Nesse artigo, Kardec destaca que o Magnetismo era ensinado como um fato até mesmo dentro da Igreja Católica.
“Temos em mãos um livrinho intitulado Abrégé, en forme de catéchisme, do curso elementar de instrução cristã, para utilização no catecismo e nas escolas cristãs.
Num dos capítulos sobre o primeiro mandamento, onde são tratados os pecados contra a religião, e depois de haver falado da superstição, da magia e dos sortilégios, diz o seguinte:
P. ─ O que é o magnetismo?
R. ─ É uma influência recíproca que por vezes se opera nos indivíduos, segundo uma harmonia de relações, quer pela vontade ou pela imaginação, quer pela sensibilidade física, e cujos principais fenômenos são a sonolência, o sono, o sonambulismo e o estado convulsivo.
“P. ─ Quais os efeitos do magnetismo?
“R. ─ Ordinariamente, ao que se diz, o magnetismo produz dois efeitos principais: 1.º) Um estado de sonambulismo, no qual o magnetizado, privado inteiramente do uso dos sentidos, vê, ouve, fala e responde a todas as perguntas que lhe são dirigidas; 2.º) Uma inteligência e uma sabedoria que só existem na crise: ele conhece seu estado, os remédios convenientes às suas doenças, bem como o que fazem certas pessoas, mesmo distantes.
Comentário: Poderíamos acrescentar, a isso, a interação magnética entre os indivíduos, pela vontade. Entra, aqui, uma questão de autonomia, pois, nesse âmbito, nada se dá com o indivíduo sem a sua vontade.
“P. ─ Em sã consciência, é lícito magnetizar ou deixar-se magnetizar?
“R. ─ 1º) Se, para a operação magnética, são empregados meios, ou se por ela são obtidos efeitos que supõem a intervenção diabólica, ela será uma obra supersticiosa e jamais deve ser permitida; 2º) O mesmo se dá quando as comunicações magnéticas contrariam a modéstia; 3º) Supondo que se tenha o cuidado de afastar da prática do magnetismo todo abuso, todo perigo para a fé ou para os costumes, todo pacto com o demônio, é duvidoso que a ele seja permitido recorrer como a um remédio natural e útil.”
Apesar da contradição, é um livro destinado à educação religiosa das massas. Completa Kardec: “A qualificação do autor tem aqui grande importância. Não se trata de um homem obscuro que fala ou de um simples padre que emite sua opinião: é um vigário geral que ensina.
Mais um revés e mais um aviso aos que julgam com muita precipitação.”
Obsedados e Subjugados — Os perigos do Espiritismo
Kardec abre o mês de setembro de 1858 realizando uma longa e profunda digressão – uma verdadeira aula sobre os PERIGOS DO ESPIRITISMO. Como naquele tempo, hoje ainda se fala que a mediunidade pode representar perigos aos médiuns e aos assistentes. Em uma palavra, que o contato com os Espíritos pode ser perigoso. Será?
“[…] se quiséssemos proscrever da Sociedade tudo quanto pode oferecer perigo e dar margem a abusos, não saberíamos muito o que haveria de restar, mesmo daquelas coisas de primeira necessidade, a começar pelo fogo, causa de tantas desgraças; depois, as estradas de ferro, etc. etc”.
Pensamento de Kardec, RE 1858
Isso denota que, sim, existem alguns perigos, mas, tomando as devidas precauções, se as vantagens compensam os inconvenientes, então não se deve proscrever tal investigação.
Kardec continua, destacando:
“Na verdade, o Espiritismo apresenta um perigo real, mas não é aquele que se supõe. É preciso ser-se iniciado nos princípios da Ciência para bem compreendê-lo. Não nos dirigimos àqueles que lhe são alheios, mas aos próprios adeptos, àqueles que o praticam, pois que para esses é que há perigo.”
Idem
Observação: Médiuns e estudiosos. Por exemplo: Roustaing se fascinou por aquilo que recebia através de uma médium.
No que consiste esse perigo, enfim? Ele consiste na pressa ou no entusiasmo exagerado que aquele que se coloca em contato com os Espíritos, que muitas vezes se deixa incidir. Ora, ao obterem um fenômeno mediúnico qualquer, quantos não são os que não se maravilham por ele – e por ele se afundam?
Aqui, a grande questão é justamente no que concerne ao conhecimento do médium: ele poderia lhe evitar muitos males, inclusive à sua moral. Nós já sabemos que os Espíritos não são seres especiais, mas apenas seres humanos fora da carne e que, portanto, como demonstram, guardam seus vícios e suas virtudes.
Também sabemos que estamos incessantemente cercados por uma “nuvem” de Espíritos, das mais diversas classes e inclinações, os quasi se ligam a nós conforme se afeiçoam à nossa realidade espiritual, em agir e em pensar, ou seja, às nossas mais profundas inclinações para as paixões ou para as virtudes.
Paixão é um termo que designa um sentimento muito forte de atração por uma pessoa, objeto ou tema. A paixão é intensa, envolvente, um entusiasmo ou um desejo forte por qualquer coisa. O termo também é aplicado com frequência para designar um vívido interesse ou admiração por um ideal, causa ou atividade. No século XIX, a psicologia chamava de paixões o que hoje chamamos de emoções.
Pela condição de nosso planeta, sabemos que os Espíritos inferiores são aqui mais abundantes do que os superiores. Isso nos deveria colocar em estado de alerta, a nós, iniciados na ciência Espírita, com relação aos Espíritos que atraímos para nós.
Sabemos, também, que os Espíritos imperfeitos, quando acham uma brecha no coração humano, podem a ele se ligar e, se sua ascendência moral – por mais inferior que esta seja – for aceita, pode chegar ao ponto de subjugar, fascinar e obsidiar o encarnado.
Subjugação:
É uma ligação moral que paralisa a vontade de quem a sofre e que impele a pessoa às mais desarrazoadas atitudes, frequentemente as mais contrárias ao seu próprio interesse. [RE, out/1858]
A subjugação pode ser moral ou corporal. No primeiro caso, o subjugado é constrangido a tomar resoluções muitas vezes absurdas e comprometedoras que, por uma espécie de ilusão, ele julga sensatas: é um tipo de fascinação. No segundo caso, o Espírito atua sobre os órgãos materiais e provoca movimentos involuntários. Traduz-se, no médium escrevente, por uma necessidade incessante de escrever, ainda nos momentos menos oportunos. Vimos alguns que, à falta de pena ou lápis, simulavam escrever com o dedo, onde quer que se encontrassem, mesmo nas ruas, nas portas, nas paredes. [OLM]
Obsessão [AG]:
A obsessão é a ação persistente que um malvado Espírito exerce sobre um indivíduo. Apresenta caracteres muito distintos, desde a simples influência moral sem marcas externas sensíveis até a perturbação completa do organismo e das faculdades mentais. Oblitera todas as faculdades mediúnicas. Na mediunidade auditiva e psicográfica, ela se traduz pela obstinação de um Espírito em se manifestar com a exclusão dos demais.
A obsessão é quase sempre o fato de uma vingança exercida por um Espírito e que o mais frequente tem origem nas relações que o obsedado tenha tido com aquele em uma existência anterior.
Nos casos de obsessão grave, o obsidiado é envolvido e impregnado por um fluido pernicioso que neutraliza a ação dos fluidos salutares e os repulsa. É desse fluido que se torna necessário se desembaraçar; ora, um mau fluido não pode ser repelido por outro mau fluido. Por uma ação idêntica à do médium curador, no caso de doenças, é necessário expulsar o fluido mau com a ajuda de um fluido melhor.
Essa é a ação mecânica, mas que nem sempre é suficiente. É preciso também, e sobretudo, atuar sobre o ser inteligente, ao qual é preciso ter o direito de falar com autoridade, e essa autoridade só é dada pela superioridade moral; quanto maior ela for, maior será a autoridade.
Fascínio – O Livro dos Médiuns
A fascinação tem consequências muito mais graves. É uma ilusão produzida pela ação direta do Espírito sobre o pensamento do médium e que, de certa maneira, lhe paralisa o raciocínio, relativamente às comunicações. O médium fascinado não acredita que o estejam enganando: o Espírito tem a arte de lhe inspirar confiança cega, que o impede de ver o embuste e de compreender o absurdo do que escreve, ainda quando esse absurdo salte aos olhos de toda gente. A ilusão pode mesmo ir até ao ponto de o fazer achar sublime a linguagem mais ridícula.
[…] O Espírito conduz o indivíduo de quem ele chegou a apoderar-se, como faria com um cego, e pode levá-lo a aceitar as doutrinas mais estranhas, as teorias mais falsas, como se fossem a única expressão da verdade. Ainda mais, pode levá-lo a situações ridículas, comprometedoras e até perigosas
Possessão:
Dava-se outrora o nome de possessão ao império exercido por maus Espíritos, quando a influência deles ia até à aberração das faculdades da vítima. A possessão seria, para nós, sinônimo da subjugação. [OLM]
Na possessão, em lugar de agir exteriormente, o Espírito livre se substitui, por assim dizer, ao Espírito encarnado; faz eleição de domicílio em seu corpo sem que, contudo, este o deixe definitivamente, o que não pode ter lugar senão com a morte. A possessão é, pois, sempre temporária e intermitente porque um Espírito desencarnado não pode tomar definitivamente o lugar e a dignidade de um Espírito encarnado, atentando que a união molecular do perispírito e do corpo só pode se operar no momento da concepção.
O Espírito, na posse momentânea do corpo, serve-se dele como do seu próprio; fala por sua boca, vê pelos seus olhos, atua com seus braços como se tivesse feito de sua vivência. Não é mais como na mediunidade psicofônica, na qual o Espírito encarnado fala transmitindo o pensamento de um Espírito desencarnado. É este último ele próprio que fala e que atua e se o tiver conhecido em vida, reconhecê-lo-á pela sua linguagem, sua voz, pelos seus gestos e até pela expressão de sua fisionomia. [AG]
Dava-se outrora o nome de possessão ao império exercido por maus Espíritos, quando a influência deles ia até à aberração das faculdades da vítima. A possessão seria, para nós, sinônimo da subjugação. [OLM]
Na possessão, em lugar de agir exteriormente, o Espírito livre se substitui, por assim dizer, ao Espírito encarnado; faz eleição de domicílio em seu corpo sem que, contudo, este o deixe definitivamente, o que não pode ter lugar senão com a morte. A possessão é, pois, sempre temporária e intermitente porque um Espírito desencarnado não pode tomar definitivamente o lugar e a dignidade de um Espírito encarnado, atentando que a união molecular do perispírito e do corpo só pode se operar no momento da concepção.
O Espírito, na posse momentânea do corpo, serve-se dele como do seu próprio; fala por sua boca, vê pelos seus olhos, atua com seus braços como se tivesse feito de sua vivência. Não é mais como na mediunidade psicofônica, na qual o Espírito encarnado fala transmitindo o pensamento de um Espírito desencarnado. É este último ele próprio que fala e que atua e se o tiver conhecido em vida, reconhecê-lo-á pela sua linguagem, sua voz, pelos seus gestos e até pela expressão de sua fisionomia. [AG]
Voltando aos médiuns, Kardec observa:
“O homem frio, ao contrário [do entusiasmado], é impassível. Ele não se ilude; combina, pesa, examina maduramente e não se deixa seduzir por subterfúgios. É isto o que lhe dá força. Os Espíritos malévolos, que sabem disto tão bem ou melhor do que nós, sabem também tirar proveito da situação para subjugar os que desejam ter sob sua dependência.”
idem
Recordemos o Espírito impostor do Padre Ambrósio, questionado por Kardec (julho/1858):
“16. ─ Por que não sustentas a impostura em nossa presença? ─ Porque minha linguagem é uma pedra de toque, com a qual não vos podeis enganar.”
Vejamos, amigos, que Kardec, aqui, está dando bases sólidas para a formação e a manutenção das pesquisas espíritas.
“Seja por entusiasmo, seja por fascínio dos Espíritos, ou seja por amor próprio, em geral o médium psicógrafo é levado a crer que os Espíritos que se comunicam com ele são superiores, e tanto mais, quanto mais os Espíritos, vendo sua propensão, não deixam de ornar-se com títulos pomposos, conforme a necessidade”
“Da crença cega e irrefletida na superioridade dos Espíritos que se comunicam, à confiança em suas palavras há apenas um passo, assim como acontece entre os homens.” – E Kardec vai dar um exemplo muito prático disso.
Conta Allan Kardec que um jovem rapaz, instruído, de esmerada educação, de caráter suave e benevolente, mas um pouco fraco e indeciso, tornou-se médium psicógrafo com muita rapidez e se tornou obsidiado por um Espírito. Esse Espírito passou a lhe ditar verdadeiros absurdos, que, em consequência, quase levaram o rapaz ao adoecimento e à loucura:
“A subjugação havia chegado a um ponto em que se lhe tivessem dito para atirar-se na água ou partir para os antípodas [outro lado da Terra], ele o teria feito. Quando queriam obrigá-lo a fazer qualquer coisa que lhe repugnava, era arrastado por uma força invisível.”
“Quando a criatura conseguiu substituir o demônio por Jesus, ainda não possui a verdade. Para tê-la, é necessário crer. Deus não dá a verdade aos que duvidam: seria fazer algo de inútil e Deus nada faz em vão. Como a maioria dos médiuns novos duvidam do que dizem e escrevem, os bons Espíritos, a contragosto, por ordem formal de Deus, são obrigados a mentir e não têm outro jeito senão mentir até que o médium fique convencido; mas assim que ele acredita numa dessas mentiras, os Espíritos elevados se apressam em lhe desvelar os segredos do céu: a verdade inteira dissipa num instante essa nuvem de erros com que tinham sido obrigados a envolver o seu protegido.
“Chegado a esse ponto, nada mais tem o médium a temer. Os bons Espíritos jamais o deixarão. Contudo, ele não deve crer que tenha sempre a verdade e só a verdade. Seja para experimentá-lo, seja para puni-lo de faltas passadas, seja ainda para castigá-lo por perguntas egoísticas ou curiosas, os bons Espíritos lhe infligem correções físicas e morais, vindo atormentá-lo por ordem de Deus.”
RE outubro, 1858 (citações das psicografias do Espírito fascinado
O relato que Kardec dá, obtido das próprias psicografias desses Espíritos obsessores, através do rapaz, chega a ser difícil até de ler, quanto mais de entender, tal é o nível de disparidade das ideias ali apresentadas. Por sua extensão, faremos abstração da citação. Convém destacar a observação de Kardec, apenas:
“Observe-se que em tudo isto nada há de grosseiro ou banal. É uma série de raciocínios sofísticos encadeando-se com aparência de lógica. Nos meios empregados para enganá-lo há realmente uma arte infernal e, se nos tivesse sido possível relatar todas essas manifestações, ver-se-ia até que ponto era levada a astúcia e com que habilidade para isso eram empregadas palavras melífluas.”
Em meio a toda essa luta, porém, Kardec destaca que era fácil reconhecer um outro Espírito, bondoso, que lutava para se fazer ouvido. Era seu pai, que, em certo momento, escreveu: “Sim, meu filho, coragem! Sofres uma rude prova, que será para o teu bem no futuro. Infelizmente, no momento, nada posso fazer para te libertar, e isto muito me custa. Vai ver Allan Kardec; escuta-o, e ele te salvará”
O rapaz, ouvindo o bom conselho, vai procurar Kardec, que inicia o que hoje chamaríamos de desobsessão:
“Empreguei toda a minha força de vontade para chamar os bons Espíritos por seu intermédio; toda a minha retórica para lhe provar que era vítima de Espíritos detestáveis; que aquilo que escrevia não tinha senso, além de ser profundamente imoral. Para essa obra de caridade juntei-me a um colega, o Sr. T… e pouco a pouco conseguimos que escrevesse coisas sensatas. Ele tomou aversão àquele mau gênio, repelindo-o por vontade própria cada vez que tentava manifestar-se, e lentamente os bons Espíritos triunfaram.”
Para modificar suas ideias, ele seguiu o conselho dos Espíritos, de entregar-se a um trabalho rude, que lhe não deixasse tempo para ouvir as sugestões más.
Mas a desobsessão não visa apenas o encarnado, que pode afastar os maus Espíritos por sua vontade, mas pode atingir positivamente o Espírito também (e frequentemente o faz):
O próprio Dillois acabou confessando-se vencido e manifestou o desejo de progredir em nova existência. Confessou o mal que tinha tentado fazer e deu provas de arrependimento. A luta foi longa e penosa e ofereceu ao observador particularidades realmente curiosas. Hoje o Sr. F. sente-se livre e feliz. É como se tivesse deposto um fardo. Recuperou a alegria e agradece-nos o serviço que lhe prestamos.
Kardec inicia a conclusão do artigo fazendo uma reflexão: longe de provar o perigo da mediunidade, casos como esses mostram sua utilidade. Ora, os Espíritos estão à nossa volta, com ou sem mediunidade, e com ou sem ela podem nos obsidiar, se permitirmos.
A mediunidade apenas nos coloca em contato direto com eles, o que fornece importante ferramenta para que os próprios Espíritos se revelem e se acusem, permitindo ao médium ou a outrem tentar lhe abrir os olhos – exatamente como deu-se com o rapaz.
A mediunidade, enfim, não é o que torna exclusiva a comunicação de ideias provenientes de Espíritos inferiores. Diz Kardec:
“Quem diz que entre todas essas elucubrações ridículas ou perigosas não haverá algumas cujos autores são impulsionados por Espíritos malévolos? Três quartas partes de nossas ações más e de nossos maus pensamentos são frutos dessa sugestão oculta.”
“Em resumo, o perigo não está propriamente no Espiritismo, pois ele pode, ao contrário, servir de controle[…]. O perigo está na propensão de certos médiuns para, mui levianamente, se crerem instrumentos exclusivos de Espíritos superiores e numa espécie de fascinação que não os deixa compreender as tolices de que são intérpretes. Até mesmo aqueles que não são médiuns podem ser arrastados.”
Encerrando, Kardec tece algumas considerações. Algumas já tratamos recentemente, no que tange à linguagem dos Espíritos e às contradições:
1.º ─ Todo médium deve prevenir-se contra a irresistível empolgação que o leva a escrever sem cessar e até em momentos inoportunos; deve ser senhor de si e não escrever senão quando queira;
2.º ─ Não dominamos os Espíritos superiores, nem mesmo aqueles que, não sendo superiores, são bons e benevolentes, mas podemos dominar e domar os Espíritos inferiores. Aquele que não é senhor de si não o pode ser dos Espíritos;
3.º ─ Não há outro critério senão o bom-senso para discernir o valor dos Espíritos. Qualquer fórmula dada para esse fim pelos próprios Espíritos é absurda e não pode emanar de Espíritos superiores;
4.º ─ Os Espíritos, como os homens, são julgados por sua linguagem. Toda expressão, todo pensamento, todo conceito, toda teoria moral ou científica que choque o bom-senso ou não corresponda à ideia que fazemos de um Espírito puro e elevado, emana de um Espírito mais ou menos inferior;
5.º ─ Os Espíritos superiores têm sempre a mesma linguagem com a mesma pessoa e jamais se contradizem;
6.º ─ Os Espíritos superiores são sempre bons e benevolentes. Em sua linguagem jamais encontramos acrimônia, arrogância, aspereza, orgulho, gabolice ou tola presunção. Eles falam com simplicidade, aconselham e se retiram quando não são ouvidos;
7.º ─ Não devemos julgar os Espíritos por sua forma material nem pela correção da linguagem, mas sondar-lhes o íntimo, perscrutar suas palavras, pesá-las friamente, maduramente e sem prevenção. Qualquer fuga ao bom-senso, à razão e à sabedoria não pode deixar dúvidas quanto à sua origem, seja qual for o nome com que se mascare o Espírito;
8.º ─ Os Espíritos inferiores receiam os que lhes analisam as palavras, desmascaram as torpezas e não se deixam prender por seus sofismas. Às vezes eles tentam resistir, mas acabam sempre fugindo, quando percebem que são os mais fracos;
9.º ─ Aquele que em tudo age tendo em vista o bem, eleva-se acima das vaidades humanas, expele do coração o egoísmo, o orgulho, a inveja, o ciúme e o ódio e perdoa aos seus inimigos, pondo em prática esta máxima do Cristo: “Fazei aos outros o que quereis que se vos faça”; simpatiza com os bons Espíritos, ao passo que os maus o temem e dele se afastam.
Vamos estudar?
Confira os grupos de estudos que existem, tratando da Doutrina Espírita, nos quais temos aprendido MUITO. Clique aqui.
Desenhos da Casa de Mozart
Nesse artigo, Kardec traz a carta de um de seus assinantes, dizendo que, a despeito do médium Victorien Sardou dizer que, no desenho da casa de Mozart, só via repetida a clave de sol, e nunca a de fá, esse assinante via destacava a existência da clave de fá, como também a de dó, em detalhes menores do desenho, que passaram despercebidos pelos olhos do Sr. Sardou.
Clave de Sol e Clave de Fá. Fonte: Imagem da Internet
Segundo Kardec, isso é mais um ponto que demonstra a boa-fé desse médium, que não agiu de caso pensado e que, aliás, demonstrava que ele se encontrava alheio aos desenhos obtidos por via mediúnica.
“Todas as partes são assim começadas e simultaneamente continuadas, sem que qualquer delas fique completa antes que se inicie outra. Disso resulta, à primeira vista, um conjunto incoerente, cujo fim só é compreensível quando tudo está acabado.”
Kardec, RE 1858
E aqui temos um aspecto importante das artes, inclusive das Espíritas: a moral, unida ao belo, criando importantes ligações mentais.
Destacamos, também, a mediunidade pictórica. Deixamos aqui um vídeo de médiuns que por anos fezam pinturas dessa forma:
Medium pinta quadro ao vivo com intervenção espiritual
Claudia Rosa de Arruda Ferreira part. 1
Suicídio Por Amor
Nesta edicão de Setembro de 1858 da RE, Kardec apresenta o caso de Louis G., um oficial sapateiro, que sete ou oito meses antes havia cometido suicídio à porta de sua namorada, Victorine R. que era a costureira de botinas.
Certa vez, Victorine R. e Louis G, que já estavam noivos, entraram em discussão profunda por um motivo banal, a ponto de Luís levantar-se e prometer nunca mais voltar.
Imagem Internet
No dia seguinte, de cabeça fria, o rapaz foi desculpar-se, mas não obteve êxito: Victorine R. se recusou reconciliar, a despeito de seu desespero.
Passados mais alguns dias, achando que sua amada seria razoável, Louis foi tentar novamente o pedido de desculpas, ao que foi novamente rechaçado. À porta de sua amada, disse-lhe: “Então adeus, ó malvada!” exclamou enfim o pobre rapaz, “Adeus para sempre! Procure um marido que a queira tanto quanto eu!” – e cravou no peito a sua faca de sapateiro, expirando ali mesmo.
Este artigo sobre a historia de Louis G e Victorine R. foi publicado na Siècle em 7 de abril de 1858.
Buscando obter ensinamentos morais sobre o fato, no dia 10 de agosto de 1858 Kardec evoca São Luís:
1. ─ A moça, causa involuntária da morte do namorado, tem responsabilidade? ─ Sim, porque não o amava.
Comentário: Causa estranhamento inicial esta resposta. Alguém tem culpa por não amar outra pessoa? Vamos entender.
2. ─ Para evitar essa desgraça, deveria ela desposá-lo, embora não o amasse? ─ Ela buscava uma ocasião para se separar dele; fez no começo de sua ligação o que teria feito mais tarde.
Comentário: Aqui, São Luís está dizendo que, cedo ou mais tarde, ela se separaria dele, pois, entendemos, não o amava realmente.
3. ─ Assim a culpabilidade consiste em ter nele alimentado sentimentos de que não partilhava e que foram a causa da morte do rapaz? ─ Sim. É isto mesmo.
4. ─ Neste caso, sua responsabilidade deve ser proporcional à falta, que não deve ser tão grande quanto se ela tivesse, de caso pensado, provocado a morte. ─ Isto salta aos olhos.
Comentário: Sua “culpa” não era tão grande porque ela não quis efetivamente a desgraça do outro. Apenas alimentou algo que lhe causou sofrimento.
Observação: Lembrando que “culpa” aqui não é algo perante a um juiz externo, mas ante à sua própria consciência. Afinal, é de supor que, desde aquele momento, ela deve ter carregado algum sentimento de culpa por conta da desgraça ocorrida com o rapaz.
5. ─ O suicídio de Louis G. encontra justificativa no desvario em que o mergulhou a obstinação de Victorine? ─ Sim, porque seu suicídio, provocado pelo amor, é menos criminoso aos olhos de Deus do que o do homem que quer livrar-se da vida por covardia.
Comentário: Aqui, quando se fala em “crime aos olhos de Deus”, precisamos compreender que era um neologismo de época. O “crime” está em se impor uma perda de tempo, talvez com um grande acúmulo de sofrimento, por conta da prova não vencida. Importa lembrar, também, dois aspectos: o primeiro é que S. Luís é um Espírito que foi, na vida, católico. O segundo é que, mesmo que ele não traga conceitos do catolicismo, ele falava conforme lhe poderiam entender.
Observação: Dizendo que esse suicídio é menos criminoso aos olhos de Deus, evidentemente significa que há criminalidade, posto que menor. A falta consiste na fraqueza que ele não soube vencer. É sem dúvida uma prova a que sucumbiu. Ora, os Espíritos nos ensinam que o mérito está em lutar vitoriosamente contra as provas de todo gênero, que são a essência da vida terrena.
Aqui temos dois problemas a discutir. O primeiro é reforçar o conhecimento trazido pelo Espiritismo, que apresenta suas conclusões, sem o intento de criar fantasias que tentem subjugar pelo medo. O suicídio, tido para muitos como algo que vai jogar a alma num inferno – seja lá que nome se dê para isso – e até fazer com que ela nasça com deformações na próxima vida, na realidade tem efeitos diversos, dependendo de cada ser e cada situação.
Em segundo lugar, de forma alguma São Luís está dizendo que o suicídio por amor é algo bom: ele apenas é mais escusável, ante à própria consciência, porque é praticamente um estado de loucura, enquanto que aquele que se mata para fugir à vida o faz quase sempre de caso pensado, e isso lhe causará um sofrimento maior quando constatar a verdade.
Dias depois, Kardec evoca o Espírito de Louis G., o suicída, lhe dirigindo as seguintes perguntas:
1. ─ Que pensais da ação que praticastes? ─ Victorine é uma ingrata. Errei em matar-me por ela, pois ela não o merecia.
2. ─ Então ela não vos amava? ─ Não. A princípio pensou que sim, mas estava iludida. A cena que fiz abriu-lhe os olhos. Depois, sentiu-se feliz com esse pretexto para desembaraçar-se de mim.
3. ─ E vós a amáveis sinceramente? ─ Eu tinha paixãopor ela. Acredito que era apenas isso. Se eu a amasse com puro amor, não teria querido magoá-la.
4. ─ Se ela soubesse que realmente queríeis matar-vos, ela teria persistido na recusa? ─ Não sei. Não creio, pois ela não era má. Entretanto, teria sido infeliz. Para ela foi melhor assim.
Vemos que esse Espírito chegou a uma conclusão importante, vendo que se matou por uma paixão. Ele entende que, se a amasse realmente, não teria querido magoá-la, isto é, não teria cometido um ato tão terrível a ponto de chocar-lhe tanto os sentimentos.
Paixão é um termo que designa um sentimento muito forte de atração por uma pessoa, objeto ou tema. A paixão é intensa, envolvente, um entusiasmo ou um desejo forte por qualquer coisa. O termo também é aplicado com frequência para designar um vívido interesse ou admiração por um ideal, causa ou atividade. No século XIX, a psicologia chamava de paixões o que hoje chamamos de emoções.
Quem sabe, numa nova encarnação, Um Espírito como esse que cometeu o suicídio, por ter encontrado essa lucidez, ao invés de planejar uma vida de sofrimentos como forma de castigo, não poderia escolher provas e oportunidades justamente para se dar a chance de aprender a se livrar das paixões, que frequentemente nos lançam na desgraça? Quantos assassinatos, aliás, se dão por aí não por ódio ou pensamento arquitetado no mal, mas simplesmente pelas paixões (hoje chamadas emoções)?
Continuando com o relato da evocação do suicida Louis G. :
5. ─ Ao chegar à sua porta tínheis intenção de vos matar, caso fosse recusado? ─ Não. Nem pensava nisso. Não a supunha tão obstinada. Somente quando vi sua teimosia é que fui tomado por uma vertigem.
6. ─ Parece que não lamentais o suicídio senão porque Victorine não o merecia. É vosso único sentimento?─ Neste momento, sim. Ainda me acho perturbado. Parece-me estar à sua porta. Sinto, porém, algo que não posso definir.
7. ─ Compreendereis mais tarde? ─ Sim, quando estiver desembaraçado… O que fiz foi ruim. Deveria tê-la deixado tranquila… Fui fraco e sofro as consequências… Como vedes, a paixão leva o homem à cegueira e a cometer erros absurdos. Ele só compreende quando é tarde demais.
8. ─ Dissestes que sofreis as consequências. Qual a pena que sofreis? ─ Errei abreviando a vida. Não deveria tê-lo feito. Deveria resistir em vez de acabar com tudo prematuramente. […]
Comentário: ele não diz que estava sendo roído por vermes, nem que estava numa região infernal, nem que estava preso ao corpo, nada do tipo. No estado de perturbação em que se encontrava, sua mente se ligou à cena fatídica, origem dos seus sofrimentos morais presentes, e é nela que seu pensamento ficou preso. Ora, nós mesmos fazemos isso encarnados, todos os dias.
Aqui temos confirmado o estado de “loucura”, levado pelas paixões, no qual entrou esse homem, que se matou num ato impensado. Quantos são os suicidas desse gênero? Contariam-se aos milhares, caso fosse algo divulgado. Infelizmente não é. Esses, sofrem, como sofria o Espírito de Louis G., por entenderem que o ato impensado lhes custou tempo e impôs sofrimentos a outrem. Daí a dizer que isso lhes levará a ficar anos se arrastando no “vale dos suicidas” ou que trarão para a nova encarnação alterações físicas por conta dessa culpa, há uma grande distância.
Se for pensar bem, ele nem queira se matar. foi um ato de raiva na hora. E pensamos que devemos nos deter muito nesse ensinamentos desse artigo, pois é um problema mundial da nossa sociedade atual. O número de suicídios aumentou muito. Vemos, aqui, o quão urgente é domarmos nossas paixões.
Observação: Esse relato de Louis G. consta do Livro O Céu e o Inferno de Allan Kardec.((1)) Livro O Céu e o Inferno de Allan Kardec, Editora FEAL, 2021, segunda parte, cap. V, pág. 337, o subtítulo: Louis e a Costureira de Calçados.
Os Talismãs
Nesse artigo, vamos tratar de uma medalha que um dos leitores da Revista Espírita comprou com detalhes interessantes e enigmáticos. Convém, inicialmente, apresentar o que é o cabalismo e esoterismo
A Cabala ou Cabalá (em hebraico: קַבָּלָה; romaniz.: Kabbalah ou Qabbālâ;[nt 1] literalmente: “receber/tradição”) é um método esotérico, disciplina e escola de pensamento no misticismo judaico.[1] Os cabalistas tradicionais do judaísmo são chamados Mekubalim (em hebraico: מְקוּבָלים) ou Maskilim ( משכילים; “iniciados“).
Já o esoterismo é o nome genérico que evidencia um conjunto de tradições e interpretações filosóficas das doutrinas e religiões – ou mesmo das Fraternidades Iniciáticas – que buscam transmitir um rol acerca de determinados assuntos que dizem respeito a aspectos da natureza da vida de maneira esotérica, ou seja, oculta. Só determinada parte das pessoas podem ter os ensinamentos.
Vemos que cabalismo, esoterismo, misticismo e ocultismo, todas “Ciencias Esotéricas”, se confundem, hoje, num grande caldeirão. Não significa dizer que não tenham nada de verdade: acontece que os sábios conheciam, à sua moda, a verdade sobre os Espíritos e a mediunidade, mas mantinham o conhecimento dentro de um círculo restrito, deixando, ao povo, uma face mística e fantástica. Eram poucos os iniciados…
Imagem ilustrativa Fonte Internet
Neste artigo, Kardec apresenta a historia da tal medalha, o talismã, que seu leitor, Sr. M., comprou num antiquário, que foi vendida como um Talismã…
Talismã: objeto a que seu portador atribui o poder mágico de realizar os seus desejos; objeto quando usado que pode fornecer poder mágico e/ou encantamento.
Interrogando à Srta. J., médium sonâmbula, foi dito que essa medalha havia pertencido a Cazotte e que possuía o poder especial de atrair os Espíritos e facilitar as evocações.
O Sr. Caudemberg, autor de uma série de comunicações que diz ter recebido, como médium, da Virgem Maria, lhe disse que era um objeto maléfico, próprio para atrair os demônios. A senhorita de Guldenstube, médium, irmã do Barão de Guldenstube, autor de uma obra sobre pneumatografia, ou escrita direta, lhe disse que a medalha tinha uma virtude magnética e poderia provocar o sonambulismo.
Não ficando satisfeito, o Sr. M. apresentou essa medalha, pedindo uma opinião pessoal a esse respeito, ao mesmo tempo que pedia que um Espírito superior pudesse falar sobre a realidade da influência desse objeto. Eis trechos da resposta de Kardec:
“Os Espíritos são atraídos ou repelidos pelo pensamento e não por objetos materiais, que nenhum poder exercem sobre eles. Em todos os tempos, os Espíritos superiores condenaram o emprego de signos e de formas cabalísticas, e todo Espírito que lhes atribui uma virtude qualquer ou que pretende dar talismãs que denotam magia, por aí revela a própria inferioridade, quer quando age de boa-fé e por ignorância, levado por antigos preconceitos terrenos, de que ainda se acha imbuído, quer quando conscientemente se diverte com a credulidade, como Espírito zombeteiro. […] Quem quer que tenha estudado a natureza dos Espíritos, não poderá racionalmente admitir sobre eles a influência de formas convencionais, nem de substâncias misturadas em certas proporções. Seria renovar as práticas do caldeirão das feiticeiras, dos gatos pretos, das galinhas pretas e de outras secretas maquinações.”
Quem utiliza a medalha, o tal talismã, efetivamente, possuirá uma força incontrolável, magica, fantástica, externa aos nossos sentidos? São efetivas? É só misticismo? Ou seria ela somente um gatilho mental para nos lembrarmos que a espiritualidade está a nossa volta? Várias são as afirmações frente a esses utensílios, que muitas e muitas religiões e ceitas usam.
Então os objetos não podem ter poder algum? Kardec continua:
“Já o mesmo não se dá com um objeto magnetizado, pois, como se sabe, têm o poder de provocar o sonambulismo ou certos fenômenos nervosos sobre a economia orgânica”.
Ora, então há sustentação no poder dos talismãs, dos cristais, etc?
“Mas, então, a virtude de tal objeto reside unicamente no fluido de que se acha momentaneamente impregnado e que assim se transmite, por via indireta, e não na forma, na cor, nem, principalmente, nos sinais de que possa estar sobrecarregado.”
Aqui, estamos falando especificamente sobre a influência sobre o Espírito – inclusive o encarnado. Se falarmos sobre a matéria, então não podemos descartar a interferência que objetos materiais específicos pode ter sobre ela.
O ponto central dessa discussão é: o objeto, em si, assim como uma cor, um sinal ou uma planta, não tem poder magnético (falando do magnetismo, que é o que age sobre o perispírito). Contudo, ao ser utilizado, mesmo que de forma esotérica (como sempre aconteceu) por alguém com poder magnético, esses ganham, momentaneamente, uma “carga” de magnetismo.
Ou seja: a hipnose funciona por conta de um poder magnético (explicar) do hipnotizador, que é um magnetizador (mesmo que não o saiba). Esse tema muitas vezes foi confundido com ocultismo e magia.
O que hipnotiza, afinal, não é o relógio que balança, mas o magnetismo do qual este pode estar impregnado, ou do magnetismo direto do magnetizador.
Fonte: internet
E Kardec segue:
“Um Espírito pode dizer: “Trace tal sinal e por ele saberei que você me chama, e eu virei.” Mas neste caso o sinal traçado é a expressão do pensamento; é uma evocação traduzida de modo material. Ora, seja qual for sua natureza dos Espíritos, eles não necessitam de semelhantes meios de comunicação. Os Espíritos superiores jamais os empregam. Os Espíritos inferiores podem fazê-lo visando seduzir as pessoas crédulas que querem sob sua dependência.
Regra geral: Para os Espíritos superiores a forma nada é. O pensamento é tudo. Todo Espírito que liga mais importância à forma que ao fundo, é inferior, e não merece nenhuma confiança, mesmo quando, vez por outra, diga algumas coisas boas, porque as boas coisas são por vezes um meio de sedução.
Tal era, de maneira geral, o nosso pensamento a respeito dos talismãs, como meio de entrar em relação com os Espíritos. Desnecessário dizer que ele também se aplica a outros meios empregados supersticiosamente, como preservativos de doenças e acidentes”
Uma vez mais, o foco é deixar de lado o misticismo para entender, pela razão, a mecânica do magnetismo e do pensamento. E isso sim é a fé: Jesus a praticava o tempo todo. Ele disse: “se tivessem a fé do tamanho de um grão de mostarda, moveriam as montanhas” e, vejamos: quem entende a ciência espírita e a ciência do magnetismo, tem uma fé inabalável, a ponto de, na época em que essas ciências estavam estabelecidas, movimentavam-se até mesmo as mesas.
Kardec, então, para complementar os estudos, evoca o Espírito de São Luis, pedindo observações sobre o talismã em questão. Ele responde:
“Fazeis bem não admitindo que os objetos materiais possam ter qualquer virtude sobre as manifestações, tanto para provocá-las quanto para impedi-las.
Muito frequentemente temos dito que as manifestações são espontâneas e que, além disso, jamais nos recusamos a responder ao vosso apelo. Por que pensais que sejamos obrigados a obedecer a uma coisa fabricada pelas criaturas?”
P. ─ Com que objetivo foi fabricada essa medalha? ─ Foi feita com o objetivo de chamar a atenção das pessoas que poderiam crer nisso; mas só por magnetizadores é que ela poderá ter sido feita com a intenção de magnetizar e adormecer um sensitivo. Os signos são mera fantasia.
P. ─ Dizem que ela pertenceu a Cazotte. Poderíamos evocá-lo para nos dar algumas informações a respeito? ─ É desnecessário. Ocupai-vos antes de coisas mais sérias.”
Letargia Extática – EQM – Experiência de quase Morte
Aqui, Kardec publica a conversa alem-túmulo da Senha Schwabenhaus. Ela entrou em EQM dias antes de desencarnar. O artigo abre campo para, uma vez mais, falar sobre o fenômeno do êxtase e do sonambulismo, sendo o primeiro uma classe especial do segundo.
O êxtase é o estado em que a independência da alma, com relação ao corpo, se manifesta de modo mais sensível e se torna, de certa forma, palpável.
No sonho e no sonambulismo, a alma vaga pelas regiões terrestres. No êxtase, penetra em um mundo desconhecido, o dos Espíritos etéreos, com os quais entra em comunicação […].
No estado de êxtase, o aniquilamento do corpo é quase completo. Fica-lhe somente, pode-se dizer, a vida orgânica. Sente-se que a alma se lhe acha presa unicamente por um fio, que mais um pequenino esforço quebraria sem remissão.
Kardec, O Livro dos Espíritos
“Muitos extáticos são joguetes da própria imaginação e de Espíritos zombeteiros que se aproveitam da exaltação deles. São raríssimos os que mereçam inteira confiança.”
O Livro dos Médiuns, Kardec
444. Que confiança se pode depositar nas revelações dos extáticos?
“O extático está sujeito a enganar-se muito frequentemente, sobretudo quando pretende penetrar no que deva continuar a ser mistério para o homem, porque, então, se deixa levar pela corrente das suas próprias ideias, ou se torna joguete de Espíritos mistificadores, que se aproveitam de seu entusiasmo para fasciná-lo.”
O Livro dos Espíritos, Kardec
Brevemente: a Sra. Schwabenhaus entrou em estado cataléptico (ou letárgico) e foi julgada morta. Deu-se então o funeral, enquanto, na verdade, ela se encontrava em estado de êxtase e vislumbrava toda uma verdade espiritual consoladora, junto à sua filha, morta aos 7 anos de idade. Foi-lhe concedida a dádiva de voltar e se despedir dos seus entes queridos, ao que atendeu com extrema felicidade. Pouco após, desencarnou definitivamente. Na época não existia o conhecimento sobre esses estados do corpo.
Na letargia, as forças vitais são dissipadas e o corpo adquire a aparência da morte, num sono profundo. Na catalepsia, essa suspensão das forças vitais, às vezes, fica localizada. Os letárgicos e catalépticos em geral observam o que acontece ao derredor. A alma tem consciência de si, mas não pode comunicar-se. Seria uma quase morte.
Kardec a evoca em 27 de abril de 1858 e esclarece algumas dúvidas, reforçando a tese de seu êxtase e outros pontos interessantes, em concordância doutrinária:
3. ─ Durante a vossa morte aparente ouvíeis o que se passava em torno e víeis o aparato dos funerais? ─ Minha alma estava muito preocupada com a sua felicidade próxima.
OBSERVAÇÃO: Sabe-se que em geral os letárgicos veem e ouvem o que se passa em volta de si e ao despertar conservam a lembrança. O fato que retratamos oferece a particularidade de ser o sono letárgico acompanhado de êxtase, o que explica o desvio da atenção da paciente.
5. ─ Podeis dizer-nos qual a diferença entre o sono natural e o sono letárgico? ─ O sono natural é o repouso do corpo; o letárgico é a exaltação da alma.
7. ─ Como se operou vosso retorno à vida? ─ Deus permitiu que eu voltasse para consolar os corações aflitos que me rodeavam.
8. ─ Desejaríamos uma explicação mais material. ─ Aquilo a que chamais perispírito ainda animava o meu envoltório terrestre.
OBSERVAÇÃO: Significa dizer que enquanto a vida do corpo permanece, o perispírito está ligado às células. Em OLE, veremos: 155. Como se opera a separação da alma e do corpo? “Rotos os laços que a retinham, ela se desprende.” (é a morte do corpo que causa a “saída” do Espírito): a) – A separação se dá instantaneamente por brusca transição? Haverá alguma linha de demarcação nitidamente traçada entre a vida e a morte? “Não; a alma se desprende gradualmente, não se escapa como um pássaro cativo a que se restitua subitamente a liberdade. Aqueles dois estados se tocam e confundem, de sorte que o Espírito se solta pouco a pouco dos laços que o prendiam. Estes laços se desatam, não se quebram.”
Kardec comenta a resposta da Sra. S., quando diz que sua filha seria um Espírito puro. É claro que ela deveria ser mais elevado, mas puro, aqui, é relativo.
Na pergunta 16, Kardec continua investigando a forma pela qual os Espíritos se vêem entre si. É interessante como a resposta de um Espírito mais elevado condiz com a resposta do Espírito citado no artigo “O Tambor de Beresina”, em julho de 1858. Vejamos a resposta da Sra. S.:
16. ─ Vós a reconhecestes [a filha] sob uma forma qualquer? ─ Só a vi como Espírito.
No artigo do Tambor de Beresina:
29. ─ Como sabes que são Espíritos [os outros que vê]? ─ Entre nós, vemo-nos tais quais somos.
32. ─ E vês os outros Espíritos com as formas que tinham em vida? ─ Não. Nós não tomamos uma aparência senão quando somos evocados. Fora disso vemo-nos sem forma.
Pergunta 31 (no artigo presente):
31. ─ Desde que aqui vos encontrais com a forma que tínheis na Terra, é pelos olhos que nos vedes? ─ Não, o Espírito não tem olhos. Só me encontro sob minha última forma para satisfazer às leis que regem os Espíritos quando evocados e obrigados a retomar aquilo a que chamais perispírito.
RE setembro /1858, Kardec
Essa afirmação do Espírito evocado é uma das conclusões que Kardec chega a respeito da forma dos Espiritos:
88. Os Espíritos têm forma determinada, limitada e constante?
“Para vós, não; para nós, sim. O Espírito é, se quiserdes, uma chama, um clarão, ou uma centelha etérea.”
a) – Essa chama ou centelha tem cor?
“Tem uma coloração que, para vós, vai do colorido escuro e opaco a uma cor brilhante, qual a do rubi, conforme o Espírito seja mais ou menos puro.”
Representam-se de ordinário os gênios com uma chama ou estrela na fronte. É uma alegoria, que lembra a natureza essencial dos Espíritos. Colocam-na no alto da cabeça, porque aí está a sede da inteligência.
Livro dos Espiritos, Kardec
Os gritos na noite de São Bartolomeu
Mais um causo de interesse na época, embora ele tenha acontecido em 1572. O massacre da noite de São Bartolomeu ou a noite de São Bartolomeu, foi um episódio, da história da França, na repressão ao protestantismo, engendrado pelos reis franceses, que eram católicos. Esses assassinatos aconteceram em 23 e 24 de agosto de 1572, em Paris, no dia de São Bartolomeu.[1] Estima-se que entre 5 000 e 30 000 pessoas tenham sido mortas, dependendo da fonte atribuída.
Oito dias após o Massacre de São Bartolomeu, gritos e gemidos terrificantes foram ouvidos “no ar”, por inúmeras testemunhas. O barulho durou cerca de meia hora, e depois cessou. O próprio rei Carlo IX deve ter ouvido, pois apresentava ar sombrio, pensativo e desvairado.
Kardec traz o relato apenas para demonstrar a similaridade com o caso de Mademoiselle Clairon (fev/58) e e para demonstrar, mais uma vez, que os fatos espíritas sempre estiveram na nossa história.
DETALHES DE SEU ASSASSINATO
Nesse quadro que, fosse escrito no contexto brasileiro, provavelmente se chamaria “causos espíritas”, Kardec cita o causo relatado pelo Patrie, em 15 de agosto de 1858:
Um oficial do Diretório Francês(Nome dado ao Governo da França), em viagem, se hospedou num casebre. Durante o sono, viu uma terrível aparição: um “espectro” que saiu das sombras, cabelos vermelhos de sangue, garganta cortada, etc, foi até ele e lhe deu detalhes de de seu próprio assassinato, indicando o local onde foi enterrado seu corpo e os autores do crime. Evocava a ajuda do oficial para chamar a polícia e solucionar o caso.
O oficial não deu ouvidos, pois considerou ser sua imaginação. No dia seguinte, ao adormecer, teve novamente a visão do Espírito, dessa vez mais triste e ameaçador. Tende ignorado-a novamente, no dia posterior voltou a ver o Espírito, no sono, agora mais irritado e ameaçador ainda. O oficial achou melhor não ignorar dessa vez: voltou ao local indicado, chamou os oficiais e solucionou o caso. Isso mostra que esse Espírito se prendia muito aos conceitos materiais, ainda, e que tinha muitas imperfeições, pois buscava vingança.
Nova aparição, dessa vez com contentamento do Espírito, mais “bondoso” e afável. Disse que voltaria a se mostrar duas horas antes da morte do oficial, o que se cumpriu anos depois.
Platão e a Doutrina das Escolhas de Provas
Como todo ensinamento, ele é progressivo. Conforme a humanidade evolui seu entendimento vai mudando. Esse artigo sobre Platão e Sócrates é sobre isso.
Recordam dos ensinamentos de São Vicente de Paula da semana passada? Então, São Vicente de Paula falava do Evangelho, que deveríamos estuda-lo . Agora, a RE nos mostra algo anterior a Jesus, do século V e IV a.c., de Platão e seu mentor Sócrates (lembrando que era Platão quem escrevia).
Na Sociedade Espírita, eles nunca tinham imaginado antes:
“Não discutiremos hoje essa teoria, que estava tão longe de nosso pensamento quando os Espíritos no-la revelaram, que nos surpreendeu estranhamente, porque — confessamos humildemente — o que Platão escrevera sobre esse assunto especial nos era então completamente desconhecido, nova evidência, entre tantas outras, de que as comunicações que nos foram dadas não refletem absolutamente a nossa opinião pessoal. Quanto à de Platão, apenas constatamos a ideia principal, cabendo facilmente a cada um a forma sob a qual é apresentada e julgar os pontos de contato que, em certos detalhes, possa ter com a nossa teoria atual.”
Kardec, Allan. Revista Espírita: ano primeiro: setembrto/1858
Os ensinamentos de Sócrates e Platão realmente carregam os preceitos de Jesus e são similares aos dos Espíritos comunicantes do século de Kardec.
Nesse artigo, a RE apresenta como ideias principais vindos de Platão: a imortalidade da alma, a sucessão das existências, a escolha das existências por efeito do livre arbítrio, enfim, as consequências felizes e infelizes. Claro que Sócrates, descrito por Platão, usou de parábolas para explicar, pois era assim que entendiam as lições naquela época.
Em sua alegoria do Fuso da Necessidade, Platão imagina um diálogo entre Sócrates e Glauco, atribuindo ao primeiro o discurso da RE, sobre as revelações do armênio Er, personagem fictício, segundo toda probabilidade, embora alguns o tomem por Zoroastro. Vale a leitura.
Kardec apresenta a essência de uma alegoria de Platão, onde um homem teria tido uma EQM e voltou contando “o lado de lá”. Ela é bastante figurativa, e mostra a ideia das Escolhas de Provas antes de reencarnarmos.
Nestes ensinamentos, quando Platão cita as Filhas da Necessidade, ele está falando sobre as leis divinas. Veja o que ele fala:
Almas passageiras, ireis iniciar uma nova carreira e renasce( reencarnar) na condição mortal. Não se vos assinalará o gênio; vós mesmas o escolhereis. Escolherá aquela que a sorte chamar em primeiro lugar, e essa escolha será irrevogável. A virtude não pertence a ninguém: alia-se àquele que a dignifica e abandona quem a despreza. Cada um é responsável pela escolha que faz, Deus é inocente.’
Kardec, RE setembro/1858
Depois segue descrevendo como se dá o renascimento que é muito parecido com que os Espíritos nos tempos de Kardec explicam.
Portanto, cada um é responsável pela escolha! Deus é inocente no seu livre arbítrio!
No momento em que escrevo este artigo, estamos entrando no estudo da 10.ª edição da Revista Espírita — outubro de 1858. Começamos esse estudo semanal (clique aqui para conhecê-lo), transmitindo-o ao-vivo, sabendo, por uma intuição, que ele seria muito importante e útil, mas, de fato, não sabíamos o que esperar desse estudo. A verdade é que, senão pela leitura de algumas citações de trechos dessa obra, não sabíamos nem sequer do que se tratava a Revista Espírita.
Ouça ao podcast:
Hoje, então, passadas nove edições dessa publicação, dentre as 136 das quais o próprio Kardec esteve à frente, de janeiro de 1858 a abril de 1869 (ele morreu em março, mas já havia deixado pronta essa última e importante edição, da qual falaremos mais adiante) — e continuamos nos perguntando onde é que ele arrumava tempo e disposição para isso, coisa digna de missionário — já conseguimos vislumbrar um pouco do brilhantismo de Rivail no encadeamento lógico do desenvolvimento dos temas que, agora compreendemos um pouco, dão base e rumo ao crescimento e ao fortalecimento da Doutrina Espírita — lembremos que as próximas obras foram produzidas, em grande parte, justamente a partir de muitos dos temas e estudos desenvolvidos na Revista Espírita.
Importa dizer, antes de tudo, que a Revista Espírita, como demonstra o nome, foi um periódico mensal, onde Allan Kardec apresentava diversos temas, sendo alguns deles totalmente doutrinários, outros deles ligados às questões sociais, histórias e científicas e outros nos quais percebemos uma crescente e ininterrupta elaboração de pesquisas e conhecimentos que foram dando cada vez mais base à Doutrina Espírita.
Revista Espírita: Jornal de Estudos Psicológicos
Muitos não sabem, mas esse é o subtítulo completo desse periódico: jornal de estudos psicológicos. E isso é importante ser destacado, pois, pelos olhos de hoje, não parece que psicologia tem muito a ver com um jornal espírita, não é mesmo? É aqui que entra o valoroso e importante trabalho de Paulo Henrique de Figueiredo, um dos mais expoentes pesquisadores espíritas da atualidade, que foi buscar, no passado, um conhecimento esquecido, varrido para baixo do tapete: em resumo, aquele que se encerrava no contexto do Espiritualismo Racional, sobre o qual já falamos um pouco aqui. É somente através do estudo desse conhecimento esquecido que poderemos, adiantamos, contextualizar muito do que se fala na R.E. e, sobre isso, destacamos a importância da obra Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo, desse mesmo autor.
No contexto de Kardec, a Psicologia não tinha a característica terapêutica materialista de hoje: ela era uma ciência moral, espiritualista, inserida no contexto do Espiritualismo Racional, e seu principal objetivo era investigar e analisar as leis naturais que regem a natureza humana, inclusive de forma experimental.
Nesse contexto, a Psicologia compreendia o ser humano como um ser constituído de corpo e de alma. A alma, que sobreviveria ao corpo, era a causa primária da psique, não sendo esta um efeito apenas material de química e estímulos. Tratamos um pouco disso nos estudos baseados no artigo “O Período Psicológico”, que você pode ler aqui.
O nascimento da Revista e sua finalidade
Kardec criou a Revista Espírita baseado, em parte, nas sugestões de um Espírito que se comunicou através da Srta. Hermance Dufaux (é com H, mesmo) que, segundo Canuto de Abreu, cooperou para a transmissão de valiosas orientações para esse periódico:
No final de 1857, Kardec teve a ideia de publicar um periódico espírita e quis ouvir a opinião dos guias espirituais. Hermance foi a médium escolhida e, através dela, um Espírito deu várias e ótimas orientações ao Mestre de Lion. O órgão ganhou o nome de “Revista Espírita” e foi lançado em janeiro do ano seguinte.
Um dos maiores interesses de Kardec era o de se corresponder, de forma facilitada, com os adeptos do Espiritismo espalhados pela Europa. Através da Revista, uma publicação de fácil circulação e de interesse geral — Kardec, nela, abordava até os fatos cotidianos e de grande interesse, envolvendo os Espíritos — a Doutrina foi rapidamente permeando as massas, que liam avidamente suas folhas. Não faltaram as cartas de assinantes, milhares delas, muitas das quais Kardec sequer encontrava tempo para responder.
Destacamos a palavra “assinantes” de propósito: Kardec, ou melhor, a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, cobrava por uma assinatura desse periódico, mas jamais para enriquecimento próprio, e sim com a finalidade de obter recursos para baratear custos das obras, fornecer apoio social, etc. Fizemos uma citação a esse respeito no artigo Propagação do Espiritismo.
Dizíamos dos propósitos da Revista. Bem sabemos que Kardec identificou, logo de início, com sua perspicácia de pesquisador formado, desde criança, pelo método investigativo da Natureza, de Pestalozzi, que…
… A opinião isolada de um Espírito não passa disso — uma opinião — portanto, não pode ser tomada, isoladamente, como se fosse fonte inquestionável da verdade, já que Espíritos de todos os tipos podem se comunicar, sendo que os Espíritos enganadores tomam os nomes até mesmo dos santos e de Jesus, sem pudor, principalmente quando percebem que não são questionados.
Portanto, Kardec buscava um meio de fortalecer o princípio básico e inexorável da Doutrina, que é o da concordância universal do ensinamento dos Espíritos, que deve, além disso, atender à lógica, à razão, ao bom-senso e à ciência já formada, tanto da parte dos homens, quanto da parte dos Espíritos, pelo mesmo método. Ora, como já podemos perceber, através da Revista Espírita, onde recebia os diversos relatos de várias partes do mundo, através de seus correspondentes, o mestre lionês obteve justamente isso, em grande parte! Vemos um exemplo disso na carta do Sr. Jobard, em julho de 1858, e nas observações de um correspondente em setembro de 1858.
As evocações de Kardec
Há também um aspecto ainda mais importante apresentado na Revista, que demonstra claramente uma face pouquíssimo conhecida do Espiritismo, no atual movimento espírita: o da natureza e da utilidade das evocações de Espíritos. Ora, num momento onde virou lei a famosa frase do querido Chico Xavier — “o telefone só toca de lá para cá” — sobre a qual já fizemos uma análise no artigo “O Espiritismo sem os Espíritos” — qual não foi nosso espanto (pelo menos para aqueles que não conhecíamos essa realidade) ao verificarmos que Kardec fazia uso das evocações com tanta naturalidade — mas com a necessária seriedade — como aquela que usamos para conversar com as pessoas ao nosso redor.
Em praticamente todas as edições, Kardec apresenta evocações de Espíritos, as quais realizava com a finalidade de obter melhores compreensões a respeito da moral compreendida em certos acontecimentos, bem como o de tentar sondar alguns fatos científicos envolvendo fenômenos Espíritas, como se deu em “Uma nova descoberta fotográfica“, de julho de 1858.
Foi assim que, número após número, Kardec apresentou as mais diversas evocações, algumas feitas por ele mesmo e outras feitas por correspondentes seus. Evocaram-se Espíritos de suicidas, de loucos, de assassinos, de reis, de plebeus, de gente de grande moral e benevolência e de Espíritos inferiores. Muitos desses, diga-se de passagem, a pouquíssimos dias de sua morte, o que contraria aquilo que grande parte do movimento espírita atual tem dito.
Importa destacar, é claro, que as evocações não tinham a finalidade de atenderem à curiosidade vazia e inferior ou à diversão de ninguém: além dos ensinamentos que se podiam colher de todas elas, para os Espíritos superiores sempre foi uma felicidade nos ajudar e, para os inferiores, muitas vezes forneceram preciosos momentos de reflexão e de reequilíbrio.
Fortalecimento da Doutrina e descontrução de falsos ou inconpletos conceitos
A forma para o Espírito
Para dar um exemplo prático, nessas desconstruções de ideias fartamente enraizadas atualmente, temos, ainda que em primórdios, uma delas que começou a chamar nossa atenção: a questão da forma para o Espírito errante (entre as encarnações). É de praxe, hoje em dia, a concepção de todo um mundo fantástico e cheio até mesmo de automóveis no plano espiritual… Contudo, Kardec, a partir de certa edição, passa a sondar o que é a forma para os Espíritos, através de perguntas como “de que forma lhe veríamos se pudéssemos vê-lo com nossos olhos?” ou “vê outros Espíritos? De que forma?”.
Foi assim que, em julho de 1858, no artigo “O tambor de Berezina“, Kardec faz as seguintes perguntas, após realizar uma série de indagações tentando compreender o estado moral e racional daquele Espírito, que foi um soldado em sua última encarnação:
28. ─ Vês outros Espíritos ao teu redor? ─ Sim, muitos.
29. ─ Como sabes que são Espíritos? ─ Entre nós, vemo-nos tais quais somos.
30. ─ Com que aparência os vês? ─ Como se podem ver Espíritos, mas não pelos olhos.
31. ─ E tu, sob que forma aqui estás? ─ Sob a que tinha quando vivo, isto é, como tambor.
32. ─ E vês os outros Espíritos com as formas que tinham em vida? ─ Não. Nós não tomamos uma aparência senão quando somos evocados. Fora disso vemo-nos sem forma.
A última resposta foi bastante interessante, mas, até o momento, era apenas a opinião de um Espírito. Digno de nota a metodologia de Kardec, sondando os assuntos de interesse, ao invés de fazer perguntas diretas que poderiam ser respondidas de forma enviesada. Então, em setembro do mesmo ano, no artigo “Palestras de além-túmulo — Senhora Schwabenhaus. Letargia Extática“, Kardec faz as seguintes perguntas, obtendo as seguintes respostas. Notem bem:
29. ─ Sob que forma estais entre nós? ─ Sob minha última forma feminina.
30. ─ Vós nos vedes tão distintamente quanto se estivésseis viva? ─ Sim.
31. ─ Desde que aqui vos encontrais com a forma que tínheis na Terra, é pelos olhos que nos vedes? ─ Não, o Espírito não tem olhos. Só me encontro sob minha última forma para satisfazer às leis que regem os Espíritos quando evocados e obrigados a retomar aquilo a que chamais perispírito.
Vejamos, então: já são dois os Espíritos, de elevações diferentes, dizendo a mesma coisa: para o Espírito liberto da matéria, não há forma, como a que compreendemos. Eles assumem o perispírito, atendendo a uma lei natural, apenas quando precisam agir materialmente, quando, por exemplo, se aproximam de nós para se comunicar (com materialmente quero dizer: eles precisam assumir o perispírito para poder se colocar em comunicação conosco, o que, antes de tudo, se dá através dessa “roupagem”. É, portanto, matéria, mas uma matéria muito sutil, extraída do fluido cósmico universal[1]).
Significa então que os estudos de Kardec desmentem André Luiz? Bem, apesar de a metodologia de Kardec ser bastante lógica, deixando pouco espaço para erro, seria talvez precipitado tirar conclusões baseados apenas nesses dois Espíritos — ainda não sabemos se existem, mais adiante, mais evocações que deem suporte a essa tese — mas também não estamos dizendo que Chico Xavier errou, já que ele foi uma ferramenta dos Espíritos, nem que André Luiz mentiu, mas sim que ele falou segundo suas concepções e seus entendimentos. Quem sabe, ele poderia estar falando de uma situação de “encarnação” de Espíritos, em matéria mais sutil? Também não descartamos a existência de verdadeiras cidades, formadas pelos Espíritos ainda muito dependentes da matéria e da forma — o que, em suma, não é nada bom, mas compreendemos que seja uma fase.
O suicídio
Outro tema que foi fartamente desconstruído de suas concepções modernas é aquele a respeito do suicídio. Reinam, hoje, no meio espírita, as afirmações de que o suicida fica no “umbral” ou no “vale dos suicidas”; o de que ele ficará preso ao corpo, “sentindo-o” ser roído pelos vermes; o de que ele ficará anos em perturbação extrema, sendo impossível se comunicar; e, ainda, o de que o suicida amanhã nascerá com defeitos físicos de modo a “resgatar um débito cármico” (esse último trecho causa aversão até para escrever).
Bem, até o momento, Kardec já fez a evocação de dois suicidas: O Suicida da Samaritana, em junho de 1858, e Suicídio por Amor — setembro de 1858 — onde um rapaz se matou à porta da namorada, num ápice das emoções, pois ela se obstinara em não aceitá-lo de volta, após uma grande discussão.
O primeiro é evocado cerca de dois meses após o episódio fatídico: “Peço a Deus Todo-Poderoso permita ao Espírito do indivíduo que se suicidou a 7 de abril de 1858, nos banhos da Samaritana, venha comunicar-se conosco” — notem a simplicidade na evocação. Esse Espírito denotou um grande sofrimento moral, que vinha desde antes de sua morte, a qual buscou por um desespero em não saber lidar com os desgostos e as provações da vida. São Luís encerra a comunicação dizendo apenas que o suicídio interrompe a vida bruscamente, o que pode provocar uma certa dificuldade momentânea de se desapegar do corpo.
O segundo é evocado sete ou oito meses após o suicídio. Esse espírito já não sofre tanto, pois entendeu a falta de utilidade no que fez, e que o fez por um ato irrefletido levado pelas paixões (emoções) incontidas. Nesse, há apenas um “aprisionamento mental” ao momento do ato, que ficava se repetindo na mente desse Espírito, já que a ele se ligava com arrependimento.
Em nenhum deles, nenhuma menção àquilo que se tornou lugar-comum no meio Espírita, que, na verdade, são meias-verdades: existem as diversas possibilidades, segundo a mentalidade de cada um, mas o espírita atual insiste em tomar a exceção por regra.
A moral autônoma
Paulo Henrique de Figueiredo muito tem falado e defendido a essência do Espiritismo como moral autônoma. E muito tem sido criticado por alguns poucos que ainda não conseguiram ver isso na Doutrina. Aqui, há mais um conceito atual desconstruído pelo estudo da Revista Espírita. Não vou me aprofundar sobre o assunto, pois neste artigo já apresentei o conceito. Apenas quero destacar que, na própria Revista, nós vemos esse conceito muito bem fundamentado, e não por Kardec, apenas, mas pelos Espíritos.
Logo na primeira edição da RE, em janeiro de 1858, temos o artigo “Uma conversão“, que apresenta a seguinte sequência de perguntas e respostas, feitas ao pai falecido de um rapaz, por esse mesmo rapaz, que buscava acreditar no Espiritismo:
15. — Seremos punidos ou recompensados de acordo com nossos atos? — Se você fizer o mal, sofrerá.
16. — Serei recompensado se fizer o bem? — Avançará em seu caminho.
17. — Estou no bom caminho? — Faça o bem e estará.
Observe a profundidade moral desse simples diálogo. Não há castigo e recompensa, mas apenas nós mesmos, diante de nossa própria consciência, segundo nossas escolhas.
11. ─ Então pode ele encontrar na Terra os meios de expiar sua falta, sem ser obrigado a regressar a um mundo inferior?
─ Aos olhos de Deus, o arrependimento é sagrado, porque é o homem que a si mesmo se julga, o que é raro no vosso planeta.
Prezado(a) amigo(a), vê a beleza da Doutrina Espírita, verdadeiramente consoladora e autônoma, transparecida em sua face original? Nada de carma. Nada de “ação e reação”. Nada de “lei do retorno”. Estudemos, estudemos, porque o movimento espírita atual, inundado de conceitos exíguos e contrários à Doutrina dos Espíritos, anda muito afastado de suas essência e realidade originais!
Como estudar a Revista Espírita
Muito bem: já apresentamos a importância inestimável desse periódico de Kardec; já apresentamos, também, a profundidade que ele tem e o encadeamento lógico e racional de algo que vai formando o corpo de uma Doutrina Científica, muito bem estabelecida, que é o Espiritismo. Resta saber: como estudar esses 136 números dessa publicação?
Cremos haver duas formas principais, sobre as quais, aliás, estamos discutindo e nos adequando, no momento, de modo a chegar no melhor método. A primeira delas é aquela que respeita a forma cronológica, edição a edição; a segunda é aquela que “passa a perna”, no bom sentido, em Kardec, e avança por assuntos, de forma mais ou menos cronológica. Explico:
Na primeira modalidade, que é o que fizemos até então, pegamos a Revisa, edição por edição, e nos dedicamos a estudá-la individualmente, em primeiro lugar, a fim de extrair de cada número e assunto o melhor entendimento, enriquecendo o estudo. Isso porque existem, nela, assuntos acessórios, que não apresentam grande ganho em trazer para o estudo em grupo, como é o caso dos fenômenos apresentados por Kardec, no que chamaríamos hoje de “causos espíritas”. Não que não sejam artigos úteis, pois reforçam muito o entendimento a respeito do fato dos fenômenos espíritas, principalmente para aqueles que ainda tem dúvidas sobre eles.
Já outros assuntos são tão importantes e profundos que merecem uma atenção especial, por vezes buscando complementos não só em Kardec, mas também em obras complementares de outros pesquisadores contemporâneos ou não de Kardec. Por diversas vezes já encontramos grande utilidade em abordar não apenas demais obras de Kardec que, se fôssemos nos basear pela cronologia correta, sequer haviam sido publicadas, mas também obras como as de Ernesto Bozzano e aquelas recentes de Paulo Henrique.
Outra forma de realizar esse estudo é, como dissemos, “passar a perna” em Kardec e avançar sobre os assuntos em todos os anos da Revista e da obra completa do Professor. Mas isso no bom sentido: Kardec, cronologicamente, o que é óbvio, vai amadurecendo a própria compreensão a respeito da Doutrina dos Espíritos, através da pesquisa incessante. Assim, podemos ver, por exemplo, Kardec falando em fluido vital, em 1858, mas, em A Gênese, descartando os fluidos e ficando com a tese de Mesmer, do Magnetismo Animal e do princípio vital. Portanto, pode-se desrespeitar a ordem cronológica de modo a estudar os assuntos abordados na Revista, complementando-os e relembrando-os conforme se avança pelos números, na ordem.
No momento, estamos optando por um meio-termo: descartamos o aprofundamento nos assuntos acessórios, nos atendo aos assuntos principais e, deles, fazendo o devido aprofundamento, conforme observamos a necessidade. Talvez passaremos a abordar mais de uma edição num mesmo estudo, quando verificarmos que os assuntos de mais de uma delas é construído e complementado sequencialmente. Apena não julgamos útil avançar a passos grandes demais, pois compreender a construção do pensamento de Kardec, de seu método, dos ensinamentos dos Espíritos nas entrelinhas, é algo que julgamos muito proveitoso e importante.
O fim da Revista Espírita sob a tutela de Kardec
Chegamos, enfim, ao final do artigo, citando o fim da Revista Espírita com a morte de Allan Kardec. “Mas, Paulo, a Revista Espírita continuou sendo veiculada por muitos anos após sua morte”. Sim, continuou… Mas, infelizmente, foi subvertida pelos interesses mesquinhos do dinheiro e da vaidade. Enquanto esteve sob Kardec, foi uma publicação metódica, bem formulada e, sobretudo, impessoal, voltada aos interesses do Espiritismo, isto é, da Doutrina dos Espíritos, que não pertence a nenhum encarnado e nem sai das ideias de nenhum deles, de forma isolada.
Após a morte de Kardec, aqueles que assumiram e subverteram a Sociedade (para mais detalhes leia O Legado de Allan Kardec, de Simoni Privato) passaram a utilizar desse periódico para veicular os mais completos absurdos, dentre eles, sob a direção de Pierre Leymarie, artigos promovendo um falso médium, que dizia obter fotografias dos Espíritos. A promoção era literal, pois, na Revista Espírita, chegou-se a dar a indicação e os valores cobrados para se obter uma suposta fotografia de um parente morto. O caso rendeu um grande processo judicial contra Leymarie e seus associados, naquilo que ficou conhecido como O Processo dos Espíritas e que manchou absurdamente a reputação da Doutrina perante a sociedade.
Mas não parou por aí. A Revista Espírita, depois de 1869, passou a ser constantemente lugar de veiculação de absurdos artigos, muitos contrários à Doutrina até então formada pela metodologia indispensável aplicada por Kardec. É por isso que, juntamente aos demais estragos causados à Doutrina, que, hoje, ficamos com a Revista apenas sob o tempo em que ela esteve sob as conscienciosas mãos de Allan Kardec, e é por todo o exposto, até aqui, que…
… Convidamos a todos a montarem grupos de estudos sobre essa publicação, juntando a isso as pesquisas mais atuais, de modo que o aprendizado do Espiritismo, como Doutrina Científica que é, possa, a cada dia mais, sair dos círculos dos estudiosos espíritas e espalhar suas influências sobre a sociedade, que está desesperada em busca de respostas, uma vez mais.
Para isso, recomendamos observar as obras recomendadas para estudo, bem como acompanhar os estudos do grupo Espiritismo para Todos, no YouTube.
1. Diz Paulo Henrique de Figueiredo, em A Gênese (FEAL, 2018):
“Havia a teoria do fluido cósmico universal, adotada inicialmente por Franz Anton Mesmer (na Ciência do Magnetismo Animal), segundo a qual o Universo seria composto de um só elemento gerador, ocupando plenamente o espaço, dividido em inúmeras fases de densidade, progressivamente, desde a matéria tangível, líquida, gasosa, o éter e demais condições ainda mais sutis, imperceptíveis aos sentidos. Nessa outra teoria, as forças não seriam substâncias, mas estados de vibração em diversos níveis sutis do fluido universal. Por exemplo, a luz seria um estado de vibração do éter. Por analogia, considerando a adoção nessa obra da teoria do único elemento gerador como explicação universal dos fenômenos físicos, os fluidos espirituais estariam entre os estados mais sutis do fluido cósmico universal”. Recomendamos a obra Mesmer: a ciência negada do magnetismo animal, desse mesmo autor.