Allan Kardec e a revolução moral da humanidade

O seguinte artigo contém os conteúdos gentilmente disponibilizados pelo Centro Espírita Nosso Lar – Casas André Luiz, e correspondem ao evento recentemente realizado por Paulo Henrique de Figueiredo sobre o tema em destaque.

A apresentação pode ser facilmente baixada através deste link e também pode ser ouvida em Podcast, cujo áudio disponibilizamos a seguir.

Amaciante estraga a roupa

A palestra de Paulo Henrique de Figueiredo explica exatamente o que essa afirmação tem a ver com a mudança de mentalidade. Clique abaixo para ouví-la:


A seguir estão os tópicos da palestra, que podem ser verificados na apresentação disponibilizada e no áudio acima exposto.

ENCONTRO COM A CULTURA ESPÍRITA – Allan Kardec e a revolução moral da humanidade

Paulo Henrique de Figueiredo – 28 e 29 out 2023




Devemos expor os inimigos do Espiritismo?

Um questionamento que sempre me vem à mente e creio que vem às mentes de muitos é: o que fazer ante aos inimigos do Espiritismo? Devemos expô-los ou fazer isso seria falta de caridade?

Muitos recomendam que sigamos nosso caminho, fazendo a nossa parte, sem nem sequer citar esses indivíduos. Decerto, gastar um tempo precioso para ficar apenas refutando ou criticando os inimigos da Doutrina Espírita seria empregar um tempo precioso em uma guerra sem fim. Não, não vejo isso como útil. Contudo, penso de outro lado: e aqueles que os ouvem?

Quem são os inimigos do Espiritismo

Aqui é necessário fazer uma distinção importante: é que o Espiritismo tem seus inimigos declarados, mas também os tem em suas fileiras. Os primeiros são aqueles que criticam a Doutrina Espírita abertamente e, quase sempre sem nem saber do que falam, atacam-na de todos os lados. Esses são os menos perigosos. Já o segundo gênero de inimigos é aquele dos que se dizem espíritas, estudam a superfície da Doutrina, mas, voluntariamente ou não, atacam-na de dentro com a divulgação das mais falsas ideias, oriundas da aceitação cega das comunicações espíritas. Esses são os inimigos mais temerosos, e o Espiritismo os tem entre encarnados e desencarnados.

Muito difícil e desaconselhável será julgar sumariamente as intenções dos outros. Nalguns, elas podem ser bem aparentes e mesmo declaradas; em outros, elas podem até ser boas, mas, sendo o indivíduo propenso ao orgulho e à vaidade, dentre outras imperfeições, tornam-se nulas ou até danosas pelos efeitos que produzem. Mesmo aqui, temos outro problema, pois esses efeitos muitas vezes não são diretamente perceptíveis, mas se constroem por uma série de fatores, ao longo do tempo, ideia sobre ideia, sempre originadas da aceitação cega das opiniões isoladas de Espíritos encarnados e desencarnados.

Uma maneira muito simples de constatar o que digo, para o espírita estudioso das obras de Kardec, é fazer uma busca por “Espiritismo” no Youtube e muito facilmente encontrará grandes canais que, dizendo falar em Espiritismo, ensinam e sustentam as ideias absurdas e danosas ao Espiritismo, dentre alguns acertos. Na maioria das vezes não são inimigos do Espiritismo e até desejam fazer o bem, mas, pela resistência em estudar a ciência que dizem abraçar, servem à divulgação de ideias contrárias à Doutrina. É assim que vemos canais como o “Espiritismo Raiz“, por um tempo o maior canal brasileiro dito “espírita”, afirmando e ensinando, dentre outros erros, que os Espíritos encarnam apenas para expiações, que seriam, segundo ele diz, pagamentos de débitos — uma completa distorção doutrinária que leva a diversos efeitos negativos, como demonstrei neste artigo. Eduardo Sabbag, dono desse canal, recentemente fez participações no canal Casa Plataforma de Oração, onde o principal “palestrante” afirma, supostamente mediunizado, que ele seria a reencarnação de Allan Kardec e em vários momentos se compara a Jesus, para então trazer temas ligados à ufologia e às ideias ramatissistas, sustentadas e divulgadas especialmente pelo médium Hercílio Maes. Fez também participação no Canal Espírita, do Luiz Fernando Amaral (que se apresenta como “professor” nesse canal) que, dentre alguns acertos (quando retoma Kardec) comete diversos enganos, quando parte da aceitação cega de comunicações de Espíritos, principalmente dadas via romances.

Todos esses enganos seriam facilmente evitados pelo estudo da Revista Espírita e de outras obras de Kardec.

Aqui é onde encontramos a maior dificuldade que, atualmente, assola o Espiritismo e esconde a doutrina sob uma espessa camada de falsas ideias: quando as pessoas, ditas espíritas, esquecem-se de (ou se negam a) estudar as obras de Kardec e passam a admitir “novidades” que dão nasceram do método científico indispensável. Já abordamos esse problema diversas vezes, sendo os artigos “O papel do pesquisador e do médium nas comunicações com os Espíritos” e “Devemos publicar tudo quanto dizem os Espíritos?” os mais interessantes deles.

Os Espíritos ligados ao mal, inimigos do Espiritismo, se valem dos indivíduos que não estudam a ciência espírita e que a tudo aceitam e publicam, para dificultar o avanço dessa doutrina cuja filosofia tem o potencial de transformar o mundo. Pela vaidade em crerem-se plenos de sabedoria por, invariavelmente, julgarem-se especialmente cercados apenas de Espíritos da mais alta evolução, servem ao propósito dos Espíritos mistificadores.

Então, que fazer se eles não querem estudar? Que fazer se respondem com resistência e truculência ao apontarmos que algo que divulgam não está conforme o Espiritismo ensina?

Certamente não podemos forçá-los a um entendimento que não querem adquirir, e caberá ao tempo e à punição oferecida por suas próprias consciências a cobrança do mal que fizeram ao desviar ou atrasar muitos com suas ideias e com suas resistências em estudar. Infelizmente, essas pessoas encontram, nos meios digitais, um meio de controle sobre suas ideologias, bastando remover comentários ou bloquear usuários que discordem deles.

São grandes canais. Contam com centenas de milhares de seguidores. Certamente têm, dentre estes, grande número de pessoas que apenas querem acreditar e que não se esforçam por raciocinar, talvez até por desconhecimento (que eles poderiam estar ajudando a reduzir). Mas, cedo ou tarde, suas consciências despertarão e, então, passarão a buscar respostas.

Penso que o melhor que podemos fazer é produzir material apontando o verdadeiro entendimento doutrinário. Assim podemos dar a chance de que as pessoas que busquem por determinado assunto, ou mesmo por esses canais, possam encontrar o conteúdo proveniente da ciência espírita. Aprendamos a demonstrar seus erros, sem cair em erro maior, que seria o de levar ao nível pessoal das acusações depreciativas. Podemos discordar e apontar o erro em suas ideias, como Kardec fazia, baseando-nos no Espiritismo para isso, como recomenda Kardec na Revista Espírita de 1863:

“É assim que procedem os detratores do Espiritismo: por suas calúnias eles mostram as fraquezas de sua própria causa e a desacreditam, mostrando a que lamentáveis extremos são obrigados a recorrer para sustentá-la. Que peso pode ter uma opinião fundada em erros manifestos? De duas, uma: ou os erros são voluntários e então está vista a má-fé; ou são involuntários e o autor prova a sua inconsequência, falando do que não sabe. Num caso, como no outro, perde o direito à confiança.

O Espiritismo não é obra que marche na sombra. Ele é conhecido; seus princípios são formulados com clareza, precisão e sem ambiguidades. A calúnia não poderia, pois, atingi-lo. Para convencê-la de impostura basta dizer: leia e veja. Sem dúvida, é útil desmascará-la. Mas é preciso fazê-lo com calma, sem azedume nem recriminação, limitando-se a opor, sem palavras supérfluas, o que é ao que não é. Deixai aos vossos adversários a cólera e as injúrias, e guardai para vós o papel da força verdadeira: o da dignidade e da moderação.”

Revista Espírita, Março de 1863. Grifos meus.

Assim, não percamos tempo em ataques pessoais. É claro que esses se vitimizarão, visando manipular seu público de fiéis. Não caiamos no mesmo erro. Ajamos como o bom pesquisador, o bom cientista, que discute sobre fatos e evidências, e não sobre opiniões e muito menos sobre as pessoas que as emitem. É o que Kardec sempre fez.

“Tereis que lutar não só contra os orgulhosos, os egoístas, os materialistas e todos esses infelizes que estão imbuídos do espírito do século, mas ainda, e sobretudo, contra a turba de Espíritos enganadores que, encontrando em vosso meio uma rara reunião de médiuns, pois a tal respeito sois os mais aquinhoados, em breve virão assaltar-vos, uns com dissertações sabiamente combinadas, nas quais, graças a tiradas piedosas, insinuarão a heresia ou algum princípio dissolvente; outros com comunicações abertamente hostis aos ensinos dados pelos verdadeiros missionários do Espírito de Verdade. Ah! Crede-me, não temais desmascarar os embusteiros que, novos Tartufos, se introduziriam entre vós sob a máscara da religião”

Espírito de Erasto, Revista Espírita de 1861. Grifos meus.




A Guerra entre Israel e Palestina e o Espiritismo

Existem pessoas idosas, crianças e bebês sendo assassinadas ou capturadas pelo grupo terrorista Hamas, atualmente, gerando uma guerra entre Israel e Palestina. E o que dirá o Espiritismo? Por que Deus permite tal coisa? Estariam essas pessoas quitando débitos de vidas passadas com esse sofrimento?

Pasmem: tem julgadores de plantão querendo dizer que a chacina de jovens na rave teria relação com um castigo divino, por estarem fazendo uma festa, supostamente com drogas, na “Terra Santa”. Um completo é maldoso absurdo!!

Uma vez mais precisamos lembrar: para falar segundo o Espiritismo, é necessário buscar o que existe desenvolvido pelo método científico necessário, coisa que, até hoje, foi feita apenas por Kardec. E aqui vai uma dica de ouro:

Se alguém disser falar do Espiritismo, mas diz que as vítimas de quaisquer calamidades ou crimes estão “pagando” por dívidas de vidas passadas, ou que é efeito do “karma“, ou que estão resgatando débitos de vidas passadas, pare de acompanhá-lo e vá buscar o que diz a ciência espírita. Estamos aqui afirmando, taxativamente: isso não é Espiritismo! Espiritismo você encontra nas obras recomendadas, ao final do texto.

Espiritismo não fala em karma, nem em pagar dívidas pela encarnação

É uma luta ainda sem fim, e toda vez que acontece qualquer evento crítico que abala a população, temos que voltar ao mesmo assunto, em nome do Espiritismo verdadeiro. Agora é a guerra em Israel. Ano passado, foram os ataques terroristas às escolas brasileiras. Antes, um desastre climático ou cataclismo como aquele que solapou Petrópolis ou o triste acidente com o time da Chapecoense. E sempre aparecem os indivíduos levianos, que nunca se debruçaram para estudar o Espiritismo, dizendo verdadeiros absurdos que não correspondem à Doutrina Espírita ou afirmando terem recebido psicografias das vítimas, afirmando que elas teriam sido “malvados soldados que faziam crueldades no passado” (sic!).

Somos obrigados a fazer nossa parte, relembrando que estamos vivos na matéria densa, sujeitos às leis da matéria e, também, às decisões criminosas de outras pessoas, o que nunca, jamais, em hipótese alguma, serve para “resgatar débitos de vidas passadas”!

Leia também: Devemos expor os inimigos do Espiritismo?

Fora as provas impostas pelas escolhas alheias ou pela força da natureza, ou, ainda, aquelas que resultam das ações presentes do próprio indivíduo, existem também os gêneros de provas que o Espírito pode ter escolhido passar, mas não para “pagar” por nada:

  • O Espírito pode escolher provas simplesmente para aprender e progredir.
  • Também pode escolher determinadas provas por entender que conquistou uma determinada imperfeição, escolhendo então passar por desafios e oportunidades com vistas a desapegar dessa imperfeição, que o faz sofrer.

Isso consta na edição original e não adulterada de O Céu e o Inferno, da editora FEAL.

Deus não se vinga!

O Livro dos Espíritos

Falando sobre os flagelos destruidores, podemos aplicar parte do entendimento a esses acontecimentos também:

738.

a) — Mas nesses flagelos tanto sucumbe o homem de bem como o perverso. Será justo isso?

“Durante a vida, o homem tudo refere ao seu corpo; entretanto, de maneira diversa pensa depois da morte. Ora, conforme temos dito, a vida do corpo bem pouca coisa é. Um século no vosso mundo não passa de um relâmpago na eternidade. Logo, nada são os sofrimentos de alguns dias ou de alguns meses, de que tanto vos queixais. Representam um ensino que se vos dá e que vos servirá no futuro. Os Espíritos, que preexistem e sobrevivem a tudo, formam o mundo real (85). Esses os filhos de Deus e o objeto de toda a sua solicitude. Os corpos são meros disfarces com que eles aparecem no mundo. Por ocasião das grandes calamidades que dizimam os homens, o espetáculo é semelhante ao de um exército cujos soldados, durante a guerra, ficassem com seus uniformes estragados, rotos, ou perdidos. O general se preocupa mais com seus soldados do que com os uniformes deles.”

b) — Mas nem por isso as vítimas desses flagelos deixam de o ser.

“Se considerásseis a vida qual ela é, e quão pouca coisa representa com relação ao infinito, menos importância daríeis a isso. Em outra vida, essas vítimas acharão ampla compensação aos seus sofrimentos, se souberem suportá-los sem murmurar.”

O Livro dos Espíritos

O Espiritismo, longe de falar sobre carma e pagamento de dívidas, demonstra o contrário!

Também recomendamos cautela com essas teorias de que são eventos relacionados à transição planetária, por serem teorias que não encontram respaldo no Espiritismo.

Retornemos a Kardec. É importante. Chega de opiniões. O Espiritismo é uma ciência! Se mais pessoas estivessem defendendo a Doutrina, mais chance teriam outras de encontrar bons conteúdos, e não esses baseados em falsas ideias.

Cabe resgatar o que consta em O Livro dos Espíritos sobre as guerras:

742. O que impele o homem à guerra?

“Predominância da natureza animal sobre a natureza espiritual e transbordamento das paixões. No estado de barbaria, os povos um só direito conhecem: o do mais forte. Por isso é que, para tais povos, o de guerra é um estado normal. À medida que o homem progride, menos frequente se torna a guerra, porque ele lhe evita as causas. E, quando se torna necessária, sabe fazê-la com humanidade.”

743. Da face da Terra, algum dia, a guerra desaparecerá?

“Sim, quando os homens compreenderem a justiça e praticarem a lei de Deus. Nessa época, todos os povos serão irmãos.”

744. Que objetivou a Providência, tornando necessária a guerra?

“A liberdade e o progresso.”

a) — Se a guerra deve ter por efeito o advento da liberdade, como pode frequentemente ter por objetivo e resultado a subjugação?

“Subjugação temporária, para pressionar os povos, a fim de fazê-los progredir mais depressa.”

745. Que se deve pensar daquele que suscita a guerra para proveito seu?

“Grande culpado é esse e muitas existências lhe serão necessárias para expiar todos os assassínios de que haja sido causa, porquanto responderá por todos os homens cuja morte tenha causado para satisfazer à sua ambição ((O que quer dizer: quando esse Espírito compreender o mau que causou, sua consciência lhe acusará de cúmulo ao qual chegaram suas imperfeições. Eis o motivo de demandar muitas encarnações em expiação, escolhendo provas que poderão lhe ajudar a se resgatar de seus desvios. Não significa que ele terá que reencarnar com cada uma de suas vítimas, mesmo porque a maioria delas não se apega ao fato e segue seu caminho de evolução (Notas nossas).)).”

O Livro dos Espíritos

Nossas condolências às vítimas dessa triste guerra entre Israel e Palestina. Oremos para que esses Espíritos não se prendam às maldades de outros e possam seguir em frente. Esse é um dos melhores efeitos do Espiritismo, que, infelizmente, elas provavelmente não conheceram.

Curiosidades

Kardec diversas vezes realizou evocações de Espíritos mortos nas guerras, de simples soldados a oficiais. Temos, por exemplo:




Pode-se praticar a mediunidade no lar?

Minha missão neste artigo é te provocar sobre o assunto: pode-se praticar a mediunidade em casa?. Quero que você não consiga se conter, clicando no botão, ao final dele, para baixar um PDF falando sobre a questão das comunicações com os Espíritos. Bons estudos!

Então quer dizer que não é perigoso chamar os Espírito nos lares?

Outra falácia que se propagou, e queremos crer que seja mais por ignorância do que por maldade daqueles que a defendem, é a do perigo de se comunicar com os Espíritos nos lares. Ora, se se pode comunicar com eles mesmo nos presídios, com mais forte razão se pode chamar os seres queridos dentro dos lares.

Não é a evocação que atrai os Espíritos

Outro ponto importante a ser considerado, à luz do Espiritismo, é que os Espíritos não são atraídos pelo chamado direto dos homens, ou seja, pela evocação. Muitos dos que sofreram ou sofrem uma obsessão jamais evocaram os Espíritos e sequer sabem que isso seria possível. Todas as curas de obsessões que foram publicadas por Allan Kardec em sua Revista, eram desse número. Tal fato pudemos constatar com relação aos que sofriam de obsessões hoje em dia, e que foram curadas.

Crianças nas reuniões espíritas

Muitas pessoas talvez se perguntem: as crianças podem participar das reuniões espíritas no lar? A essa questão poderíamos responder com outra: as crianças fazem parte da família? Ninguém poderia afirmar que não, ou dizer que para ser um membro da família é preciso ter uma idade mínima. Ora, o que são as crianças? Não são elas Espíritos encarnados, para os quais o mundo espírita não é estranho? As crianças não têm familiaridade com seus Anjos, que são também Espíritos, desde o berço, e mesmo antes de nascer?




Mediunidade nos animais

Trechos de artigo sobre mediunidade nos animais, obtido da Revista Espírita de agosto de 1861.

Para começar, entendamo-nos acerca dos nossos fatos. Que é um médium? É o ser, é o indivíduo que serve aos Espíritos como traço de união, a fim de que estes facilmente possam comunicar-se com os homens, Espíritos encarnados. Por consequência, sem médium, nada de comunicações tangíveis, mentais, escritas, físicas, nem de qualquer espécie.

Abordo hoje o problema da mediunidade dos animais, levantado e sustentado por um dos vossos mais fervorosos adeptos. Em virtude do axioma quem pode o mais pode o menos, pretende ele que podemos mediunizar aves e outros animais, deles nos servindo em nossas comunicações com a espécie humana. É o que, em Filosofia, ou antes, em Lógica, chamais pura e simplesmente um sofisma.

Os homens estão sempre dispostos a exagerar tudo. Uns ─ e não falo aqui dos materialistas ─ recusam uma alma aos animais e outros querem conceder-lhes uma, por assim dizer, semelhante à nossa. Por que querer assim confundir o perfectível com o imperfectível? Não, não. Estejam bem convictos de que o fogo que anima os animais, o sopro que os faz agir, mover-se e falar sua linguagem não tem, até o presente, nenhuma aptidão para se misturar, para unir-se, para fundir-se com o sopro divino, a alma etérea, o Espírito, numa palavra, que anima o ser essencialmente perfectível, o homem, esse rei da Criação. Ora, o que marca a superioridade da espécie humana sobre as outras espécies terrenas não é essa condição essencial de perfectibilidade? Então! Reconhecei, pois, que não é possível assimilar ao homem, único perfectível em si e em suas obras, qualquer indivíduo das outras raças vivas na Terra.

Certamente os Espíritos podem tornar-se visíveis e tangíveis pelos animais, muitas vezes tomados de súbito por esse pavor que vos parece infundado, e que é causado pela vista de um ou vários desses Espíritos mal-intencionados para com os indivíduos presentes ou para com os donos desses animais. Muitas vezes encontrais cavalos que não querem avançar nem recuar ou que empacam ante um obstáculo imaginário. Pois bem! Tende certeza de que o obstáculo imaginário é frequentemente um Espírito ou um grupo de Espíritos que se divertem impedindo-lhes o avanço. Lembrai-vos da jumenta de Balaão, que vendo um anjo à sua frente e, temendo a sua espada chamejante, obstinava-se em não avançar. É que antes de se tornar visível a Balaão, o anjo quis mostrar-se apenas para o animal. Mas, repito, não mediunizamos diretamente nem os animais, nem a matéria inerte. Sempre nos é preciso o concurso consciente ou inconsciente de um médium humano, porque nos é necessária a união de fluidos similares, o que não encontramos nos animais, nem na matéria bruta.

Ele diz que o Sr. Thiry magnetizou seu cão. Que aconteceu? Ele o matou, porque esse infeliz animal depois caiu numa espécie de atonia, de langor, em consequência da magnetização. Com efeito, inundando-o de um fluido tirado de uma essência superior à essência especial de sua natureza, esmagou-o e sobre ele agiu, embora mais lentamente, à maneira de um raio. Assim, como não há nenhuma identificação possível entre o nosso perispírito e o envoltório fluídico dos animais propriamente ditos, nós os esmagaríamos instantaneamente se os mediunizássemos.

Assentado isto, reconheço perfeitamente que nos animais existem aptidões diversas; que certos sentimentos; que certas paixões idênticas às paixões humanas neles se desenvolvem; que são sensíveis e reconhecidos, vingativos e odientos, conforme se atue bem ou mal com eles. É que Deus, que nada faz incompleto, deu aos animais companheiros ou servos do homem, qualidades de sociabilidade que faltam inteiramente aos animais selvagens que habitam as solidões.

Resumindo: os fatos mediúnicos não se podem manifestar sem o concurso consciente ou inconsciente do médium, e só entre os encarnados, Espíritos como nós, é que podemos encontrar os que nos podem servir de médiuns. Quanto a educar cães, aves ou outros animais para fazerem tais ou quais exercícios, é assunto vosso e não nosso.

ERASTO.

Revista Espírita, agosto de 1861 – Os animais médiuns

Leia mais sobre mediunidade.




Evocação de um Espírito suicida em sofrimento

O artigo descreve a evocação do Espírito de um suicida francês, por Kardec, em pleno estado de sofrimento moral.

Leia mais sobre casos do tipo clicando aqui.

Publicado na Revista Espírita de novembro de 1858. Na íntegra:

Recentemente os jornais noticiaram o seguinte fato: “Ontem (7 de abril de 1858) pelas sete horas da noite, um homem de cerca de cinquenta anos, vestido decentemente, apresentou-se no estabelecimento da Samaritana e pediu um banho. O empregado admirou-se de que, após duas horas, o indivíduo não chamasse; decidiu-se a entrar no banheiro para ver se não se sentira indisposto. Testemunhou então um horrível espetáculo: o infeliz havia cortado a garganta com uma navalha e todo o sangue se havia misturado à água da banheira. Desde que a identidade não pôde ser estabelecida, o cadáver foi transportado para o necrotério.”

Pensamos que seria possível tirar um ensinamento útil à nossa instrução da conversa com o Espírito desse homem. Assim, evocamo-lo a 13 de abril, apenas seis dias após a sua morte.

1. ─ Peço a Deus Todo-Poderoso permita ao Espírito do indivíduo que se suicidou a 7 de abril de 1858, nos banhos da Samaritana, venha comunicar-se conosco.

─ Espera… (Depois de alguns instantes): Ei-lo.

OBSERVAÇÃO: Para compreender esta resposta é preciso que se saiba que, em geral, em todas as reuniões regulares, há um Espírito familiar, do médium ou da família, que está sempre presente, sem ser preciso chamá-lo. É ele que faz virem os que são evocados e, conforme seja mais ou menos elevado, serve como mensageiro ou dá ordens aos Espíritos que lhe são inferiores. Quando nossas reuniões têm como intérprete a Srta. Ermance Dufaux, é sempre o Espírito de São Luís que voluntariamente toma esse encargo. Foi ele que deu a resposta acima.

2. ─ Onde você está agora?

─ Não sei… Dizei-me onde me encontro.

3. ─ Na Rua Valois (Palais-Royal), n.º 35, numa reunião de pessoas que se ocupam de estudos espíritas e que lhe são benevolentes.

─ Dizei-me se estou vivo… Eu sufoco no caixão.

4. ─ Quem o convidou a vir até nós?

─ Senti-me aliviado.

5. ─ Que motivo o levou ao suicídio?

─ Estou morto?… Não!… Estou em meu corpo… Não sabeis quanto sofro!… Eu sufoco!… Que uma mão piedosa venha dar-me um fim!

OBSERVAÇÃO: Sua alma, embora separada do corpo, ainda está completamente mergulhada naquilo que poderíamos chamar o turbilhão da matéria corpórea; as ideias terrenas ainda se acham vivazes. Ele não acredita que está morto.

6. ─ Por que não deixou nenhum elemento de identificação?

─ Estou abandonado. Fugi do sofrimento para encontrar a tortura.

7. ─ Você tem ainda os mesmos motivos para ficar incógnito?

─ Sim. Não coloqueis um ferro em brasa na ferida que sangra.

8. ─ Poderia dar-nos o seu nome, idade, profissão e domicílio?

─ Não a tudo. Não!…

9. ─ Você tinha uma família, uma mulher, filhos?

─ Eu estava abandonado. Ninguém me amava.

10. ─ O que você fez para não ser amado por ninguém?

─ Quantos há como eu!… Um homem pode estar abandonado no meio da própria família, quando nenhum coração o ama.

11. ─ Você experimentou alguma hesitação ao realizar o suicídio?

─ Eu tinha sede de morrer… Esperava o repouso.

12. ─ Como é que a ideia do futuro não o levou a renunciar àquele desígnio?

─ Eu não cria mais no futuro; estava sem esperanças. O futuro é a esperança.

13. ─ Que reflexões você fez ao sentir extinguir-se a vida?

─ Não refleti; senti… Mas a minha vida não se extinguiu… minha alma está ligada ao corpo… não morri…, entretanto sinto que os vermes me roem.

14. ─ Que sentimento experimentou no momento em que se completou a morte?

─ Ela está completa?

15. ─ Foi doloroso o momento em que se extinguiu a vida?

─ Menos doloroso do que depois. Então, só o corpo sofreu.

São Luís continua:

─ O Espírito libertava-se de um fardo que o esmagava. Ele sentia a volúpia da dor.

(A São Luís): ─ Esse estado é o que sempre se segue ao suicídio?

─ Sim. O Espírito do suicida fica ligado ao corpo até o termo de sua vida. A morte natural é o enfraquecimento da vida. O suicídio a interrompe bruscamente.

─ Esse estado será o mesmo em toda morte acidental independente da vontade e que abrevia a duração natural da vida?

─ Não. Que entendeis por suicídio? O Espírito só é culpado por suas obras.

OBSERVAÇÃO: Havíamos preparado uma série de perguntas que nos propuséramos dirigir ao Espírito desse homem sobre a sua nova existência. Diante de suas respostas, elas perderam o sentido. Era evidente, para nós, que nenhuma consciência tinha ele da situação. A única coisa que nos pôde descrever foi o seu sofrimento.

Essa dúvida sobre a morte é muito comum nos recém-falecidos e principalmente naqueles que em vida não elevaram a alma acima da matéria. À primeira vista é um fenômeno bizarro, mas explicável muito naturalmente. Se perguntarmos a uma pessoa que pela primeira vez é levada ao sonambulismo se está adormecida, ela responderá quase sempre que não, e sua resposta é lógica. O interrogante é que formula mal a pergunta, servindo-se de um termo impróprio. A ideia de sono, no falar comum, está ligada à da suspensão de todas as faculdades sensitivas. Ora, o sonâmbulo, que pensa e vê; que tem consciência de sua liberdade moral, não crê que durma e, com efeito, não dorme, na acepção vulgar do vocábulo. Eis por que responde que não está dormindo, até familiarizar-se com essa nova maneira de entender a coisa. O mesmo acontece com o homem que acaba de morrer. Para ele a morte era o nada. Ora, como ocorre com o sonâmbulo, ele vê, sente a fala. Para ele, portanto, a vida continua, e ele assim o afirma, até que tenha adquirido consciência de seu novo estado.

Foto de capa: Daniel Reche: https://www.pexels.com/pt-br/foto/foto-em-escala-de-cinza-de-um-homem-cobrindo-o-rosto-com-as-maos-3601097/




Problemas morais – Suicídio por amor

O artigo seguinte, sobre o suicídio de um rapaz, em um ato de emoções incontidas, foi publicado na Revista Espírita de novembro de 1858. Na íntegra:

Há sete ou oito meses, Luís G…, sapateiro, namorava a jovem Vitorina R…, pespontadeira de botinas, com a qual deveria casar-se brevemente, pois os proclamas estavam sendo publicados. Estando as coisas nesse ponto, os jovens se consideravam quase definitivamente unidos e, como medida de economia, o sapateiro vinha fazer as refeições em casa da noiva.

Tendo vindo, quarta-feira última, como de costume, cear em casa da pespontadeira((costureira)), sobreveio uma discussão a propósito de uma futilidade. Obstinaram-se, de uma e de outra parte, e as coisas chegaram ao ponto em que Luís deixou a mesa e se foi, jurando não mais voltar.

Entretanto, no dia seguinte, o sapateiro, muito confuso, veio pedir perdão. Diz-se que a noite é boa conselheira, mas a operária, talvez prevendo, depois da cena de véspera, o que poderia acontecer quando não mais houvesse tempo para voltar atrás, recusou reconciliar-se e nem os protestos, nem as lágrimas, nem o desespero puderam vencê-la. Entretanto, como já se houvessem passado vários dias desde aquele arrufo, esperando que a sua amada estivesse mais tratável, anteontem à noite Luís quis tentar uma última explicação: chegou-se, bateu à porta de modo a se dar a conhecer, mas ela se recusou a abrir. Novas súplicas do pobre abandonado, novos protestos através da porta, mas nada demoveu a implacável eleita.

“Então adeus, ó malvada!” exclamou enfim o pobre rapaz, “Adeus para sempre! Procure um marido que a queira tanto quanto eu!”

Ao mesmo tempo a moça escutou uma espécie de gemido abafado, depois como que o ruído de um corpo que caísse escorregando ao longo da porta, e tudo entrou em silêncio. Ela pensou que Luís se houvesse sentado à soleira para esperar sua primeira saída, mas prometeu a si mesma não pôr o pé na rua enquanto ele lá estivesse.

Decorrido apenas um quarto de hora, um dos inquilinos que passava no pátio com uma luz gritou pedindo socorro. Logo chegaram os vizinhos e a senhorita Vitorina, tendo aberto também a sua porta, soltou um grito de horror, ao perceber no chão o corpo de seu noivo, pálido e inanimado. Todos se apressaram em prestar-lhe auxílio e procurar um médico, mas logo verificaram que tudo era inútil, pois ele já deixara de existir. O infeliz moço havia enterrado no peito a faca de sapateiro e o ferro ficara na ferida.

O fato que encontramos no Le Siècle de 7 de abril último despertou-nos a ideia de dirigir a um Espírito superior algumas perguntas sobre as suas consequências morais. Ei-las aqui, com as respectivas respostas, dadas pelo Espírito de São Luís na sessão da Sociedade do dia l0 de agosto de 1858.

1. ─ A moça, causa involuntária da morte do namorado, tem responsabilidade? ─ Sim, porque não o amava.

2. ─ Para evitar essa desgraça, deveria ela desposá-lo, embora não o amasse? ─ Ela buscava uma ocasião para se separar dele; fez no começo de sua ligação o que teria feito mais tarde.

3. ─ Assim a culpabilidade consiste em ter nele alimentado sentimentos de que não partilhava e que foram a causa da morte do rapaz? ─ Sim. É isto mesmo.

4. ─ Neste caso, sua responsabilidade deve ser proporcional à falta, que não deve ser tão grande quanto se ela tivesse, de caso pensado, provocado a morte. ─ Isto salta aos olhos.

5. ─ O suicídio de Luís encontra justificativa no desvario em que o mergulhou a obstinação de Vitorina? ─ Sim, porque seu suicídio, provocado pelo amor, é menos criminoso aos olhos de Deus do que o do homem que quer livrar-se da vida por covardia.

OBSERVAÇÃO: Dizendo que esse suicídio é menos criminoso aos olhos de Deus, evidentemente significa que há criminalidade, posto que menor. A falta consiste na fraqueza que ele não soube vencer. É sem dúvida uma prova a que sucumbiu. Ora, os Espíritos nos ensinam que o mérito está em lutar vitoriosamente contra as provas de todo gênero, que são a essência da vida terrena.

Evocado num outro dia, foram feitas ao Espírito de Luís C… as seguintes perguntas, a que respondeu:

1. ─ Que pensais da ação que praticastes? ─ Vitorina é uma ingrata. Errei em matar-me por ela, pois ela não o merecia.

2. ─ Então ela não vos amava? ─ Não. A princípio pensou que sim, mas estava iludida. A cena que fiz abriulhe os olhos. Depois, sentiu-se feliz com esse pretexto para desembaraçar-se de mim.

3. ─ E vós a amáveis sinceramente? ─ Eu tinha paixão por ela. Acredito que era apenas isso. Se eu a amasse com puro amor, não teria querido magoá-la.

4. ─ Se ela soubesse que realmente queríeis matar-vos, ela teria persistido na recusa? ─ Não sei. Não creio, pois ela não era má. Entretanto, teria sido infeliz. Para ela foi melhor assim.

5. ─ Ao chegar à sua porta tínheis intenção de vos matar, caso fosse recusado? ─ Não. Nem pensava nisso. Não a supunha tão obstinada. Somente quando vi sua teimosia é que fui tomado por uma vertigem.

6. ─ Parece que não lamentais o suicídio senão porque Vitorina não o merecia. É vosso único sentimento? ─ Neste momento, sim. Ainda me acho perturbado. Parece-me estar à sua porta. Sinto, porém, algo que não posso definir.

7. ─ Compreendereis mais tarde? ─ Sim, quando estiver desembaraçado… O que fiz foi ruim. Deveria tê-la deixado tranquila… Fui fraco e sofro as consequências… Como vedes, a paixão leva o homem à cegueira e a cometer erros absurdos. Ele só compreende quando é tarde demais.

8. ─ Dissestes que sofreis as consequências. Qual a pena que sofreis? ─ Errei abreviando a vida. Não deveria tê-lo feito. Deveria resistir em vez de acabar com tudo prematuramente. Por isso sou infeliz. Sofro. É sempre ela que me faz sofrer. Parece-me estar ainda à sua porta. Que ingrata! Não me faleis mais nisto. Não quero mais pensar, pois isto me faz muito mal. Adeus.




Mediunidade: Espiritismo, a Umbanda e as demais religiões

Há pouco tempo, demonstrei, em artigo e em vídeo, que o motivo do nascimento da Umbanda se deu por conta de uma atitude absurda de um centro espírita que proibiu que se comunicassem Espíritos como os dos “pretos-velhos”, reconhecidos, na Umbanda, como uma de suas entidades. Pensavam, erradamente, que a mediunidade pertence ao Espiritismo. Triste realidade de uma doutrina distorcida, formada pela cooperação de grupos e indivíduos oriundos até mesmo do catolicismo e do protestantismo, que a estudavam, a despeito de suas religiões.

Imagem: pessoas de branco, com roupas da umbanda, religião onde se pratica a mediunidade e, muitas vezes, até se estuda o Espiritismo

Hoje, o Movimento Espírita, que acusa outras religiões de “misticismo”, também adota várias ideias místicas, em detrimento do conhecimento doutrinário existente.

Acontece que esse desentendimento se deu, de ambas as partes, pelo desconhecimento do que realmente seja o Espiritismo, que, naquela época, já se encontrava deturpado em solo brasileiro. Do lado dos espíritas, que quiseram ditar a verdade baseados em falsos conceitos, se houvessem conhecido o conteúdo da Revista Espírita, saberiam o quanto tal atitude seria descabida, já que Kardec demonstrou a utilidade de se evocar todos os Espíritos, com um detalhe: não para ouvi-los e neles se acreditar sem raciocinar, mas para poder estudar suas comunicações de forma psicológica.

Antes de continuar, preciso dizer que, se você acredita que sabe o suficiente e que não precisa saber de mais nada, este artigo não é para você. Caso contrário, se você tem o interesse de conhecer os fatos e, assim, julgar por sua própria consciência, continue comigo até o final.

Quero dizer, para que fique claro, baseando-me para isso no conhecimento adquirido pelo estudo: todos os Espíritos tem algo a ensinar, embora não da mesma maneira, da mesma forma que podemos aprender com as palavras dos sábios, que buscamos interiorizar, e com os exemplos dos criminosos, que buscamos não repetir. É assim que, por exemplo, Kardec e outros encontravam aprendizado em desde o Espírito-guia da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, São Luís, até no estudo do Espírito do trapeiro da rua Noyers, que assustava as pessoas do local e atirava pedras nas vidraças (leia Revista Espírita 1860 » Agosto » O trapeiro da rua de Noyers).

Dissidências

Infelizmente, com a dissidência, os primeiros fundadores da religião da Umbanda não se afastaram apenas do Movimento Espírita, com seus erros, mas também da Doutrina Espírita, que foi o resultado dos esforços conjuntos e colaborativos, coordenados por Allan Kardec, no estudo metodológico e sistemático de milhares de evocações, comunicações espontâneas e de fenômenos espíritas diversos. A Umbanda não foi o único caso.

Mas não estou aqui para apontar dedos para ninguém. Sou da opinião de que tudo foi se enrolando pela “força das coisas”, isto é, as pessoas apenas repetiam aquilo que eram ensinadas. Não é demais repetir: o Espiritismo, quando realmente ganhou força no território brasileiro, já chegou adulterado em princípios e bastante influenciado pelas ideias de Jean-Baptiste Roustaing, quem escolheu acreditar cegamente em Espíritos que alimentavam sua vaidade por declara-lo o “revelador das revelações” e quem rapidamente se voltou contra Kardec quando este buscou avisá-lo do perigo em assim proceder, ao invés de tomar o cuidado de questionar os Espíritos e sua própria razão. A própria FEB – Federação Espírita Brasileira – autoproclamada responsável pelos rumos do Espiritismo no Brasil, adotou princípios de Roustaing desde suas origens, e esse é um dos maiores motivos de as evocações terem sido abolidas neste país, influência essa que se espalha hoje sobre o mundo e que tornou o Movimento Espírita uma religião, muito afastada da ciência que em verdade é o Espiritismo.

Por conta desse afastamento do Espiritismo, substancialmente estigmatizado pelas ações, práticas e palavras dos “espíritas” brasileiros, inúmeras foram as dissidências do Movimento Espírita, ora para outras religiões, ora para a descrença. Mas, aqui, chegamos ao problema da questão: a mediunidade, para aqueles que a possuíam, quase nunca se interrompia pela saída do Movimento Espírita, que não a detém. Assim, quase sempre, passavam a viver a mediunidade da forma como sabiam e como podiam, afastados do conhecimento gerado por aquele trabalho colaborativo do qual Kardec foi o responsável, como era necessário ser naquele momento.

Estigma

Esse estigma, gerado pelo Movimento Espírita, fez com que, por muito tempo, e ainda hoje – infelizmente – pessoas de religiões como a Umbanda, que praticam a mediunidade, olhassem para Allan Kardec com preconceito e até com certa raiva, crendo, muitas vezes, que ele havia fundado uma religião onde pretendia se adonar da verdade. Nada mais falso, mas a verdade era muito difícil de ser alcançada por detrás de tantas falsas ideias que o Movimento Espírita cultivava (e ainda cultiva). Kardec nunca tomou para si a verdade. Seu papel foi de um pesquisador dedicado, que sempre buscou agir de forma impessoal, sempre pronto para modificar seus conceitos e suas hipóteses quando essas se mostravam erradas. Assim, pela observação sistemática e cuidadosa, feita em colaboração com incontáveis grupos e pessoas, foi possível estabelecer vários princípios doutrinários, que não são a verdade absoluta, mas que a razão indicam como os mais racionais e prováveis possíveis.

imagem: Allan Kardec, pesquisador responsável por coordenar os estudos, com uso da mediunidade, que permitiram a formação da Doutrina Espírita, ou Espiritismo

As entidades da Umbanda

Por detrás das nomenclaturas de raízes africanas, que muitos ainda estranham e estigmatizam, estão os Espíritos que se comunicam na religião da Umbanda. Abaixo de Olorum, os orixás da tradição iorubá são venerados como entidades superiores, e eles variam de acordo com cada ramificação da religião. Estes incluem Oxalá, Oxum, Oxóssi, Xangô, Ogum, Obaluaiê, Yemanjá, Oyá, Oxumaré, Obá, Egunitá, Yansã, Nanã e Omolu. Abaixo dos orixás, as entidades espirituais são agrupadas em linhas e falanges, abrangendo diversas categorias, como os Caboclos, que são os espíritos indígenas; os Pretos Velhos, que representam os espíritos dos antigos escravos brasileiros; os Exus, que são espíritos benevolentes e mensageiros dos orixás; as Pombas Giras, identificadas como damas da noite ou feiticeiras; e os Erês, que são espíritos infantis.

Como podemos ver, são apenas nomenclaturas, e nada mais que isso. Com Kardec se comunicavam ou eram evocados Paxás, Zuavos (que eram soldados africanos), supostos feiticeiros, etc. Quando mais esclarecidos, apresentavam-se desapegados das personalidades anteriores; quando menos, diziam se apresentar tal como eram ou como deles lembravam ou imaginavam.

É claro que não posso deixar de lembrar que a evocação com finalidade de curiosidade vazia ou brincadeira será retribuída pela presença de Espíritos de igual pensamento. As evocações sérias eram realizadas com a finalidade de desenvolver a Doutrina.

É a partir daqui que faremos a aproximação com o Espiritismo em sua realidade, sem imposições, já que, tratando-se a Umbanda de uma religião, é necessário reconhecer a liberdade de cada um acreditar naquilo que quiser, e como quiser.

A redescoberta do Espiritismo verdadeiro

O que pretendo demonstrar, enfim, é que a mediunidade praticada na Umbanda não difere da mediunidade praticada pelos espíritas, ou pelos católicos, pelos budistas, por qualquer religião, enfim, ou ainda por livres-pensadores, senão por um detalhe: crenças. E aqui, preciso ser enfático em repetir que o Espiritismo, estando, do ponto de vista espiritual, na própria Natureza, caracteriza-se assim por uma ciência natural, de forma que, para bem compreendê-lo, é necessário dedicação científica. Notem que aqui estou desvinculando o Espiritismo do Movimento Espírita: são duas coisas diferentes.

Pois bem: o mérito de Kardec e de todos aqueles que seriamente estudaram o Espiritismo em seus primeiros passos, foi o de analisar com metodologia e rigor científico os resultados das comunicações mediúnicas e dos fenômenos diversos, obtendo, como mencionei, uma teoria composta de diversos princípios doutrinários, exaustivamente verificados. Kardec, por exemplo, várias vezes questiona como o Espírito chegou ali tão rápido, não se satisfazendo com a primeira resposta. Foi possível, assim, compreender quem são os Espíritos; como se encontram após deixar o corpo material, pela morte deste, etc., o que deu origem posterior às demais obras de Kardec, incluindo “O Livro dos Médiuns ou Guia dos Médiuns e dos Evocadores”, um verdadeiro tratado prático sobre a ciência da comunicação com os Espíritos. Com isso, foi possível aos médiuns e aos estudiosos da época, que eram naturalmente provenientes de diversas religiões, fora os livres-pensadores, superarem diversos erros e se tornarem cada vez mais úteis na propagação de um conhecimento que a cada dia mais convertia ao bem e à fé raciocinada criminosos, depressivos em ponto de desespero, descrentes, etc.

Se você está me acompanhando, deve entender o que estou dizendo. É como afirmar: havendo os estudos sobre a física, que explica princípios como os da inércia, seria insensato praticar base jumping sem calcular a inércia que poderá fazer com que o indivíduo se arrebente ao chão, tomando os cuidados necessários para que isso não aconteça. Quando falamos em mediunidade, dizemos o mesmo.

Um exemplo de erros dos espíritas modernos é aquele dado no início, quando quiseram proibir a comunicação de um Espírito que tenha se apresentado sob tal nomenclatura. Outro: já foi demonstrado que não podemos acreditar cegamente no que dizem os Espíritos, pois eles não ganham a sabedoria por deixar o corpo físico, sendo necessário sempre raciocinar sobre o que dizem e, havendo qualquer margem para dúvida, é necessário investigar mais a fundo, inclusive pelas evocações, se necessário, caso a Doutrina já não forneça respostas suficientes para o assunto em questão.

Mais um exemplo: já foi demonstrado que não é possível dominar os Espíritos por meio de rituais, fórmulas ou objetos, e que os Espíritos maldosos frequentemente enrijecem ainda mais seus ataques quando se tenta fazê-lo. Isso é fruto desse estudo metodológico sobre incontáveis Espíritos. Kardec, aliás, tenta fazer um mau Espírito ir embora pela força das palavras e do nome de Deus, durante uma evocação, sem sucesso. Ainda assim, existem aqueles que escolham deliberadamente fazerem-se de surdos para esses fatos e que, não raro, terminam ampliando seus desgostos ou, às vezes, fazem descrentes, que não encontram solução para as suas perturbações, a despeito de todas as fórmulas, sinais, objetos e rituais utilizados.

Conclusão

É claro que Kardec não encerrou o Espiritismo. Muito pelo contrário: como cientista, sempre asseverou a necessidade de continuar os estudos. Contudo, para essa continuidade, são necessários todos os aspectos anteriormente destacados. Não basta ouvir opiniões isoladas dos Espíritos e tomá-las como verdade, e quem luta contra isso, no fundo, quer apenas sustentar suas próprias opiniões, vaidosamente cultivadas.

A reflexão, para terminar, é esta: nem os espíritas, nem os dissidentes, nem as demais pessoas, religiosas ou não, conhecem de fato o seja o Espiritismo atualmente, embora todos tenham condições de praticar a mediunidade. Por isso, sofrem de diversos enganos e efeitos maléficos, sendo o principal deles a obsessão e até a possessão, além da divulgação das falsas ideias que atrasam o desenvolvimento da humanidade. Muitas vezes, esses maus resultados são encontrados por pessoas de boa-fé, às quais bastaria o conhecimento. Outras vezes, são pessoas renitentes, que definitivamente não querem se abrir à possibilidade de admitir que estão erradas ou que não sabem de tudo – mas este artigo não é para elas.

Vamos, portanto, como na época de Kardec, auxiliar na recuperação desse conhecimento. Vamos aprender o que realmente é o Espiritismo, através do estudo da Revista Espírita de 1858 a 1869; vamos praticar uma mediunidade sadia, livre das falsas ideias diversas; vamos retomar, depois, as evocações, e então cooperar entre os grupos, como Kardec apresenta na Revista Espírita, não com a mediunidade restrita aos “centros espíritas”, como conhecemos hoje, mas sim com ela espalhada por pequenos grupos e grupos familiares, cada um deles um “centro”. Não importa a religião de cada um, à qual cada um tem direito: Espiritismo é fato natural, sendo acessível a todos.

Por muito tempo, o Movimento Espírita e a Umbanda foram guiados pelo misticismo, embora tenham , a seu dispor, um cabedal de conhecimentos tão ricos e sérios. Seja você participante do Movimento Espírita, ou de outra religião, ou, ainda, um livre-pensador que pretende conhecer os fatos, junte-se a esse esforço de recuperação. Esse é o convite.

Sugiro, como uma ótima leitura, a obra “Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo”, de Paulo Henrique de Figueiredo.

Obrigado por me acompanhar até aqui.




A história do Espiritismo e o Movimento Espírita

O Espiritismo na atualidade, ou, antes, aquilo que o Movimento Espírita conhece e transmite dele está muito longe de ser realidade, e isso é muito sério, pois é justamente por essas distorções que criaram-se as falsas ideias que repelem os indivíduos e criam brigas, não somente internas, mas também com as religiões espiritualistas.

Um caso muito conhecido é o da Umbanda, que foi criada por conta de um indivíduo ter sido proibido de “receber” um Espírito de um “preto velho” num centro espírita. Não somente isso: na atualidade, pessoas de quaisquer religiões que tenham algum interesse pelo Espiritismo são levadas à questão: “preciso abandonar minha religião para ser espírita?”. Isso porque “ser espírita”, na modernidade, é frequentar um centro espírita que, segundo falsos conceitos, é onde “mora” o Espiritismo.

Estou aqui para demonstrar o quão erradas estão essas concepções e que, longe de uma disputa de verdades, é possível haver união e que, em verdade, foi assim que se desenvolveu o Espiritismo.

A história do Espiritismo como quase ninguém conheceu

É lógico dizer que, antes que o Espiritismo se estabelecesse como doutrina, ninguém era espírita. Como foi possível, então, formar essa ciência, de aspecto filosófico e consequências morais?

Erra quem diz ou pensa que foi Allan Kardec quem criou o Espiritismo. Não: o Espiritismo está na natureza, assim como as demais ciências. Caberia a alguém estudar, com metodologia científica e seriedade, os princípios dessa ciência, e foi o que Kardec fez. Ele nunca se deu o direito de tomar para si a verdade, simplesmente porque, como cientista honesto, sabia que a ciência não lida com verdades, mas sim com teorias que mais se aproximam da verdade.

Assim, Kardec dedicou-se a estudar os fenômenos e as comunicações dos Espíritos, pela principal ferramenta disponível: as evocações, através dos médiuns. E ele não fez isso sozinho: naquela época, os grupos de estudos espalhavam-se pela França e outros países próximos e, em verdade, precederam Kardec nas evocações. Quando ele se interessou pelo Espiritismo, já haviam diversas evocações registradas em papel, por ele reunidas, analisadas e organizadas, o que deu origem à primeira edição de O Livro dos Espíritos, com cerca de metade do tamanho que teria em sua segunda edição.

Rapidamente Kardec percebeu que esse esforço inicial na Doutrina necessitaria de um desenvolvimento, como toda ciência. Assim, em 1858, nasceu a Revista Espírita — Jornal de Estudos Psicológicos, periódico mensal onde ele apresentava ao público resultados dos estudos sobre as evocações e as comunicações espontâneas no âmbito da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, além de conteúdos pertinentes, enviados por outros grupos. Também utilizava a Revista para reforçar a verdadeira face do Espiritismo, frequentemente apresentando contrapontos a opiniões e artigos carregados de desconhecimento e, por vezes, maldade.

Falamos em metodologia científica: bem, o Espiritismo nasceu como toda ciência: de uma observação sistemática e controlada sobre fatos verificáveis (embora não sob a nossa vontade), de onde se criaram hipóteses. Das hipóteses, se criou uma teoria, que então foi submetida a experimentos (evocações). Dos experimentos, verificaram-se os resultados e, daí, avaliava-se as hipóteses: se eram corroboradas, eram incorporadas à teoria; se não, eram reavaliadas e novas observações eram realizadas.

Inverdades

Uma das maiores inverdades que reinam sobre o Movimento Espírita atual é a de que as evocações não devem ser realizadas, o que está em oposto às características históricas do Espiritismo. Quem estuda o primeiro ano da Revista Espírita entende o quanto elas são indispensáveis para a ciência espírita, que, por ser uma ciência, não deve ser tomada como um conteúdo sagrado, que deva ficar intocado. Pelo contrário: o Espiritismo carece de desenvolvimento, mas esse desenvolvimento somente pode ser feito através da metodologia científica, que depende necessariamente da retomada das evocações. Um exemplo de uma prática ausente de método, ou tomada por falsos princípios, é a de que basta evocar um ou mais Espíritos, em um grupo isolado, e a ele perguntar (ou ouvir) sobre tudo, fazendo disso princípio doutrinário.

Outra grande inverdade é a suposição de que a mediunidade pertence à Doutrina Espírita. Tanto é, que demonstramos que o Espiritismo nasceu pelo esforço conjunto de grupos que não poderiam ser espíritas, já que a doutrina ainda não existia. Naquela época, pessoas de várias crenças e religiões praticavam a mediunidade em seus lares, em grupos pequenos, e colhiam bons ou maus resultados das evocações conforme seus empenhos em raciocinar sobre as comunicações. Kardec cita, na Revista, que os adeptos do Espiritismo contavam entre eles católicos, protestantes, muçulmanos, budistas, etc., realizando evocações e estudos e muitas vezes enviando-as à Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, onde, junto a outros colaboradores, eram avaliadas, analisadas e separadas aquelas que poderiam representar um interesse para o público geral.

Aqui, temos mais duas inverdades do Movimento Espírita moderno: aquela que diz que a mediunidade somente pode ser praticada no centro espírita e aquela que diz que devemos ficar apenas aguardando a livre comunicação dos Espíritos. Dessas, nasce talvez o maior erro dos espíritas e adeptos modernos: a aceitação cega e não raciocinada de tudo o que dizem os Espíritos.

Outra inverdade, que não podemos deixar de citar, é a que diz que o Espiritismo seja uma religião. Já demonstramos que ele é uma ciência e que só pode ser tomado como religião no sentido filosófico da religião natural, abordada de maneira metafísica e moral pelo Espiritualismo Racional, do qual já falaremos. Esse é o motivo de encontrar, na época de Kardec, adeptos entre as religiões, que não deixavam suas religiões, com suas particularidades, para praticar o Espiritismo. Sobre isso, fique conosco até o final, pois a compreensão é sobremaneira importante.

Infelizmente, o Movimento Espírita apagou a ciência e transformou o Espiritismo em uma religião, que passou a criar falsas ideias e dogmas que, se agradam alguns, agradam por algum tempo, mas não podem enfrentar a razão nos momentos mais críticos da vida, criando, assim, descrentes. Esqueceram que os Espíritos não se tornam sábios por deixarem o corpo material e que, dentre eles, existem bons e maus, sábios e ignorantes, etc., e que é sobretudo quando se coloca apenas à disposição, sem diálogo, que se apresenta qualquer um.

Existem inúmeras falsas ideias, que alimentam o Movimento Espírita e adeptos em geral, que não passaram pelo crivo necessário, que não foram investigadas e questionadas, ainda que fossem opostas àquilo que, com metodogia, foi transformado em princípio pela observação psicológica de milhares de Espíritos, de todos os “tipos”.

Convidamos o leitor, se ainda não fez, a iniciar o estudo da Revista Espírita de 1858 e 1859 (ela vai até maio de 1869). Essa publicação, que deve ser tomada como um laboratório onde se pode acompanhar o desenvolvimento da Doutrina Espírita, através do método destacado anteriormente, e não como uma ideia final em cada artigo, demonstra o que de fato é o Espiritismo e o quanto nossa sociedade está longe dessa realidade.

Notem que dizemos inverdades, e não “mentiras”, pois a maioria dos que as divulgam, falam do que foram ensinados. Mas de onde vieram essas inverdades?

A virada materialista do século XIX

O Espiritismo não nasceu do nada. O terreno foi muito bem preparado antes disso e, no início do século XIX, nascia o movimento conhecido como Espiritualismo Racional, que, baseados na metafísica, buscava estudar a psiquê humana pelo seu mais elementar e indissociável aspecto: a alma. Autores como Maine de Biran, Victor Cousin e Paul Janet foram seus principais expoentes.

Provavelmente você não sabe, mas o Espiritualismo Racional definiu as Ciências Morais francesas em meados desse século, fazendo parte do ensino francês e definindo sua estrutura. Deixarei informações na descrição. Mas o ER abordava esse estudo apenas pela metafísica, e não de forma prática. Como Espiritismo, que foi o seu desenvolvimento, nasce a Psicologia Experimental (e agora você sabe o porquê do subtítulo da Revista Espírita). Não entrarei em muitos detalhes, que podem ser encontrados no livro “Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo”, de Paulo Henrique de Figueiredo. A questão aqui é outra.

No final do século XIX, a filosofia materialista alemã sobrepujou a filosofia espiritualista francesa que, segundo alguns governantes, teria sido a razão do fracasso da França na guerra. O Espiritualismo Racional foi varrido para baixo do tapete e o Espiritismo, que já sofria com adulterações (já falaremos sobre isso) tomou o golpe final, sendo praticamente esquecido na França, na Europa e, depois, no mundo. Novos ícones da filosofia do nada e da psicologia materialista (por mais paradoxal que seja essa ideia), como Nietzche e Freud, foram tomados como ídolos, substituindo a psicologia espiritualista racional pela perspectiva da nulidade de esforços morais e do egoísmo.

Adulterações no Espiritismo

Detalhes muito interessantes sobre os acontecimentos após a morte de Allan Kardec podem ser colhidos nos livros “O Legado de Allan Kardec”, de Simoni Privato, e “Ponto Final”, de Wilson Garcia. Resumindo: o fatídico e inesperado evento abalou os espíritas por toda a parte, que custaram por retomar alguma força. Junto a isso, vieram guerras e, na Sociedade Espírita, o sucessor de Kardec, Pierre Gaetan Leymarie, colocava abaixo os princípios científicos doutrinário, expulsava velhinhos, em pleno inverno, de lares criados por Kardec para espíritas pobres, queimava correspondências cuidadosamente guardadas pelo Professor e, por interesses pessoais, admitia na Revista Espírita conteúdos oriundos da ideologia de Roustaing, já falecido, que se considerava o revelador das verdades, acreditando cegamente em um ou mais Espíritos obsessores que se comunicavam através de uma médium. Acabou-se o cuidado com a racionalidade, com a concordância geral das comunicações espíritas e, para jogar a última pá-de-cal no Espiritismo francês, Leymarie foi levado a julgamento por publicar conteúdos provenientes de um charlatão, naquilo que ficou conhecido como “Processo dos Espíritas”.

Por conta de todo esse cenário, o Espiritismo fortaleceu-se no Brasil já distorcido. As origens da FEB, instituição, que tomou a liberdade de se proclamar dirigente geral do Espiritismo no Brasil, aliás, são completamente ligadas a essas distorções. A FEB foi fundada e guiada pelos princípios de Roustaing por longo tempo (leia Ponto Final, de Wilson Garcia). Esse é o principal motivo das distorções do Movimento Espírita brasileiro.

Somado a isso, a Revista Espírita somente veio ser traduzida na década de 1950. Aqui, formaram-se diversas falsas ideias, sendo, como demonstramos, o pressuposto de não julgar as comunicações e não evocar Espíritos para investigações as mais danosas delas.

A retomada

Quando falamos em retomar o Espiritismo, falamos em retomá-lo como ciência. Para isso, é necessário conhecimento, nascido do estudo, seriedade, vontade, propósito e colaboração. A mediunidade, que não pertence à Doutrina Espírita nem ao Movimento Espírita, pode ser praticada por todos, fora dos centros espíritas, inclusive. As evocações são necessárias e salutares, mas, aqui, precisamos alertar sobre alguns princípios da ciência dos Espíritos.

A Doutrina Espírita, como ciência, tem o mérito de ter produzido um conhecimento sobre a observação dos fenômenos e das comunicações dos Espíritos, espalhadas pelo mundo. Não nasceu do cérebro de Kardec, mas, sim, de milhares de evocações e de fatos, analisados de maneira científica. Repetimos muito isso, pois esse entendimento é substancial.

Já no tempo de Allan Kardec, a mediunidade era praticada por toda parte. De início, com muitos erros; depois, conforme o conhecimento foi se estabelecendo, cada vez tomou mais seriedade e mais racionalidade, restando apenas dissidentes e renitentes que, não querendo observar os princípios científicos e levados pelo amor-próprio, insistiam em erros banais, que quase sempre os levavam a obsessões. Citamos, há pouco, Roustaing, que, preferindo acreditar cegamente nas palavras de Espíritos que lhe alimentavam o ego, prontamente se virou contra Kardec quando este buscou alertá-lo. É como Ícaro, que, alertado de que não poderia se aproximar do sol sem se queimar, alimentado de ego por suas asas, ignorou os alertas e terminou queimado.

Esse alerta geral vem em encontro à finalização deste importante chamamento: o Espiritismo precisa ser retomado, e isso depende de conhecimento e de cuidados. As evocações precisam ser retomadas. A doutrina dos Espíritos precisa voltar a ser desenvolvida pelos pequenos grupos, cooperando entre si. Esse era o rumo que Kardec buscava dar à ao Espiritismo, pouco antes de sua morte (leia Revista espírita — 1868 > Dezembro > Constituição transitória do Espiritismo), onde o Espiritismo passaria a ser desenvolvido pelos grupos espalhados, coordenados entre si, observando os princípios já estabelecidos pelo método. Pessoas de quaisquer religiões podem fazê-lo, pois a mediunidade não pertence ao Movimento Espírita. O centros precisam voltar a ser centros de estudos, sérios, controlados. Ao retomar as evocações, é evidente que enfrentaremos desafios diferentes; é lógico supor que muitos encontrarão dificuldades e outros tantos cairão no erro da vaidade e do personalismo, lutando para estabelecerem falsas ideias, como já acontece. Infelizmente, os encontraremos sobretudo no Movimento Espírita. Mas são desafios que serão enfrentados e, se o forem com o conhecimento doutrinário já existente, serão rapidamente superados, se é que virão a existir.

Vislumbremos um novo futuro, onde não se briga entre religiões, mas onde indivíduos e grupos cooperam com a restauração das evocações com um propósito maior: o da retomada do desenvolvimento do Espiritismo. Retomaremos o Espiritismo nos lares, como na época de Kardec, onde evocações familiares consolavam, ensinavam e, por vezes, representavam interesse doutrinário. Serão espíritas, ou seus adeptos, pessoas de quaisquer religiões, quaisquer credos, ou mesmo descrentes, que, com o firme propósito de aprender e com a plena consciência de não serem os detentores da verdade, buscarão, pelas evocações e pela colaboração, restaurar o caminho momentaneamente interrompido do Espiritismo, doutrina capaz de revolucionar ideias e, assim, transformar indivíduos, famílias, grupos e, por fim, o mundo. A verdade não pertence a ninguém, mas as teorias que mais se aproximam dela poderão ser encontradas por aquela máxima expressa por Allan Kardec, representando o método científico no Espiritismo:

Generalidade e concordância no ensino, esse o caráter essencial da doutrina, a condição mesma da sua existência, donde resulta que todo princípio que ainda não haja recebido a consagração do controle da generalidade não pode ser considerado parte integrante dessa mesma doutrina. Será uma simples opinião isolada, da qual não pode o Espiritismo assumir a responsabilidade.

Essa coletividade concordante da opinião dos Espíritos, passada, ao demais, pelo critério da lógica, é que constitui a força da doutrina espírita e lhe assegura a perpetuidade.

Allan Kardec – A Gênese

Contamos com seus comentários abaixo.




Espiritismo e Ciência: superando desafios e erros modernos

O Espiritismo, como ciência de aspecto filosófico e consequências morais ((O Espiritismo somente pode ser visto como religião do ponto de vista filosófico, disse Kardec, justamente se baseando na filosofia de então, o Espiritualismo Racional, de onde o Espiritismo se desenvolveu.)), formada através do método científico, vive desafios de todos os lados. Colocado em figura, parece-se com a mais bela flor, do mais suave perfume e das maiores propriedades curativas, abafadas pelos espinhos e pelas ervas-daninhas.

Surgem de todos os lados as mais diversas dificuldades, nascidas principalmente de uma falta de empenho, de zelo e de cuidado. Sob essa nomenclatura, admitem quaisquer tipos de ideias, provenientes da boca ou da intermediação mediúnica de indivíduos tornados ícones inquestionáveis. Não bastasse isso, ausentes de conhecimento sobre o que seja ciência e sobre o necessário método científico, responsável justamente pela força inatacável da Doutrina nascida dos estudos coordenados por Allan Kardec, a maioria dos pesquisadores modernos promove, no meio espírita, novas ideias, novas teorias, distraindo-se do ponto essencial: as evocações, produzindo ensinamentos concordantes entre si, então submetidos à análise racional, frente à ciência humana e frente àquilo que já havia sido construído pelo mesmo método.

Método Científico

Retomemos, por um momento, a questão da definição do método científico, exemplificado na figura em anexo. Para quem se dedicou a estudar pelo menos o primeiro ano da Revista Espírita (1858), ficará muito fácil identificar os mesmos passos tomados por Kardec:

  • a observação sistemática e controlada de certos fenômenos e, depois, das evocações;
  • a verificação de fatos identificados;
  • a investigação de hipóteses, que formam uma teoria, coesa em si mesma, de onde se obtêm implicações, conclusões e previsões;
  • a realização de experimentos, através das evocações, de onde se obtém novas observações, analisadas racional e logicamente;
  • daí, a observação de novos fatos, que corroborarão ou não com a teoria;
  • por final, agregar os resultados dessas observações à teoria científica, se corroborarem com ela, ou reciclar hipóteses, realizando novas observações e percorrendo, novamente, o mesmo método.
Exemplificação do método científico

Um fato muito notável, que denota o rigor científico de Kardec e o seu compromisso indissolúvel com a ciência verdadeira, é que ele nunca se apegou a qualquer ideia no estudo do Espiritismo. Quem passou sobre o estudo da Revista Espírita de 1858 e 1859 já compreende isso muito bem. Um exemplo disso é o estudo tratado principalmente a partir da RE de julho de 1859, iniciando no artigo O Zuavo de Magenta e concluído (pelo menos de momento) nos artigos do mês seguinte. Destacamos o estudo no artigo Materialidade de Além-Túmulo.

E é justamente nesse ponto, o do apego às ideias, somados à ausência do método necessário, que erra a imensa maioria dos pesquisadores modernos do Espiritismo.

O erro do movimento espírita moderno

O grande problema surge a partir do momento em que, abandonando o método científico indispensável para a ciência espírita, o Movimento Espírita passou a admitir teorias contrárias aos princípios já solidificados pelo mesmo método, tais como as ideias de colônias espirituais, umbral, etc., caindo no erro mais básico do espírita empolgado: crer cegamente nas opiniões dos Espíritos.

Não dizemos que o Espiritismo, estudado por Kardec, já tenha observado tudo o que há para ser observado. É claro que não. O que dizemos é que o movimento espírita moderno criou um grande conjunto de teorias que não podem enfrentar o método científico, porque não passaram por ele!

Encontramos, muito frequentemente, mesmo aqueles pesquisadores dedicados e de boa vontade — não tomaremos deles esse ímpeto verdadeiro — que, contudo, apegam-se às mais diversas ideias e que muito rapidamente se mostram irritado pela contradita daquilo que, cientificamente, faz parte dos princípios doutrinários do Espiritismo.

A base da metodologia indispensável no Espiritismo

Retomemos, aqui, o que está destacado em nossa página inicial – uma citação de Allan Kardec em A Gênese:

Generalidade e concordância no ensino, esse o caráter essencial da doutrina, a condição mesma da sua existência, donde resulta que todo princípio que ainda não haja recebido a consagração do controle da generalidade não pode ser considerado parte integrante dessa mesma doutrina. Será uma simples opinião isolada, da qual não pode o Espiritismo assumir a responsabilidade.

Essa coletividade concordante da opinião dos Espíritos, passada, ao demais, pelo critério da lógica, é que constitui a força da doutrina espírita e lhe assegura a perpetuidade.

Allan Kardec — A Gênese

A afirmação acima destacada, feita por Kardec, não é mero fruto de uma sistematização pessoal. Muito pelo contrário: ela representa o método científico necessário para o estudo e o desenvolvimento do Espiritismo. Não basta que um mesmo princípio seja consagrado pela generalidade (o que requer o emprego das evocações, porque não basta que apenas nos coloquemos no papel de ouvir e aceitar o que dizem os Espíritos); não: é necessário, além disso, que essa coletividade concordante da opinião dos Espíritos seja passada pelo critério da lógica, o que quer dizer confrontá-la frente à ciência humana e o método científico, para que, apenas assim, possa ser tomada como princípio do Espiritismo.

Note, ademais, o termo “opinião” utilizado por Kardec, não por acaso: o que dizem os Espíritos, através das comunicações mediúnicas, são opiniões próprias, nascidas de seus conhecimentos e suas próprias observações, quando não são frutos de uma deliberada intenção de mistificar, isto é, promover falsas ideias. Acontece nos melhores grupos. As opiniões dos Espíritos, como as opiniões dos seres humanos, podem estar carregadas de crenças, falsas ideias, pouco conhecimentos, ilusões, etc. Como, então, analisá-las de forma científica? Através da observação psicológica dessas comunicações.

As nuances em uma ciência psicológica

Quem já estudou pelo menos os dois primeiros anos da Revista Espírita nota que, ainda ao final do segundo ano, Kardec continua frequentemente questionando ao Espírito comunicante como ele chegou ali, como ele se apresenta, como ele vê outros Espíritos, etc. Se uma resposta destoar da teoria científica ou trouxer novos fatos, será investigado pelas evocações e segundo o método científico — o que não é realizado hoje em dia.

Kardec investigou, dentre tantas coisas, a questão da dor no Espírito. Houve aqueles que afirmaram sentirem frio ou calor; dores; fome; vermes roendo seu corpo, etc. Foi pelo estudo dedicado, pela análise racional nas nuances psicológicas dessas comunicações, que Kardec chegou a diversos princípios científicos doutrinários. Um exemplo disso é a comunicação do Espírito do assassino Lemaire na RE de março de 1858:

6. Imediatamente após a tua execução, tiveste consciência de tua nova existência? — Eu estava mergulhado numa perturbação imensa, da qual ainda não saí. Senti uma grande dor; parece que meu coração a sentiu. Vi qualquer coisa rolar ao pé do cadafalso. Vi o sangue correr e minha dor tornou-se mais pungente.

Kardec poderia facilmente, não fosse seu rigor científico, admitir que o Espírito sofria materialmente de uma dor no coração. Mas ele investiga:

7. Era uma dor puramente física, semelhante à causada por uma ferida grave, como, por exemplo, a amputação de um membro? — Não. Imagina um remorso, uma grande dor moral.

Poderíamos citar uma enorme diversidade de casos que ilustram esse princípio científico, mas deixamos a cargo da curiosidade sadia do leitor o propósito de estudar a Doutrina que abraça.

O Espiritismo precisa de defesa

Deixar de lado o método científico é um grande erro da maior parte dos pesquisadores modernos do Espiritismo, que visa construir novos princípios doutrinários sem passar por esse processo, quando deveria estar não só praticando as evocações, frente ao estudo dedicado da Revista Espírita, como também deveria estar a todo tempo incitando o movimento espírita a fazê-lo.

Por não fazê-lo, jogam mais uma pá de cal sobre o Espiritismo, produzindo, dele, uma má impressão e uma falsa ideia ante o meio científico, que não o reconhece como algo nascido da ciência, mas como uma mera crendice supersticiosa ou uma religião. Não são raras as vezes em que me deparo com alegações de pessoas que, não tendo tido a chance de conhecer o que realmente seja o Espiritismo, dele se afastaram por não poder admitir, pela razão, que, por exemplo, um Espírito tenha que tomar um ônibus voador para se locomover.

Temos muito a fazer e você já deve ter percebido que o primeiro passo é estudar.