Onde fica o umbral? E Nosso Lar? Esses lugares existem?

O umbral e “Nosso Lar” existem? Onde fica? Resposta curta: não existem como as pessoas acreditam, por falta de conhecimento do Espiritismo. Mas, como isto é um grupo de estudos, você não deve simplesmente aceitar esta resposta, sem raciocinar, da mesma forma que não deve aceitar as ideias isoladas de quaisquer Espíritos, seja pelo médium que for.

Por que é que muitos Espíritos, antes do Espiritismo ou sob outras religiões, dizem que, depois da morte, se constataram no Inferno? Por que é que, na época dos romanos, os Espíritos diziam estar no Tártaro? Por que é que os Espíritos que conheceram o Espiritismo (esse distorcido) dizem que se constataram no umbral ou no vale dos suicidas, e não no inferno? É muito claro que isso se deve às suas próprias concepções, porque, se um ou outro fossem uma realidade, haveria, sempre, uma uniformidade nas ideias apresentadas pelos Espíritos, em todo o tempo e por toda a parte.

Portanto, é fácil notar que se tratam de concepções do imaginário. São uma abominação? É claro que não: fazem parte da nossa evolução. Contudo, o Espiritismo não veio para continuar essas ideias, de uma maneira mais agradável: veio para apresentar a realidade, ajudando o ser humano a se desfazer dessas concepções limitantes e que atrasam o seu passo. Ora, é fato que o Espiritismo tem esse propósito de alavancar o progresso, como toda ciência, pois, se não fosse assim e sendo o Espírito imortal, poderia Deus, em suas Leis, deixar que cada um chegue ao progresso através das infinitas encarnações, aprendendo por tentativa e erro, apenas, e sem nenhum suporte. Mas Ele, sendo todo bondade, nos confere as ferramentas, sendo a maior delas a inteligência e a razão; cabe a nós utilizá-las ou não, segundo nossa vontade.

O papel do médium

O papel do médium é não interferir na comunicação de um Espírito e, através dele, podem se comunicar qualquer tipo de Espíritos, dependendo da circunstância e do propósito, seja do médium, seja dos Espíritos superiores. Já o papel do estudioso é analisar e julgar essas comunicações, com base na ciência já adquirida e no crivo da razão((Leia o artigo “O papel do pesquisador e do médium nas comunicações com os Espíritos“)).

Após a morte de Kardec e com todo o desvio que o Movimento Espírita tomou, principalmente com a verdadeira plantação de joio que foram as ideias de Roustaing, os espíritas, afastados dos estudos, deixaram de raciocinar e começaram a permitir que diversas ideias, sem base doutrinária, passassem a inundar o imaginário dos adeptos da Doutrina. Assim, conceitos fantásticos e supersticiosos começaram a transformar lenta e progressivamente o Movimento que, hoje, se apresenta como uma religião, repleta de dogmas e falsos conceitos.

O que existe no Espiritismo

Ora, prezado leitor, está lá em O Livro dos Espíritos a seguinte conclusão, apresentada na pergunta 1012 de O Livro dos Espíritos:

1012((Nota dos Revisores: Note-se que, na numeração dos itens do livro, Kardec salteou o n.° 1011. Apesar do lapso evidente, o texto foi mantido assim nas quatorze edições que se seguiram até a desencarnação de Allan Kardec. Para evitar confusões, a presente edição não procurou “acertar” a numeração.)). Haverá no universo lugares circunscritos para as penas e gozos dos Espíritos, segundo seu merecimento? 

“Já respondemos a essa pergunta. As penas e os gozos são inerentes ao grau de perfeição dos Espíritos. Cada um tira de si mesmo o princípio de sua felicidade ou de sua desgraça. E como eles estão por toda parte, nenhum lugar circunscrito ou fechado existe especialmente destinado a uma ou outra coisa. Quanto aos encarnados, esses são mais ou menos felizes ou desgraçados, conforme seja mais ou menos adiantado o mundo em que habitam.”

a) — De acordo, então, com o que vindes de dizer, o inferno e o paraíso não existem, tais como o homem os imagina?

“São simples alegorias: por toda parte há Espíritos ditosos e desditosos. Entretanto, conforme também já dissemos, os Espíritos de uma mesma ordem se reúnem por simpatia; mas podem reunir-se onde queiram, quando são perfeitos.”

A localização absoluta das regiões das penas e das recompensas só na imaginação do homem existe. Provém da sua tendência a materializar e circunscrever as coisas, cuja essência infinita não lhe é possível compreender.

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1860

Está muito claro que os lugares, no mundo dos Espíritos, não existem por si. São meras alegorias e, principalmente, estados de consciência. O Espírito feliz está “no céu”, enquanto o Espírito infeliz e sofredor está “no inferno” de sua própria consciência.

Notemos, porém, um detalhe importante, na pergunta 1012-a: “Entretanto, conforme também já dissemos, os Espíritos de uma mesma ordem se reúnem por simpatia“. Isto quer dizer que, conforme suas ideias e seus estados de evolução, os Espíritos podem se reunir. Ora, sabendo que os Espíritos menos evoluídos se prendem aos conceitos da matéria e sabendo que, pela ação da vontade, o Espírito pode atuar sobre a matéria fluídica, proveniente do Fluido Cósmico Universal, é fácil conceber que, em conjunto, os Espíritos sofredores reunidos possam criar verdadeiras paisagens infernais ou purgatoriais, que, contudo, existem apenas enquanto esses Espíritos as plasmarem, isto é, não são lugares que os precedem, mas que existem apenas como criações desses agrupamentos de inteligências.

Também não podemos esquecer que nós, mentalmente, somos capazes de criar verdadeiras ilusões, em razão de nossas ideias, crença, medos, etc. Portanto, é fácil entender quando um Espírito sofredor se diz machucado, com fome, sede ou mesmo cansado.

Importante: os Espíritos, no Espiritismo, foram categóricos a esse respeito: não existem lugares circunscritos. Por outro lado, sobre outros conceitos, eles disseram: “calma. Isso não pode ser entendido ainda. Aguarde o desenvolvimento da Doutrina”. Isso demonstra que é falsa a ideia de que tais conceitos não puderam ser ensinados naquele tempo (o que nem sequer faz sentido).

Não paremos por aqui, porém. Em julho de 1858, no artigo “O tambor de Berezina“, Kardec faz as seguintes perguntas, após realizar uma série de indagações tentando compreender o estado moral e racional daquele Espírito, que foi um soldado em sua última encarnação:

28. ─ Vês outros Espíritos ao teu redor? ─ Sim, muitos.

29. ─ Como sabes que são Espíritos? ─ Entre nós, vemo-nos tais quais somos.

30. ─ Com que aparência os vês? ─ Como se podem ver Espíritos, mas não pelos olhos.

31. ─ E tu, sob que forma aqui estás? ─ Sob a que tinha quando vivo, isto é, como tambor.

32. ─ E vês os outros Espíritos com as formas que tinham em vida? ─ Não. Nós não tomamos uma aparência senão quando somos evocados. Fora disso vemo-nos sem forma.

A última resposta foi bastante interessante, mas, até o momento, era apenas a opinião de um Espírito. Digno de nota, a metodologia de Kardec, sondando os assuntos de interesse, ao invés de fazer perguntas diretas que poderiam ser respondidas de forma enviesada. Então, em setembro do mesmo ano, no artigo “Palestras de além-túmulo — Senhora Schwabenhaus. Letargia Extática“, Kardec faz as seguintes perguntas, obtendo as seguintes respostas. Notem bem:

29. ─ Sob que forma estais entre nós? ─ Sob minha última forma feminina.

30. ─ Vós nos vedes tão distintamente quanto se estivésseis viva? ─ Sim.

31. ─ Desde que aqui vos encontrais com a forma que tínheis na Terra, é pelos olhos que nos vedes? ─ Não, o Espírito não tem olhos. Só me encontro sob minha última forma para satisfazer às leis que regem os Espíritos quando evocados e obrigados a retomar aquilo a que chamais perispírito.

Vejamos, então: já são dois os Espíritos, de elevações diferentes, além daquele que respondeu às perguntas de OLE, dizendo a mesma coisa: para o Espírito liberto da matéria, não há forma, como a que compreendemos. Eles assumem o perispírito, atendendo a uma lei naturalapenas quando precisam agir materialmente, quando, por exemplo, se aproximam de nós para se comunicar (com materialmente quero dizer: eles precisam assumir o perispírito para poder se colocar em comunicação conosco, o que, antes de tudo, se dá através dessa “roupagem”).

O ensinamento geral e a razão

Kardec sempre destacou, como método indispensável à formação da ciência espírita, o duplo controle da razão e do ensinamento geral dos Espíritos. Mas não é só: o ensinamento, destaca Kardec, quando deve ser espalhado, é dado simultaneamente sobre vários pontos do globo. Os conceitos ora apresentados, contudo, não se estabeleceram dessa forma: eles foram trazidos por um Espírito ou médium, em uma época, e, com o passar do tempo, começaram a ser admitidos por outros indivíduos, que passaram a reproduzí-los. É como se fosse uma pirâmide invertida, no tempo: atualmente, a partir de uma construção de teorias ilusórias do passado, uma série de outras foram desenvolvidas, em contrário à própria Doutrina Espírita e recuperando diversos conceitos das velhas religiões.

“Mas eu vi em viagem astral”

Para o estudioso da Doutrina, é muito claro que as ideias do indivíduo tem papel fundamental naquilo que vê e conforme sua mente física interpreta essas “visões”.

Kardec, em A Gênese, cap. XIV, destaca que:

27. ​A visão espiritual é necessariamente incompleta e imperfeita entre os Espíritos encarnados e, por consequência, sujeita a aberrações. Tendo sede na própria alma, o estado desta deve influir sobre as percepções. Conforme o grau de seu desenvolvimento, as circunstâncias e o estado moral do indivíduo, ela pode dar, seja no sono, seja no estado de vigília: 1.º) a percepção de certos fatos materiais reais, como o conhecimento de ocorrências que se passam ao longe, os detalhes descritivos de uma localidade, as causas de uma doença e os remédios convenientes; 2.º) a percepção de coisas igualmente reais do mundo espiritual, como a visão dos Espíritos; 3.º) imagens fantásticas criadas pela imaginação, análogas às criações fluídicas do pensamento (veja acima, no 14). Essas criações estão sempre em relação com as disposições morais do Espírito que as cria. É assim que o pensamento de pessoas fortemente imbuídas e preocupadas com certas crenças religiosas lhes apresenta o inferno, suas caldeiras, suas torturas e seus demônios, do modo que elas mesmas imaginam: é por vezes toda uma epopeia; os pagãos vendo o Olimpo e o Tártaro, como os cristãos veem o inferno e o paraíso. Se, ao despertar ou sair do êxtase, essas pessoas conservam uma lembrança precisa de suas visões, consideram-nas como realidade e confirmação de sua crença, embora sejam apenas o produto dos próprios pensamentos. É preciso fazer uma distinção muito rigorosa das visões estáticas antes de aceitá-las. Nesse sentido, o remédio para a excessiva credulidade é o estudo das leis que regem o mundo espiritual.

28. ​Os sonhos propriamente ditos apresentam as três naturezas de visões descritas anteriormente. Às duas primeiras pertencem os sonhos de previsão, pressentimentos e advertências. Na terceira, isto é, nas criações fluídicas do pensamento pode-se encontrar a causa de certas imagens fantásticas, que nada têm de real em relação à vida material, mas que têm, para o Espírito, uma realidade tal que o corpo sofre um impacto, como se tem visto cabelos embranquecerem sob a impressão de um sonho. Essas criações podem ser provocadas por crenças exaltadas, lembranças, gostos, desejos, paixões, medo, remorsos, preocupações habituais, necessidades do corpo ou mal-estar relativo às funções do organismo; enfim, por outros Espíritos, com objetivo benévolo ou malévolo, conforme sua natureza.

Quer dizer, prezado leitor, que, conforme a ciência espírita, os lugares, no mundo dos Espíritos, não passam de falsos conceitos. Infelizmente, caídos na curiosidade novidadeira e ausentes desses alicerces, os Espíritas passaram a admitir os frutos das ideias isoladas de certos Espíritos como se fossem a plena verdade.

Resta afirmar, portanto, que não existe umbral, não existe vale dos suicidas e não existem colônias espirituais como acreditamos: existem Espíritos que se reúnem, segundo suas ideias, e que, quanto mais distraídos do propósito do intervalo entre as encarnações, que deveria ser o de refletir e aprender, reforçando sua vontade para vencer suas imperfeições na próxima encarnação, criam cenários “materiais”, replicando os hábitos terrestres, o que constitui, para eles, um verdadeiro atraso em direção à felicidade.

Ensinar os falsos conceitos de umbral, vale dos suicidas, hospitais espirituais, etc., que são a representação externa do sofrimento moral, é deixar de ensinar o que realmente importa: a análise dos próprios erros e acertos, a compreensão de que tudo depende da própria vontade e a necessária ação para a própria evolução. Para um Espírito que sofre, e para nós mesmos, digamos: qualquer sofrimento ou necessidade fisiológica, no mundo espiritual, são sensações FALSAS, uma espécie de repercussão moral((ver O Livro dos Espíritos, segunda parte, cap. VI, item 257)) . Ora, é conclusão de Kardec que a morte do corpo provoca a saída do Espírito, se desligando, o perispírito, célula a célula((ver A Gênese, cap. XI)). Desde que todas as células estão mortas e o perispírito “solto” (o que não vai levar mais do que 24 horas após a morte cerebral) não existe nenhuma repercussão do corpo para o Espírito, senão por uma externalização de um sofrimento moral!

Portanto, você não vai passar “pelo umbral”, mas terá, sim, que enfrentar sua própria consciência, uma hora ou outra, e sua consciência, dependendo de como estiver e dos conceitos que carregar, poderá lhe indicar muito claramente o caminho de reajuste, ou então poderá lhe fixar em estados de perda de tempo. O céu ou o inferno estará em sua própria consciência. Portanto, cuide de aprender o Espiritismo e tirar, dele, as consequências morais em reforço à sua própria vontade. Assim alcançará, mais cedo, a felicidade almejada, que não é viver numa casinha aconchegante numa colônia espiritual onde os Espíritos se preocupam em trabalhar para ganhar dinheiro em troca, mas, sim, a possibilidade de agir no bem, através do espaço infinito, fazendo a sua parte na criação divina.

E não se engane: o Espírito se transporta pelo pensamento, onde quer que ele projete esse pensamento. Não precisa de ônibus voador.

Onde está a chave para entender tudo isso, então?

Está em A Gênese, de Allan Kardec. Leia com atenção:

14. Os Espíritos agem sobre os fluidos espirituais, não os manipulando como os homens manipulam os gases, mas com a ajuda do pensamento e da vontade, que são para o Espírito o que a mão é para o homem. Pelo pensamento, eles imprimem no fluido essa ou aquela direção; eles os aglomeram, combinam ou dispersam e formam conjuntos com uma aparência, uma forma, uma cor determinada; mudam suas propriedades, como um químico muda as de um gás ou de outros corpos, combinando-os segundo certas leis. É a grande oficina ou laboratório da vida espiritual.

Algumas vezes, essas transformações são o resultado de uma intenção, mas frequentemente são o produto de um pensamento inconsciente, pois basta o Espírito pensar numa coisa para que ela seja feita.

É assim, por exemplo, que um Espírito se apresenta à vista de um encarnado, dotado da vista espiritual, sob a aparência que tinha quando estava vivo, na época em que o conheceu, embora já tenha tido várias outras encarnações. Ele se apresenta com as vestes, os sinais externos, enfermidades, cicatrizes, membros amputados, etc. que tinha; um decapitado se apresentará sem a cabeça. Não digo que tenham conservado tais aparências; não, certamente, porque, como Espírito, ele não é coxo nem maneta, nem caolho nem decapitado. Mas seu pensamento, se reportando à época em que era assim, seu perispírito toma instantaneamente essa aparência, a qual muda também instantaneamente. Se ele havia sido uma vez negro e outra vez branco, ele se apresentará como negro ou como branco, de acordo com qual das duas encarnações ele seja evocado e para onde vá seu pensamento.

Por um efeito análogo, o pensamento do Espírito cria fluidicamente os objetos que estava habituado a utilizar. Um avaro manejará ouro; um militar terá suas armas e seu uniforme; um fumante, seu cachimbo; um trabalhador, sua charrua e seus bois; uma velha mulher, sua roca. Esses objetos fluídicos são tão reais para o Espírito quanto seriam no estado material para o homem encarnado. Mas, pelo fato de serem criados pelo pensamento, sua existência é tão efêmera quanto ele [o pensamento].

É muito fácil compreender, portanto, aquilo que dissemos: “por que existe? Porque acreditam”. Precisamos reconhecer, portanto, a necessidade de compreender e de separar o que á falso do que é verdadeiro, porque, a partir do momento em que alguém diga que, no mundo dos Espíritos, existem bichos-papões comedores de criancinhas, ou Espíritos que vampirizam o fluido perispiritual dos encarnados (o que não pode acontecer, conhecendo o princípio das leis universais que regem matéria e Espírito), e que as pessoas passem a, irrefletidamente, acreditar, sem raciocinar, nesses conceitos, elas próprias, depois de morrerem, a depender de seu estado de consciência, fabricarão suas próprias assombrações, isto é, pela ação do pensamento, criarão tais imagens e, então, em suas comunicações mediúnicas, reproduzirão as mesmas ideias, provavelmente aumentadas aqui e ali, afinal, “quem conta um conto, aumenta um ponto”.

Entende o problema, amigo leitor?

Vídeo explicativo, com Paulo Henrique de Figueiredo

Conclusão

Com tudo isso, estamos dizendo que Chico Xavier estava errado? NÃO, pelo princípio de Chico Xavier ser apenas o médium. Contudo, André Luiz, que nem sequer era uma pessoa espiritualista, na Terra, apresentou a sua verdade das coisas, segundo suas concepções. E, desde que essa opinião não encontra base doutrinária e racional, não pode fazer parte do Espiritismo.

É importante destacar, porém, que, se tais criações existem, é porque Deus permite. Na verdade, isso é algo ligado à própria benevolência divina, que garante, a cada um, o desenvolvimento gradual e sem choques. No artigo “Sobre os Espíritos que se creem ainda vivos”, da Revista Espírita de 1864, consta uma importante comunicação espiritual, da qual tiramos o seguinte trecho:

Nem tudo é prova na existência; a vida do Espírito continua, como já vos foi dito, desde seu nascimento até o infinito; para uns a morte não é senão um simples acidente que não influi em nada sobre o destino daquele que morre. Uma telha caída, um ataque de apoplexia, uma morte violenta, muito frequentemente, não fazem senão separar o Espírito de seu envoltório material; mas o envoltório perispiritual conserva, pelo menos em parte, as propriedades do corpo que acaba de sucumbir. Num dia de batalha, se eu pudesse vos abrir os olhos que possuis, mas dos quais não podeis fazer uso, veríeis muitas lutas continuarem, muitos soldados subir ainda ao assalto, defender e atacar os redutos; vós os ouviríeis mesmo produzir seus hurras! e seus gritos de guerra, no meio do silêncio e sob o véu lúgubre que segue um dia de carnagem; o combate acabou, eles retornam aos seus lares para abraçar seus velhos pais, suas velhas mães que os esperam. Algumas vezes, esse estado dura muito tempo para alguns; é uma continuação da vida terrestre, um estado misto entre a vida corpórea e a vida espiritual. Por que, se foram simples e sábios, sentiriam o frio do túmulo? Por que passariam bruscamente da vida para a morte, da claridade do dia à noite? Deus não é injusto, e deixa aos pobres de Espírito esse gozo, esperando que vejam seu estado pelo desenvolvimento de suas próprias faculdades, e que possam passar com calma da vida material à vida real do Espírito.

Vemos, portanto, que a existência de tais “lugares” é um fato, permitido pela benevolência divina, àqueles que ainda não estão desenvolvidos para compreender algo acima e fora da matéria e das necessidades materiais.

Finalizamos lembrando aquilo que está estampado em nossa página inicial:

Generalidade e concordância no ensino, esse o caráter essencial da doutrina, a condição mesma da sua existência, donde resulta que todo princípio que ainda não haja recebido a consagração do controle da generalidade não pode ser considerado parte integrante dessa mesma doutrina. Será uma simples opinião isolada, da qual não pode o Espiritismo assumir a responsabilidade.

Essa coletividade concordante da opinião dos Espíritos, passada, ao demais, pelo critério da lógica, é que constitui a força da doutrina espírita e lhe assegura a perpetuidade.

Allan Kardec – A Gênese




A fé customizada pelas paixões ideológicas

Por Marco Milani

(Texto publicado na Revista Senda – FEEES, mai/jun 2022, p.5-6((Fonte: https://www.feees.org.br/?jet_download=3739)))

Ao longo de seu discurso à comunidade de espíritas das cidades francesas de Lyon e Bordeaux, em 1862, Kardec((Livro Viagem Espírita em 1862. Discursos pronunciados nas reuniões gerais dos espíritas de Lyon e Bordeaux. Discurso I)) categorizou os adeptos em três grandes grupos: I) Os que creem pura e simplesmente nos fenômenos das manifestações, mas que deles não deduzem qualquer consequência moral; II) Os que percebem o alcance moral, mas o aplicam aos outros e não a si mesmos; III) Os que aceitam pessoalmente todas as consequências da doutrina e que praticam ou se esforçam por praticar sua moral.

O verdadeiro espírita, portanto, aplica em si mesmo o que muitos apenas manifestam em discursos normativos carregados de lições enobrecedoras, mas vazios de ações.

Entre cada uma dessas categorias poderiam ser apontadas múltiplas subcategorias, proporcionais à maturidade moral e intelectual dos indivíduos. Uma delas seria formada por aqueles que apresentam-se como adeptos, porém adequam os ensinos aos próprios interesses e não raramente procuram legitimar suas opiniões particulares sobre diversos assuntos polêmicos alegando essas estarem embasadas no Espiritismo. Tal é o espírita por conveniência, que customiza a fé conforme seus interesses e ambições.

A fé customizada é adotada em detrimento da coerência doutrinária por novos sofistas que distorcem a realidade para moldar a aparência da verdade. Tal distorção decorre, muitas vezes, das paixões que o suposto adepto carrega e direcionam sua cosmovisão e consequente argumentação. Ao invés de servir-se das premissas doutrinárias para se autoconhecer, aprimorar-se e repensar suas crenças anteriores com natural mudança de atitudes, ele faz o inverso, partindo de arraigadas convicções ideológicas para encaixar o Espiritismo nessas propostas. O que não couber ou for divergente, simplesmente ignora-se ou reinterpreta-se.

 Assim ocorre com as paixões políticas. Em um mundo de expiações e provas, não faltam antigas propostas revolucionárias sociais que prometem a concretização do reino de justiça na Terra desde que seguida determinada cartilha já idealizada por intérpretes da história e planejadores do comportamento coletivo. Quase a totalidade dessas receitas utópicas de felicidade desconhecem o processo interexistencial de desenvolvimento e pregam a imposição de relações econômicas artificiais e coletivistas como aquelas que transformariam moralmente o indivíduo, mas que acabam por sufocá-lo. Para esses, o Espírito Erasto((Trecho extraído da epístola de Erasto aos espíritas lioneses – 1861. Um alerta contra as utopias materialistas. Revista Espírita, out/1861.)) assim se manifesta. 

Acabo de pronunciar a palavra igualitária. Julgo útil deter-me um pouco nela, porque absolutamente não vimos pregar, em vosso meio, utopias impraticáveis, e também porque, ao contrário, repelimos com energia tudo quanto pareça ligar-se às prescrições de um comunismo antissocial; antes de tudo, somos essencialmente propagandistas da liberdade individual, indispensável ao desenvolvimento dos encarnados; por conseguinte, inimigos declarados de tudo quanto se aproxime dessas legislações conventuais, que aniquilam brutalmente os indivíduos.

 Fruto de ilusões utópicas, muitos espíritas por conveniência selecionam e reinterpretam conceitos doutrinários para legitimar o modelo político que carregam de sistemas de relações socioeconômicas que dependem da perfeição moral de todos.

As questões transitórias sociais recorrentemente estavam presentes nos diálogos de Allan Kardec com os Espíritos e o respectivo ensino doutrinário contém os elementos fundamentais para a construção de uma sociedade terrena mais justa e fraterna, lastreada no conhecimento da realidade espiritual e da finalidade da reencarnação.

A contribuição primordial do Espiritismo no progresso social evidencia-se na condição de um poderoso agente de transformação moral da humanidade, sem qualquer enquadramento em concepções político-ideológicas já concebidas.

Como filosofia interexistencialista, o Espiritismo não se limita às relações do mundo material, pois expande a compreensão da realidade e desloca a finalidade última do ser para a conquista do verdadeiro Reino de Deus em si mesmo. As misérias humanas são reflexos do nível moral dos indivíduos, confrontando-os com as chagas do orgulho e do egoísmo, incentivando-os a exercitar a inteligência e praticar a caridade em seu verdadeiro sentido, em harmonia com as leis divinas.

O Espiritismo, ao demonstrar a responsabilidade de cada um sobre suas ações e respectivas consequências durante o processo reencarnatório em plena conformidade com as leis naturais, afasta-se da míope perspectiva materialista histórica que concebe o homem como produto de seu meio e ignora sua bagagem reencarnatória, suas tendências e necessidades evolutivas para a realização espiritual. A expressão “a cada um segundo suas obras” resume a essência meritocrática do esforço individual na jornada interior em busca da verdadeira felicidade, segundo o Espiritismo.

A confiança e a crença racional na justiça divina e no futuro pautado pelos benefícios consequentes da prática da caridade, aqui entendida como a ação benevolente, indulgente e voltada ao perdão das ofensas, deveriam nortear a conduta equilibrada do adepto, promovendo conforto e coragem para superar os desafios materiais. A conduta do espírita espelha o seu próprio progresso moral nas obras realizadas e faz-se reconhecido como coerente aos princípios de paz e solidariedade que professa.

A fé raciocinada, sob esse ângulo, analisa criticamente e admite a consistência do conjunto de ensinos apresentados por Allan Kardec, convidando o adepto da filosofia espírita a agir conforme os princípios doutrinários, reduzindo e atenuando hábitos e posturas orgulhosas e egoístas. Certamente, em um mundo de expiações e provas, não se deve exigir a súbita perfeição e o progresso moral é paulatino e proporcional aos esforços e maturidade de cada um.

A transformação social, para Kardec, não ocorrerá de maneira impositiva e totalitária ao indivíduo, mas de maneira oposta, decorrente da melhoria do indivíduo respeitando-se a liberdade de consciência de cada um. Conforme afirma-se na edição de fevereiro de 1862 da Revista Espírita((Trecho extraído do texto Resposta dirigida aos espíritas lioneses por ocasião do Ano-Novo, Revista Espírita, Revista Espírita, fev/1862)), tem-se:

Procurai no Espiritismo aquilo que vos pode melhorar: eis o essencial. Quando os homens forem melhores, as reformas sociais realmente úteis serão uma consequência natural; trabalhando pelo progresso moral, lançareis os verdadeiros e mais sólidos fundamentos de todas as melhoras, e deixareis a Deus o cuidado de fazer com que cheguem no devido tempo. No próprio interesse do Espiritismo, que é ainda jovem, mas que amadurece depressa, oponde uma firmeza inquebrantável aos que quiserem vos arrastar por uma via perigosa.

 Ao crer somente naquilo que está em concordância com suas paixões político-ideológicas e rejeitar tudo o que na doutrina espírita as contrarie, o adepto por conveniência exemplifica a postura egoísta e orgulhosa que leva à insensatez doutrinária. A militância política, com o intuito de ocupar espaços e disseminar suas propostas para convencer o maior número de pessoas, desrespeita a liberdade de pensamento e livre-arbítrio do próximo nas instituições espíritas e provoca cismas.

Allan Kardec, dirigindo-se aos espíritas lioneses em 1862, já alertava sobre a armadilha preparada por adversários do Espiritismo que objetivavam levar aos grupos espíritas a discussão política((ibidem)).

Devo ainda assinalar-vos outra tática dos nossos adversários, a de procurar comprometer os espíritas, induzindo-os a se afastarem do verdadeiro objetivo da doutrina, que é o da moral, para abordarem questões que não são de sua alçada e que, a justo título, poderiam despertar suscetibilidades e desconfianças. Não vos deixeis cair nessa armadilha; afastai cuidadosamente de vossas reuniões tudo quanto se refere à política e a questões irritantes; a tal respeito, as discussões apenas suscitarão embaraços, enquanto ninguém terá nada a objetar à moral, quanto esta for boa.

                       Atuando como promotores de cizânia em nome de paixões políticas variadas, os supostos adeptos que customizam a fé lançam-se com entusiasmo ao proselitismo de suas convicções pessoais camuflando-as de assuntos doutrinários, fomentando as discussões contra ou a favor de governantes, defendendo ou atacando condutas alheias, ou ainda, tentando fazer crer que só quem compartilha de suas paixões político-ideológicas poderia ser considerado um espírita legítimo.

Que nesses tempos agitados pela polarização política, consigamos entender o alerta de Kardec sobre os cuidados no trato das paixões e o respeito à liberdade de pensamento e exemplificarmos em nós mesmos o comportamento que gostaríamos que outros tivessem.




Os ataques a Kardec e as tentativas de manchar o Espiritismo

Não esqueçamos que o Espiritismo tem inimigos interessados em obstar-lhe à marcha, aos quais seus triunfos causam despeito, não sendo os mais perigosos os que o atacam abertamente, porém os que agem na sombra, os que o acariciam com uma das mãos e o dilaceram com a outra. Esses seres malfazejos se insinuam onde quer que contem poder fazer mal. Como sabem que a união é uma força, tratam de a destruir, agitando brandões de discórdia. Quem, desde então, pode afirmar que os que, nas reuniões, semeiam a perturbação e a cizânia não sejam agentes provocadores, interessados na desordem? Sem dúvida alguma, não são espíritas verdadeiros, nem bons; jamais farão o bem e podem fazer muito mal.

KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns.

De muito tempo são conhecidos os inimigos do Espiritismo que, em campo aberto, atacam-lhe de todos os lados e de todas as formas. Há os das religiões, que o combatem por pregar os princípios da autonomia e do livre-arbítrio; os das ciências materialistas, que não conseguem admitir aquilo que não veem sob os aparelhos; os da política, que veem, nas suas ideias, não mais que uma ameaça à sua hegemonia; os das filosofias materialistas, etc. Esses inimigos, porém, são declarados. Piores são aqueles que surgem, por imprecaução ou por malevolência, no seio da Doutrina, dentre os homens estudiosos que deveriam fazer de tudo para o bem dessa ciência.

Existem em todas as áreas os “judas” do Espiritismo. Kardec conheceu alguns, sendo que o mais destacado deles foi Roustaing, que, por orgulho e vaidade, se voltou contra o Espiritismo. São Espíritos que ainda não conseguiram compreender a essência da Doutrina Espírita, que a consideram uma “religião” ameaçadora e que esperam, sorrateiramente, o menor erro onde se possam agarrar, fazendo uma verdadeira tormenta em copo-d’água. Se valem, para isso, seja de si mesmos, quando encarnados, seja de indivíduos desavisados ou pouco compenetrados da verdadeira essência da Doutrina dos Espíritos, sobre os quais exercem influência em razão de suas ideias apegadas à vaidade e ao orgulho.

Não importa que, na formação da ciência espírita humana, existam mil conceitos consoladores, libertadores e transformadores: basta um único conceito, depois visto como falso ou errado, nascido das ideias de época dos homens, para que tentem colocar a Doutrina dos Espíritos, as ideias dos homens que a investigaram e o Movimento Espírita, três coisas diferentes, num mesmo balaio, tachado de imprestável ou danoso.

Uma dessas ideias que mais causa furor ao homem desavisado e desinformado é aquela do racismo em Kardec. Sim, Kardec afirma, em suas conclusões, e movido pelos conceitos da ciência da época, que o negro, referido por ele como “hotentote”, o “selvagem” africano, seria uma raça inferior, materialmente falando, onde se encarnariam Espíritos menos adiantados, em busca de expiações e aprendizado básico. Uma ideia terrível e racista? Sim, mas apenas sob o ponto de vista atual. Naquela época nem sequer havia o conceito do racismo, porque era natural, segundo a ciência, classificar o ser humano em raças — dezenas delas.

Kardec utilizava os conceitos e postulados científicos de sua época. Foi assim com os fluidos, que foram posteriormente abandonados, foi assim com o racismo. Simples assim. Partindo desse conceito MATERIAL da inferioridade da raça negra, ele supôs que os Espíritos que encarnavam eram inferiores? Por quê?

Ora, nos coloquemos na situação de Kardec: vivia em uma sociedade etnocêntrica; via os negros sendo classificados como inferiores, pelos conceitos científicos e tratados como animais. Daí, supôs que os Espíritos escolhiam encarnar negros para expiar suas imperfeições. Isso está explícito em “O negro pai César”, na Revista Espírita de junho de 1859. Há erro nisso? Se considerarmos como os negros eram tratados e classificados pela ciência e pela sociedade, que lhes impunham pesados sofrimentos, então não é fácil supor que alguns Espíritos escolhiam uma vida como aquela, assim como um Espírito chegou a escolher ser enterrado vivo, pensando ter que pagar um erro passado?

Um certo autor diz assim: “É ainda recorrente centros espíritas que não aceitam ou aceitam com ressalvas comunicações de pretos velhos, índios e outros espíritos que se apresentam de maneira não convencionada como de confiança”. Ora, é ainda recorrente, nos centros Espíritas, subirem às tribunas para ensinarem conceitos de carma e lei do retorno ou ainda falarem em “água fluida” e “o telefone só toca de lá pra cá”. E isso se dá pela mesma razão que leva esse Movimento Espírita a não aceitarem tais comunicações: pela ausência de estudos doutrinários e científicos. Não confundamos o Movimento Espírita com o Espiritismo. São coisas distintas, assim como são distintos o aspecto humano e o aspecto espírita da Doutrina.

Lembro que o mesmo Kardec que se guiou pela ciência para classificar os negros (e também outros povos) de tal forma, se esforçou para demonstrar que, “a despeito de qualquer coisa” (no contexto dessas opiniões), deveriam ser tratados com respeito e dignidade. Isso o autor esqueceu de citar:

829. Haverá homens que estejam, por natureza, destinados a ser propriedade de outros homens?

“É contrária à lei de Deus toda sujeição absoluta de um homem a outro homem. A escravidão é um abuso da força. Desaparece com o progresso, como gradativamente desaparecerão todos os abusos.”

É contrária à natureza a lei humana que consagra a escravidão, pois que assemelha o homem ao irracional e o degrada física e moralmente (nota de Allan Kardec)

831. A desigualdade natural das aptidões não coloca certas raças humanas sob a dependência das raças mais inteligentes?

“Sim, mas para que estas as elevem, não para embrutecê-las ainda mais pela escravização. Durante longo tempo, os homens consideraram certas raças humanas como animais de trabalho, munidos de braços e mãos, e se julgaram com o direito de vender os dessas raças como bestas de carga. Consideram-se de sangue mais puro os que assim procedem. Insensatos! Nada veem senão a matéria. Mais ou menos puro não é o sangue, porém o Espírito.” (361–803.)

Esse mesmo Kardec também se esforçou por trazer as mulheres para o mesmo patamar de dignidade e direitos, como na RE de janeiro de 1866 e nas perguntas 817 a 821 de OLE. Ainda, na mesma edição da Revista, ele desfaz, pelos princípios Espíritas, os preconceitos que dão origem à homofobia:

“Se essa influência da vida corporal repercute na vida espiritual, o mesmo se dá quando o Espírito passa da vida espiritual para a corporal. Numa nova encarnação, ele trará o caráter e as inclinações que tinha como Espírito; se ele for avançado, será um homem avançado; se for atrasado, será um homem atrasado.

Mudando de sexo, poderá, pois, sob essa impressão e em sua nova encarnação, conservar os gostos, as tendências e o caráter inerentes ao sexo que acaba de deixar. Assim se explicam certas anomalias aparentes que se notam no caráter de certos homens e de certas mulheres”.

Portanto, só existe diferença entre o homem e a mulher em relação ao organismo material, que se aniquila com a morte do corpo. Mas, quanto ao Espírito, à alma, ao ser essencial, imperecível, ela não existe, porque não há duas espécies de almas.

Allan Kardec, R.E., Jan/1866

 E então Paulo Henrique destaca o uso de conceitos científicos da época, outra vez, por Kardec, para explicar o termo “anomalia aparente”:

É muito importante destacar aqui que o termo “anomalia aparente”, usado por Kardec, estava presente nas ciências da época, se referindo aos fenômenos que fogem da explicação das teorias aceitas, não sendo para elas “normais”; mas que, ao se encontrar uma nova explicação natural para o fenômeno em novas teorias, elas deixam de ser “anomalias” e se tornam fenômenos naturais. Por isso ela é “aparente”

Paulo Henrique de Figueiredo, site Revolução Espírita, 25/08/2016

Já foi um grande passo, para um homem daquela época, ter dado alma a um povo tratado como máquina. Mas, sabemos, a marcha do progresso avança e, como dizia sempre Kardec, deveríamos sempre acompanhar os avanços científicos, abandonando a opinião que se mostrasse errada frente à ciência. É isso o que fazemos aqui e é o mesmo que faria Allan Kardec se, hoje, se encontrasse encarnado entre nós. Discordo haver “lapso” de caráter em Kardec, pois ele demonstrava o contrário, todo o tempo. Há conceitos de época, de um homem profundamente ligado às ciências.

Esse mesmo autor segue dizendo que “Além disso, era muito comum as famílias ricas terem serviçais negros(as) para todos os tipos de trabalho. Então, Kardec não somente viu negros(as), mas teve oportunidade de conhecer, conversar e aprender sobre as sociedades africanas, pois a presença negra na França era comum”, sobre as quais teço as seguintes observações:

Em primeiro lugar, a referência apresentada para a primeira afirmação — McCloy, Shelby T. Negroes and Mulattoes in Eighteenth-Century France. The Journal of Negro History, Vol. 30, No. 3 (Jul., 1945), pp. 276-292 — traz referências apenas do final do século XVIII. Rivail, tendo nascido em 1804, alcançaria a maturidade somente por volta de 1816, no mínimo. São 16 anos de possíveis mudanças, e não podemos esquecer que a França era um país colonialista e que, por isso, enviava a maioria dos negros para suas colônias.

Em segundo lugar, a segunda afirmação carece de lógica. Kardec foi educado primordialmente em Yverdon, por Pestalozzi, onde, ainda aos 14 anos, atuava ensinando outros estudantes. Depois, conviveu, pelo que sabemos, majoritariamente entre os círculos científicos e educacionais, dominados, é claro, pelo homem branco. Será mesmo que Kardec teve tantas oportunidades assim de conviver com negros? Ora, conhecendo o bom-senso de Rivail, é de se supor que NÃO, caso contrário teria uma opinião diversa a esse respeito.

E resta lembrar que os Espíritos NÃO adiantam a ciência que cabe ao homem adquirir, pelos seus próprios esforços e inteligência. Da mesma forma que os Espíritos não desmentiram os falsos conceitos dos fluidos (elétrico, vital, etc), abandonados por Kardec em A Gênese, para ficar apenas com a teoria do Fluido Cósmico Universal, eles também não desmentiram a tese humana das raças, que só veio a ser superada cerca de um século depois.

Eu não consigo entender e concordar com um texto que, de certa forma, analisa o assunto de forma parcial. Não é questão de minimizar o fato, mas de apresentá-lo por completo. Acontece que uma pessoa que não conheça os fatos por completo, lê uma crítica como essa, que coloca, no mesmo balaio, Doutrina, Kardec e Movimento Espírita, e conclui: “o Espiritismo não presta mesmo”. E isso, meus amigos, é um grande desserviço à Doutrina, de forma que, ainda hoje, muitos negros e adeptos das religiões afro ainda manifestam rancor, preconceito e distanciamento da ciência espírita. Longe de atrair, tais opiniões continuam a afastá-los.




Hoje, não: o poder da vontade

Todos nós passamos pelo processo evolutivo através das encarnações. Todos, sem exceção. Durante esse processo, por conta das nossas escolhas, podemos desenvolver bons hábitos ou maus hábitos. Os primeiros se tornam virtudes, que nos aproximam da felicidade, ao passo que os segundos se tornam imperfeições, que nos afastam da felicidade e, portanto, prolongam nossos sofrimentos.

“Todos os homens passam pelas paixões. Os que as superaram, e não são, por natureza, orgulhosos, ambiciosos, egoístas, rancorosos, vingativos, cruéis, coléricos, sensuais, e fazem o bem sem esforços, sem premeditação e, por assim dizer, involuntariamente, é porque progrediram na sequência de suas existências anteriores, tendo se livrado desse incômodo peso. É injusto dizer que eles têm menos mérito quando fazem o bem, em comparação com os que lutam contra suas tendências. Acontece que eles já alcançaram a vitória, enquanto os outros ainda não. Mas, quando alcançarem, serão como os outros. Farão o bem sem pensar nele, como crianças que leem correntemente sem ter necessidade de soletrar. É como se fossem dois doentes: um curado e cheio de força enquanto o outro está ainda em convalescença e hesita caminhar; ou como dois corredores, um dos quais está mais próximo da chegada que o outro.”

KARDEC, Allan. A Gênese. 4.ª edição (original), FEAL

Os maus hábitos são de dois tipos: os morais e os materiais (que, no fundo, tem sempre algo moral, isto é, da vontade do Espírito). Os maus hábitos morais são aqueles facilmente reconhecidos como avareza, ciúmes, vaidade, egoísmo, orgulho, etc., sendo que os dois últimos podem ser entendido como os pais de todos os outros. Já os maus hábitos materiais são aqueles como os vícios em entorpecentes ou no exagero de certos instintos animais, como a glutonice, o vício no sexo, etc.

Uns e outros são muito difíceis de combater, ora instalados. Muitas vezes, requerem múltiplas encarnações e, nada raro, encontramos a nós mesmos na condição daquele que entende onde erra e o sofrimento que isso lhe causa, mas que diz: “é mais forte do que eu”. Comumente, nessa condição, que já é o começo de algo muito importante, pelo simples reconhecimento, vamos buscar diversas formas externas de lidar com esses maus hábitos, sejam eles religiosos ou filosóficos, sejam eles medicinais. Buscamos as internações, as drogas que visam combater certos aspectos, as religiões que comumente classificarão como pecado ou que dirão que precisamos mudar com pressa, pois “Jesus nos espera”. Nada disso, porém, consegue mudar aquilo que vai no fundo de nossas almas, senão com raras exceções. É que, em tudo isso, falta uma chave fundamental: a vontade.

Vejamos: todos os artifícios exteriores podem, claro, ajudar muito no processo das superações. A prece ou a oração, os medicamentos, as práticas exteriores, enfim, tudo é uma ferramenta, mas aqui estou para dizer que nada vai mudar, a não ser que o indivíduo adquira a vontade firme de vencer. E isso é um processo, muito grandemente auxiliado pela razão. O Espiritismo, quando nos demonstra que alegria e tristeza, prazer e dor são condições puramente materiais e passageiras, mas que a verdadeira felicidade está em nos livrarmos das condições que nos forçam a continuar encarnando em condições tão brutas como esta, vivendo sob o fruto de nossas próprias imperfeições, nos diz: todos alcançarão os céus, mas depende apenas de cada um quando isso se dará.

Ao entender esse aspecto, podemos começar a enxergar a vida de outra forma. Cada situação difícil e cada oportunidade se tornam dispositivos de aprendizado. Passamos a encarar as dificuldades com outros olhos e passamos a estar mais atentos para as oportunidades às quais os bons Espíritos nos conduzem, desde que tenhamos a vontade.

Ainda assim, vencer parece algo muito distante e difícil. Muitos dirão: a carne é fraca. Bem, realmente não podemos supor que, da noite para o dia, venceremos um mau hábito fundamente enraizados em nossa mente. Esse é o primeiro entendimento fundamental. É preciso adotar a razão e a vontade para desenvolver melhores hábitos, sendo quem deles é o hábito de aprender a dizer “hoje, não”. Aprendamos a projetar nosso futuro: por que desejamos nos livrar de uma imperfeição ou mais? Porque desejamos não necessitar passar por mais vidas na mesma condição. Quem sabe a transformação possa ser tão grande que, ao fim desta encarnação, possamos conquistar a possibilidade de encarnar em mundos um pouco mais felizes? Ainda mais: quem saiba a transformação possa ainda que, lentamente, se dar de forma tão profunda que possamos, dia após dia, encontrarmos uma felicidade crescente em nosso coração, ante à constatação de que aprendemos a lidar um pouquinho melhor com as dificuldades e os maus hábitos?

Isso já deve ser o suficiente para nos provocar firmes propósitos de mudança, na esperança concreta de um amanhã melhor para nós mesmos.

Portanto, ao lutarmos com nossas imperfeições, aprendamos a vigiar os pensamentos, afastando, isto é, nem pensando, naquilo que nos leva aos processos de tropeço. E, se hoje não fomos fortes o suficiente e tropeçamos, não digamos: “não consigo, não sou forte”, mas sim “não sou perfeito e ainda não consegui superar”, analisando onde se deu o erro e continuando firme no propósito da mudança. Só não podemos tomar esse princípio como desculpa.

Prezado leitor, saiba e jamais se esqueça: se você já percebe uma imperfeição, esse é o começo da sua mudança. Reforce a sua vontade e saiba que, através dela, jamais estará abandonado. Os próprios Espíritos amigos te conduzirão às oportunidades que caberão a você aceitar ou não. É um bom livro que chega oportunamente, é uma palavra de um amigo, é um artigo como este, pensado para mexer contigo. Fique atento às más sugestões, porém, que continuarão vindo dos Espíritos habituados à perturbação, e galgue sua força no estudo e na prece, buscando sempre se reformar. As outras coisas, como ações no bem, estudo do evangelho, acompanhamento psicológico, são, sim, muito importantes, mas depende de você, e apenas de você, desejar alcançar a felicidade.

Lembre-se, afinal, que Jesus, pregado à cruz, ouvindo o arrependimento e os rogos de perdão do ladrão pregado na cruz ao lado, lhe replicou: “hoje mesmo estará comigo no paraíso”. “Estar com Jesus no paraíso” significa dizer que o ladrão, tendo se arrependido e encontrado a vontade de se modificar, entrou em nova fase de aprendizado. Não foi Jesus quem o salvou, mas ele próprio. Pense nisso.

Recomendamos assistir o estudo abaixo. Fala profundamente sobre isso:




Pode uma pessoa morrer antes do tempo ou é sempre o destino, ou a fatalidade?

É um falso conceito, embora generalizado, dizer que em tudo há um planejamento. Fosse assim, não teríamos livre arbítrio.

Quando se diz que até uma folha que cai está sob a vontade de Deus, significa dizer que tudo está sob suas Leis, que são perfeitas. Não há, porém, o efeito direto da vontade de Deus que determine que, naquele momento, a folha vai cair ou não vai cair.

Pois bem: nós, como Espíritos, antes de entrar no reino da consciência e da escolha, somos guiados unicamente pelo instinto. É ele que nos guia, por exemplo, quando somos animais: a fome nos leva a buscar alimento, a raiva nos ajuda a matar o animal que servirá de alimento e o medo nos afasta das condições de perigo. Quando somos um animal fora do topo da cadeia, muitas vezes somos mortos para servir de alimento a outro animal (veja: não há mal nisso, mas bem, pois estamos seguindo a Lei de Deus). Depois de morto, o Espírito do animal, que ainda não tem consciência de si mesmo e capacidade de escolha e, por isso mesmo, não sofre moralmente, é muito rapidamente reutilizado em outro animal que nasce.

Depois de entrarmos no reino do livre-arbítrio, passamos progressivamente a escolher nossas vidas, planejando-a em termos gerais. Se fui muito apegado ao ciúmes, que me causa dificuldades e sofrimentos, a partir do momento que entendemos isso, escolhemos um gênero de vida que nos proverá possibilidades de lidar com essa imperfeição. Desse planejamento participam Espíritos amigos que, durante a vida, nos ajudam, nos influenciando, inspirando e muitas vezes nos conduzindo às situações que poderão ser úteis a nós mesmos.

Tudo isso foi necessário para destacar: somos Espíritos vivendo encarnações na matéria densa. Estamos, portanto, sujeitos às leis espirituais e às leis da matéria. As últimas nos fazem estar expostos às condições da matéria, como, por exemplo, uma chuva torrencial que cause uma comoção numa montanha, que venha abaixo sobre as casas, um vulcão que explode, um terremoto que gere um tsunami devastador ou, ainda, um cometa que atinja o planeta e o destrua por completo. A ideia de “carma coletivo”, portanto, é FALSA (na verdade, a ideia de carma, como conhecemos, é falsa).

De outro ponto de vista, estamos sujeitos também às escolhas de outros Espíritos encarnados. Veja: Deus e os Espíritos superiores respeitam o livre-arbítrio e o tempo dos homens. É por isso não há uma interrupção divina de uma guerra, nem de um crime em menor escala. É claro que os bons Espíritos tentam dissuadir as más escolhas, através de suas influências, mas, no fim, o homem é quem escolhe ouvir a elas (ou à própria consciência) ou não. Do outro lado, uma pessoa que se esteja conduzindo para uma situação em que se torne vítima, pode, também, tentar ser inspirada, se possível, a se desviar disso. Quantos não são os indivíduos que escapam de acidentes e crimes por conta de um sonho ou de um pensamento insistente, ou mesmo através de um evento que lhe cause um atrapalhamento?

É claro que isso não consiste uma concessão a pessoas especiais. Todos nós temos os bons Espíritos que nos amam, sem exceção, mas, muitas vezes, estamos muito afastados de suas influências ou nos fazemos surdos às suas sugestões.

Mais uma constatação lógica que fazemos é que, quando uma pessoa morre por um crime, JAMAIS está “pagando” por algo do passado (mas ela pode, claro, ter sido vítima de sua própria imprecaução, quando, por exemplo, se mete em um ambiente criminoso ou perigoso por sua própria vontade).

Chegamos, enfim, à constatação: o gênero e a época da morte pode, sim, estar planejado antes da encarnação do Espírito, mas o curso da vida pode, é claro, mudar esse planejamento. Não há um destino pré-determinado, pois, se houvesse, seríamos meras marionetes no teatro da vida. Nós podemos mudar nossos planejamento – e frequentemente fazemos. Podemos inclusive criar uma doença, por nossas ações, que nos mate antes do planejado, e também podemos nos livrar de uma doença ou condição que iria nos levar ainda jovens, se uma série de condições permitirem (e NÃO faz parte dessas condições aquilo que chamam de “merecimento”).

Pense naquela pessoa que atravessa a rua sem olhar: não é um Espírito que a impele a tal ato, mas sua própria imprecaução, um mau hábito. Por esse mau hábito, poderá, a qualquer momento, encontrar um carro vindo em alta velocidade ou um motorista olhando para outro lado, e poderá acidentar-se e morrer. Pense também no paraquedista que se lança de um avião, colocando sua vida na dependência de um paraquedas. O instinto lhe diz para ter medo de fazê-lo, mas sua vontade, fruto da escolha, falseia esse instinto, e ele, assim mesmo, se lança. Se o paraquedas falha e ele morre, não foi Deus quem quis assim, nem um Espírito quem estragou o paraquedas, mas as próprias leis da matéria.

Cremos que ficou claro esse pensamento, mas encerramos destacando o que Kardec apresenta em Instruções práticas sobre as manifestações espíritas:

FATALIDADE — do lat. fatalitas, de fatum, destino. Destino inevitável. Doutrina que supõe sejam todos os acontecimentos da vida e, por extensão, todos os nossos atos, predestinados e submetidos a uma lei à qual não nos podemos subtrair. Há duas espécies de fatalidade: uma proveniente de causas exteriores, que nos podem atingir e reagem sobre nós; poderíamos chamá-la reativa, exterior, fatalidade eventual; a outra, que se origina em nós mesmos, determina todas as nossas ações; é a fatalidade pessoal. No sentido absoluto do vocábulo, a fatalidade transforma o homem numa máquina, sem iniciativa nem livre-arbítrio e, consequentemente, sem responsabilidade. É a negação de toda moral.

Segundo a doutrina espírita, escolhendo sua nova existência, pratica o Espírito um ato de liberdade. Os acontecimentos da vida são a consequência da escolha e estão em relação com a posição social da existência. Se o Espírito deve renascer em condição servil, o meio no qual se achar criará os acontecimentos muito diversos dos que se lhe apresentariam se tivesse de ser rico e poderoso. Mas, seja qual for essa condição, conserva ele o livre-arbítrio em todos os atos de sua vontade, e não será fatalmente arrastado a fazer isto ou aquilo, nem a sofrer este ou aquele acidente. Pelo gênero de luta escolhido, tem ele possibilidade de ser levado a certos atos ou encontrar certos obstáculos, mas não está dito que isto devesse acontecer infalivelmente, ou que não o possa evitar por sua prudência e por sua vontade. É para isso que Deus lhe dá a capacidade de raciocínio. Dáse o mesmo que se fosse um homem que, para chegar a um objetivo, tivesse três caminhos à escolha: pela montanha, pela planície ou pelo mar. No primeiro, a possibilidade de encontrar pedras e precipícios; na segunda pântanos; na terceira, tempestades. Mas não está dito que será esmagado por uma pedra, que se atolará no brejo ou que naufragará aqui e não ali. A própria escolha do caminho não é fatal, no sentido absoluto do vocábulo: por instinto o homem tomará aquele no qual deverá encontrar a prova escolhida. Se tiver que lutar contra as ondas, seu instinto não o levará a tomar o caminho das montanhas.

Conforme o gênero de provas escolhido pelo Espírito, acha-se o homem exposto a certas vicissitudes. Em consequência dessas mesmas vicissitudes, é ele submetido a arrastamentos aos quais deve subtrair-se. Aquele que comete um crime não é fatalmente levado a cometê-lo: escolheu um caminho de luta que a isso pode excitá-lo; se ceder à tentação, é pela fraqueza de sua vontade. Assim, o livre-arbítrio existe para o Espírito no estado errante, na escolha que faz das provas a que deve submeter-se, e existe na condição de encarnado nos atos da vida corpórea. Só o instante da morte é fatal: porque o gênero de morte é ainda uma consequência da natureza das provas escolhidas.




Jesus já foi tão imperfeito como nós?

Ora, claro! Jesus não foi demagogo nem hipócrita ao nos chamar de “irmãos”. Ele demonstrou que era como nós, Espírito em evolução.

Esse é um postulado fundamental da ciência dos Espíritos: todos nós, sem exceção, fomos criados simples e ignorantes e, daí, seguimos o rumo da evolução. Quando e onde, só Deus o sabe. Sendo Deus a soberana justiça e o Amor em essência, não poderia criar criaturas privilegiadas, plenas e evoluídas, enquanto criaria outras para sofrerem. Esse é um dogma bastante antigo ensinado principalmente pela Igreja Romana, no qual não entraremos, dada a extensão de sua discussão.

Tudo o que está aqui exposto está fartamente postulado nas obras de Kardec, com muita clareza e racionalidade, sendo possível encontrar já em O Livro dos Espíritos as bases necessárias.

O fato que aqui destacamos é que ninguém evolui em linha reta para Deus. Esse é um falso conceito. A evolução de qualquer Espírito passa pelos mesmos passos, do passando por todos os reinos, inclusive o do animal, para, depois, ao adentrar o reino da consciência, adquirir o livre-arbítrio, isto é, a capacidade de escolher.

Contudo, como pode o Espírito escolher frente a uma situação que nunca enfrentou antes? É impossível. Ele age, obtendo um resultado que pode ser um erro ou um acerto. Então, da próxima vez que enfrentar a mesma situação, já tendo algum conhecimento do resultado segundo sua forma de agir, poderá escolher agir da mesma forma novamente, ou poderá tentar agir de outra forma, o que poderá lhe fazer acertar ou errar novamente.

Enquanto o Espírito está tentando, está progredindo. O erro que nasce da tentativa não é um pecado, mas apenas um erro. Ele não está cometendo o mal, mas o bem, pois não tinha base de julgamento próprio de como agir. É quanto ele passa a escolher agir errado, por motivos quaisquer, que o erro passa a se tornar um hábito e, então, se transforma em um imperfeição.

Kardec, em A Gênese (capítulo III), conclui:

“Aquele que não domina as suas paixões pode ser muito inteligente, porém, ao mesmo tempo, muito mau. O instinto se aniquila por si mesmo; as paixões somente pelo esforço da vontade podem domar-se”.

Contudo, esse capítulo termina aqui, na 5.ª edição dessa obra, que, hoje sabemos, tem fortes indícios de ter sido adulterada. Tomando a 4.ª edição, temos o seguinte encerramento, IMPORTANTÍSSIMO:

Todos os homens passam pelas paixões. Os que as superaram, e não são, por natureza, orgulhosos, ambiciosos, egoístas, rancorosos, vingativos, cruéis, coléricos, sensuais, e fazem o bem sem esforços, sem premeditação e, por assim dizer, involuntariamente, é porque progrediram na sequência de suas existências anteriores, tendo se livrado desse incômodo peso. É injusto dizer que eles têm menos mérito quando fazem o bem, em comparação com os que lutam contra suas tendências. Acontece que eles já alcançaram a vitória, enquanto os outros ainda não. Mas, quando alcançarem, serão como os outros. Farão o bem sem pensar nele, como crianças que leem correntemente sem ter necessidade de soletrar. É como se fossem dois doentes: um curado e cheio de força enquanto o outro está ainda em convalescença e hesita caminhar; ou como dois corredores, um dos quais está mais próximo da chegada que o outro.

Portanto, Jesus também passou pelo mesmo caminho, inclusive errando e acertando. Ele apenas é um Espírito que já percorreu toda a escala, enquanto nós ainda estamos no início dela, fazendo esforços para sair da terceira ordem da classificação da Escala Espirita. Hoje, se um Espírito no início da sua vida pudesse nos avaliar, pensaríamos que somos semideuses e julgaria como maravilhosos os parcos feitos que podemos realizar.

Longe de esse pensamento rebaixar Jesus, ele o eleva e, ao mesmo tempo, nos dá esperanças, pois demonstra que um Espírito que já trilhou todo esse caminho da evolução, por um livre gesto de bondade e caridade, voltou para nos ensinar. Um dia nós estaremos agindo com ele, mas não esqueçamos que, desde já, nós podemos também fazer a diferença na vida das pessoas, sem esperar nada em troca.




O Espiritualismo Racional e o Tratado de Filosofia de Paul Janet

Durante o século dezenove, o que chamamos de ciências humanas foram estabelecidas a partir de um pressuposto espiritualista para sua constituição. Enquanto isso, nas ciências naturais, como Física e Química, predominavam o materialismo. Essa condição é muito diferente do que estamos habituados atualmente, quando a universidade é quase completamente orientada pelo pensamento materialista.

[originalmente publicado em https://espirito.org.br/autonomia/livros-tratado-de-filosofia-paul-janet/]

Essa corrente de pensamento era conhecida como Espiritualismo racional. Pois era completamente independente das religiões formais e seus dogmas. A base fundamental era a psicologia, ciência da alma, que tinha como diretriz: “O ser humano é uma alma encarnada”.

Como está extensamente explicado no livro Autonomia, a história jamais contada do Espiritismo, Allan Kardec fez da psicologia a base conceitual para desenvolver a Doutrina Espírita. Seu jornal de publicação mensal era a Revista Espírita, jornal de estudos psicológicos.

O Espiritualismo racional foi ensinado, desde 1830, na Universidade de Paris, também na Escola Normal, onde os professores se formavam, e também nos Liceus, na educação dos jovens. Para estes, haviam manuais, como o de Paul Janet. Esse manual foi traduzido para diversos idiomas e adotado em muitos países, inclusive no Brasil.

Esse manual é de fundamental importância para se compreender a base conceitual dos estudos de Kardec, principalmente quanto à moral espírita.

A primeira divisão das ciências, apresentada no Tratado de philosophia, de Paul Janet, obra em dois volumes, que podem ser baixados por aqui, conforme a estrutura vigente na Universidade Sorbonne, no século 19, era entre:

  • a) As ciências exatas ou matemáticas.
  • b) As ciências naturais, que estudam os objetos do mundo físico (física, química, biologia etc.).
  • c) As ciências morais, que estudam o mundo moral, o qual compreende as ações e pensamentos do gênero humano.

As ciências morais, por sua vez, eram divididas em quatro grupos:

1) As ciências filosóficas, divididas em duas classes: psicológicas (psicologia, lógica, moral, estética) e metafísicas (teodiceia, psicologia racional, cosmologia racional).

2) As ciências históricas (história, arqueologia, epigrafa, numismática, geografa) estudam os acontecimentos e o desenvolvimento humano no tempo.

3) As ciências filológicas (filologia, etimologia, paleografa etc.), que têm como objeto a linguagem e a expressão simbólica humana.

4) As ciências sociais e políticas (política, jurisprudência, economia política), que estudam a vida social do ser humano ( JANET, 1885, p. 15-17).

As três últimas classes das ciências morais (históricas, filológicas e sociais) tratam dos fatos ou fenômenos morais que são exteriores ao ser humano, visto a partir do ponto de vista objetivo. Mas, considerando espírito humano “o conjunto das faculdades intelectuais e morais do homem, tais quais se manifestam interiormente em cada um de nós”, tudo o que concerne ao eu, princípio interior consciente de si mesmo, é o ponto de vista subjetivo, ou “estudo da própria alma” (JANET, 1885, p. 17). Daí um grupo de ciências chamadas ciências psicológicas. Elas adotam a metodologia da introspecção e foram um desenvolvimento da escola científica iniciada por Maine de Biran. Todavia, para sustentar o estudo psicológico pelo olhar espiritualista, as bases conceituais desse paradigma precisaram se tornar objeto de pesquisa, compreendendo uma ciência do homem (espírito humano) e uma ciência das causas primeiras, ou metafísica. Esses são os objetos das ciências filosóficas.

Veja mais detalhes na obra Autonomia, a história jamais contada do Espiritismo.




Magia negra, feitiços, banhos de sal grosso e ervas, amuletos, wicca: tudo isso existe?

Raras são as crenças e mesmo as superstições que, atravessando os milênios, não tem algum fundo de verdade. Na verdade, Allan Kardec sempre se esforçou em mostrar que a verdade sempre esteve na história da humanidade, transmitida por todos os tempos, mas que apenas ficou abafada pelos erros característicos da ignorância humana e também pelos dogmas propositadamente criados para controlar as consciências.

Em “Instruções práticas sobre as manifestações espíritas”, Kardec assim define:

MAGIA, MAGO — do gr. mageia, conhecimento profundo da natureza; de onde magos, sábio, cientista formado em magia; sacerdote, sábio e filósofo entre os antigos Persas. Originalmente a magia era a ciência dos sábios; todos os que conheciam a astrologia, que se gabavam de predizer o futuro, que faziam coisas extraordinárias e incompreensíveis para o vulgo eram magos ou sábios que, mais tarde, foram chamados magos. O abuso e o charlatanismo desacreditaram a magia; mas todos os fenômenos que hoje reproduzimos pelo magnetismo, pelo sonambulismo e pelo espiritismo provam que a magia não era uma arte puramente quimérica e que, entre muitos absurdos, havia certamente muita coisa verdadeira. A vulgarização desses fenômenos tem por efeito destruir o prestígio dos que outrora operavam sob o manto do segredo e abusavam da credulidade, atribuindo-se um pretenso poder sobrenatural. Graças a essa vulgarização hoje sabemos que nada existe de sobrenatural e que certas coisas só parecem derrogar as leis da natureza porque não lhes conhecemos as causas.

A magia no Egito antigo

Um dos maiores exemplos disso eram os egípcios, profundos conhecedores da mediunidade e de muitas das verdades que o Espiritismo hoje professa. Contudo, esse conhecimento era reservado aos iniciados — os sacerdotes, em geral — e, para o público, era passada a imagem mística de deuses terríveis e vingativos e de um falso poder sobre-humano atribuídos aos sacerdotes e faraós. A mesma estrutura foi copiada por outras religiões que se seguiram.

A RELIGIÃO E A MAGIA NO EGITO ANTIGO – História das Artes Visuais 1

Os egípcios praticavam, também, os diversos rituais de magia (heka) que, longe da acepção negativa que o ocidente faz da palavra, era uma dos dons concedidos pelo deus (em letra minúscula pois a crença deles não era exatamente como a nossa, num Deus único, soberano, etc):

Bem atendidos são os homens, o gado do deus. Ele fez o céu e a terra por sua causa, repeliu o monstro da água e fez o sopro da vida (para) seu nariz. Brilha no céu por sua causa e fez para eles as plantas, o gado, as aves e os peixes, (tudo) para alimentá-los. (porém) matou seus inimigos e destruiu até seus próprios filhos quando intentaram
rebelar-se. Fez a luz do dia por sua causa e navega (no céu) para que o vejam. Erigiu […] seu santuário entre eles, e quando choram ele ouve. Fez para eles governantes ainda no ovo, guias para erguer as costas do fraco. Fez para eles a magia [heka] como arma para desviar o golpe do que acontece (de ruim), velando por eles dia e noite. Matou os
traidores que se encontravam entre eles como um homem bate em seu filho por causa de seu irmão, pois o deus conhece cada nome.

(ARAÚJO, 2000, p. 291. Grifos nossos)((ARAÚJO, Emanuel. Escrito para a Eternidade: a literatura no Egito faraônico.
Brasília: UnB, 2000.)).

A magia entre os Druidas

Tanto os egípcios, quanto praticamente todos os povos, tiveram as suas práticas de magia. O mesmo se deu entre os Druidas, pessoas encarregadas das tarefas de aconselhamento e ensino e de orientações jurídicas e filosóficas na sociedade celta. Em geral, pode-se dizer que eram sacerdotes e sábios. Existiam desde antes de Cristo, há mais de 3000 anos.

Um dos magos mais lendários de todos, Merlin, teria sido também um Druida.

Quem foram os druidas? | Super

Tidos como bruxos e feiticeiros, cheios de rituais que incluiriam até sacrifícios humanos (o que até hoje não foi comprovado) — razão pela qual foram exterminados em grande parte pelos romanos — os druidas eram, na verdade, uma classe sacerdotal que vivia entre a natureza e que dela colhia os elementos necessários aos seus rituais, dentre eles a cura.

A magia pelos milênios

As ideias de magia ou de curandeirismo, como dissemos, permearam, talvez, todos os povos, em todas as épocas. Temos, no Brasil, os curandeiros, feiticeiros e pajés, dentre os povos indígenas e, mais recentemente, os benzedeiros, bem como a Wicca, nascida na Europa, e outras inúmeras denominações que, envoltas em dogmas, rituais e crenças particulares tem, no fundo, a crença no poder da reza ou da oração (ou das fórmulas) e da natureza para a cura das doenças — e acreditam, algumas delas, para promover um feitiço maléfico contra outrem. Os wiccanos, por exemplo, indo (até certo ponto) na direção do Magnetismo de Mesmer, que apresentaremos a seguir, acreditam que a magia é a lei da natureza ainda incompreendida ou ignorada pela ciência contemporânea((Valiente, Doreen (1973). An ABC of Witchcraft Past and Present. [S.l.]: Hale. 231 páginas)), e, como tal, não a veem como sendo sobrenatural, mas sendo uma parte dos “super poderes que residem no natural”.

O Magnetismo de Mesmer

Diria Kardec que “fé inabalável só o é a que pode encarar frente a frente a razão, em todas as épocas da Humanidade“. Cuidemos, pois, de fazer uma aproximação com a ciência que já existe a respeito dessas crenças.

De forma muito resumida, Franz Anton Mesmer foi um médico, cientista e estudioso que, com base em experiências racionais, postulou a teoria conhecida como Magnetismo Animal((FIGUEIREDO, Paulo Henrique de. Mesmer – A Ciência Negada do Magnetismo Animal. FEAL, 2022)).

Mesmer entrou em conflito a ciência de seu tempo, que, para explicar tudo o que não podia analisar pelos aparelhos e pelos sentidos humanos, criou a teoria dos fluidos (para os cientistas de então, a eletricidade seria um fluido, assim como o magnetismo e até mesmo a vida). Para ele — o que depois foi confirmado pelo Espiritismo e pela ciência atual — havia o Fluido Cósmico Universal, que dava origem a tudo. Cada estado diferente da matéria, mesmo aquilo que era intangível e imperceptível, seria apenas uma constituição diferente desse fluido original, vibrando em uma frequência diferente (é exatamente o que explica a Física moderna, mais de 200 anos após a teoria de Mesmer).

Segundo a teoria de Mesmer — e a ciência espírita — o ser humano é capaz, pela vontade, de interagir sobre aquilo que ficou conhecido como fluido perispiritual, que constitui a ligação entre o Espírito e a matéria.

O perispírito

O perispírito, conforme conclui Kardec, se liga ao corpo molécula por molécula((KARDEC, Allan. A Gênese. 2a Edição. FEAL, 2018)) (na verdade, célula a célula, mas naquele tempo não havia esse conhecimento orgânico) e, pela ação do pensamento, através dessa ligação intrínseca, lhe influencia positiva ou negativamente, podendo obter curas ou criar doenças. É o princípio das doenças psicossomáticas e, no fundo, do efeito placebo, para os quais a ciência moderna não consegue encontrar uma explicação definitiva justamente por ignorar as ciências do Magnetismo e do Espiritismo, tachadas por elas de supersticiosas.

Cabe destacar que o perispírito é uma teoria apoiada não só sobre tudo aquilo que grandes pensadores sempre conceberam, incluindo Sócrates e Platão — e o próprio Mesmer — mas também sobre a razão e a observação dos fenômenos e das comunicações espíritas, tal como apresentado aqui. Diria Kardec, em O Livro dos Médiuns:

Numerosas observações e fatos irrecusáveis, de que mais tarde falaremos, levaram à consequência de que há no homem três componentes: 1.º, a alma, ou Espírito, princípio inteligente, onde tem sua sede o senso moral; 2.º, o corpo, invólucro grosseiro, material, de que ele se revestiu temporariamente, em cumprimento de certos desígnios providenciais; 3.º, o perispírito, envoltório fluídico, semimaterial, que serve de ligação entre a alma e o corpo.

[…]

O perispírito não constitui uma dessas hipóteses de que a ciência costuma valer-se para a explicação de um fato. Sua existência não foi apenas revelada pelos Espíritos, resulta de observações, como teremos ocasião de demonstrar. Por ora e por nos não anteciparmos, no tocante aos fatos que havemos de relatar, limitar-nos-emos a dizer que, quer durante a sua união com o corpo, quer depois de separar-se deste, a alma nunca está desligada do seu perispírito.

Em A Gênese, conclui Kardec:

O Espiritismo experimental estudou as propriedades dos fluidos espirituais e sua ação
sobre a matéria. Tem demonstrado a existência do perispírito, sobre o qual havia suspeitas desde a Antiguidade, sendo denominado por São Paulo Corpo Espiritual, ou seja, o corpo fluídico da alma após a destruição do corpo tangível. Sabemos atualmente que esse envoltório é inseparável da alma; que é um dos elementos constitutivos do ser humano; que é o veículo de transmissão do pensamento e que, durante a vida do corpo, serve de ligação entre o Espírito e a matéria. O perispírito realiza um papel tão importante no organismo e em muitas afecções, que se liga tanto à Fisiologia quanto à Psicologia

O perispírito não é, portanto, uma teoria, nem mesmo uma hipótese, para o Espiritismo. Segue Kardec, na mesma obra, afirmando que…

Como meio de elaboração, o Espiritismo procede da mesma maneira que as Ciências
positivas, ou seja, aplica o método experimental. Quando se apresentam fatos novos que não podem ser explicados por meio das leis conhecidas, ele os observa, compara-os, analisa-os e, remontando dos efeitos para as causas, chega à lei que os rege; depois deduz suas consequências e procura suas aplicações úteis. Não estabelece nenhuma teoria preconcebida. Assim, não apresenta como hipótese nem a existência, nem intervenção dos Espíritos, nem mesmo o perispírito, a reencarnação ou qualquer outro princípio da doutrina. Conclui pela existência dos Espíritos quando esta se tornou evidente pela observação dos fatos, e tem procedido da mesma maneira em relação aos outros princípios. Não foram, portanto, os fatos que vieram posteriormente confirmar a teoria, mas a teoria que veio em seguida para explicar e resumir os fatos. É, pois, rigorosamente exato dizer que o Espiritismo é uma Ciência de observação, e não o produto da imaginação.

Curas, passes, magia negra e feitiçaria

Aqui, porém, é necessário fazer uma observação importantíssima, baseada nas duas ciências citadas: não sendo o magnetismo animal uma transferência de fluidos, mas, sim, uma ação da vontade sobre os fluidos perispirituais, é indispensável que a outra ponta partilhe da vontade e da aceitação para que essa interação prolongada se cumpra.

Quando Mesmer e muitos de seus discípulos curavam, essa ação se dava através de incontáveis horas de aproximação com o paciente, da simpatização de ideias e, figurativamente, de energias e, então, o tratamento, quase sempre por meio de passes, se iniciava por prolongadas horas, podendo ser realizado com periodicidade, de modo a alcançar o resultado. O paciente, nesse estágio, se colocava totalmente à disposição e em favor da cura que, não raro, se produzia de forma notável. Depois, o Espiritismo veio demonstrar que a essas curas estão, quase sempre, associados Espíritos bondosos que auxiliam no processo.

The Mesmer Hangover – a major source of stigma for magnetic therapy...  since 1784!
Nota: essa imagem é apenas uma ilustração da imposição de mãos.

É claro que toda essa teoria de Mesmer não deixou de criar inimigos mordazes, mas isso é tema para uma leitura dedicada do leitor((FIGUEIREDO, Paulo Henrique de. Ibidem)).

Da mesma forma que se acontece com a cura, os rituais de magia negra e feitiçaria (que, na verdade, são a ação da vontade — embora maléfica — sobre o fluido perispiritual, com ou sem a participação de Espíritos inferiores) depende inexoravelmente da aceitação da contraparte para que a influência se cumpra. Veja que, de qualquer forma, não é um fluido que se transfere de um para outro, mas o efeito da ação mental de um sobre o outro. É por isso que, simplória e acertadamente, o dito “se não acreditar, não pega” é exato.

Ritual de magia negra com velas e runas | Foto Premium

Vou além: sabe aquela ideia de que palavras de ódio são um jato de energia negativa que atinge o outro? Também é mito. O outro só se contamina com o mau estado se ele permitir, e o que acontece não é que ele deixa entrar uma energia, mas sim que ele próprio cria a “má energia”.

Vemos, portanto, que, no que tange à “magia negra”, começar por dissolver a superstição é o primeiro bem que se faz. A criatura que nem sequer acredita nisso já se coloca um pé distante dessa influência. Contudo, resta dizer que a vibração, aqui, entra com muita propriedade: o indivíduo que, mentalmente, se afasta do bem, seja pela ação ostensiva no mal, seja pelo cultivo das paixões e imperfeições, coloca seu perispírito (sendo matéria, mas em estado quintessenciado) em estado vibratório suscetível de ser influenciado pelos pensamentos de outros Espíritos em mesma sintonia, encarnados ou desencarnados. Portanto, se o indivíduo estiver nesse estado, não receberá um influxo de magia como se fosse algo tangível, mas, pela ação do pensamento de outrem, poderá se influenciar. Aliás, nem é necessário recorrer à magia para isso: as pessoas se influenciam, positiva ou negativamente, dia após dia.

Tudo é energia?

Essa afirmação é extremamente comum: somos energia. Contudo, antes de prosseguir, temos que dizer: nem tudo é energia.

SOMOS ENERGIA! | Revista Statto

Nem Deus, nem os Espíritos são energia. Energia é algo físico. Deus é outra coisa, e Espírito é ainda outra coisa. Se fossem energia, seriam matéria e, portanto, estariam sujeitos às transformações da matéria, inclusive à desagregação e, portanto, teriam um fim. Mas sabemos que o Espírito é imortal e que Deus, além de imortal, não tem também um começo.

É por isso que nada que é material tem influência sobre o Espírito, a não ser que ele acredite nisso. Pelo mesmo princípio, nada que é espiritual tem ação direta sobre a matéria. Não fosse assim, seria muito fácil um mal Espírito promover uma ação maléfica material sobre um encarnado, inclusive lhe criando doenças e instalando “chips” de controle. Frisamos: tudo isso não passa de superstição, e é nesse sentido, aqui tão bem entendido, que, em O Livro dos Espíritos, consta o seguinte:

Pode um homem mau, com o auxílio de um mau Espírito que lhe seja dedicado, fazer mal ao seu próximo?

551. Pode um homem mau, com o auxílio de um mau Espírito que lhe seja dedicado, fazer mal ao seu próximo?

“Não; Deus não o permitiria.”

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, 1860

Em “Deus não o permitiria” está encerrada toda a explicação feita até aqui: um homem mau, com ou sem a ajuda de um mau espírito, não consegue fazer o mal contra outrem, através de magias, feitiços ou conjurações. “É da lei de Deus”.

Diríamos, porém: “mas um homem pode fazer um mal a outrem por meios diretos, físicos mesmo”. Isso parece lógico… Mas, se pensarmos de forma mais profunda, mesmo esse mal feito fisicamente, como, por exemplo, uma ferida por uma arma ou mesmo a morte, somente pode representar o mal para sua vítima se essa se permitir atingir. Ora, o outro pratica uma ação, afastada do bem, por ignorância de que está fazendo o mal para si mesmo. Por mais que me doa, é da minha escolha me deixar ser atingido por essa ação, me permitindo demorar sobre pensamentos de raiva, angústia, revolta, vingança, etc., que é quando eu mesmo faço o mal para mim. Veja que pensamento libertador!

Quer um exemplo prático? Pensemos em Jesus: do nosso ponto de vista, fizemos muito mal a ele. Do ponto de vista dele, contudo, nada do que fizemos o atingiu, e ele não sofreu nenhum mal, senão dores físicas, pois seu grau de elevação espiritual não lhe deixava mais suscetível a qualquer coisa que o fizessem. Eis a nossa meta.

Banhos de descarga, sal grosso, ervas e amuletos

Banho de sal grosso afasta más energias? Saiba como usar

Chegando a este ponto, supomos que já está bastante claro o princípio da ação “energética” entre os seres encarnados e o princípio da inexistência de uma ação energética entre Espíritos e encarnados, e vice-versa. Ficou evidenciado que nenhuma ação Espiritual, seja de um Espírito encarnado ou desencarnado, pode afetar diretamente outro indivíduo encarnado (e resta descartar que a ação entre Espíritos desencarnados é sempre moral e depende da aceitação do outro). Portanto, recomendar quaisquer artifícios materiais para atrair ou repelir essas influências é quase de todo uma perda de tempo, já que o que se quer é que a parte afetada racionalmente se coloque em atitude firme contra as influências do pensamento estranho, o que se dá apenas com a transformação moral ativa do indivíduo.

Mas e o efeito placebo? É claro que não o descartamos. Uma pessoa pode, sim, acreditando no poder de um amuleto ou de uma erva, ou ainda de uma limpeza corporal, ou do ambiente, assumir uma atitude diferente, mais positiva e ativa e, daí então, afastar as influências anteriores. Contudo, vejamos, aqui é a vontade dessa pessoa, e não a suposta força desses elementos, que promoveu a modificação de seu estado. Contudo, há um lado muito negativo nesse aspecto: sendo motivada por crenças supersticiosas e não científicas, muitas vezes a pessoa pode se esquecer do principal, que a própria modificação, outorgando o efeito desejado à ação desses elementos e, assim, prolongando seu próprio sofrimento.

E, é ainda mais claro, não estamos descartando os efeitos físicos que a matéria tem sobre a matéria; é, aliás, o princípio de tudo o que dissemos acima.

Para finalizar, podemos recorrer até à tão mencionada ação do mentor de André Luiz, no romance Nosso Lar, que vai à floresta, na Terra, e lá supostamente colhe elementos extraídos das árvores para tratar do corpo do indivíduo encarnado. Sabemos do princípio das curas espirituais, mas é importante lembrar que, para que essa ação seja possível — desde a colheita dos princípios naturais, até a aplicação ao enfermo, é necessária a existência de um médium que, mesmo sem consciência, possa fornecer algum fluido perispiritual específico para essa tarefa. Quem sabe, seguindo nessa teoria, isso não se deu através da própria filha de André Luiz, que demonstrava ter uma mediunidade latente?

E a prece ou a oração, funcionam?

Depende, porque a oração ou a prece deve ter o intuito honesto do indivíduo que reconhece suas imperfeições, suas faltas e roga o auxílio para vencer essas dificuldades. É esse o propósito da prece. Por ela, o indivíduo eleva seus pensamentos, muda sua sintonia e se coloca em contato com os Espíritos superiores — desde que sua intenção seja honesta e verdadeira.

Contudo, se a oração é feita “de boca pra fora”, uma repetição maquinal de fórmulas “sagradas” e se, sobretudo, ela transfere a responsabilidade a outrem, seja a Deus, seja a um Espírito de qualquer ordem, ela será ineficaz, já que a pessoa não está atenta e compromissada com sua própria modificação. Nem Deus, nem qualquer Espírito fazem nada por nós, senão nos inspirar e nos direcionar para as situações, os conteúdos e os conhecimentos que poderão nos auxiliar. Ou seja, nos levam até a porta, muitas vezes, mas abri-la e entrar é algo que depende de nós, exclusivamente.

Vejamos um exemplo:

“[…] Agora apelo ao Círculo de Segurança da 13ª dimensão para que sele, proteja e aumente completamente o escudo de Miguel Arcanjo, assim como para que remova qualquer coisa que não seja de natureza Crística e que exista atualmente dentro deste campo.

Agora apelo aos Mestres Ascensionados e a nossos assistentes Crísticos para que removam e dissolvam completamente, todos e cada um dos implantes e suas energias semeadas, parasitas, armas espirituais e dispositivos de limitação auto impostos, tanto conhecidos como desconhecidos. Uma vez completado isso, apelo pela completa restauração e reparação do campo de energia original, infundido com a energia dourada de Cristo.”

Esse é um trecho da tão conhecida “oração dos 21 dias de São Miguel Arcanjo para a libertação espiritual”. Analise esse trecho e, se desejar, o restante dela. Compare com tudo o que expusemos até aqui. Ela é repleta de conceitos falsos e é baseada no conceito heterônomo: faça por mim.

Portanto, repetimos, para frisar e finalizar: encarnados ou desencarnados, tudo, absolutamente tudo, do mal à cura, depende única e exclusivamente da ação da nossa vontade. Sem ela, nada se faz.




Podcasts de Espiritismo

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Colônia espiritual “Rancho Alegre” para animais

Muito se tem falado nesse tema. Muitos ensinam que os animais, depois da morte, vão para uma linda colônia espiritual, chamada Rancho Alegre, onde os animais ficariam juntos, em deleite das belezas naturais de lugares no mundo dos Espíritos. Parece bonito, mas é importante lembrar que o Espiritismo não pode ser feito sobre ideias que não tenham sido validadas pela metodologia científica necessária, porque, do contrário, falsas ideias podem gerar enganos, erros e apegos em nossas mentes.

Imagem: animais de várias espécies convivendo juntos numa espécie de paraíso, frequentemente utilizada para falar da ideia da suposta colônia espiritual Rancho Alegre

O que diz a ciência espírita

Kardec, em O Livro dos Espíritos, apresenta importantes conceitos sobre os animais:

597. Pois que os animais possuem uma inteligência que lhes faculta certa liberdade de ação, haverá neles algum princípio independente da matéria?

“Há, e que sobrevive ao corpo.”

a) – Será esse princípio uma alma semelhante à do homem?

“É também uma alma, se quiserdes, dependendo isto do sentido que se der a esta palavra. É, porém, inferior à do homem. Há entre a alma dos animais e a do homem distância equivalente à que medeia entre a alma do homem e Deus.”

598. Após a morte, conserva a alma dos animais a sua individualidade e a consciência de si mesma?

“Conserva sua individualidade; quanto à consciência do seu eu, não. A vida inteligente lhe permanece em estado latente.”

599. À alma dos bichos é dado escolher o animal em que encarne?

“Não, pois que não possui livre-arbítrio.”

Os animais, tem, portanto, uma alma, ou Espírito. Contudo, esse Espírito, apesar de não ser uma máquina, ainda não tem consciência de seu próprio “eu”. Não tem, portanto, livre-arbítrio, pois este vem com a consciência das leis de Deus:

621. Onde está escrita a lei de Deus?

“Na consciência.”

É quando o homem adquire a consciência que, com ela, adquire o livre-arbítrio. Antes, ele é imperado pelos instintos: a fome o chama a comer, o medo o chama a se proteger, a raiva serve para se defender. Ao adquirir o livre-arbítrio, passa a ter a livre escolha, de onde nascem erros e acertos. Dos erros, pode nascer um aprendizado ou uma paixão, que é quando o indivíduo escolhe utilizar o instinto para fortalecer um mau hábito que lhe cause algum tipo de regozijo. Disso, nasce uma imperfeição, que custará para ser vencida através das encarnações.

Animais não tem sofrimento moral, nem necessidade de refletir sobre eles

O animal, porém, não está nesse patamar evolutivo, ainda. Quando o leão mata a zebra, não está cometendo um mal, mas, sim, um bem, pois está agindo segundo as leis de Deus. O animal, portanto, não tem culpa, não tem arrependimento, enfim, não tem sofrimento moral (embora alguns animais aprendam, no contato com o ser humano, a esboçar reações similares). Vem daí que o Espírito vivendo a fase do animal não necessita do período entre as vidas para aprender e refletir, pois seu aprendizado, por enquanto, se dá diretamente no contato com a matéria, vivendo sob o instinto e sob alguma capacidade de vontade que, contudo, não representa o livre-arbítrio, o que coloca abaixo a ideia de uma colônia espiritual Rancho Alegre.

600. Sobrevivendo ao corpo em que habitou, a alma do animal vem a achar-se, depois da morte, num estado de erraticidade, como a do homem?

“Fica numa espécie de erraticidade, pois que não mais se acha unida ao corpo, mas não é um Espírito errante. O Espírito errante é um ser que pensa e obra por sua livre vontade. De idêntica faculdade não dispõe o dos animais. A consciência de si mesmo é o que constitui o principal atributo do Espírito. O do animal, depois da morte, é classificado pelos Espíritos a quem incumbe essa tarefa e utilizado quase imediatamente; não lhe é dado tempo de entrar em relação com outras criaturas.”

Já para o Espírito humano, o período de erraticidade, entre uma encarnação e outra, é necessário ao seu adiantamento e ao seu aprendizado:

227. De que modo se instruem os Espíritos errantes? Certo não o fazem do mesmo modo que nós outros?

“Estudam o seu passado e procuram meios de elevar-se. Veem, observam o que ocorre nos lugares aonde vão; ouvem os discursos dos homens esclarecidos e os conselhos dos Espíritos mais elevados, e tudo isso lhes incute ideias que antes não tinham.”

Precisamos retornar a Kardec

Portanto, amigos, reflitamos sobre a doutrina esquecida pelo Movimento Espírita brasileiro. Os livros de Kardec não nasceram por sua autoria, mas pelo estudo dedicado, organizado e metodológico da universalidade dos ensinamentos dos Espíritos. Na Doutrina Espírita, existe uma construção, onde cada ponto está firmemente estabelecido sobre outro, anteriormente estabelecido, pelo mesmo processo. É necessário, portanto, tomar muito cuidado com os “novidadeiros” do Espiritismo, falando, quase sempre, de suas próprias opiniões. Não é demais lembrar que aquilo que as pessoas veem em estado de sono ou de sonambulismo (desdobramento) não represente, sempre, a verdade, podendo estar alterado por ideias e crenças pessoais.

Kardec sempre destacou a necessidade de a tudo julgar, frente à razão e à ciência, coisa que o Movimento Espírita não tem feito. Esse mesmo Movimento, esquecido voluntariamente disso, passou a aceitar as comunicações espirituais e as opiniões de médiuns em destaque como se fossem algo inquestionável… O que é um enorme erro, já que o papel de qualquer médium é transmitir a comunicação, cabendo aos demais julgá-la em questão de sua aceitação ou não, e não cabendo ao médium melindrar-se por isso.

Este artigo, enfim, é praticamente um grito, um rogo: estudemos Kardec, estudemos a suas obras, pois a base da ciência espírita, essa mesma base da fé raciocinada, aquela que, segundo o professor, “… só é aquela que pode encarar frente a frente a razão, em todas as épocas da Humanidade”, está fundamentada ali. Em suma: não, os animais não vão para a Colônia Espiritual Rancho Alegre, pois não precisam disso. Em verdade, nem nós, Espíritos mais evoluídos, precisamos: é um mito que, quando morrer, nossos Espíritos irão para quaisquer colônias esperituais, tomar sopinha e descansar, porque o Espírito não precisa de nada disso.