Carta Psicografada do diretor da Chapecoense

Surgiu, recentemente, uma suposta carta psicografada do diretor da Chapecoense. O assunto é cansativamente repetitivo: sempre que acontece uma tragédia, seja individual, seja em grupo, que chama a atenção da sociedade, aparece uma suposta psicografia que, por falta de cuidado do Movimento Espírita, não por acaso vem repetir as falsas ideias ligadas aos dogmas da queda pelo pecado e do pagamento de dívidas, carma, castigo, lei do retorno, etc, já de muito superados pela ciência espírita desenvolvida pelos estudos de Allan Kardec.

Veja um trecho da suposta psicografia:

“O que parece ser injustiça, quando visto de cima, todas as ideias e conceitos sobre o divino são repensados, refeitos, colocados em testes, em refazimento. Quero primeiramente que saibam que nada acontece por acaso. Não existem vítimas no Universo. Colhemos o que plantamos. Aprendo aqui que esta é a lei universal e inalterável, (…) a lei da ação e reação […] Estávamos juntos em outras vidas e provocamos vários desastres aéreos no tempo das guerras. E a boa justiça divina nos chamou para o acerto!”.

Não cansamos de destacar o quão falsa é essa ideia, como já tratamos em extensão por mais de uma vez ((refira-se aos artigos “Lei de ação e reação, lei do retorno, carma: por que sofremos, segundo o Espiritismo?“, “Karma (ou carma), castigo, pecado e punição: como Kardec abordou tudo isso em A Gênese“, “O Espiritismo frente às guerras“)).

Não repetiremos aquilo que já dissemos nos artigos citados. Apenas lembraremos: cuidado, espíritas, pois os Espíritos enganam aos desavisados, a maioria dos médiuns e dos trabalhadores que não estudam a Doutrina Espírita. A esses, reproduzem comunicações carregadas de falsos conceitos, com um só objetivo: manter as mentes que as aceitam cegamente afastadas da verdadeira moral espírita, que é autônoma e que se pauta pelo princípio do progresso sucessivo.

São ideias repetidas por “professores” do Espiritismo, com canais e grupos repletos de centenas de milhares de pessoas, e que poderiam fazer um bem enorme a si mesmos e à sociedade, mas que escolhem vendar os olhos e tapar os ouvidos ao estudo necessário, por crerem já saber de tudo, posto que estão até mesmo “ensinando” os outros.

São, aliás, indivíduos que não pensam no grande mal que fazem ao Espiritismo e ao desrespeito a essas famílias, julgando os entes falecidos, quando lhes afirmam “criminosos do passado“.

A Justiça Divina não se pauta por cobrar dívidas, mas, sim, por permitir que todos os Espíritos cheguem ao destino, que é a perfeição relativa, pelo esforço próprio, consciente e autônomo. Portanto, supostas psicografias como essa suposta carta psicografada do diretor da Chapecoense só podem ser uma de três coisas:

  • Frutos de um Espírito obsessor ao qual o médium se entrega;
  • Frutos de um Espírito inferior, com quase nenhuma capacidade de compreensão do mundo espírita e apegado a velhas ideias religiosas;
  • Frutos da opinião do próprio médium.

Em qualquer do caso, a suposta psicografia deve ser sempre analisada por outras pessoas, conhecedoras do Espiritismo, e apenas colocadas a público quando verificadas importantes e racionais para o interesse geral.

O Grupo de Estudos O Legado de Allan Kardec repudia esse tipo de ato inconsequente, que a cada dia mais afasta do Espiritismo aqueles que, julgando pelo que veem reproduzido pelo Movimento Espírita, ausente dos estudos, não se conformam com tais disparates e com a ausência da razão e da caridade na Doutrina que diz primar por esses dois princípios fundamentais.




O silêncio do Movimento Espírita ante os temas sociais

Muitos tem falado num silêncio que o Movimento Espírita precisaria romper com relação à política. Devemos lembrar, é claro, que o silêncio do Movimento Espírita não se reflete tão-somente ao cunho político, mas é um silêncio generalizado ante à própria Doutrina, que recentemente se agita sob os estudos das obras originais de Kardec e das obras que retomam conhecimentos esquecidos no tempo.

É, claro que, no que tange à política, nós jamais estaremos apoiando quem quer que vise ligar o Espiritismo às ideologias, sobretudo quando essas ideologias não se pautam pelas ideias que expressaremos a seguir.

São várias as iniciativas que estão buscando se contraporem ao silêncio citado. Somente de grupos de estudos, conhecemos três ou quatro bastante fortalecidos, além dos papéis dos pesquisadores atuais, dentro os quais não é possível deixar de destacar Paulo Henrique de Figueiredo, em seu extenuado trabalho de recuperação das informações desconhecidas, principalmente aquelas relativas à moral autônoma e ao espiritualismo racional, bem como no trabalho tão importante que é retomar as obras originais de Kardec, não adulteradas.

Pois bem: esse trabalho, que prima pela questão da autonomia, toma por base inquestionável o poder de escolha autônoma que o Espírito deve ter. Não faltariam as citações, na obra de Kardec, dele e de Espíritos diversos, a esse respeito: o Espírito, para se modificar realmente, precisa agir por sua livre vontade e pela razão, sendo que esta dá base à outra. Não existe nenhuma iniciativa, política ou não, que tenha obtido sucesso em qualquer mudança social, duradoura e real, por menor que ela seja, com base na autoridade, apenas. É por isso que vejo sempre com muito cuidado o assunto da política atrelado a qualquer pensamento espírita: ele deveria, inexoravelmente, ser pautado pelo princípio da moral, aplicada às relações, desde os primeiros passos da criança sobre este planeta.

Não canso de destacar, e esta será sempre minha bandeira, após compreender o Espiritismo em sua essência: a transformação social somente se dará pela transformação do indivíduo, através da educação familiar e escolar. É para isso que precisamos voltar TODOS os nossos esforços, dentro e fora da política, sendo que o último seria um meio eficaz para fazer retornar à sociedade a moral pautada pelo Espiritualismo Racional, que compreende e distingue a diferença entre felicidade e infelicidade, que são características dos avanços da alma em direção ao bem, das emoções e dos prazeres, que são puramente materiais. É esse o entendimento que falta. O homem deixará de viver sob as pontes quando ele entender que depende de si mesmo, e de ninguém mais, seu progresso, e quando os demais compreenderem que a caridade é um dever moral e desinteressado, indo muito além da esmola que humilha as partes.

Voltemos nossas inteligências a esse propósito, prezados irmãos! As crianças continuam se tornando jovens e adultos repletos de imperfeições adquiridas, ou daquelas não corrigidas, em grande parte puramente pelos maus hábitos da educação, simplesmente porque ninguém está atento à necessidade urgente de chamar à razão a família e todos os funcionários da educação, pública e particular. Kardec via com olhos radiantes o futuro, porque acreditava que o modelo educacional, pautado pelo Espiritualismo Racional, continuaria a florescer e a se espalhar… Mas o apagar das luzes do século dezenove também jogaram nas sombras as filosofias que elevavam a alma acima da puerilidade da matéria.

Precisamos retroceder e entender Rousseau, Pestalozzi, Rivail, Biran, Janet e tantos outros livres-pensadores que jamais desejaram provocar as mudanças pela força, pois cedo perceberam que ela, em realidade, apenas produz agastamento e irritação. Diria Rivail, em seu “Plano Proposto para a Melhoria da Educação Pública”:

“A criança irritada, e não persuadida, se submete somente à força; nada lhe prova que ela agiu mal; ela sabe apenas que não agiu conforme a vontade do mestre; e esta vontade ele a considera, não como justa e razoável, mas como um capricho e uma tirania; ela se acredita sempre submetida ao arbítrio. Como se faz com que ela sinta comumente mais a superioridade física do que a superioridade moral, ela espera com impaciência ter ela própria bastante força para se subtrair a isso; daí este espírito hostil que reina entre os mestres e os seus alunos.”

Assim será, porque assim é, em qualquer aspecto do Espírito. Rivail não pensava nisso, quando escreveu essa obra, mas nós hoje sabemos, como ele veio a saber depois: a criança está animada do mesmo Espírito do adulto, apenas pouco mais limitado em suas percepções e capacidades. É o seu Espírito, portanto, e não seu corpo, que não se submete à força. Lembremos disso.

Paulo Degering Rosa Junior




O aborto e o Espiritismo: a REALIDADE sobre o assunto

Prezado leitor, o tema do aborto está em alta… E quantas opiniões absurdas, emitidas como “visão espírita do aborto”, chegamos a ver, sobre isso, no Movimento Espírita (que, hoje, não representa o Espiritismo)! “Mulheres que são inférteis é porque estão pagando por abortos em vidas passadas” é apenas um deles. Lembramos sempre: não existe carma, nem lei do retorno, nem pagamento de dívidas, nada disso.

Esses dias o tema voltou plenamente à ativa, por conta do caso da menina de Santa Catarina, que engravidou com 11 anos, e que dividiu a sociedade entre as opiniões, e não se deu menos no meio Espírita. Muitos, guiados por falsas ideias implantadas no Movimento, falam em pecado, carma, dívidas… Enfim, como já apontamos, nada disso existe em verdade, e o Espiritismo explica isso muito bem.

Vamos retomar O Livro dos Espíritos, verificando o que há, nele, sobre o assunto:

357. Que conseqüências tem para o Espírito o aborto?
“É uma existência nulificada e que ele terá de recomeçar.”

358. Constitui crime a provocação do aborto, em qualquer período da gestação?

“Há crime sempre que transgredis a lei de Deus. Uma mãe, ou quem quer que seja,
cometerá crime sempre que tirar a vida a uma criança antes do seu nascimento, por isso que
impede uma alma de passar pelas provas a que serviria de instrumento o corpo que se
estava formando.”

359. Dado o caso que o nascimento da criança pusesse em perigo a vida da mãe
dela, haverá crime em sacrificar-se a primeira para salvar a segunda?

Preferível é se sacrifique o ser que ainda não existe a sacrificar-se o que já existe

KARDEC, Allan. Grifos meus.

No estudo do Espiritismo, jamais se pode tomar um trecho isolado como regra geral. É preciso entender o todo, pois os Espíritos superiores frequentemente respondem objetivamente a uma pergunta, complementando-a ou esclarecendo outros pontos em outro momento. Ao não realizar o estudo dessa maneira, veríamos contradições que, na verdade, não existem.

Os Espíritos, na época de Kardec, frequentemente utilizavam a palavra “crime” para destacar qualquer ato que tomamos contra a Lei Natural. Contudo, o Espiritismo não é uma doutrina de dogmas, mas, sim, uma doutrina científica e racional. Ora, sendo que o fato da gestação possa colocar em risco a mãe, não é mais justo preservar a vida da mãe, que, talvez, poderá inclusive tentar uma nova gravidez? É importante lembrar que o progresso do Espírito é ininterrupto e, se não for possível aquela existência, ele precisará escolher uma outra.

Há, porém, o pensamento materialista que impera atualmente, a respeito do aborto, e que, fazendo do ser humano simples máquina biológica, quer transformar a prática em algo banal. Isso é um erro, é claro, mas digamos que o fato se dê, e que se torne legal a realização do aborto pela simples vontade da mãe. Quais serão as consequências, então, para os envolvidos, perante a lei de Deus?

Já vimos que, para o Espírito do feto, haverá a necessidade de reiniciar o planejamento encarnatório, o que nunca é fácil. Mas e para a mãe, que pratica o ato? Ela, segundo lemos acima, estaria incorrendo em crime contra a lei divina. Haverá, portanto, condenação?

É preciso lembrar, caro leitor, que não existe condenação, e que a punição é sempre um efeito da consciência do Espírito sobre o ato praticado. Ao praticar um erro por muitas vezes, o Espírito pode adquirir uma imperfeição, que o fará sofrer e, eventualmente, se arrepender e buscar reparação (em si mesmo). Sobre esse assunto, recomendamos ao leitor assistir os estudos travados neste vídeo, com Paulo Henrique de Figueiredo. Mas, e se o indivíduo não está consciente daquilo que faz?

Uma mulher pode, por exemplo, sem planejar, engravidar. Estando afastada da compreensão das leis divinas, e não desejando ter aquele filho, pratica, então, o aborto, em qualquer estágio da gestação. Ela nem pensa sobre isso, porque, para ela, é algo simples e sem implicações. Tecnicamente, cometeu um “crime”, mas qual será seu sofrimento perante isso? Talvez nenhum, ao menos até que, pelo entendimento, seu pensamento mude. Mas, nesse caso, talvez, quando ela entenda o erro que fez, e que nunca mais tenha cometido, já esteja tão adiante, que somente restará um arrependimento, mas que não necessariamente gerará sofrimento. É um erro. Nós erramos em nosso progresso. O problema é repetir o erro conscientemente.

Outro caso seria o da mulher que, entregue às emoções, frequentemente, por ato inconsequente, engravide e que, toda vez que engravide, aborte. Ela estará, toda vez, abortando o planejamento de um Espírito, mas o quadro demonstra que o que ela faz surge de um desconhecimento e também de um afundamento nos prazeres da matéria. Vê o caminho que ela precisará percorrer, até alcançar o entendimento de que aquilo que ela faz é errado? Ela precisará “pagar” pelo que faz? Não, é claro, porque, presentemente, ela já sofre pelos efeitos de sua forma de pensar e agir, que a afastam do bem — mesmo que não esteja consciente disso. Pode ser que, quando adquira consciência e entenda seu erro, escolha um gênero de vida que lhe leve a lutar diretamente contra suas imperfeições, como também pode ser que, dependendo de suas crenças, se sinta tão culpada que escolha reencarnar sem a possibilidade de ter filhos, o que pode ser mais ou menos útil na sua expiação, isto é, no processo de vencer aquelas imperfeições.

E no que tange ao Espírito do feto abortado? Ficará triste, irritado? Odiará a ex-mãe? Desejará vingança? É claro que tudo isso depende do seus graus de entendimento e de evolução, tudo dependendo de suas escolhas.

Em tudo, no que tange às transgressões da lei divina ou natural, os efeitos e as possibilidades são infinitas, porque dependem do nível de consciência do indivíduo sobre o que faz. É fato que o aborto impensado e generalizado é um erro profundo para o Espírito, mas isso se dá, penso eu, muito menos pelo ato em si, e muito mais pelo contexto que leva o erro a existir, e que é sempre fruto de um completo desconhecimento da moral espiritualista. Quem pratica o aborto de forma inconsequente quase sempre demonstra um pensamento materialista que, com certeza, em diversos aspectos da vida, faz o indivíduo sofrer.

Muito melhor do que ficar querendo adivinhar, pela visão presente de um sofrimento, a infinitude de possibilidades pretéritas que o originou, é buscar estudar o Espiritismo, em Kardec, e espalhar o conhecimento. Se a maior parte do mundo conhecesse a Doutrina Espírita e a avaliasse racionalmente, não estaríamos aqui falando sobre isso. Enquanto, porém, a humanidade estiver mergulhada no materialismo ou no dogma, que leva ao materialismo, os mesmos erros e as suas consequências penosas continuarão sendo perpetrados.

É claro que o Espiritismo não pode ser a favor do aborto facilitado. De certa forma, não podemos ser a favor da legalização dessa prática. Mas, então, caímos na velha discussão: até que ponto o Estado pode interferir nas decisões individuais que, pelo menos sob a ótica materialista, afetam apenas o indivíduo em si? Constatamos, uma vez mais, que a luta política não modificará a sociedade pela imposição. A transformação tem que vir da base, desde a infância, através da educação, abarcando a moral e a racionalidade.




Conselhos para a formação de grupos espíritas, por Allan Kardec

Deixamos abaixo, pelo interesse despertado, os conselhos dados por Allan Kardec, em 1862, a respeito da formação de grupos Espíritas, dados em ocasião da Viagem Espírita de 1862.

Em várias localidades solicitaram-me conselhos para a formação de grupos espíritas. Tenho pouca coisa a dizer a respeito, além das instruções contidas em O Livro dos Médiuns. Acrescentarei apenas algumas palavras.

A primeira condição é formar um grupo de pessoas sérias, por mais restrito que seja. Cinco ou seis membros esclarecidos, sinceros, penetrados das verdades da Doutrina e unidos pela mesma intenção, valem cem vezes mais do que a inclusão, nesse grupo, de curiosos e indiferentes. Em seguida, que esses membros fundadores estabeleçam um regulamento que se tornará em lei para os novos aderentes.

Esse regulamento é muito simples e quase só comporta medidas de disciplina interior, pois não exige os mesmos detalhes requeridos para uma sociedade numerosa e regularmente constituída. Cada grupo pode, pois, estabelecer-se como bem o entenda. Todavia, para maior facilidade e uniformidade, darei um modelo, que poderá ser modificado conforme as circunstâncias e as necessidades do lugar. Em todo o caso, o objetivo essencial proposto deve ser o recolhimento, a manutenção da mais perfeita ordem e o afastamento de qualquer pessoa que não estivesse animada de intenções sérias e pudesse transformar-se numa causa de perturbação. Eis por que nunca se seria demasiado severo em relação aos novos elementos a serem admitidos. Não temais que essa severidade prejudique a propagação do Espiritismo. Muito ao contrário: as reuniões sérias são as que fazem mais prosélitos. As reuniões frívolas, as que não são conduzidas com ordem e dignidade, nas quais o primeiro curioso que aparece pode vir despejar suas facécias, não inspiram nem atenção, nem respeito e delas os incrédulos saem menos convencidos do que ao entrarem. Estas reuniões fazem a alegria dos inimigos do Espiritismo, ao passo que as outras são o seu pesadelo e eu conheço pessoas que veriam de bom grado a sua multiplicação, contanto que as outras desaparecessem. Felizmente, é o contrário que acontece. É preciso, além disso, persuadir-se de que o desejo de ser admitido nas reuniões sérias aumenta em razão da dificuldade. Quanto à propaganda, ela se faz bem menos pelo numero dos assistentes, que uma ou duas sessões não podem convencer, do que pelo estudo prévio e pela conduta dos membros fora das reuniões.

[…]

Tampouco deveis recear a admissão dos jovens. A gravidade da assembleia refletir-se-á em seu caráter; eles se tornarão mais sérios e ainda cedo poderão haurir, no ensino dos bons Espíritos, esta fé viva em Deus e no futuro, esse sentimento dos deveres da família, que os tornarão mais dóceis, mais respeitosos, e que modera a efervescência das paixões.

[…]

Recentemente formaram-se alguns grupos especiais, cuja multiplicação jamais deixaríamos de encorajar: são os denominados grupos de ensino. Neles, ocupam-se pouco ou nada das manifestações, mas, sim, da leitura e da explicação de O Livro dos Espíritos, de ‘O Livro dos Médiuns’ e de artigos da Revista Espírita((O estudo da Revista Espírita, sendo realizado por este grupo, pode ser melhor entendido aqui e acompanhado em nosso canal, aqui)).

Algumas pessoas devotadas reúnem com esse objetivo certo número de ouvintes, suprindo para eles as dificuldades de ler e estudar por si mesmos. Aplaudimos de todo o coração essa iniciativa que, esperamos, terá imitadores e não poderá, em se desenvolvendo, deixar de produzir os mais felizes resultados.

Para isso não se tem necessidade de ser orador ou professor; é uma leitura em família, seguida de algumas explicações sem pretensão à eloquência, e que está ao alcance de toda gente.

[…]

Espero que não achem ruim que eu indique essas obras como base do ensino, uma vez que são as únicas em que a ciência espírita está desenvolvida em todas as suas partes e de maneira metódica((Em 1862, essas eram as obras existentes e publicadas. Hoje, com a restauração das versões originais de O Céu e o Inferno e A Gênese (editora FEAL), recomenda-se também o estudos dessas, sobretudo para o entendimento da parte filosófica da Doutrina Espírita. O Grupo de Estudos Espiritismo Para Todos (EPT) está desenvolvendo um grande e rico trabalho de estudos dessas obras (conheça mais clicando aqui))).

[…]

Eis um outro hábito, cuja adoção não é menos útil. É essencial que cada grupo recolha e passe a limpo as comunicações obtidas, a fim de a elas facilmente recorrer em caso de necessidade. Os Espíritos que vissem desprezadas suas instruções logo abandonariam as reuniões; mas é necessário, sobretudo, que se faça à parte uma coletânea especial, organizada e clara, das comunicações mais belas e mais instrutivas, e reler algumas delas em cada sessão, a fim de aproveitá-las melhor.




Carta do Espírito de Allan Kardec a Gabriel Dellane

Poucos sabem, mas Kardec não ficou em silêncio após sua morte. O livro Beacoup de Lumiere (Muita Luz), de Berthe Fropo (clique aqui para baixar), apresenta algumas de suas comunicações pós-morte, sempre em tom de extrema concordância com sua forma de se expressar, sempre séria, mas gentil e fraterna.

Em 18 de maio de 1882, uma comunicação muito tocante, no que tange à Doutrina Espírita, foi dada a Gabriel Dellane, que reproduzimos abaixo na íntegra:

Por algum tempo eu estive convosco, feliz por vê-los resolvidos a retomar valentemente o vosso papel de propagador da fé espírita.

A doutrina, por assim dizer, ficou adormecida desde a minha partida. Era impossível que fosse de outra forma, já que meu desaparecimento súbito não me deu tempo para realizar os projetos que havia feito e que permitiria a uma coletividade homogênea continuar o trabalho que havia sido iniciado. Então, as desgraças que surgiram em nossa querida pátria obrigaram cada um a trabalhar materialmente para melhorar sua própria situação e a de nosso querido país. Pois deve-se admitir que a maior parte dos espíritas, sendo como os primeiros apóstolos, sem fortuna, tem o dever de prover as necessidades diárias de suas famílias.

Essa é uma obrigação da qual ninguém tem o direito de escapar. O trabalho é uma lei imposta ao homem pelo Criador, é importante realizá-lo. Por conseguinte, era preferível ao espiritismo que continuasse a se espalhar entre as famílias sem brilho, em vez de ser desviado do seu verdadeiro caminho, que é o estudo dos fatos e o reconhecimento das manifestações dos desencarnados que viveram na terra.

Não tenhais medo de chamá-los, não importa o quão grande eles vos possam parecer, e qualquer papel que possam ter realizado aqui embaixo; quanto mais evoluídos forem eles, mais fácil é que eles se entreguem ao vosso chamado, o envelope perispiritual do espírito tendo sido banhado no fluido ambiental do planeta, conserva nele, eternamente, a faculdade de ir a todos os lugares onde a lembrança o chama, e especialmente quando este espírito cumpriu um papel missionário em um desses mundos onde ele é desejado. Quanto mais o espírito é elevado, mais lhe é fácil atravessar os espaços. O espírito pode percorrer todos os mundos em que viveu, com tanta facilidade quanto é para vós ir de um país a outro, sem que sejais obrigados a deixar uma parte de vós mesmos no caminho; se, por exemplo, vós viajardes do norte para o sul, vós deixareis uma roupa quente para colocar uma nova fresca; vós vos ajustareis ao ambiente em que vos encontrais, e nada será capaz de se opor à vossa transformação transitória, se vós tiverdes sido precavidos. É o mesmo com os espíritos superiores, tendo adquirido a onipotência sobre a matéria, eles a transformam como desejam sem que nenhuma lei se oponha. Quem diz espírito superior, diz humildade, amor e caridade. Exemplo: Cristo veio encarnar em uma família humilde e pobre. Ele teve os seus motivos. Foi para nos mostrar que não devemos ter medo de chamá-lo para nós, pois era o ambiente que ele preferia. Não tenhais medo de chamar todos aqueles por quem tenhais grande simpatia. Eles sempre estarão felizes com vossaS evocações.

Estou jubiloso com o despertar que se opera e vos devo dizer que a ele não estou indiferente; tampouco ao novo conhecimento que vós fazeis desses caros amigos, repletos de boa vontade e que farão tudo o que lhes for possível para levar a obra a um bom fim. Mas eles precisam ser ajudados e assistidos.

É dever de todo espírita sincero evitar que a doutrina seja desviada de seu verdadeiro curso; portanto, meus amigos, eu conto convosco. Sei o quanto amais nossa querida filosofia e o quanto desejais vê-la triunfar; eis porque vos disse essas coisas; são conselhos de amigo que vos dou, sabendo que vos agradarei, e que vós vos esforçareis para trabalhar pela obra de regeneração à qual me devotei, Sublime missão que é a de ensinar aos seus irmãos o caminho da felicidade que é aquela, como dizia o Cristo, “da vida eterna”.

Retornem, portanto, corajosamente à luta; quanto mais trabalharem pelos outros, mais lhes será dado por vós mesmos.

Somente se pode julgar uma causa quando se estudou bem sobre a mesma e quando a ela se está bem identificado. É o mesmo caso do trabalho. Para conhecer-se as leis, é necessário trabalhar por si mesmo, se se quer raciocinar com precisão e ajudar a resolver a maior questão do século, que é a compreensão do trabalho e do capital.

Ah! se os homens encarregados da marcha do progresso desejassem se ocupar seriamente do espiritismo, que poderosa alavanca eles teriam tido em suas mãos!

O capítulo das responsabilidades é o único capaz de fazer bem compreender os trabalhadores e cavalheiros que eles são semelhantes aos poderosos, mas que não é somente a si mesmos que devem a situação momentânea que ora ocupam, situação essa que eles poderão melhorar facilmente no dia em que compreenderem a lei de reencarnação. Trabalhai, portanto, incansavelmente e com coragem para o edifício social e moral de nossa doutrina; os meios vos serão dados. A hora chegou, a ocasião se apresenta hoje, secundai-a, queridos amigos, com toda a vossa força; apelai-nos. Organizai-vos em um comité. Lede, relede, comentai todos os fatos que vos sujeitem e cuidai bem para não serdes absolutos sobre qualquer outro ponto que não aqueles fundamentais, quer dizer, a crença nas manifestações e na reencarnação. Não avançai os fatos que estejam sob reserva. Em uma palavra, fazei como eu fiz. Vós me vistes ao trabalho.

Allan Kardec. Grifos meus.

Nada mais claro e belo. A Doutrina carece de defesa, e precisa do esforço individual de cada um de nós.

Em seguida a esta comunicação, houve este complemento:

Não desejo fatigar o médium. Entretanto, eu vos exorto a ir ver minha cara esposa. É necessário no interesse da doutrina (isto para vós, pessoalmente). É bem difícil julgar o coração humano, porque se ele tem suas horas de desfalecimento, também as tem de refazimento. Ide, pois, sem tardar, e vós me sereis muito agradáveis.

Allan Kardec

Cremos importante citar, também, os dois parágrafos seguintes, da autora, que dão complemento a essa comunicação apresentada:

Apesar dessa urgente injunção, o senhor e a senhora Delanne permitiram passar o mês de julho sem se perturbarem; somente no final do mês de agosto, a partir das novas comunicações, dizendo-lhes o quanto o retardo deles era prejudicial à doutrina, que eles foram lá e Madame Kardec acolheu-os com uma profunda alegria; ela viu, finalmente, o amanhecer daquela sociedade há muito tempo prometida. Eles lhe propuseram ser a presidente, mas ela recusou, em razão dela já estar bem doente. “De coração, estou convosco”, disse-lhes ela, porém, recusava-se a combater “e destruir a sociedade que fundamos, meu marido e eu. Eu vos darei uma presidente, minha melhor e mais fiel amiga, reflexo de mim mesma, e permanecerei neutra”.

Sr. Delanne lhe contou que na Bélgica temia-se uma cisão inquietante para a doutrina, que um espírita muito zeloso queria fazer do espiritismo uma religião com culto e cerimônias. Ela rejeitou essa ideia energicamente, dizendo: “Se o espiritismo transformar-se em uma religião, nós não seremos mais do que uma seita, e a doutrina, esta bela filosofia, perder-se- á”. Ela também rejeita a palavra federação, que soava mal aos ouvidos depois da comuna. Ficou estabelecido que nós faríamos um apelo a todos os espíritas sinceros, elaboraríamos o estatuto e que a sociedade receberia o título de “União Espírita Francesa“.

Berthe Fropo

Amigos, a comunicação e os fatos supracitados não poderiam ser mais contemporâneos. Quanto tempo mais deixaremos o tempo passar, sem fazer nada? Quanto tempo mais deixaremos no esquecimento o trabalho de Allan Kardec, tão sério e tão importante, na transformação da humanidade? Muito criticamos os Espíritos que desvirtuam o Espiritismo com suas falsas concepções da Doutrina, mas que seriam eles, senão meras vozes que poucos escutam, se a força da maioria estivesse sob o Espiritismo em sua essência – em outras palavras: se os espíritas estudassem?

Parafraseando Kardec, “é dever de todo espírita sincero evitar que a doutrina seja desviada de seu verdadeiro curso“. E tanto nosso grupo, quanto o grupo amigo, Grupos de Estudos ESPIRITISMO PARA TODOS (EPT), carecemos de voluntários. Estamos bastante sobrecarregados!

Exemplos de auxílios que muito poderiam ajudar a todos nós:

  • compartilhamento de conteúdos nos grupos possíveis
  • criação de vídeos curtos, com trechos interessantes, para compartilhar nas plataformas de vídeos (tiktok, reels, etc).
  • criação de textos essenciais, linkando os vídeos de estudos e os textos abordados, de Kardec, para publicação nos nossos blogs (e outros)
  • extração de áudios para publicação nas plataformas de podcasts
  • outros

Se você puder ajudar e desejar se voluntariar a cooperar nesse importante trabalho, por favor, entre em contato através do WhatsApp: https://wa.me/5515998628392.

Mas, se você quer apenas estudar, clique aqui.




Primeiras lições de moral da infância

Foto de samer daboul: https://www.pexels.com/pt-br/foto/fotografia-de-criancas-felizes-1815257/

Quem já se aventurou a conhecer um pouquinho mais da história de Allan Kardec, sabe que ele foi educado pelo método de Pestalozzi, sendo um de seus mais exemplares discípulos. Para seu mestre, a educação deve ser pautada pelos princípios da fraternidade e do amor, afastada dos conceitos de pecado e castigo, o que moldou demais a forma de pensar de Kardec, que, depois, se fundamentou ainda mais plenamente pelo Espiritualismo Racional e, posteriormente, pelo Espiritismo. Sabemos também que o caráter investigativo e humilde do professor Rivail também foi formado basilarmente por essa educação, pautada pela exploração das ciências naturais através do método científico, e isso, é claro, explica muito a maneira pela qual ele agia frente ao Espiritismo.

Tudo isso – a fraternidade, o aprendizado pelos princípios morais do bem e das leis de Deus, a caridade desinteressada, que é fruto desse aprendizado, a humildade, que nasce do coração daquele que jamais toma por princípio que a sua palavra é a última, enfim, tudo aquilo que está encerrado na metodologia pestalozziana – dá base a uma educação de muito melhor qualidade, desde os primeiros passos do ser humano sobre a Terra. Ela é, não hesito em dizer, uma das maiores ferramentas para a (trans)formação da sociedade, complementada grandemente pelo entendimento das leis que o Espiritismo veio demonstrar. As duas, juntas, têm o maior poder de, desde a infância, impedir a instalação ou o desenvolvimento dos mais danosos hábitos para o indivíduo e para a sociedade – o egoísmo e o orgulho – mas, até hoje, nenhuma delas ganhou o espaço merecido, por conta do apego humano aos falsos conceitos que, de cara, parecem agradar, mas que, no fundo, causam apenas infelicidade e atraso.

Para exemplificar tudo isto, nada melhor do que reproduzir, na íntegra, o conteúdo do artigo homônimo de Allan Kardec, apresentado na Revista Espírita de fevereiro de 1864.

De todas as chagas morais da Sociedade, parece que o egoísmo é a mais difícil de desarraigar. Com efeito, ela o é tanto mais quanto mais é alimentada pelos próprios hábitos da educação. Parece que se toma a tarefa de excitar, desde o berço, certas paixões que mais tarde tornam-se uma segunda natureza. E admiram-se dos vícios da Sociedade, quando as crianças o sugam com o leite. Eis um exemplo que, como cada um pode julgar, pertence mais à regra do que à exceção.

Numa família de nosso conhecimento há uma menina de quatro a cinco anos, de uma inteligência rara, mas que tem os pequenos defeitos das crianças mimadas, isto é, é um pouco caprichosa, chorona, teimosa, e nem sempre agradece quando lhe dão qualquer coisa, o que os pais cuidam bem de corrigir, porque fora esses defeitos,segundo eles, ela tem um coração de ouro, expressão consagrada. Vejamos como eles se conduzem para lhe tirar essas pequenas manchas e conservar o ouro em sua pureza.

Um dia trouxeram um doce à criança e, como de costume, lhe disseram: “Tu o comerás se fores boazinha”. Primeira lição de gulodice. Quantas vezes, à mesa, não dizem a uma criança que não comerá tal petisco se chorar. “Faze isto, ou faze aquilo”, dizem, “e terás creme” ou qualquer outra coisa que lhe apeteça, e a criança se constrange, não pela razão, mas em vista de satisfazer a um desejo sensual((Desejo dos sentidos)) que a aguilhoa.

É ainda muito pior quando lhe dizem, o que não é menos frequente, que darão o seu pedaço a uma outra. Aqui já não é só a gulodice que está em jogo, é a inveja. A criança fará o que lhe dizem, não só para ter, mas para que a outra não tenha. Querem dar-lhe uma lição de generosidade? Então lhe dizem: “Dá esta fruta ou este brinquedo a fulaninho”. Se ela recusa, não deixam de acrescentar, para nela estimular um bom sentimento: “Eu te darei um outro”, de modo que a criança não se decide a ser generosa senão quando está certa de nada perder.

Certo dia testemunhamos um fato bem característico neste gênero. Era uma criança de cerca de dois anos e meio, a quem tinham feito semelhante ameaça, acrescentando: “Nós o daremos ao teu irmãozinho, e tu ficarás sem nada.” Para tornar a lição mais sensível, puseram o pedaço no prato do irmãozinho, que levou a coisa a sério e comeu a porção. À vista disso, o outro ficou vermelho e não era preciso ser nem o pai nem a mãe para ver o relâmpago de cólera e de ódio que partiu de seus olhos. A semente estava lançada: poderia produzir bom grão?

Voltemos à menina, da qual falamos. Como ela não se deu conta da ameaça, sabendo por experiência que raramente a cumpriam, desta vez foram mais firmes, pois compreenderam que era necessário dominar esse pequeno caráter, e não esperar que com a idade ela adquirisse um mau hábito. Diziam que é preciso formar cedo as crianças, máxima muito sábia e, para a pôr em prática, eis o que fizeram: “Eu te prometo, disse a mãe, que se não obedeceres, amanhã cedo darei o teu bolo à primeira menina pobre que passar.” Dito e feito.

Desta vez queriam manter a promessa e dar-lhe uma boa lição. Assim, no dia seguinte, de manhã, tendo visto uma pequena mendiga na rua, fizeram-na entrar e obrigaram a filha a tomá-la pela mão e ela mesma lhe dar o seu bolo. Então elogiaram a sua docilidade. Moral da história: A filha disse: “Se eu soubesse disto teria me apressado em comer o bolo ontem.” E todos aplaudiram esta resposta espirituosa. Com efeito, a criança tinha recebido uma forte lição, mas de puro egoísmo, da qual não deixará de aproveitar-se uma outra vez, pois agora sabe quanto custa a generosidade forçada. Resta saber que frutos dará mais tarde esta semente quando, com mais idade, a criança fizer a aplicação dessa moral em coisas mais sérias que um bolo.

Sabe-se todos os pensamentos que este único fato pode ter feito germinar nessa cabecinha? Depois disto, como querem que uma criança não seja egoísta quando, em vez de nela despertar o prazer de dar e de lhe representar a felicidade de quem recebe, impõem-lhe um sacrifício como punição? Não é inspirar aversão ao ato de dar e àqueles que necessitam?

Outro hábito, igualmente frequente, é o de castigar a criança mandando-a comer na cozinha com os criados. A punição está menos na exclusão da mesa do que na humilhação de ir para a mesa dos serviçais. Assim se acha inoculado, desde a mais tenra idade, o vírus da sensualidade, do egoísmo, do orgulho, do desprezo aos inferiores, das paixões, numa palavra, que com razão são consideradas como as chagas da Humanidade.

É preciso ser dotado de uma natureza excepcionalmente boa para resistir a tais influências, produzidas na idade mais impressionável, na qual não podem encontrar o contrapeso nem da vontade, nem da experiência. Assim, por pouco que aí se ache o germe das más paixões, o que é o caso mais ordinário, dada a natureza da maioria dos Espíritos que se encarnam na Terra, ele não pode deixar de desenvolver-se sob tais influências, ao passo que seria preciso observar-lhe os menores traços para reprimi-los.

A falta, sem dúvida, é dos pais, mas é preciso dizer que muitas vezes estes pecam mais por ignorância do que por má vontade. Em muitos há, incontestavelmente, uma culposa despreocupação, mas em muitos outros a intenção é boa, no entanto, é o remédio que nada vale, ou que é mal aplicado.

Sendo os primeiros médicos da alma de seus filhos, os pais deveriam ser instruídos, não só de seus deveres, mas dos meios de cumpri-los. Não basta ao médico saber que deve procurar curar, é preciso saber como agir. Ora, para os pais, onde estão os meios de instruir-se nesta parte tão importante de sua tarefa? Hoje dá-se muita instrução à mulher; fazem-na passar por exames rigorosos, mas algum dia foi exigido da mãe que soubesse como fazer para formar o moral de seu filho?

Ensinam-lhe receitas caseiras, mas foi iniciada aos mil e um segredos de governar os jovens corações?

Os pais, portanto, são abandonados sem guia à sua iniciativa. É por isto que tantas vezes seguem caminhos errados. Assim recolhem, nos erros dos filhos já crescidos, o fruto amargo de sua inexperiência ou de uma ternura mal compreendida, e a Sociedade inteira lhes recebe o contragolpe.

Considerando-se que o egoísmo e o orgulho são reconhecidamente a fonte da maioria das misérias humanas; que enquanto eles reinarem na Terra não se pode esperar nem paz, nem caridade, nem fraternidade, então é preciso atacá-los no estado de embrião, sem esperar que fiquem vivazes.

Pode o Espiritismo remediar esse mal? Sem dúvida nenhuma, e não hesitamos em dizer que ele é o único suficientemente poderoso para fazê-lo cessar, pelo novo ponto de vista com o qual ele permite perceber a missão e a responsabilidade dos pais; dando a conhecer a fonte das qualidades inatas, boas ou más; mostrando a ação que se pode exercer sobre os Espíritos encarnados e desencarnados; dando a fé inquebrantável que sanciona os deveres; enfim, moralizando os próprios pais. Ele já prova sua eficácia pela maneira mais racional empregada na educação das crianças nas famílias verdadeiramente espíritas. Os novos horizontes que abre o Espiritismo fazem ver as coisas de outra maneira. Sendo o seu objetivo o progresso moral da Humanidade, ele forçosamente deverá iluminar o grave problema da educação moral, primeira fonte da moralização das massas. Um dia compreender-se-á que este ramo da educação tem seus princípios, suas regras, como a educação intelectual, numa palavra, que é uma verdadeira ciência. Talvez um dia, também, será imposta a toda mãe de família a obrigação de possuir esses conhecimentos, como se impõe ao advogado a de conhecer o Direito.

Kardec dá todo o peso à responsabilidade que temos perante as crianças e seus hábitos. O Espiritismo mostra a origem das tendências inatas infantis, mas demonstra, também, que o Espírito encarnado numa criança pode não ser forte, ainda, para resistir a um mau hábito que seus pais ou cuidadores lhes ensinem desde os primeiros passos. Criam-se, assim, imperfeições que muito poderão custar a serem vencidas…

Comumente, na carne, o fruto dessas imperfeições levará esses a perguntarem: “o que foi que eu fiz para merecer isso?”, ou então “onde foi que eu errei?”. Contudo, basta que a razão fale um pouquinho mais alto à consciência para que se joguem em pesadas lamentações, nascidas do fruto da constatação de que o sofrimento pelo qual o filho poderá ter passado não só por uma, mas por muitas vidas terrestres, se originou, senão em tudo, mas ao menos em parte, na primeira semente lançada e cultivada por aqueles que lhes deveriam auxiliar a se desenvolver sob a moral do bem, e não a dele se afastarem.

Portanto, pais e cuidadores, muito mais atenção para com os Espíritos que Deus lhes confiou como filhos. Serão as suas próprias consciências, e não Deus, quem vai lhes cobrar, amanhã…




Análise da obra “O Livro dos Espíritos – A obra interminável”

Sob um título muito interessante, encontrei, hoje, essa obra, um compêndio de perguntas e respostas, distribuída gratuitamente, em PDF, na Internet. Fui então analisá-la, razão pela qual deixo, aqui, minhas observações sobre esse trabalho.

Devo destacar que a intenção não é de denegrir ou zombar dos esforços que muitos fazem, e que, creio eu, tem uma boa intenção, quase sempre. Contudo, precisamos, quando falamos em Espiritismo, entender que essa ciência, em definitivo, não se faz de opiniões isoladas, e que qualquer comunicação espírita que não tenha atendido ao método do duplo controle da razão e da universalidade dos ensinamentos dos Espíritos não pode ser tomada, senão, como uma opinião. No artigo “O papel do pesquisador e do médium nas comunicações com os Espíritos” já apontamos, segundo o Espiritismo, as diversas razões para isso.

Essa obra assim inicia:

Esta obra, elaborada por espíritos encarnados e desencarnados, está estruturada em perguntas e respostas, notas explicativas e textos complementares, notas de rodapé e preces. Destina-se a todos que desejam iniciar ou aprofundar seu vínculo com o Criador através da leitura instrutiva e reflexiva, da oração, da prática do amor e da caridade, do autoconhecimento e da busca constante por reforma íntima

Até bem pouco tempo atrás eu não veria nisso problema algum. Hoje, porém, eu entendo que existe um grande equívoco na tão falada “reforma íntima”, que nunca esteve, nem com essas palavras, nem com outras, na obra de Allan Kardec. Por quê? Simplesmente porque não se reforma o que não está estragado. Ora, somos Espíritos em evolução, errando e acertando e, algumas vezes, adquirindo maus hábitos que se tornam imperfeições. Quando existe a imperfeição, haveremos de ter algum trabalho em nos desapegar dela – aí sim havendo um certo trabalho de “reforma” – contudo não podemos admitir como pressuposto generalizado o fato de que todos nós devamos nos reformar, como o Movimento Espírita tem apregoado largamente. Isso coloca um grande peso de culpa nas costas daqueles que estão simplesmente buscando aprender e evoluir, mas que passam a se acreditar, sempre, como “coisas quebradas” – e isso está, no fundo, ligado às falsas concepções da queda pelo pecado.

Complementação

No capítulo I – Complementação – I – Propósito da Obra, diz-se o seguinte:

1. Com qual propósito foi lançado O Livro dos Espíritos, em 1857, por Allan Kardec?
— Libertar os encarnados através da verdade, instruí-los e, consequentemente, levá-los à prática do bem.

A. Esse propósito foi alcançado?
— Sim; obviamente que depende do livre-arbítrio de cada indivíduo, mas tudo está nos planos de Deus.

B. Diante disso, é necessário complementá-lo?
— Sim, as comunicações e formas de entendimento modificam-se com o passar do tempo, e é importante que os ensinamentos acompanhem essas mudanças.

Nota: A intenção jamais será contestar o que já foi escrito, e sim afirmá-lo com mais clareza e objetividade, para que não haja dubiedade de entendimento, trazendo a verdade de modo mais explícito, com o intuito de promovermos a prática outrora exemplificada pelo mestre Jesus.

É claro que, para complementar alguma coisa, sobretudo quando se trata de complementar o Espiritismo, através de “comunicações de Espíritos Superiores”, é totalmente necessário que uma série de quesitos se cumpra:

  1. O ser humano deve estar preparado para isso, tendo conhecido e entendido profundamente, e de forma contextualizada, tudo aquilo que deu base à formação dessa Doutrina. Como veremos, esse primeiro ponto não foi atendido.
  2. Quando os Espíritos demandam auxiliar o homem a alcançar novos conhecimentos, eles agem distribuindo o mesmo conhecimento através de todos os cantos do mundo, simultaneamente. Isso é necessário a fim de que, à luz da lógica e da razão, os pesquisadores da doutrina possam confrontar as ideias transmitidas por todos os lados, realizando o mesmo método científico que Kardec realizou. Talvez os pesquisadores tenham realizado uma certa análise racional, mas, desde que isso não se dá pela universalidade dos ensinamentos dos Espíritos e desde que não nos foi dado conhecer o método empregado – que parece consistir apenas de perguntas e respostas realizadas a alguns Espíritos, supostamente superiores, através de um médium ou mais, do mesmo grupo, esse segundo ponto também não foi atendido.

Logo em seguida, apresenta-se o seguinte:

2. Quando a primeira obra foi lançada, o intuito era a criação de uma nova religião?
— No lançamento da primeira obra, a intenção era auxiliar na transformação da humanidade mediante o conhecimento, fazendo-a abdicar do orgulho e do egoísmo, potencializando a prática do amor através da caridade. Toda religião criada com o intuito de agregar ao invés de segregar os encarnados é positivamente encarada (ver item V – Religião não pode causar divisão).

E, em complemento a isso, vamos buscar o que é apresentado no item V do mesmo capítulo:

16. Como promover a integração do Espiritismo com as demais religiões?
— O conteúdo deve ser o guia de vossa consciência; esta não possui religião, apenas o discernimento do certo e do errado. Logo, tudo aquilo que a agradar deverá ser fator de união, e não de segregação.

Ora, o interlocutor parte do conceito errado de que o Espiritismo é mais uma religião, em contrário àquilo que Allan Kardec já demonstrou, no passado (leia mais clicando aqui). Assim, enviesa, com um conceito prévio, a característica da resposta.

Sobre a confiabilidade da obra, há o que segue:

7. O que garante que este trabalho seja oriundo de espíritos elevados?

— A garantia está na coesão e no conteúdo, alinhando-os ao que sentis no âmago, para entender se há coerência ou não. Ao filtrar, através da consciência, percebereis que a intenção da obra não é a de demonstrar a elevação de quem vos instrui, assim como não é a de vos convencer que apenas há uma nova comunicação, mas, sim, de fazer-vos praticar o amor e o bem.

Grifos meus.

Quando o Espírito supostamente diz que a garantia está na coesão e no conteúdo, “alinhando-os ao que sentis no âmago”, está apenas afirmando que as respostas serão coesas, já que nascem de uma mesma ideia, em um mesmo grupo – o que está em contrário com o método de Kardec – e abrem o precedente para que esse grupo, baseado em suas ideias, e vendo-as corroboradas pelos Espíritos, apenas as confirmem. Depois, em “ao filtrar, através da consciência”, abre-se a precedência para que o “filtro” seja a própria consciência, e não a lógica racional e científica de Kardec que, aliás, nunca se deu por satisfeito com qualquer ideia espírita, sem julgá-la sob o crivo da razão e, muitas vezes, lutava contra elas, de acordo com a ciência, para aceitá-las apenas quando verificava que a ideia atendia, com excelência, a todas as questões envolvidas.

Segue o autor:

8. O que Kardec diria a respeito de um complemento de sua obra de codificação?

— Que jamais pretendeu ser dono da verdade absoluta, mas abrir o caminho para que, por meio da ciência e das descobertas, as atualizações acontecessem de forma natural e constante. Diria, ainda, que a verdade acompanha a evolução moral humana; logo, necessita de atualizações conforme evoluímos.

Além disso, diria Kardec que, sem o método do duplo controle, os estudiosos seriam facilmente levados ao engano.

A. Como os espíritas que têm como verdade o fato de a primeira obra ser imutável poderão receber este complemento?

— Esperamos que o recebam com muito amor, mas, se assim não o for, obtê-lo-ão pela coerência, rebuscando na própria consciência o discernimento necessário.
Nada é imutável, apenas Deus. Todos sois aprendizes do eterno progresso; hoje conheceis mais do que ontem e menos do que amanhã.

É preciso muito cuidado com os conteúdos “complicados” que se encontram escondidos sob as diversas verdades, tomadas como refrões. Não digo que os Espíritos comunicantes tenham necessariamente desejado realizar uma mistificação, mas, no mínimo, refletiam as mesmas tendências e os mesmos pensamentos do grupo em questão, que se acreditava no papel de trazer, por ele mesmo, a atualização do Espiritismo, o que também está em contrário às lúcidas palavras de Allan Kardec na Revista Espírita de dezembro de 1868.

Uma outra questão é que precisamos notar as crenças das quais se achavam imbuídos os envolvidos nessa pesquisa: por que a necessidade de copiar a forma de se expressar como naquela época, imitando a linguagem de O Livro dos Espíritos? “Obtê-lo-ão”? Ninguém mais utiliza essas palavras, atualmente, e é natural que os Espíritos se comunicassem de forma diferente, hoje em dia, já que eles não se prendem às linguagens.

Sobre o trabalho dos encarnados, é dito que:

12. Os participantes podem ter sido influenciados por falsos profetas?

— Conhecemos a veracidade de algo pelo conteúdo. A forma de realização também tem relevância. Falsos profetas fazem bastante alarde, mas não conseguem sustentar a mentira por muito tempo.

O simples fato de esta obra ter sido concluída com tanto esforço, dedicação e de maneira despretensiosa já anula essa possibilidade.

Ora, Os Quatro Evangelhos, de Roustaing, desmentem essas afirmações: as ideias erradas foram mantidas do início ao fim, e foi produzida com bastante esforço das partes envolvidas. Se o esforço é despretensioso ou não, é outro problema. Aliás, o Espírito não precisa querer mentir para produzir uma obra com conceitos errados: basta que ele acredite nesses conceitos, apresentando-os. Vemos isso em André Luiz o tempo todo.

Outra crítica à obra é que ela não deixa claro, senão nas perguntas e respostas, de quem é o texto apresentado: é do grupo? É do revisor? É do Espírito? Assim acontece em cada uma das introduções aos capítulos.

Elementos Gerais do Universo

O capítulo II se inicia com um texto falando sobre quatro mudanças energéticas do globo terrestre, algo que mais parece ter saído das doutrinas orientais, que tanto falam das energias, do que da Doutrina Espírita. O texto é atribuído a Sócrates, um nome de peso, como que para dar mais confiabilidade a ela.

24. Existe hierarquia predeterminada na Criação ou ela é fruto do processo evolutivo?
— Na Criação, a “hierarquia” é consequência do processo evolutivo; conforme a evolução acontece, o ser ou elemento aumenta sua posição hierárquica.

Apesar de o autor lançar nota em comparação à questão nº 29 de OLE (O Livro dos Espíritos), a resposta não tem nada do que diria um Espírito conhecedor das verdades doutrinárias registradas por Kardec. Em OLE, os Espíritos respondem suscintamente que os Espíritos pertencem a diferentes ordens, e não a diferentes hierarquias, que são conceitos bastante diferentes. Além disso, o Espírito diz que “o ser ou elemento aumenta sua posição hierárquica”: ora, acaso elementos evoluem?

Em seguida, em III – Descobertas Científicas, o autor, quem quer que ele seja, parte de um pressuposto errado, segundo o Espiritismo, de que a moral deve avançar para que, apenas depois, avancemos em ciência. Isso está claramente em oposto àquilo que eles mesmos apresentaram, pouco antes, na nota 27, de O Livro dos Espíritos, e confirmado pelas observações:

O Livro dos Espíritos, questão 780: “O progresso moral segue sempre o progresso intelectual? — É a sua consequência, mas não o segue sempre imediatamente.”

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Grifo meu.

Quando o autor diz que “um passo por vez. Solidificando a moral, a ciência dará saltos e desvendará muitos mistérios“, está deixando de lado o fato notório de que o Espírito somente progride moralmente quando faz um esforço de sua vontade consciente. Isso demanda avanço intelectual.

No parágrafo imediatamente anterior, é dito que “O avanço tecnológico poderá ser a salvação ou a destruição do planeta. É por esse motivo que os homens só irão possuir mais respostas quando tiverem a moral compatível com esse privilégio“. É como se dissessemos que Deus coloca um limite para a inteligência humana, devendo o homem primeiro aprender a amar para depois aprender a construir foguetes. Isso seria ilógico, porque é a consequência da construção do foguete, que gera a bomba que é utilizada para dizimar milhares de pessoas, que justamente promove o avanço moral, pelas consequências do ato.

Em seguida, é feita a seguinte pergunta:

28. Qual é a relação entre a ciência material e a espiritual?

— Na ciência material, os recursos são limitados, já na espiritual, são ilimitados. A ciência espiritual complementa a material, pois, oferecendo recursos infinitos, faz com que os avanços científicos aconteçam pelo uso da inteligência humana.

O que é falso. A ciência humana avança pelo desenvolvimento do intelecto do homem, e não por revelações científicas dos Espíritos, que, aliás, nada tem de materialista. Espíritos não desenvolvem automóveis super tecnológicos, porque eles não precisam da matéria, de maneira alguma, senão quando encarnam para avançar.

Na questão 35, outra incongruência é encontrada:

35. Desde a primeira obra, houve relevantes progressos na ciência.
Como os espíritos enxergam esse avanço?

— Com naturalidade, pois é um reflexo do esforço coletivo da humanidade. Entretanto, a utilização dessas descobertas nem sempre foi positiva; elas foram permitidas por Deus para que os encarnados as utilizassem para o bem, mas, em muitas ocasiões, utilizaram-nas para o mal.

Deus não permite nem proibe a utilização da ciência, nem seu avanço. Ela está de acordo com a capacidade da intelectualidade humana. O ser humano, pelo uso da inteligência, muitas vezes comete erros e, com eles, aprende. Isso não é fazer o mal: é o fruto do desenvolvimento.

O capítulo segue com uma enorme quantidade de perguntas e respostas sobre conceitos científicos que, na verdade, não levam a lugar algum. Não vou repetí-los aqui, mas deixo a questão: estaria nisso a “atualização científica” da Doutrina? Ora, sabemos que, no que tange à ciência, um dos pontos que mais foi estudado por Allan Kardec, embora limitado à ciência de sua época, é a questão do Fluido Cósmico Universal e do perispírito. Não seria esse um conhecimento importantíssimo em que avançar, frente às nossas descobertas científicas?

Outra questão: os Espíritos superiores, como demonstra Kardec em A Gênese, cap. XVI – Teoria da Presciência, não tem os nossos referenciais materiais para falar em questão de tempo ou questões que pertencem à ciência humana. É por isso que, mesmo na época de Kardec, eles jamais entraram no âmbito das particularidades, cabendo ao homem, no papel de pesquisador, tirar suas conclusões, com base nas observações, e não nas “revelações”.

Criação – A Infância do Espírito

Esse capítulo inicia com um questionamento respondido de forma totalmente contrária à Doutrina dos Espíritos:

60. O período de infância dos espíritos ocorre em um mundo primitivo?
— Sim, na maioria dos casos, a infância espiritual inicia-se no mundo primitivo, onde começa o estágio hominal.

A. Por que na maioria?
— A evolução de cada ser depende de suas escolhas, livre-arbítrio e merecimento. Em casos raros, o animal também pode dar saltos evolutivos, a ponto de passar a infância espiritual em outros mundos.

Nota: Nesses casos, em que o salto ocorre do mundo animal terrestre para gerar uma infância em outro mundo, há merecimento daquele espírito, que, através de seu esforço e resignação, ainda que com poucas ferramentas intelectuais, conseguiu evoluir a ponto de não necessitar vivenciar a infância em um mundo de provas e expiações. Embora pareça confuso aos vossos olhos, isso é uma prova de que Deus reconhece o esforço de forma individual e particular.

Grifos meus.

As respostas atribuídas a uma origem espiritual estão em total contrariedade ao Espiritismo, como dissemos. A evolução não dá saltos, muito menos de um Espírito vivenciando a fase animal, onde não tem consciência de si mesmo, nem livre-arbítrio, para vivenciar logo em seguida uma fase humana. Aliás, está em total contradita à resposta dada em OLE: “Há entre a alma dos animais e a do homem distância equivalente à que medeia entre a alma do homem e Deus”. Além disso, comete-se o erro absurdo de supor que um Espírito possa evoluir sem passar pelas provas, ao menos, que são as vicissitudes materiais que estimulam-no ao desenvolvimento intelectual e moral.

Logo em seguida, em II – Princípio material, na pergunta 62:

62. As moléculas possuem princípio espiritual?

— Não, elas são partes da matéria. Possuem fluidos vitais, que, por sua vez, as sustentam.
Os movimentos moleculares iniciam-se no princípio vital e são compostos por fluidos vitais e magnéticos. As moléculas são exclusivamente orgânicas, e não espirituais, porém servem ao espírito, por meio da matéria, quando compõem o organismo humano.

Grifos meus

O primeiro erro está em supor o fluido vital, que era uma teoria materialista da ciência da época de Kardec que, não podendo explicar o invisível, supôs a existência de partículas imponderáveis, como o fluido calórico, o fluido elétrico, etc. Allan Kardec, que inicialmente partiu dessa ideia, em A Gênese, abandonou-a, ficando apenas com o termo “princípio vital”, genérico, e com a teoria de Mesmer – a de que tudo o que existe, em questão de matéria e energia (é óbvio que os Espíritos não fazem parte de nenhum dos dois) se originam do Fluido Cósmico Universal. Isso está bem explicado em A Gênese:

O princípio vital é algo distinto, tendo uma existência própria? Ou então, para ser
integrado no sistema de unidade do elemento gerador, é apenas um estado particular, uma
das modificações do fluido cósmico universal, que se torna princípio de vida, como se torna
luz, fogo, calor, eletricidade? É nesse último sentido que a questão é resolvida pelas
comunicações reproduzidas anteriormente. (Cap. VI, Uranografia geral).

A Gênese – Editora FEAL

Me espanta, aliás, que aos pesquisadores, tão compenetrados de fórmulas científicas, as quais discutiram com os Espíritos, tenha faltado esse princípio fundamental teorizado por Mesmer e sustentado pela ciência moderna. Veremos, logo mais, que esse mesmo erro provocou outros enganos, na “atualização” de O Livro dos Espíritos, pelo grupo em questão.

Chegado a este ponto, agora noto que errei: as notas são quase todas, senão todas, dos Espíritos. Me pergunto o que fizeram os pesquisadores além de analisá-las, segundo suas ideias, e aceitá-las.

Fluidos no Universo

O capítulo em questão comete os mesmos erros citados acima: não tendo conhecido e compreendido a ciência do magnetismo de Mesmer e as concusões de Kardec, partem dos falsos pressupostos de uma ciência ultrapassada. Ou seja: para complementar o Espiritismo que, segundo pressupostos, estaria ultrapassado em ciência, utilizam uma ciência que o próprio Espiritismo já ultrapassou, há mais de 100 anos. Estranho, não?

É assim que se repete uma opinião erradíssima e que, aliás, seria prontamente corrigida por um Espírito superior:

74. É o fluido vital que determina o tempo de permanência humana na Terra?
— A quantidade de fluido vital é Determinada por Deus, porém, através das vossas escolhas, podeis encurtar ou prolongar o tempo de permanência no
orbe.

Em primeiro lugar, como demonstramos, não existe fluido vital, muito menos uma quantidade dele. Em segundo lugar, não é Deus quem determina nada, mas nós mesmos. É exatamente por isso que animais, sem o livre-arbítrio, morrem, de causas naturais, quase todos numa mesma idade, segundo suas espécie e raça, ao passo que o homem morre, das mesmas causas, nas mais diversas idades. E o fundamento disso também está em A Gênese, apresentado por Kardec:

Para ser mais exato, é preciso dizer que é o próprio Espírito que elabora seu envoltório e o adapta às suas novas necessidades. Ele aperfeiçoa, desenvolve e completa seu organismo à medida que experimenta a necessidade de manifestar novas faculdades. Em uma palavra, ele o molda de acordo com sua inteligência. Deus lhe fornece os materiais. Cabe a ele fazer uso. É dessa forma que as raças mais avançadas têm um organismo, ou se preferem, uma ferramenta mais aperfeiçoada que a das raças primitivas. Assim se explica igualmente o estilo especial que o caráter do Espírito imprime aos traços da fisionomia e as maneiras do corpo.

KARDEC, Allan. A Gênese. Editora FEAL.

Os erros, baseados nesses falsos conceitos, seguem a mancheias, no capítulo. Não vou comentá-los. No capítulo seguinte, “Transmissão Energética e Fluídica”, os autores continuam repetindo conceitos falsos, baseados nos mesmos erros, de origem materialista, difundidos pelos fluidistas do passado, que se contrapunham às ideias das ciências do Magnetismo e do Espiritismo. É assim que repetem, ipsis leteris, a erradíssima ideia de que o passe seria uma “transmissão energética e/ou fluídica”. Isso é falso, tão falso quanto as ideias que os supostos Espíritos repetem na resposta à pergunta nº 92:

  • “O magnetismo instiga a curiosidade e é uma ciência intrigante, mas exige o conhecimento necessário para não oferecer riscos a quem o pratica ou a quem o recebe. Não podeis incluir sua prática na Doutrina ou confundi-lo com fluido magnético.” – Não existe fluido magético, então do que é que esse Espírito está falando?
  • “Magnetizar é uma atividade antiga, que se utiliza do fluido vital” – não existe fluido vital!
  • “Fluido magnético é diferente de magnetismo e é exalado sempre que há a necessidade, através do concurso dos desencarnados ou de encarnados com o devido preparo” – mesmo erro, com um agravante: o magetismo é a interação da vontade, através do pensamento consciente, sobre a vontade do outro, que também precisa estar conscientemente com vontade de ser ajudado. Não há transferência de nada ((Mesmer – A Ciência Negada do Magnetismo Animal, por Paulo Henrique de Figueiredo)).

Retorno à Vida Espiritual

É claro que, pelo que vimos, não poderia faltar, ainda que em contrário a tudo aquilo que o Espiritismo já ensinou e que a razão confirma, uma grande discussão a respeito dos conceitos de “colônias espirituais”, umbral, dores físicas nos Espíritos, etc. É a velha mania de querer materializar o mundo dos Espíritos.

Sexualidade, Sexo e Moral

Para completar nossa análise, nos reportamos à questão nº 505, Parte Terceira, cap. III – aborto:

505. Ocorrendo concepção mediante o estupro, é correto abortar?

— Não, não é correto em nenhuma circunstância, pois todos deveis passar pelas vossas próprias provas. Ninguém é mãe ou filho por casualidade. A lei divina é sábia e tem como principal meta corrigir ou atenuar sofrimentos. A lei de causa e efeito gera responsabilidades por todos os vossos atos, desta e de outras encarnações. Interromper a reencarnação de um espírito, mesmo decorrente de um estupro, não é correto: somente trará mais dor e ampliará o sofrimento dos envolvidos. A preservação da vida diante da dor da violência é um ato de amor. Que possais sempre combater o mal com o amor, por mais difícil que seja.

Grifos meus

Um completo desparate! Em contrário daquilo que encontramos em O Livro dos Espíritos, pergunta 359,

359. No caso em que o nascimento da criança puser em perigo a vida da mãe, haverá crime em sacrificar-se a primeira para salvar a segunda?

“Preferível é se sacrifique o ser que ainda não existe a sacrificar-se o que já existe.”

A resposta à questão nº 505, da obra em análise, afirma que jamais o aborto deve ser cometido. Pior: que se a mulher foi estuprada, é porque, nas palavras dos Espíritos, “a lei de causa e efeito gera responsabilidades por todos os vossos atos, desta e de outras encarnações“. Em outras palavras: o que está sendo dito nessa obra, que visa complementar e atualizar o Espiritismo é que a mulher estuprada apenas está pagando, pela lei de talião, uma falta de outra vida. Isso é um absurdo completo e desmoralizante. Preciso reafirmar, em encontro a OLE, que o aborto é preferível quando a mãe está em risco, e quem somos nós para avaliar o risco emocional e psicológico de uma mulher que tenha passado por tal trauma, que nasce do crime praticado por escolha do outro, e não pelo efeito de uma suposta cobrança de dívidas!

Conclusão

A obra, em si, parece uma verdadeira luta de incongruências, falsos conceitos, e algumas verdades. Parece que, se há realmente a participação de mais de um Espírito, esses Espíritos tem conhecimentos diferentes, pois a contradição é frequente. Há diversas ideias absurdas e erradas, em contradita com os postulados mais básicos do Espiritismo, como há algumas verdades espalhadas pelo meio. Que fazer, então? Cremos que o melhor é seguir o conselho do Espírito de Erasto:

[…] é melhor repelir dez verdades momentaneamente do que admitir uma só mentira, uma única teoria falsa, porque sobre essa teoria, sobre essa mentira podereis construir todo um sistema que desmoronaria ao primeiro sopro da verdade, como um monumento erigido sobre areia movediça, ao passo que se hoje rejeitardes certas verdades, certos princípios, porque não vos são demonstrados logicamente, logo um fato brutal ou uma demonstração irrefutável virá afirmar-vos a sua autenticidade.

Resta reafirmar que a intenção deste artigo não é nada mais que a de alertar, inclusive ao grupo de onde se originou esse livro, que tenham muito cuidado para não se envolverem sob essas teias de falsas ideias, que muito custarão sua tranquilidade, no futuro. Que estudem a fundo Allan Kardec, inclusive – e principalmente – na Revista Espírita. Que estudem as novas obras, que vêm recuperar os os conhecimentos esquecidos no tempo. Que deixem de lado, pelo menos por ora, os conceitos resultantes de obras mediúnicas, de modo a buscarem o aprendizado necessário. E que não se esqueçam, jamais, da importantíssima exortação de Allan Kardec, em A Gênese:

Generalidade e concordância no ensino, esse o caráter essencial da doutrina, a condição mesma da sua existência, donde resulta que todo princípio que ainda não haja recebido a consagração do controle da generalidade não pode ser considerado parte integrante dessa mesma doutrina. Será uma simples opinião isolada, da qual não pode o Espiritismo assumir a responsabilidade.

Essa coletividade concordante da opinião dos Espíritos, passada, ao demais, pelo critério da lógica, é que constitui a força da doutrina espírita e lhe assegura a perpetuidade.

É claro que o Espiritismo, até certo ponto, na parte que tange ao conhecimento humano, é interminável, mas não será sobre erros que ele será continuado, principalmente quando se parte do erro fundamental, que é tratar os Espíritos como reveladores, não respeitando o método necessário, pois os Espíritos não são reveladores da verdade, a Doutrina não se faz apenas por perguntas e respostas, mas também pela investigação e a observação dos Espíritos de todas as ordens, dos mais inferiores aos mais superiores.

É interessante notar, além disso, que, em se tratando de supostos Espíritos superiores, conforme pressupõem os pesquisadores humanos envolvidos, em nenhum momento corrigiram os erros flagrantes dos últimos, já que o conhecimento doutrinário já existe. Ao invés disso, sempre corroboraram as informações e os conceitos errados dos quais partiam os encarnados.

O erro principal desta obra surge da ausência de observação, como demonstramos, das características fundamentais da ciência espírita, tão bem explicada por Allan Kardec na introdução de O Evangelho Segundo o Espiritismo (grifos meus):

A concordância no que ensinem os Espíritos é, pois, a melhor comprovação. Importa, no entanto, que ela se dê em determinadas condições. A mais fraca de todas ocorre quando um médium, a sós, interroga muitos Espíritos acerca de um ponto duvidoso. É evidente que, se ele estiver sob o império de uma obsessão, ou lidando com um Espírito mistificador, este lhe pode dizer a mesma coisa sob diferentes nomes. Tampouco garantia alguma suficiente haverá na conformidade que apresente o que se possa obter por diversos médiuns, num mesmo centro, porque podem estar todos sob a mesma influência.”

Num momento em que os esforços pela retomada do Espiritismo se multiplicam, se multiplicam os esforços contrários, com a finalidade (tola, convenhamos) de causar confusão e atraso. É necessário estar em guarda, sobretudo no que tange ao frequente convite das sombras, instigado pelas imperfeições humanas, quais a vaidade e o orgulho. Ora, haverá algo mais instigante, nesse sentido, do que se dizer o novo eleito a continuar o grandiosíssimo trabalho de Allan Kardec? Não sejamos nós, e não seja você, em seu grupo e em suas palestras, a auxiliar o trabalho dos Espíritos que ainda não entenderam o bem e que contrários ao progresso da humanidade.

“Espíritas!, amai-vos, eis o primeiro ensinamento. Instruí-vos, eis o segundo.” – Espírito de Verdade




Espiritismo Raiz e Eduardo Sabbag

Espiritismo raiz é se debruçar sobre Allan Kardec, contextualizado pelo conhecimento do Espiritualismo Racional e do Magnetismo Animal. Não é, de maneira alguma, adotar ideias místicas nascidas de opiniões próprias e alheias, como infelizmente o Eduardo Sabbag, do cana Espiritismo Raiz, infelizmente tem feito. Mais um indivíduo com um potencial tão grande de auxiliar o progresso humano, mas que vê apenas a superfície do Espiritismo e favorece o atraso, pela divulgação de falsas ideias.

Tempos difíceis, esses que vivemos. Por toda a parte, mina-se a doutrina espírita dos mais variados absurdos. Por meio dos incautos, dos desavisados e da grande massa dos resistentes ao estudo necessário, o Espiritismo sofre tanto quanto a Física de Isaac Newton sofreria se não houvesse os estudiosos da Física para defendê-la de ideias como a não existência da Lei da Gravidade ou como sofreria a Astronomia se não houvessem que a defendesse contra as ideias persistentes do geocentrismo ou da Terra plana.

É claro que a base doutrinária será entendida de forma mais ou menos clara, a depender do progresso que o próprio Espírito tenha feito nesse sentido. É ao que Kardec se refere quando diz das ideias inatas, que encontram, em muitos, a plena aceitação racional, porque, para eles, elas são tão naturais quanto averiguar que o vapor da água é o fruto de sua evaporação. Contudo, o que se constata, largamente, é que a ausência do “instruí-vos”, deixa a nau à deriva, ao sabor do vento.

“Espíritas!, amai-vos, eis o primeiro ensinamento. Instruí-vos, eis o segundo. Todas as verdades são encontradas no Cristianismo; os erros que nele criaram raiz são de origem humana. E eis que, além do túmulo, em que acreditáveis o nada, vozes vêm clamar-vos: Irmãos! nada perece. Jesus Cristo é o vencedor do mal, sede os vencedores da impiedade!” – (Espírito de Verdade. Paris, 1860.)

Allan Kardec – O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. VI, item 5.

A exortação do Espírito de Verdade, ao recomendar o “instruí-vos”, deixa clara a necessidade de estudar a Doutrina Espírita, as vozes além do túmulo – o que requer metodologia científica. Mas os “espíritas” se esqueceram de quem foi Allan Kardec. Enterraram seu trabalho, junto ao seu corpo, e passaram a se limitar a conhecer o básico do essencial: a lei da reencarnação e as nossas relações com os Espíritos. Nem isso, porém, sobreviveu de forma ilesa às ideias absurdas, pois a reencarnação, de lei consoladora, se recheou de ideias de pecado e de castigo, e as nossas relações com os Espíritos perderam o objetivo de esclarecimento de outrora, convertendo-se, novamente, no mesmo tipo de relação que, pasmemos, tinha o homem com os Espíritos antes da vinda do Cristo.

932. Por que, no mundo, tão amiúde, a influência dos maus sobrepuja a dos bons?“

Por fraqueza destes. Os maus são intrigantes e audaciosos, os bons são tímidos. Quando estes o quiserem, preponderarão.”(O Livro dos Espíritos)

Sim, o cenário do Movimento Espírita é de entristecer. Com a morte de Allan Kardec, não voltamos apenas décadas, mas milênios, pois, sem a necessária instrução, nos deixamos uma vez mais subjugar pelas ideias aprisionantes das consciências e, por conseguinte, do progresso. Esvaziou-se a Doutrina do seu aspecto filosófico.

O “espírita” responde ao censo, dizendo, “essa é minha religião”, mas não sabe que o que diz abraçar é uma ciência, e não uma religião. Diz que a lê e estuda, mas nunca estudou Kardec a fundo: prefere ler romances, repletos das ideias de uns e outros, por mais absurdas que sejam. Aposentou o raciocínio e, com ele, a própria autonomia, num cenário que, para ele, parece muito mais cômodo – sem saber, porém, que também é dos mais sofridos. Abraça as ideias de carma, “lei do retorno”, “lei de ação e reação” e aceita profecias mediúnicas sem nem sequer questionar a própria consciência. E, enfim, quando é apresentado à razão, pelos poucos que tentam demonstrar o verdadeiro Espiritismo, aquele que Kardec estudou, dedicando vida, saúde e recursos, enfim, quando tem chamada a atenção, luta ferrenhamente por se manter agarrado ao cabresto que o conduz.

Desola-nos sair da caverna, atraídos pela luz, para verificar que, por toda a parte, essa luz está abafada pelo pó e pelas teias dos velhos conceitos religiosos. Dói ver as consciências inconscientes, presas aos conceitos materialistas e mesquinhos, sem a capacidade, por escolha própria, de ver o quanto sofrem pelo desconhecimento!

Vejam aquele! Ao seu lado, um Espírito bondoso, cheio de luz, sopra em seus ouvidos o bom conselho. O conduz, num momento de elevação mental, para a porta do conhecimento. Alguém lhe convida: “vamos estudar?”. Mas a luz se apaga de sua consciência: “quem é esse para me mandar estudar? Já li O Livro dos Espíritos e já passei por toda a a famosa coleção daquele Espírito que ensinou sobre o umbral e a vida espiritual – embora nem espiritualizado ele fosse. Além disso, sou médium e, nas minhas viagens astrais, vejo a verdade com meus próprios olhos!”.

Olhem aquele outro: é voluntário no centro espírita, mas não estuda. Uma mãe, em pleno sofrimento, veio buscá-lo: seu filho, nascido com deficiências físicas, lhe requer demais as energias. Está cansada. Seu filho se atormenta diariamente sob pesadas comoções: gritos, contorções. O voluntário tenta confortá-la com base no que conhece, e lhe diz que seu filho está sofrendo a lei de ação e reação, pois, provavelmente, foi um suicida na vida anterior. A mulher se horroriza e se afasta: “quem é esse para dizer tal coisa do meu amado filho? Esse Espiritismo não presta pra nada!”.

Ali vai mais uma. Está desesperada, pois disseram-lhe, em certo centro espírita, que o homem que ama é sua alma gêmea. Acontece, porém, que o homem desposou outra mulher. Que será dela, agora? Como poderá viver pela metade? Melhor acabar com seu próprio sofrimento, pensa ela. Num átimo de inspiração, vai ao centro espírita do caso anterior, onde conversa com o mesmo voluntário, que lhe diz que ela não deve jamais pensar em cometer o suicídio, pois, se assim fizer, ela ficará anos vagando no umbral ou no vale dos suicidas, e que ela deve suportar essa “prova”, pois deve ser consequência de um débito de vida passada. Ela houve, pesarosa, mas, saindo dali, pensa: não será melhor sofrer o castigo lá, do que ficar sofrendo aqui?

Eis um homem: está perseguido por pensamentos de autodestruição também. Ouve vozes: mate-se, chega de sofrer, dizem elas. Ele chega ao mesmo centro. O rapaz o diagnostica com obsessores, manda-o fazer uma famosa oração para afastar Espíritos e também lhe recomenda limpar a casa com anil. O cenário não muda e, depois de alguns meses, o homem acaba por tirar a própria vida.

Outro dia, outro cenário, busca o voluntário uma mulher. Está sofrendo abusos psicológicos e físicos de seu marido, que, viciado no álcool, volta ao lar com as piores companhias. Ela expõe todo o cenário. O voluntário lhe diz que ela está deve estar sofrendo a consequência da lei de ação e reação, pois deve ter feito um mal ao seu marido na vida passada. Por isso, deve suportar a tudo com coragem, de modo a “resgatar esse débito”.

Como dissemos, o cenário é, sim, um tanto desolador. Mas, se estamos conscientes disso, é porque precisamos fazer a nossa parte, começando por estudar, por conhecer, porque o Espírito só avança em moral pela própria vontade consciente. Espiritismo raiz é se debruçar sobre Allan Kardec, contextualizado pelo conhecimento do Espiritualismo Racional e do Magnetismo Animal. É estudá-lo com cuidado, em suas páginas originais, longe das adulterações de O Céu e o Inferno e A Gênese. É entender e retomar os aspectos filosófico e moral do Espiritismo, para, vivendo em nossas próprias vidas, sermos peças atuantes, e não mais inoperantes, na transformação social.

Há muitos falando, escrevendo, atuando em nome de algo que se chama Espiritismo no cartaz, mas que é dogma na essência, porque ainda há poucos estudando e atuando, em nome da Doutrina, inspirados no modelo probo e consciencioso de Allan Kardec, um homem que, com seu esforço, ajudou a formar a Doutrina com a maior capacidade de alavancar a mudança do mundo.

Espíritas: instruí-vos!




Ninguém é professor de Espiritismo

Imagem de capa: Foto de Andrea Piacquadio no Pexels

Muito tem sofrido a Doutrina Espírita por conta dos indivíduos que acham que, porque leram Kardec — o que é bem diferente de estudar e compreender Kardec, o que requer conhecimentos outros, devidamente contextualizados, como é o caso do Espiritualismo Racional — creem que podem se colocar na posição de ensinar, à sua moda, o que é o Espiritismo e, pior, como são os conceitos e temas que sequer foram abordados ou desenvolvido no espaço de tempo em que o Espiritismo se desenvolveu como deve ser: como ciência.

Veja: O Espiritismo é uma lei natural. Como tal, sempre existiu e sempre existirá e, dessa lei, conhecemos apenas uma pequena parte, a doutrina nomeada como Espiritismo. Reconhecer, porém, que conhecemos muito pouco dessa lei da natureza não significa dizer que o que conhecemos é inválido e, em certos aspectos, conclusivo, desde que esteja muito bem fundamentado, com segurança, nos conceitos doutrinários. Significa apenas reconhecer que a ciência espírita não está concluída, mas, sim, que é a base, assim como os estudos de Isaac Newton deram base à Física.

Nosso papel primeiro deve ser o de estudante humilde, porque, na maioria das vezes, nem sequer entendemos todos os conceitos brilhantemente desenvolvidos por Allan Kardec em suas obras. Aliás, sabendo que as suas duas últimas obras, O Céu e o Inferno e A Gênese foram adulteradas e que o Espiritualismo Racional e o Magnetismo foram quase apagados pelo tempo, temos que reconhecer que aprendemos muita coisa errada e que outras tantas deixamos de aprender.

O que se tem, hoje, em geral, é um conhecimento muito parco e superficial, além de muitas vezes distorcido, do Espiritismo “contido” nas obras de Kardec. Não bastasse isso, colocando Kardec no esquecimento, passamos a admitir como doutrinários conceitos outros que, na maioria das vezes, não passaram pelo crivo da razão, nem pelo controle do método científico, tão bem desenvolvido pelo codificador. E, munidos de toda essa falta de conhecimento, muitos têm desejado ditar o Espiritismo, segundo suas visões e concepções. É por isso que, daquilo que não temos certeza, por não haver nada conclusivo no Espiritismo, não podemos nada afirmar, embora possamos afirmar, paradoxalmente, que muitas certezas, hoje persistentes no movimento espírita, não são exatas, como a existência do umbral.

Não vamos muito além. Nossos textos e estudos são fartos de apontamentos e de exemplos sobre tudo o que dissemos, acima. Terminamos reafirmando: não somos professores, mas estudantes, e jamais estaremos fechados a reavaliar qualquer ideia ou conteúdo que se mostre errado um incompleto, de acordo com uma irretorquível e irrecusável lógica dos fatos que, porventura, tenhamos vindo a não compreender ou conhecer completamente.

É a isso, pelo bem da humanidade, que convidamos a todos.




As ilusões de um Espírito apegado às riquezas

Extraído da obra “Instruções psicofônicas”, de Chico Xavier.

O irmão “F” nome pelo qual passaremos a designar o companheiro, cuja mensagem vamos transcrever, foi na Terra grande banqueiro. Certamente não foi um criminoso, na acepção comum do termo, mas, pelo conteúdo espiritual de suas manifestações, parece haver sido um desses homens “nem frios, nem quentes”, do símbolo evangélico, que, trazendo a mente amornada na ideia do ouro, durante a existência na carne, ficou por ela dominado em seus primeiros tempos, além da morte.

“[…] Conturbado e aflito, senti necessidade da confissão. Afinal, eu era um católico que relaxara a própria fé. Sem que ninguém me escutasse os apelos, pedi a presença de um padre. Avancei para o confessionário e pus-me de joelhos, mas, em poucos momentos, o confessionário convertia-se para mim num guichê de banco. Sobressaltado, ergui meus olhos para o altar. O altar, porém, transformara-se em cofre forte. Intentei consolar-me com a visão do missal, mas o livro do culto, de repente, surgiu metamorfoseado num velho livro de minha propriedade, em que eu lançava, às ocultas, as minhas notas de rendimento real. Diligenciei isolar-me. Temia a loucura completa. Ainda assim, levantei meu olhar para a imagem da Virgem Maria. Naturalmente, ela teria pena de mim, contudo, ante a minha atenção, a imagem reduziu-se a uma joia de alto preço… Fez-se toda de ouro, de ouro puro…

[…]

Demandei uma caixa d’água que me era familiar no alto do bairro de Santo Antônio. A água, ali, corria em jorros. Podia debruçar-me… Podia beber como se eu fora um animal e, prostrado, não mais de joelhos, mas de rastros, imploraria a graça de Deus. Achei a água corrente, a água límpida visitada pela luz do sol e estireime no chão… Mas, no momento preciso em que meus lábios sequiosos tocaram o líquido puro, apenas o ouro, o ouro apareceu… Reconheci haver descido à condição de um alienado mental. Lembrei-me, então, de velho amigo… Cícero Pereira… Cícero era espírita e, por esse motivo, tornou-se para mim alguém que eu supunha, em minha triste cegueira, haver deixado na retaguarda da loucura. Bastou a recordação para que a voz dele se me fizesse ouvida. Acudia-me ao chamado. Amparou-me. Conversou comigo […]

Um ótimo exemplo de que não se pode tomar cegamente as comunicações de um Espírito como se fossem a expressão da verdade. Imaginem se esse Espírito, sendo levado a uma reunião de auxílio espiritual, contasse apenas a parte da ilusão em questão e as pessoas desavisadas saíssem afirmando que, no mundo dos Espíritos, existe ouro…