrimas, às preces e a todas as extravagâncias de uma mulher perdida em semelhante situação. O pusilânime Carlos cedeu e comunicou suas novas resoluções a Lescun. Lescun imediatamente preveniu o Duque de Bretanha e os interessados, os quais, alarmados, mandaram representações a meu irmão. Estas, porém, não surtiram senão o efeito de mergulhá-lo novamente em suas dúvidas.

Entretanto, a favorita conseguiu, não sem dificuldade, dissuadi-lo novamente da guerra e do casamento. A partir de então, a morte da favorita foi decidida por todos os príncipes.

Com receio de que meu irmão viesse atribuí-la a Lescun, cuja antipatia pela Senhora Thouars lhe era conhecida, decidiram conquistar Jean Faure Duversois, monge beneditino, confessor de meu irmão e abade de Saint-Jean d’Angély. Esse homem era um dos maiores entusiastas da Senhora de Thouars e ninguém ignorava o ódio que votava a Lescun, cuja influência política invejava. Não era provável que meu irmão lhe atribuísse a morte da amante, pois aquele sacerdote era um dos favoritos que maior confiança lhe mereciam. Desde que apenas a sede de grandeza o ligava à favorita, deixou-se facilmente corromper.

Durante muito tempo eu tentei seduzir o abade, mas ele sempre repelia minhas ofertas. Entretanto, deixava-me a esperança de atingir o meu objetivo.

Ele facilmente percebeu a situação em que se meteria prestando aos príncipes o serviço que lhe pediam, pois sabia que não lhes era difícil desembaraçar-se de um cúmplice. Por outro lado, conhecia a inconstância de meu irmão e temia tornar-se sua vítima.

Para conciliar sua segurança com seus interesses, resolveu sacrificar seu jovem senhor. Tomando tal partido, tinha tantas chances de êxito quantas de fracasso. Para os príncipes, a morte do jovem Duque de Guyenne deveria ser o resultado de um erro ou de um incidente imprevisto. Mesmo quando imputada ao Duque da Bretanha e seus comparsas, a morte da favorita teria passado despercebida, por assim dizer, pois que ninguém teria descoberto os motivos que lhe emprestavam uma importância real, do ponto de vista político.

Admitindo que pudessem ser acusados pela morte de meu irmão, achar-se-iam eles expostos aos maiores perigos, porque teria sido meu dever castigá-los rigorosamente. Sabiam que não era boa vontade que me faltava e que no caso o povo poderia voltar-se contra eles. Então o próprio Duque de Borgonha, alheio ao que se tramava em Guyenne, teria sido forçado a aliar-se a mim, sob pena de se ver acusado de cumplicidade. Mesmo nesta última hipótese, tudo teria resultado em meu favor. Eu poderia fazer que Carlos, o Temerário, fosse declarado criminoso de lesa majestade e levar o Parlamento a condená-lo à morte, pelo assassinato de meu irmão. Tais condenações, pronunciadas por aquele alto tribunal, tinham sempre grandes resultados, sobretudo quando eram de uma incontestável legitimidade.

Vê-se facilmente que interesse tinham os príncipes em manejar o abade. Por outro lado, nada mais fácil do que desfazer-se dele em segredo.

Mas comigo o abade de Saint-Jean tinha maiores chances de impunidade. O serviço que prestava era-me da maior importância, sobretudo naquele momento, porque a liga formidável que se formava e da qual o Duque de Guyenne era o centro deveria perder-me infalivelmente. O único meio de destruí-la seria a morte de meu irmão, o que representava a minha salvação. Ele aspirava o favor de Tristão, o Eremita, pensando que, por esse meio, elevar-se-ia acima dele ou pelo menos partilharia minhas boas graças e minha confiança nele. Aliás, os príncipes tinham cometido a imprudência de lhe deixar em mãos provas incontestes de sua culpabilidade: eram diversos escritos, e como estavam redigidos em termos muito vagos, não era difícil substituir a pessoa de meu irmão pela de sua favorita, ali designada nas entrelinhas. Entregando-me esses documentos, ele afastava de mim qualquer dúvida relativa à minha inocência; por isto subtraía-se ao único perigo que corria ao lado dos príncipes e, provando que de nenhum modo eu me achava envolvido no envenenamento, deixava de ser meu cúmplice e me isentava de qualquer interesse em mandar matá-lo.

Restava provar que ele próprio não estava metido nisso. Esta era uma dificuldade menor. Para começar, ele estava seguro de minha proteção; depois, os príncipes não tinham provas de sua culpabilidade, e ele poderia devolver-lhes as acusações, a título de calúnias.

Envenenamento com Pêssego
Um apetitoso pêssego é usado como ferramenta de envenamento.

O Abade concorda em praticar o envenenamento

Tudo bem ponderado, enviou-me um emissário que fingiu ter vindo espontaneamente dizer-me que o Abade de Saint-Jean estava descontente com meu irmão. Vi imediatamente todo o partido que poderia tirar de tal disposição e caí na armadilha preparada pelo astuto abade. Não suspeitando que aquele homem tivesse sido enviado por ele, despachei um de meus espiões de confiança. Saint-Jean representou tão bem o seu papel, que o emissário foi enganado. Baseado em seu relatório, escrevi ao abade, a fim de conquistá-lo. Ele aparentou muitos escrúpulos, mas eu triunfei, embora com alguma dificuldade. Concordou em ficar encarregado do envenenamento de meu jovem irmão. Eu estava tão pervertido que não hesitei em cometer esse crime horrível.

Henri de la Roche, escudeiro da repostaria do duque, ficou encarregado de preparar um pêssego que seria oferecido pelo próprio abade à Sra. de Thouars, enquanto merendava à mesa de meu irmão. A beleza desse fruto era notável. Ela chamou a atenção do príncipe e o partilhou com ele. Apenas tinham ambos comido, a favorita sentiu dores violentas nas entranhas e dentro em pouco expirou no meio de atrozes sofrimentos. Meu irmão experimentou os mesmos sintomas, mas com muito menor violência.

Talvez pareça estranho que o abade se tivesse servido de tal meio para envenenar o seu jovem senhor. Na verdade, o menor incidente poderia prejudicar o seu plano. Era, entretanto, o único que a prudência poderia autorizar: ele admitia a possibilidade de um engano. Tocada pela beleza do pêssego, era muito natural que a Sra. de Thouars chamasse a atenção de seu amante e lhe oferecesse a metade; ele não poderia deixar de aceitá-la e de comer um pouco, ainda que por consideração. Admitindo que comesse apenas um pedacinho, isto seria suficiente para provocar os primeiros sintomas necessários; um envenenamento posterior poderia determinar a morte, como consequência do primeiro.

Os príncipes ficaram tomados de terror assim que souberam das consequências funestas do envenenamento da favorita. Eles não tiveram a menor suspeita da premeditação do abade. Pensaram apenas em dar todas as aparências de naturalidade à morte da jovem senhora e à doença de seu amante. Nenhum deles tomou a iniciativa de oferecer um contra-veneno ao infeliz príncipe, com receio de se comprometer. Realmente tal atitude daria a entender que o veneno era conhecido e, consequentemente, que alguém era cúmplice do crime.

Graças à sua juventude e à força de seu temperamento, Carlos resistiu ao veneno por algum tempo. Seus sofrimentos físicos não fizeram outra coisa senão reconduzi-lo aos antigos projetos com mais ardor. Temendo que a doença diminuísse o zelo de seus oficiais, quis que esses renovassem o juramento de fidelidade. Como ele exigia que eles se engajassem a seu serviço, contra tudo e contra todos, mesmo contra mim, alguns dentre eles, temerosos de sua morte, que parecia próxima, recusaram-se a fazê-lo e passaram para a minha corte.

Conclusão

No número anterior vimos os detalhes interessantes, dados por Luís XI, relativamente à sua morte. O fato que acabamos de relatar não é menos notável sob o duplo ponto de vista da História e do fenômeno das manifestações. Aliás, só tínhamos dificuldades quanto à escolha: a vida desse rei, tal qual foi ditada por ele próprio, é incontestavelmente a mais completa que possuímos e, podemos dizer, a mais imparcial. O estado do espírito de Luís XI lhe permite hoje apreciar as coisas em seu justo valor. Pelos três fragmentos escolhidos, pode-se ver como faz o próprio julgamento. Ele explica sua política melhor que qualquer de seus historiadores. Não se absolve de sua conduta e, em sua morte, tão triste e tão vulgar para um monarca algumas horas antes todo-poderoso, vê um castigo antecipado.

Como fenômeno de manifestações, este trabalho oferece um interesse especial. Ele prova que as comunicações espíritas podem esclarecer-nos sobre a História, desde que nos saibamos colocar em condições favoráveis. Fazemos votos para que a publicação da vida de Luís XI, bem como a não menos interessante de Carlos VIII, igualmente concluída, venham em breve colocar-se ao lado da de Joana d’Arc.

Nosso grupo no Facebook: Grupo de Estudos O Legado de Allan Kardec.

Artigo anterior:Teles de Menezes – Pré-história do Espiritismo no Brasil




Contradições na linguagem dos Espíritos

Esse artigo tece um complemento importante ao artigo “Espíritos impostores – O falso padre Ambrósio”, de Julho de 1858, o qual nos serviu de base para o artigo chamado “O papel do pesquisador e do médium nas comunicações com os Espíritos“. Clique aqui para ler.

Nessa edição, Kardec inicia abordando o problema de certas contradições nas comunicações espíritas: “À primeira vista essas contradições parecem realmente uma das principais pedras de tropeço da Ciência Espírita

Lembrando que o Espiritismo é uma ciência, e não uma religião, por alguns fatores:

  • Ele é um desenvolvimento do Espiritualismo Racional[1]
  • Ele é, objetivamente, uma ciência positiva – expressão sempre usada por Kardec – no sentido de um conhecimento formado a partir dos métodos de observação e experimentação dos fatos.
  • Ele somente pode ser visto como religião do ponto de vista da religião natural, conforme abordada pelo ER, e o aspecto “moral” vem justamente sob essa mesma origem!

Kardec destaca que toda ciência, em seu início, tem suas contradições, que somente vão sumindo conforme essa ciência se desenvolve e se passa a entender aquilo que, antes, não se entendia.

“Aliás, os Espíritos sempre nos disseram que não nos inquietássemos com essas pequenas divergências e que em pouco tempo todos seriam levados à unidade de crença. Com efeito, esta predição se realiza diariamente, à medida que mais e mais penetramos nas causas desses fenômenos misteriosos e que os fatos são mais bem observados. Já as dissidências manifestadas na origem tendem evidentemente a um enfraquecimento. Pode-se mesmo dizer que atualmente não passam de opiniões pessoais isoladas[2].”

Embora o Espiritismo esteja na Natureza e tenha sido conhecido e praticado desde a mais alta Antiguidade, é um fato que em nenhuma outra época foi tão universalmente espalhado quanto em nossos dias.

[…]

Estava reservado ao nosso século, no qual o progresso recebe um impulso incessante, trazer à plena luz uma ciência que, por assim dizer, apenas existia em estado latente. Só há alguns anos é que os fenômenos foram observados seriamente[3]. Na verdade o Espiritismo é uma ciência nova, que se implanta pouco a pouco no espírito das massas, esperando ocupar uma posição oficial.
Em princípio esta ciência pareceu muito simples. Para as criaturas superficiais não passava da arte de mover as mesas. Uma observação mais atenta, entretanto, revelou que era, por suas ramificações e por suas consequências, muito mais complexa do que se imaginava. As mesas girantes são como a maçã de Newton, que na sua queda encerra o sistema do mundo
.

Kardec aponta que, para cada nova descoberta, múltiplas hipóteses surgem, não necessariamente erradas, pois cada um vê segundo suas concepções e seus conhecimentos e raciocínio. A unidade somente pode surgir, numa ciência, quando ela avança através do método científico: se uma hipótese se demonstrar incorreta, pela evidência, ela deve ser abandonada em favor da verdade

De que lado está a verdade?

É o que cabe ao futuro[4] demonstrar. Mas a tendência geral não poderia oscilar. Evidentemente, um princípio domina e reúne pouco a pouco os sistemas prematuros. Uma observação menos exclusiva unirá todos a uma origem comum e em breve veremos que em definitivo a divergência será mais acessória que fundamental.

As várias teorias espíritas têm, pois, duas fontes: umas nasceram do cérebro humano; outras foram dadas pelos Espíritos. As primeiras emanam de homens que, confiando demasiado nas próprias luzes, creem possuir a chave daquilo que buscam, quando o mais das vezes apenas encontraram uma gazua [chave falsa]. Isto nada tem de surpreendente, mas que, entre os Espíritos, uns dissessem uma coisa e outros dissessem outra, era menos concebível. No entanto, agora isto é perfeitamente explicável.

A princípio, fez-se uma ideia absolutamente falsa da natureza dos Espíritos. Eles foram imaginados como seres à parte, de natureza excepcional, nada possuindo em comum com a matéria e devendo saber tudo. […] À notícia das recentes manifestações, a primeira ideia que em geral veio à mente da maior parte das criaturas foi de que isto era um meio de penetrar todas as coisas ocultas; um novo modo de adivinhação menos sujeito à dúvida que os processos vulgares.

Lembrando que Kardec analisou com profundidade e atenção todas as manifestações e comunicações com as quais teve contato, de onde obteve a Escala Espírita, da qual um simples estudo que a muitos poderia salvar das dificuldades nas quais se metem.

Baseado no estudo feito com muita racionalidade e bom-senso a respeito das comunicações dos diferentes Espíritos, Kardec continua o longo artigo dando exemplos simples de como se expressam os Espíritos das diferentes ordens e classificações. Toda a contradição nasce da inobservância desse ponto fundamental, além da insistência em se obter respostas que não podem ser dadas, a cujas perguntas respondem os Espíritos inferiores, sem escrúpulos quaisquer.

Kardec dá o exemplo da possibilidade de “um dia” o homem chegar à Lua e, lá encontrar seus habitantes: como poderiam esses conhecerem a humanidade através do relato de alguns poucos.

As causas das contradições da linguagem dos Espíritos podem, pois, ser assim resumidas:

1º. ─ O grau de ignorância ou de saber dos Espíritos aos quais nos dirigimos;

2º. ─ O embuste dos Espíritos inferiores que podem, por malícia, ignorância ou malevolência, tomando um nome de empréstimo, dizer coisas contrárias às que alhures foram ditas pelo Espírito cujo nome usurparam;

3º. ─ As falhas pessoais do médium, que podem influir sobre as comunicações e alterar ou deformar o pensamento do Espírito;

4º. ─ A insistência por obter uma resposta que um Espírito se recusa a dar, e que é dada por um Espírito inferior;

5º. ─ A própria vontade do Espírito, que fala conforme o momento, o lugar e as pessoas e pode julgar conveniente nem tudo dizer a toda gente;

6º. ─ A insuficiência da linguagem humana para exprimir as coisas do mundo incorpóreo;

7º. ─ A interpretação que cada um pode dar a uma palavra ou a uma explicação, de acordo com as suas ideias, os seus preconceitos ou o ponto de vista sob o qual encara o assunto.

São muitas as dificuldades, das quais não se triunfa senão por um estudo longo e assíduo. Também nunca dissemos que a Ciência espírita é fácil. O observador sério, que tudo aprofunda maduramente, com paciência e perseverança, apreende uma porção de nuanças delicadas que escapam ao observador superficial. É por tais detalhes íntimos que ele se inicia nos segredos desta ciência. A experiência ensina a conhecer os Espíritos, como nos ensina a conhecer os homens.


1 – Desde 1832, na Universidade Sorbonne, Paris, a escola do espiritualismo racional se estabeleceu como filosofia oficial, estruturando as ciências humanas, que na França chamam de ciências morais. Morais porque o objeto de seu estudo são os fatos derivados da ação humana; ciências como historia, direito, filosofia, letras, entre outras. Diferindo das ciências naturais, que se dedicam aos fenômenos da natureza.

Entre as ciências morais, havia o grupo das ciências filosóficas, com a proposta de compreender o ser humano, por meio das seguintes disciplinas, divididas em duas classes: psicológicas (psicologia, lógica, moral, estética) e metafísicas (teodiceia, psicologia racional, cosmología racional). (FIGUEIREDO, 2019)

2 – O mesmo que acontece hoje em dia. Apenas pelo método científico honesto essas contradições, que se instalaram largamente no movimento espírita, poderão ser dissipadas

3 – A confiança dos pesquisadores do século XIX no poder da ciência para descrever a realidade propiciou a investigação, por intermédio da observação dos fenômenos mediúnicos, do espiritualismo moderno (o estudo das obras de Paulo Henrique de Figueiredo complementam largamente esse tema). Muitos estudiosos e livres- pensadores, com base na observação das mesas girantes, dançantes e falantes passaram a considerar a possibilidade de investigar cientificamente a sobrevivência post-mortem do ser humano (PIMENTEL, 2014 – clique para ler).

Kardec tem o primeiro contato com o Espiritismo em 1854, quando um amigo seu, o magnetizador Auguste Fortier relata que o “fluido magnético”, empregado por um magnetizador, agora estava fazendo as mesas se moverem. Kardec recebe a notícia com desinteresse, já que supunha que o fluido magnético ou elétrico poderia explicar o fenômeno.

Meses depois, o Sr. Fortier buscava-o novamente, para, desta vez, dizer que as mesas não apenas se moviam, mas respondiam de forma inteligente às perguntas dos assistentes. Kardec, cético, ainda via nisso um “conto para fazer-nos dormir em pé”.

Cerca de um ano depois, em 1855, outro amigo, Sr. Carlotti, fala pela primeira vez da intervenção dos Espíritos nas sessões. O depoimento entusiasmado desse amigo aumentou a desconfiança de Kardec. Foi depois de algum tempo, no mesmo ano, que o Sr. Pâtier, homem instruído, grave, calma e friamente convenceu Rivail a assistir uma sessão mediúnica.

“Utilizando de sua vasta erudição, como professor, escritor e membro de diversas sociedades científicas, ele realizou uma ampla abordagem da causa dos fenômenos psíquicos surgidos a partir das mesas girantes. Kardec propôs uma abordagem empírica e racional para o assunto, até então, considerado metafísico, na qual foram produzidas várias discussões pertinentes sobre aspectos epistemológicos e metodológicos de exploração dos fenômenos mediúnicos” (Ibidem)

4. Vejamos a humildade de Kardec, que nunca disse: “a verdade está comigo”.




Habitações em Júpiter, por V. Sardou

Hoje e outrora, muitos desdenham das menções a habitações em outros planetas, como em Júpiter. Nós, antes, podemos ter desdenhado das descrições de mesas correndo pelo salão. Honestamente, é apenas quando nos reportamos à Ciência que não podemos negar o que se apresenta de forma clara, lúcida e racional.

Este artigo é uma das cartas recebidas de Victorien Sardou a respeito de Júpiter.

Imagem da Nasa de Júpiter de 2 de junho de 2020

Se aqui, na verossimilhança das explicações, não encontra o leitor uma prova suficiente de sua veracidade; se, como nós, não se surpreende com a perfeita concordância entre estas revelações dos Espíritos e os dados mais positivos da Astronomia; se, numa palavra, não vê mais que hábil mistificação nos detalhes que se seguem e no desenho que os acompanha, eu o convido a se explicar com os Espíritos, de quem apenas sou eco fiel e instrumento”.

O autor convida os críticos para que eles mesmos evoquem os Espíritos e discutam com eles.

Sardou segue o artigo dando algumas descrições a respeito das moradias e dos habitantes de Júpiter. Segundo ele conta – e cuja fonte de informação é, claro, os Espíritos – a conformação corpórea desses seres seria como a de um vapor, embora muito mais sutil que isso, intangível e luminoso, principalmente nos contornos do rosto e da cabeça, “pois aí a inteligência e a vida irradiam como um foco muito ardente”.

É dessa visão, diz Sardou, que os visionários cristãos teriam tirado as imagens das auréolas dos santos.

Segundo ele, os Espíritos nesse planeta encontram-se encarnado em matéria tão sutil que se movimentam muito rapidamente e se desprendem facilmente da atração planetária (gravidade), segundo a ação de sua própria vontade.

Assim, alguns personagens que Palissy houve por bem fazer-me desenhar são representados rasando o solo ou na superfície das águas ou ainda muito elevados no ar, com toda a liberdade de ação e de movimento que nós atribuímos aos anjos. Essa locomoção é tanto mais fácil quanto mais depurado é o Espírito, o que se compreende sem esforço. Assim, nada é mais fácil aos habitantes do planeta do que determinar, logo à primeira vista, o valor de um Espírito que passa. Dois sinais o delatam: a altura de seu voo e a luz mais ou menos brilhante de sua auréola.

Sardou diz que os Espíritos menos avançados deste planeta, quando evocados, respondem de forma lacônica e com certa pressa, como se tivessem muito o que fazer: é que eles ainda não tem o poder de se irradiar simultaneamente sobre dois pontos.

Sobre os animais, ele diz que nem mesmo os habitantes de Júpiter apresentam consenso sobre seus Espíritos: se são Espíritos à parte ou se são Espíritos que um dia chegarão à humanidade… Parece ser um enigma para esferas acima de Júpiter. 

Seja como for, ele destaca que esses Espíritos vieram de outros planetas inferiores, onde estagiaram por múltiplas encarnações, passando por uma escala de aperfeiçoamento.

Em Júpiter, os animais são os únicos seres operários, trabalhando nas construções e até mesmo no plantio e na colheita. Não são sacrificados, pois já sabemos que todos, aí, são vegetarianos.

Daí em diante, Sardou – ou, antes, o Espírito comunicante – segue tecendo uma série de descrições incríveis a respeito da cidade de Julnius, sobre como ela foi formada, etc. Ele diz que existem partes materiais das cidades, em solo, e partes diáfanas e voadoras, movimentadas pela vontade, que servem de abrigo aos seres humanos desse planeta.

Julnius, segundo os Espiritos descreveram ao medium Sardou

Sardou escreve que Júpiter, segundo os Espíritos, tem um dia e uma noite, ambos, com duração de cinco horas. Dados de hoje apontam que, na verdade, são de pouco mais de nove horas cada um.

É sobre a margem direita desse rio, “cuja água, diz o Espírito, dar-te-ia a impressão da consistência de um vapor muito leve” [sabemos, hoje, que existem verdadeiros rios de amônia, desde as mais altas até as mais baixas atmosferas], que está construída a casa de Mozart, cujo desenho Palissy teve a bondade de me fazer reproduzir sobre cobre.

O artigo, enfim, é de interesse geral. Kardec ressalta a honestidade e a seriedade de Sardou, destacando que o Espiritismo “não recruta entre tolos e ignorantes”.




A Propósito dos Desenhos de Júpiter

Kardec retoma o assunto das gravuras, reproduzidas pelo médium Victorien Sardou, que, segundo Kardec, não sabe desenhar nem gravar, a respeito das moradias de Júpiter.

Supondo mesmo que esse desenho seja uma fantasia do Espírito que o traçou, o simples fato de sua execução não seria um fenômeno menos digno de atenção […] não para satisfazer à curiosidade das pessoas fúteis, mas como assunto de estudo para as pessoas sérias que querem aprofundar-se em todos os mistérios da Ciência Espírita” – Até onde se sabe, apenas através de Sardou se obtiveram esses desenhos.

Seria erro pensar que fazemos da revelação dos mundos desconhecidos o objeto capital da doutrina. Isto nunca será para nós mais que um acessório, que consideramos útil como estudo complementar; o principal será sempre para nós o ensino moral e nas comunicações de além-túmulo buscaremos sobretudo aquilo que pode esclarecer a Humanidade e conduzi-la para o bem, único meio de lhe assegurar a felicidade neste e no outro mundo.




O Espírito Batedor de Dibbelsdorf

ardec apresenta um caso acontecido por volta de dezembro de 1761, na cidade de Dibbelsdorf – Alemanha, cujos documentos foram publicados em 1811. O artigo original, escrito pelo Dr. Kerner, foi traduzido para o francês por Alfred Pireaux.

É mais um artigo de interesse a respeito dos fatos espíritas, que sempre ocorreram por toda a parte e por todo o tempo. Contudo, a ciência ainda não estava pronta para analisá-los seriamente, ainda menos no caso da Alemanha daquele tempo. 

Apesar de os fatos – batidas inteligentes em um canto da casa do casal Kettelhut – terem sido analisados por todos os aspectos possíveis, tendo-se chegado ao ponto de demolir paredes e um fundo buraco, além de confinarem todos os moradores às suas casas e colocarem em observação os suspeitos, nada foi encontrado. A única resposta possível jamais foi aceita, e terminaram por julgar e condenar, sob uma confissão coercitiva, o casal Kettelhut.

Destacamos a observação de Kardec, sempre cirúrgico em suas palavras:

OBSERVAÇÃO: Se prestarmos atenção à data em que tais coisas se passaram e as compararmos com as que ocorrem em nossos dias, nelas encontraremos perfeita identidade no modo da manifestação e até na natureza das perguntas e respostas. Nem a América nem a nossa época descobriram os Espíritos batedores, como não descobriram os outros, como o demonstraremos por inúmeros fatos autênticos e mais ou menos antigos.

KARDEC, RE ago/1858

Há, entretanto, entre os fenômenos atuais e os de outrora uma diferença capital: é que esses últimos eram quase todos espontâneos, enquanto que os nossos se produzem quase que à vontade de certos médiuns especiais. Esta circunstância permitiu que fossem mais bem estudados e sua causa mais aprofundada. À conclusão dos juízes de que “talvez o futuro nos esclareça a respeito”, hoje o autor não responderia: “o futuro ainda não ensinou nada.” Se esse autor ainda vivesse, saberia, ao contrário, que o futuro tudo ensinou e que a justiça de nossos dias, mais esclarecida do que há um século atrás, não cometeria, em relação às manifestações espíritas, erros que lembram os da Idade Média. Os nossos próprios sábios já penetraram muito nos mistérios da Natureza para não jogar com causas desconhecidas. Eles são bastante sagazes e não se expõem, como os seus predecessores, a um desmentido da posteridade, em detrimento de sua reputação. Se algo aparece no horizonte, eles não correm a proclamar: “Isto não é nada”, com receio de que seja um navio. Se não o veem, calam e esperam. Isto é a verdadeira sabedoria.




A Caridade pelo Espírito de São Vicente de Paulo

Nesse artigo, São Vicente de Paulo traz uma grande reflexão sobre a caridade.

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Analisemos, além da necessária aplicação moral que esse texto vem trazer, a sua forma e seu conteúdo, já que se trata de uma comunicação atribuída a esse Espírito. Que há nessas, senão elevação espiritual? 

“Vede a multidão de homens de bem, cuja lembrança piedosa a vossa história relembra. Eu poderia citar aos milhares aqueles cuja moral não tinha por objetivo senão melhorar o vosso globo. Não vos disse o Cristo tudo quanto concerne às virtudes da caridade e do amor? Por que são postos de lado os seus divinos ensinamentos? Por que os ouvidos são tapados às suas divinas palavras e o coração é fechado para todas as suas máximas suaves?

Eu gostaria que a leitura do Evangelho fosse feita com mais interesse pessoal. Mas abandonam esse livro; transformam-no em expressão vazia e letra morta; deixam ao esquecimento esse código admirável. Vossos males provêm do abandono voluntário em que deixais esse resumo das leis divinas. Lede, pois, essas páginas de fogo do devotamento de Jesus e meditai-as. Eu mesmo me sinto envergonhado de ousar prometer-vos um trabalho sobre a caridade, quando penso que nesse livro encontrais todos os ensinamentos que vos devem levar às regiões celestes.”

A caridade, no contexto de Kardec, era compreendida de forma diferente:

[…] a moral racional se fundamenta na psicologia e na definição de um ser humano ativo. Ou seja, o ato moral é caracterizado por um ato livre e consciente, que se definiu como sendo o ato do dever. É a moral da liberdade, portanto absolutamente livre, por definição, de qualquer recompensa ou castigo. Desse modo, como definiram os pensadores do Espiritualismo Racional, o dever fundamenta a caridade como ação livre e desinteressada. A beleza da caridade está justamente em sua liberdade, afirmava Victor Cousin, principal líder dessa escola na Universidade Sorbonne, em Paris. (Figueiredo 2019)

Isso quer dizer que precisamos apenas do Evangelho?

Supondo o Evangelho de Jesus muito bem entendido, sem sofismas e adulterações, sim, precisamos apenas dele. Contudo é necessário levar em conta que seus ensinamentos, mesmo que científicos, têm aspecto moral, segundo as Ciências Morais. Portanto, é um erro abandonar esse estudo para cair apenas no estudo Evangélico, dadas as presente necessidades de Espíritos de nossa categoria.

Seguindo no artigo sobre Caridade, segundo São Vicente: “Homens fortes, armai-vos; homens fracos, forjai as vossas armas de vossa doçura e de vossa fé; tende mais persuasão, mais constância na propagação de vossa nova doutrina. Nós só vimos trazer-vos um encorajamento; é apenas para vos estimular o zelo e as virtudes que Deus permite nos manifestemos a vós. Mas, se quisésseis, não necessitaríeis senão do auxílio de Deus e de vossa própria vontade

Isso quer dizer que não necessitamos do Espiritismo?

Moralmente falando, se nós soubéssemos aplicar todas as lições já apresentadas até hoje, sequer estaríamos falando disso agora. Mas não é assim que o progresso espiritual acontece – a solavancos. Ele é lento e gradual e, pelo que sabemos, é assim por toda a parte do Universo. Portanto, a Ciência Espírita, que, no limite, é a ciência da Criação, é parte necessária de nosso progresso, pois o conhecimento desenvolve a moral.

Vamos analisar de forma um pouco mais crítica, o conteúdo dessa mensagem. Chamou muito nossa atenção o seguinte trecho:

Quando deixardes que o vosso coração se abra à súplica do primeiro infeliz que vos estender a mão; quando lhe derdes sem se perguntar se sua miséria é fingida ou se seu mal tem um vício como causa; quando deixardes toda a justiça nas mãos de Deus; quando deixardes a cargo do Criador o castigo de todas as falsas misérias; enfim, quando praticardes a caridade pelo só prazer que ela proporciona, sem questionardes a sua utilidade, então sereis os filhos que Deus amará e que chamará para si.

Esse Espírito, que segue dizendo se felicitar pelo início de um movimento (Sociedade de São Vicente de Paulo), movimento esse muito importante e necessário, dá a entender que devemos atender a qualquer súplica, sem verificar se é algo fingido ou não. Em realidade, será que podemos e devemos fazer isso, principalmente hoje em dia?

Não devemos seguir cegamente qualquer Espírito, sobretudo quando não faz sentido à nossa própria razão. Mas Kardec vem ao nosso socorro:

Continuando a conversa com S. Vicente de Paulo, através da psicografia de um médium assistente, Kardec informa-se de que, nesse trecho anterior, esse Espírito fala especificamente da esmola. O professor então pergunta:

“[…] parece-nos que dar sem discernimento àqueles que não necessitam ou que poderiam ganhar a vida por um trabalho honesto, é encorajar o vício e a preguiça. Se os preguiçosos achassem facilmente aberta a bolsa alheia, multiplicar-se-iam ao infinito, em prejuízo dos verdadeiramente necessitados”

S.V.P. responde:

Podeis identificar os que podem trabalhar e então a caridade vos obriga a tudo fazer para lhes proporcionar trabalho. Entretanto, também há pobres mentirosos, que sabem muito bem simular misérias que não padecem. Esses é que devem ser deixados à justiça de Deus.”

Kardec continua com algumas questões de interesse:

6. ─ Disse Jesus: “Que a vossa mão direita não saiba o que faz a esquerda.” Têm algum mérito aqueles que dão por ostentação? ─ Têm apenas o mérito do orgulho, pelo qual serão punidos.

7. ─ A caridade cristã, na sua mais larga acepção, não compreende também a doçura, a benevolência e a indulgência para com as fraquezas alheias? ─ Fazei como Jesus. Ele vos disse tudo isso. Escutai-o mais do que nunca.

8. ─ É bem entendida a caridade, quando exclusiva entre as criaturas da mesma opinião ou do mesmo partido? ─ Não. É sobretudo o espírito de seita e de partido que deve ser abolido, porquanto todos os homens são irmãos. É sobre isso que concentramos os nossos esforços.

9. ─ Admitamos que uma pessoa veja dois homens em perigo, mas não possa salvar senão um. Um é seu amigo e o outro, inimigo. A quem deve salvar? ─ Deve salvar o amigo, pois esse amigo poderia acusá-lo de não lhe ter amizade. Quanto ao outro, Deus há de tomar conta.

Foi consenso que essa ultima pergunta (9.) nos pareceu estranha, mas ela deve ter uma razão de ser para aquele momento.




O Espírito batedor de Bergzabern – III

Nesse artigo, Kardec conclui o caso de Bergzabern, contando mais alguns fatos bastante notáveis a respeito da menina, Filipina Soënger. Cabe a cada um a leitura, pelo interesse geral em tais fenômenos, mas o triste é saber que a menina acabou sendo internada:

“Preocupado com os fatos que acabamos de relatar, o governo do Palatinato propôs a Sänger internar sua filha numa casa de saúde em Frankenthal, o que foi aceito. Estamos informados de que em sua nova residência, a presença de Filipina deu lugar aos prodígios de Bergzabern e que os médicos de Frankenthal, bem como os de nossa cidade, não lhes podem determinar a causa. Além disso, estamos informados de que só os médicos têm acesso à menina.”




Curiosidades: fotografia de pensamentos e de Espíritos

A obra Pensamento e Vontade, de Ernesto Bozzano, nos trás um complemento bastante oportuno sobre esse assunto:

“Ao empregar neste momento, em acepção genérica, o termo fotografia do pensamento, direi que as primeiras tentativas deste gênero remontam ao ano de 1896, quando o comandante Darget e mais um seu amigo, persuadidos de que o pensamento era uma força exteriorizável, resolveram concentrar o próprio pensamento em determinada imagem, a fim de projetá-lo sobre uma placa fotográfica.

A 27 de Maio de 1896, ele, Darget, fixou em chapa sensibilizada a imagem muito nítida de uma garrafa, na qual pensara com tanta intensidade, que lhe acarretou forte dor de cabeça.”

“Esta experiência foi repetida a 5 de Junho do mesmo ano, com pleno êxito […]

Mas, no dia seguinte, ao fazermos à revelação em papel, o que mais nos impressionou foi uma figura de mulher, com uma cabeleira característica. Tratava-se, incontestavelmente, de um Espírito que pretendera fotografar-se.

[…]

Somente passados alguns dias, no curso de uma sessão em casa do conhecido escritor Sr. Leon Denis, é que tiveram a manifestação de uma personalidade que se denominou Sofia e declarou ter sido ela quem, auxiliada por outros Espíritos, realizara o fenômeno.

[…]

Aliás, a sua identidade foi estabelecida, como mercadora de legumes em Amiens, falecida pouco tempo antes. A Revista Científica e Moral do Espiritismo reproduziram essa escotografia, na qual o rosto da manifestada está bem visível, acima da garrafa”

Sir William Crookes também foi um grande estudioso dos fenômenos espíritas, tendo conseguido obter fotografias de espíritos.

Florence Cook, que à época tinha apenas 15 anos de idade, sozinha na casa de Crookes e com a família e amigos dele como testemunhas, materializou o espírito de Katie King, que caminhou na casa, conversou, permitiu ser pesada e medida, e ainda segurou em seus braços o bebê da família. As sessões eram feitas no escuro, pois assim as materializações apresentavam-se melhor, apesar de ocasionalmente ter sido usada luz vermelha para obtenção de fotografias“.

O relatório de Crookes, publicado em 1874, afirmava que Florence Cook, bem como os médiuns Kate Fox e Daniel Dunglas Home, produziam genuínos fenômenos espirituais. A publicação deste causou grande alvoroço, e o seu testemunho sobre Katie King foi considerado o ponto mais polêmico no relatório. Crookes quase perdeu a sua posição de membro da Royal Society, não mais se envolvendo em investigações espíritas.

Tivemos no Brasil um dos mais espetaculares médiuns que o mundo conheceu: Carmine Mirabelli, cujo nome foi mais tarde mudado para Carlos ou Carlo Mirabelli. Por ele, algumas fotos de fenômenos de materializações também foram obtidas.




Considerações sobre a fotografia espontânea

Kardec observa: “[…] Geralmente o perispírito é invisível, entretanto, em certas circunstâncias, condensa-se e, combinando-se com outros fluidos, torna-se perceptível à vista e por vezes até mesmo tangível. É o que se vê nas aparições”.

“Sejam quais forem a sutileza e a imponderabilidade do perispírito, não deixa de ser uma espécie de matéria, cujas propriedades físicas ainda nos são desconhecidas. Uma vez que é matéria, pode agir sobre a matéria. Essa ação é patente nos fenômenos magnéticos.”

Por uma ação de leis materiais desconhecidas, o perispírito do Sr. Badet ficou impresso sobre a matéria do vidro, embora invisível, até que uma ação fortuita de outra força, talvez atmosférica (ou, quem sabe, espiritual?), a tenha vindo revelar.

Kardec cita, a título de comparação, o daguerreótipo, desenvolvido em 1837 por Louis Jacques Mandé Daguerre: antes de Daguerre, não haviam imagens daguerreotipadas, embora ele não tenha inventado nem a luz, nem as placas de cobre, nem a prata, nem os cloretos.

É preciso que o ser humano cumpra a sua evolução, adquira e desenvolva a ciência, para que, então, novas descobertas espirituais possam ser atingidas. Lembramos que é uma época em que uma simples combustão causada por uma garrafa com água, que vira um lente, era causa de espanto e admiração