A “Casa plataforma de oração” e o Espiritismo

Não é de meu costume abordar nomeadamente grupos ou indivíduos. Neste caso, em relação ao grupo “Casa Plataforma de Oração”, penso que isso se faz indispensável, já que se utiliza do nome do Espiritismo.

Quero começar relembrando que a mediunidade não é exclusividade de nenhuma religião, nem do Espiritismo. Todo mundo pode praticá-la, bem ou mal. O problema é quando se coloca de lado uma ciência e seus conhecimentos, obtidos com árduo trabalho de investigação, enquanto, levianamente, utiliza-se do nome e dos termos dessa ciência para se dar credibilidade. Pasmem: o principal personagem dessa seita diz ser o próprio Kardec e constantemente se compara a Jesus, rebaixando o Mestre ao nível de um relés homem mundano.

Mais grave ainda é quando, colocando de lado essa ciência, mas utilizando-se de seu nome, se permite enganar e ser enganado justamente pelos erros que seriam evitados pelo conhecimento real que ela traz.

O Espiritismo, bem sabemos pelos nossos estudos, não lança anátema. Antes diz: a cada um segundo suas obras. Aliás, de forma alguma venho julgar as intenções desse grupo, que podem ser louváveis… Mas penso que nos compete pontuar e defender o Espiritismo quando outros lançam falsas ideias em seu nome.

O que infelizmente vemos, no canal do grupo citado, é um grande perigo que eles mesmos correm: médiuns que se entregaram à crença cega no que dizem os Espíritos, se é que o dizem. Entregam-se à fascinação e à obsessão e levianamente, sem conhecimento, citam o Espiritismo, apenas para renegá-lo.

Não creio necessário retomarmos os inúmeros pontos onde a ciência espírita demonstrou os graves problemas nos quais as práticas ali adotadas os lançam. Temos alguns artigos que falam sobre isso, como O papel do pesquisador e do médium nas comunicações com os Espíritos, Obsedados e Subjugados — Os perigos do Espiritismo e A luta contra um Espírito obsessor.

Ali, no canal do grupo Casa Plataforma de Oração, vemos não apenas uma ação persistente de Espíritos que usam nomes veneráveis para lançar os mais completos absurdos, o que não deveria acontecer entre pessoas que estudam o Espiritismo. Vemos, também, a frequente referência ao Espiritismo, mas não como fontes de estudos.

Referem-se apenas em nome e termos, mas divulgam apenas ideias contrárias à Doutrina Espírita e atacam os defensores da ciência espírita, tachando-os de “espíritas engessados”, por demonstrarem que o Espiritismo desmente o que dizem.

A posição por eles adotadas é lamentável, muito mais para eles, que terão muito a expiar no futuro, mas também àqueles que os ouvem. Muitos neófitos podem cair em um de seus vídeos, crendo que falam em Espiritismo, e aceitando, assim, as coisas mais absurdas e mesmo danosas.

É apenas isso o que desejo destacar, adicionando: é uma pena que, ao invés de buscarem a mediunidade sadia, colocando-se a cooperar, escolhem eles mesmos caírem nos mais terríveis erros, tantas vezes encontrados por Kardec no estudo do Espiritismo. Chegam ao cúmulo de admitir as absurdas ideias que nasceram do livro “Cartas de Cristo”, onde chega-se a afirmar que Jesus, antes de “despertar” para a sua missão, teria sido um fanfarrão, beberrão e mulherengo. Mas não para aí: o principal “médium” ali chega se comparar a Jesus Cristo!

Que isto sirva de alerta àqueles que tenham dúvidas: ali, o que se pratica é mediunidade, praticada sem nenhum cuidado, e não o Espiritismo. Se o Espiritismo fosse presente, pelo estudo das obras de Kardec, nascidas da metodologia científica séria, não veríamos erros lastimáveis, ideias completamente absurdas e ataques à razão em suas reuniões, gravadas em vídeo.

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Reforma íntima e Espiritismo

Reina, no Movimento Espírita moderno, consideravelmente afastado do Espiritismo, a insistente ideia, quase impositiva, da realização de uma reforma íntima. Prega-se a necessidade de seguir o Evangelho, utilizando-se, para isso, das conhecidas reuniões de leitura familiar do Evangelho Segundo o Espiritismo, que quase sempre recomendam abrir aleatoriamente um livro que deveria ser estudado como as demais obras de Allan Kardec.

Eu não seria louco o suficiente para dizer que a reforma moral e os ensinamentos morais de Jesus não sejam importantes. Muito pelo contrário: são muito, e também não são poucas as vezes em que Kardec ou os Espíritos falam da importante reforma moral suscitada pelo Espiritismo, Doutrina essa capaz de, pelo raciocínio, instigar o ser humano a melhores resoluções. Não, esse não é o problema.

O que venho destacar é que existe uma falsa ideia reinando no Movimento, dentre tantas outras: a de que a Terra, sendo um planeta de provas e expiações, apenas receba Espíritos em expiações, ou seja, Espíritos com pendores passados. Isso não é verdadeiro, como demonstrarei a seguir.

Provas

Provas são todas as dificuldades que enfrentamos na vida, e que nem sempre são resultados de nossas escolhas. Podemos, por exemplo, viver em uma cidade em que, em determinado momento, uma represa próxima estoure, causando uma inundação e levando nossa casa ou nossa vida. Isso é uma prova que não desejávamos, mas que passaremos, porque faz parte das leis da matéria. Podemos, também, passar anos sendo medicados por um remédio que nos cause efeitos adversos e destrua nossa saúde. Isso também é uma prova, como seria a erupção de um vulcão adormecido, próximo de onde vivemos. Faz parte.

Às vezes, porém, atravessamos provas que resultam das nossas escolhas. Ainda aqui, às vezes o resultado é indireto ou involuntário: podemos escolher praticar um ato que dê resultados indesejados, nos causando uma prova.

Mas existem as provas que são diretamente frutos de nossas escolhas passadas, como Espíritos. Arrependidos de um desvio moral, escolhemos um certo gênero de provas e de oportunidades que nos darão a chance de enfrentar e corrigir esse desvio. Aqui sim caberia o termo “Reforma íntima”, segundo o entendimento do Espiritismo. E aqui está a chave do problema: nem todos desenvolveram imperfeições no passado, e nem todos, no momento em que vivemos, estão passando por expiações.

121. Por que é que alguns Espíritos seguiram o caminho do bem e outros o do mal?

“Não têm eles o livre-arbítrio? Deus não criou Espíritos maus; criou-os simples e ignorantes, isto é, tendo tanta aptidão para o bem quanta para o mal. Os que são maus, assim se tornaram por vontade própria.”

O Livro dos Espíritos

Imperfeições

Imperfeição, segundo o que podemos depreender do estudo do Espiritismo, é tudo aquilo que nasce do livre exercício da vontade na repetição de um erro, criando uma imperfeição, o que demandará a expiação.

Somos criados todos simples e ignorantes, tendo todos as mesmas oportunidades de seguir o caminho adiante. Todos, nesse caminho, cometerão erros, porque é impossível não errar quando somos ignorantes. Quantas vezes erramos, tentando acertar? Contudo, nem todos se apegam aos erros, desenvolvendo imperfeições. Alguns aprendem como erro e rapidamente os superam.

133. Têm necessidade de encarnação os Espíritos que desde o princípio seguiram o caminho do bem?

“Todos são criados simples e ignorantes e se instruem nas lutas e tribulações da vida corporal. Deus, que é justo, não podia fazer felizes a uns, sem fadigas e trabalhos, conseguintemente sem mérito.”

a) — Mas, então, de que serve aos Espíritos terem seguido o caminho do bem, se isso não os isenta dos sofrimentos da vida corporal?

Chegam mais depressa ao fim. Ademais, as aflições da vida são muitas vezes a consequência da imperfeição do Espírito. Quanto menos imperfeições, tanto menos tormentos. Aquele que não é invejoso, nem ciumento, nem avaro, nem ambicioso, não sofrerá as torturas que se originam desses defeitos.”

O Livro dos Espíritos. Grifos nossos.

Note que Kardec entendeu, colocou em questão e não foi desmentido: existem aqueles que desde sempre seguiram o caminho do bem, o que não quer dizer que não erraram, mas apenas que não se apegaram ao erro.

Duvida do que eu digo? Que bom, quer dizer que está raciocinando. Mas, para raciocinar bem, é necessário ter base em algo. Sugiro, portanto, a leitura das questões 114 a 127 de O Livro dos Espíritos, além dessa exposta. Também não estou tirando tudo isso da minha cabeça, como destaco aqui.

Escala Espírita

Ademais, note que a Escala Espírita (100 a 113), que foi apenas um esboço classificatório proposto por Kardec, diz o seguinte dos Espíritos imperfeitos:

“101. Características gerais. – Predominância da matéria sobre o espírito. Propensão para o mal. Ignorância, orgulho, egoísmo e todas as paixões que lhes são consequentes.”

Ignorância, com certeza, posto que não é possível conhecer a lei divina, em realidade, e ainda assim praticar o mal. Isso seria retrogradar, o que o Espírito não faz. Mas note que, junto a isso, estão o orgulho, o egoísmo e todas as paixões que lhes são consequentes – imperfeições desenvolvidas pelo apego àquilo que satisfaz aos desejos materialistas.

Algo mais a destacar: note que Kardec classifica a primeira classe como “Primeira ordem – Espíritos puros”, e não como “Espíritos perfeitos”. Kardec não aborda uma “dualidade” entre Espíritos perfeitos e imperfeitos. E vimos, acima, que um Espírito pode, ao que tudo indica, ocupar a segunda classe desde o início – e, se você discordar, por favor, vamos dialogar.

Expiação

Expiação é algo que está bem definido em O Céu e o Inferno, em sua edição não adulterada, encontrada na Editora FEAL. Kardec definiu, como resultado do estudo de longos anos, que ela é o esforço livre e consciente do Espírito que busca, honestamente, reparar um desvio que tenha tomado:

8º) A duração do castigo está subordinada ao aperfeiçoamento do espírito culpado. Nenhuma condenação por um tempo determinado é pronunciada contra ele. O que Deus exige para pôr fim aos sofrimentos é o arrependimento, a expiação e a reparação – em resumo: um aperfeiçoamento sério, efetivo, assim como um retorno sincero ao bem ((Didaticamente, podemos interpretar expiação como o aperfeiçoamento sério e efetivo, e reparação como um retorno sincero ao bem. No item 23, Kardec define arrependimento como ‘fato da livre vontade do homem’. Ou seja, o espírito imperfeito primeiro conscientiza-se e escolhe superar sua condição, faz então a escolha das provas como expiação, objetivando seu aperfeiçoamento, retornando assim ao bem, conquistando a felicidade ao desenvolver as faculdades de sua alma. (N. do E.) )).

O espírito é, assim, sempre o árbitro de seu próprio destino; ele pode prolongar seus sofrimentos por seu endurecimento no mal, aliviá-los ou abreviá-los por seus esforços para fazer o bem.

Uma condenação por um tempo determinado qualquer teria o duplo inconveniente de ou continuar a atingir o espírito que se houvesse aperfeiçoado, ou cessar quando ele ainda estivesse no mal. Deus, que é justo, pune o mal enquanto este existe; e encerra a punição quando o mal não existe mais.

Assim se acha confirmada esta expressão: Eu não quero a morte do pecador, mas que ele viva, e eu o acusarei ATÉ QUE ELE SE ARREPENDA ((Se o ímpio faz penitência de todos os pecados que cometeu, se ele guarda todos meus preceitos e age segundo a equidade e a justiça, ele certamente viverá e não morrerá – Eu não me lembrarei mais das iniquidades que ele tenha cometido; ele viverá nas obras de justiça que terá feito – Quero eu a morte do ímpio, diz o Senhor Deus? E não quero antes que ele se converta, retire-se do mau caminho e viva? (Ez, 18:21-23; 23:11.) (N. do A.) )).

O Céu e o Inferno, editora FEAL

Mundo de Provas e Expiações

Podemos facilmente verificar, enfim, que a Terra, por se tratar de um mundo de provas e de expiações, não é nem um mundo apenas de provas, nem um mundo apenas de expiações. É de um e de outro. Portanto, existem Espíritos encarnados que escolheram expiações e outros que não. Estão apenas passando por provas, que são todas as dificuldades que nos oferecem chance de aprendizado e de avanço.

Quem são aqueles, portanto, que passam por expiações? Será que podemos apontar o dedo e classificá-los? “Este aqui é bonzinho, é apenas uma prova”; “ah, aquele ali é maldoso, egoísta, é uma expiação”. Eu não arrisco. Mas, na verdade, há algo lógico a se tirar daqui: um Espírito encarnado pode estar, neste momento, desenvolvendo uma imperfeição, um apego, algo que antes não tinha. Talvez, antes, estivesse sem apegos. Não está, portanto, expiando, mas expiará.

Essa é a função de um planeta como o nosso: dar, em contato com a matéria bruta, as condições para o burilamento de cada um.

Um Espírito pode estar na faixa de evolução em que a Terra lhe dá condições de aprendizado, sem que para isso ele tenha arrependimentos morais que precise enfrentar.

Reforma Íntima ou Reforma Moral

O Espiritismo oferece um forte subsídio, uma forte alavanca para a reforma moral do nosso mundo, que, encontra-se em situação lastimável, com certeza. Já no âmbito individual, precisamos nos perguntar: carecemos todos de uma reforma? Ou precisamos apenas de aprendizado? Essa é uma pergunta que apenas cada um, com sua própria consciência, pode responder.

O fato é que é necessário cuidado ao adotar cegamente certas ideias. Crer que todos que aqui nascem estão expiando algo, que tudo o que atravessamos é uma expiação e, pior ainda, que a expiação seja pagar dívidas passadas por uma espécie de castigo, nos leva a resultados negativos na forma de proceder ante a vida e aos demais.

Resultados negativos da crença no karma

  1. Culpa e Autocensura: Indivíduos que acreditam nisso podem carregar um fardo de culpa constante, acreditando que estão pagando por erros passados. Isso pode levar à autocensura e a uma vida cheia de restrições, com medo de cometer novos erros.
  2. Desencorajamento: A crença de que a vida atual é uma punição por ações passadas pode desencorajar as pessoas a buscarem seus objetivos e sonhos, pois podem acreditar que não merecem sucesso ou felicidade.
  3. Falta de Empatia: A ideia de que o sofrimento dos outros é resultado de dívidas kármicas pode levar à falta de empatia e compaixão pelos que estão em situações difíceis. Isso pode prejudicar a solidariedade e o apoio social. Infelizmente, vemos essa falta de empatia constantemente.
  4. Resignação negativa: As pessoas podem se tornar resignadas diante das dificuldades, aceitando passivamente o sofrimento como um destino inevitável, em vez de buscar soluções e melhorias em suas vidas ((A resignação pode ser positiva, quando representa a aceitação realista de limitações após esgotar esforços para lidar com uma situação)).
  5. Injustiça: A crença no karma dessa forma pode justificar ou perpetuar desigualdades sociais e econômicas, pois as pessoas podem acreditar que aqueles que estão em posições privilegiadas merecem isso devido a ações passadas ((A compreensão original de karma liga-se à ideia de que as ações tem suas consequências. Isso enfatiza a responsabilidade pessoal pelas ações e as implicações que elas têm.)).

Em resumo, essa crença pode ter efeitos negativos na saúde mental, no bem-estar e nas relações interpessoais, além de contribuir para a perpetuação de desigualdades e injustiças. É importante lembrar que as crenças sobre karma variam muito entre diferentes sistemas de crenças e culturas, e nem todos interpretam o karma da mesma maneira.

Conclusão

Talvez muitos de nós estejamos, precisemos de reformas, no sentido de termos nos desviado do bem por conta deste ou daquele apego e agora precisarmos nos conduzirmos novamente ao bem. Mas, como mudar o que não se sabe?

Não adianta buscar uma transformação vazia, sem base, tentando apenas seguir cegamente outros exemplos. É necessário compreender o que se faz e porque se faz. Por isso a importância do Espiritismo.

780. O progresso moral acompanha sempre o progresso intelectual?

Decorre deste, mas nem sempre o segue imediatamente.” (192–365.)

a) — Como pode o progresso intelectual engendrar o progresso moral?

Fazendo compreensíveis o bem e o mal. O homem, desde então, pode escolher. O desenvolvimento do livre-arbítrio acompanha o da inteligência e aumenta a responsabilidade dos atos.”

O Livro dos Espíritos. Grifos nossos.

Além disso, a ideia de que estejamos todos expiando desvios passados nos leva a uma pressão externa de nos corrigirmos de coisas que nem sequer entendemos. Isso seria uma correção artificial, que não se sustenta e nos envereda por um caminho complicado: se a mudança não se edifica sobre o real entendimento, de maneira progressiva, nos impomos um passo maior que nossas pernas. Ao tentar dar o salto e, por isso, cairmos, cremos que não somos fortes o suficiente, abandonando por completo as tentativas.

Infelizmente, muitos ainda acrescentam aí a falsa ideia de que essa vida seria a mais importante de todas e que, se não nos corrigirmos, estaríamos fadados a sermos o joio, “exilados” do Planeta Terra – outra falsa ideia, nascida inicialmente do livro “Exilados de Capela”, que não é Doutrinário.

Sim: cada um deve se observar e buscar se corrigir naquilo que entender que faz errado. Mas isso não se faz por pressão, nem seguindo cegamente a algo. É preciso compreender, e a mudança tem que ser feita passo a passo. Não se constrói um edifício de cima para baixo.

O caminho do bem

O indivíduo que busca o caminho do bem, olha para si e se analisa. Julga a si mesmo, observando erros e acertos. Avalia onde pode melhorar e onde pode corrigir, se julgar que tem algo a corrigir. Mais que isso: para trilhar o bem, deve-se fazer o bem, e o conhecimento do Espiritismo permite que esse processo seja mais acertado, porque o bem verdadeiro é útil e, para ser útil, é necessário saber o que se diz e o que se faz.

Muitos, por falta de conhecimento doutrinário (obras de Kardec), são pouco úteis. Enquanto dão pratos de sopa, que saciam momentaneamente a fome do estômago (algo importante e venerável, é claro), não saciam a fome de compreensão e de conhecimento, que definitivamente eleva o Espírito a novos degraus e pode inclusive dar a ele novas perspectivas para enfrentar aquela situação e dela sair.

Alguns, enquanto entregam o pão, creem e dizem que a pessoa que sofre de males materiais está passando por isso porque merece. Sim, já ouvi espíritas afirmarem isso. Esse, frequentemente, é o resultado da reforma íntima artificial, que tende a olhar apenas para si, sem buscar conhecimento, esquecendo que se deve ser verdadeiramente útil aos demais.




Roustaing, Ismael e “Brasil, Coração do Mundo”

“Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho”, é uma obra de Chico Xavier, atribuída ao Espírito de Humberto de Campos Veras. Obra assaz estranha, introduz uma série de ideias contrárias ao Espiritismo, girando principalmente sobre o papel do suposto Espírito de Ismael, que muitos acreditam ser o “protetor espiritual do Brasil”, mas que, na verdade, não passa de mais um inimigo do Espiritismo — talvez o maior deles. Ao longo de muito tempo, esse Espírito vem disseminando falsas ideias entre aqueles que as aceitam cegamente e, assim, vem causando enorme desserviço e atraso na propagação do Espiritismo em sua realidade. Em Roustaing, encontrou o trabalhador do mau caminho.

O trecho seguinte foi extraído do livro “Ponto Final: o reencontro do Espiritismo com Allan Kardec”, e destaca evidências de que essa obra foi provavelmente adulterada pela Federação Espírita Brasileira:

[…] Julio Abreu Filho, primeiro tradutor dos 12 volumes da Revue Spirite, denunciou que exatamente um ano antes do aparecimento de “Brasil, coração do mundo, pátria do Evangelho”, o livro Crônicas de Além-Túmulo, também psicografado por Chico Xavier e assinado pelo próprio Humberto de Campos, havia sido lançado, e em cujas páginas se encontra uma mensagem semelhante na qual apenas Kardec, Denis, Delanne e Flammarion são citados, e por lugar nenhum Roustaing é mencionado. Diante da denúncia de uma possível interpolação, que poderia ser resolvida com muita facilidade ao mostrar os originais do livro questionado, a FEB informou que havia ordenado sua incineração. O fato se assemelha à queixa de Berthe Fropo no século XIX, de que Leymarie havia queimado numerosos documentos do arquivo de Kardec.

Ah!, como precisa de defensores essa Doutrina que, mesmo partindo dos Espíritos e sendo imortal, depende do trabalho humano para ser retomada e desenvolvida da maneira necessária, porque, infelizmente, os maus Espíritos têm encontrado muitos defensores, prontos a ouví-los cegamente.

Espíritas: avante!




O Espiritismo nas Prisões

“O Espiritismo nas Prisões” é um artigo originalmente publicado por Allan Kardec na Revista Espírita de fevereiro de 1864, e conta a história de um criminoso que, tendo conhecido o Espiritismo em sua realidade, transformou-se e passou até mesmo a praticar a mediunidade na prisão – algo inconcebível para o movimento espírita moderno, que apregoa que ela só deve ser praticada dentro dos centros espíritas, o que é falso.

Deixo o artigo na íntegra para a vossa leitura:

O Espiritismo nas prisões

Na Revista de novembro de 1863, publicamos uma carta de um condenado detido numa penitenciária, como prova da influência moralizadora do Espiritismo. A carta abaixo transcrita, de um condenado em outra prisão, é um exemplo dessa poderosa influência. É de 27 de dezembro de 1863. Transcrevemo-la textualmente, quanto ao estilo. Corrigimos apenas os erros ortográficos.

“Senhor,

“Há poucos dias, quando me falaram pela primeira vez de Espiritismo e de revelação de além-túmulo, eu ri e disse que isto não era possível. Eu falava como um ignorante, que sou. Alguns dias depois tiveram a bondade de me confiar, em minha horrível posição em que me acho agora, vosso bom e excelente Livro dos Espíritos. A princípio li algumas páginas com incredulidade, não querendo, ou melhor, não crendo nessa ciência. Enfim, pouco a pouco e sem me aperceber, por ele tomei gosto; depois levei a coisa a sério; depois li pela segunda vez o vosso livro, mas então com um outro espírito, isto é, com calma e com toda a pouca inteligência que Deus me deu.

“Senti então despertar essa velha fé que minha mãe me tinha posto no coração e que dormitava há longo tempo. Senti o desejo de me esclarecer sobre o Espiritismo.

A partir desse momento tive um pensamento muito decidido, o de tomar conhecimento, aprender, ver e depois julgar. Pus-me à obra com toda a crença que se pode ter e que é preciso ter em Deus e em seu poder. Eu desejava ver a verdade.

Orei com fervor e comecei as experiências.

“As primeiras foram nulas, sem resultado algum, mas não me desencorajei. Perseverei em minhas experiências e, palavra, redobrei minhas preces, que talvez não fossem bastante fervorosas e mergulhei no trabalho com toda a convicção de uma alma crente e que espera.

“Ao cabo de algumas noites, pois só posso fazer as experiências à noite, senti, por cerca de dez minutos, frêmitos nas pontas dos dedos e uma leve sensação no braço, como se tivesse sentido correr um riachinho de água morna, que parava no punho. Eu estava então bem recolhido, todo atenção e cheio de fé. Meu lápis traçou algumas linhas perfeitamente legíveis, mas não bastante corretas para não crer que estivesse sob o peso de uma alucinação. Esperei então com paciência a noite seguinte para recomeçar as experiências, e dessa vez agradeci a Deus, de todo o coração, pois tinha obtido mais do que ousava esperar.

“Desde então, de duas em duas noites, entretenho-me com os Espíritos que são bastante bons para responder ao meu apelo e, em menos de dez minutos, respondem sempre com caridade. Escrevo meia página ou páginas inteiras que minha inteligência não poderia fazer sozinha, porque, às vezes, são tratados filosófico religiosos em que jamais pensei nem pus em prática; porque dizia-me, aos primeiros resultados: Não serás joguete de uma alucinação ou da tua vontade? E a reflexão e o exame me provavam que eu estava bem longe dessa inteligência que havia traçado aquelas linhas. Eu baixava a cabeça, cria e não podia ir contra a evidência, a menos que estivesse inteiramente louco.

“Remeti duas ou três dessas comunicações à pessoa que tinha feito a caridade de me confiar o vosso bom livro, para que ela sancione se estou certo. Venho pedirvos, senhor, vós que sois a alma do Espiritismo, que tenhais a bondade de me permitir vos envie o que obtiver de sério em minhas conversas de além-túmulo, se, todavia, achardes bom. Se isto for de vosso agrado, vos enviarei as conversas mantidas com Verger, aquele que feriu o arcebispo de Paris. Para bem me assegurar de que o manifestante era ele mesmo, evoquei São Luís, que me respondeu afirmativamente, bem como outro Espírito no qual tenho muita confiança, etc……………”

As consequências morais deste fato se deduzem por si mesmas. Eis um homem que tinha abjurado toda crença e que, ferido pela lei, se acha confundido com o rebotalho da Sociedade. Esse homem, no meio do pântano moral, voltou à fé. Ele vê o abismo em que caiu; ele se arrepende; ele ora e, digamo-lo, ah! Ele ora com mais fervor que muita gente que exibe devoção. Para isto bastou a leitura de um livro onde encontrou elementos de fé que a sua razão pôde admitir, que reanimaram as suas esperanças e lhe fizeram compreender o futuro. Além disso, o que é digno de nota, é que a princípio leu com prevenção e sua incredulidade só foi vencida pelo ascendente da lógica. Se tais resultados são produzidos por uma simples leitura, feita, por assim dizer, às ocultas, o que seria se a ela se pudesse juntar a influência das exortações verbais!

É bem certo que, na disposição de espírito em que hoje se encontram, esses dois homens (ver o fato relatado no número de novembro último), não apenas não terão, durante sua detenção, qualquer conduta reprovável, mas entrarão no mundo com a resolução de aí viverem honestamente.

Considerando-se que estes dois culpados puderam ser reconduzidos ao bem pela fé que acharam no Espiritismo, é evidente que se eles tivessem tido essa fé previamente, não teriam cometido o mal. A Sociedade é, pois, interessada na propagação de uma doutrina de tão grande poder moralizador. É o que se começa a compreender.

Uma outra consequência a tirar do fato relatado é que os Espíritos não são detidos pelos ferrolhos, e que vão até o fundo das prisões levar suas consolações.

Assim, não está no poder de ninguém impedir que eles se manifestem de uma ou de outra maneira. Se não for pela escrita, será pela audição. Eles enfrentam todas as proibições, riem-se de todas as interdições, transpõem todos os cordões sanitários. Que barreira podem, então, lhes opor os inimigos do Espiritismo?




O rapaz e o oásis: uma fábula de esperança

Em um determinado local, havia um grande deserto. Para onde se olhasse, não se via mais do que paisagens desoladas pelas areias que fustigavam qualquer coisa viva que tentasse sobreviver. Aqui e ali, porém, denotavam-se pequenos agrupamentos de elementos: eram pequenos vilarejos, formados nos pontos mais baixos das montanhas de areia e de pedras, onde, de alguma forma, era possível subsistir.

Esses pequenos vilarejos se mantinham às custas dos locais onde alguma água subterrânea aflorava, ou onde a água das chuvas esparsas se acumulavam por algum tempo. Era pouca água, um pouco lamacenta, e onde se dessedentavam homens e animais. Ao redor dessa água, cresciam alguma vegetação e plantava-se alguma coisa que mal dava para alimentar a todos – homens e animais.

Era assim a situação geral de todos esses vilarejos. Com o pouco que sabiam, transmitido entre gerações, buscavam se manter e manter o lamacento corpo de água. A vida era dura e saúde não era boa. Eram todos ensinados que somente ali seria possível sobreviver, pois, ao redor, somente havia areia e pedras, além de outros agrupamentos de similar situação.

Leia também: é possível praticar a mediunidade no lar?

De vez em quando, um ou outro, cansado dessa situação, decidiam sair dos vilarejos para buscar algo além. Não se conformavam com aquela vida, mas saiam sem rumo, sem conhecimento algum sobre o derredor. Nunca mais voltavam. Muitos morriam no deserto, sem possibilidade de sobreviver. Outros, terminavam em outros vilarejos.

Em um desses vilarejos, vivia um rapaz, muito cedo orfanado e, por isso, criado em comum por outras pessoas. Desde pequeno, ensinado sobre as tradições ligadas à sobrevivência, esforçava-se para ajudar na conservação do ambiente que lhe permitia a subsistência, embora não se conformasse com aquele estilo de vida, tão limitado. Era perquiridor: buscava meios de obter mais água, de cultivar mais alimentos… Mas era tudo muito limitado e seus esforços não iam muito longe com o conhecimento que tinha.

Certo dia, caminhando pelas extremidades do vilarejo, uma forte rajada de vento, cheia de areia, trouxe com ela algo diferente: pétalas de flores e algumas folhas verdes. Ele as tomou do chão e as analisou. Eram diferentes de tudo o que tinham naquele vilarejo e, além de tudo, eram muito viçosas e bem desenvolvidas. Aquilo lhe despertou a curiosidade. Rapidamente, voltou ao seu pequeno casebre, tomou um cantil de água e algum alimento e saiu, sem dizer nada a ninguém. Tomou a direção de onde vinha o vento, sem saber o que encontraria.

O rapaz caminhou sob sol forte, sempre buscando sinais das folhas e flores, que encontrava aqui e ali. Por vezes, quase perdia a esperança, quando não encontrava em parte alguma sinais desses elementos. Sem desistir, ampliava um pouco mais a largura de suas buscas, sempre tentando se manter na direção correta. Logo, encontrava um pequena folha ou alguma pétala que, embora desidratadas, ele reconhecia como sendo do mesmo tipo encontrado anteriormente.

Veio a noite, e o rapaz se acomodou ao lado de um rochedo, onde encontrou algum calor para passar a noite. Alimentou-se sobriamente e notou que seu cantil já se encontrava quase pela metade… A preocupação lhe atormentou por algum tempo, mas logo dormiu e, no dia seguinte retomou a caminhada. Assim seguiu, por mais dois dias…

Por algum tempo, no meio do terceiro dia, andou o rapaz na direção sabida, mas não mais encontrava sinais das folhas ou das flores. Andou mais longe, alargou a busca, mas, nada. O desespero começou a alcançá-lo, pois seu cantil já continha apenas água lamacenta e ele já estava muito distante de sua origem. Sabia que voltar seria muito difícil, senão impossível, pois a desidratação já lhe atormentava o corpo.

Foi então que, caindo de joelhos em meio à areia, com lágrimas nos olhos ressecados, angustiado e sem esperança, uma borboleta pousou em seu ombro. Espantado, levantou-se. Ele não conhecia aquele inseto de tão belo voo. Algo lhe tomou novamente o ser e, com ânimo renovado, decidiu segui-la. Andou algumas centenas de metros, e logo percebeu outras borboletas ao redor. Notou que o chão começava a mudar. Aqui e ali, em meio à areia, que começava a ficar menos fofa, uma espécie de grama, algo ressecada, brotava e resistia. Seguiu nessa direção, e a paisagem ia mudando sucessivamente, até que alguns arbustos mais encorpados começavam a surgir e, mais ao longe, ele parecia divisar uma vegetação alta e densa… Mas o sol fustigava-lhe, a desidratação lhe causava tonturas e, de repente, um torpor lhe tomou e ele caiu ao chão, crendo que ali seria o seu fim.

Algum tempo depois, o rapaz acordou com seus lábios molhados de água fresca. Confuso, notou que estava encostado em uma grande árvore, que fornecia sombra fresca. Seus olhos estavam embaçados. Parecia ver, ao redor, algumas outras pessoas, mas não passavam de sombras turvas. Esfregou os olhos, buscando enxergar melhor, mas sem sucesso. Sentiu alguém aproximar e lhe jogar água sobre o rosto. Levou as mãos novamente aos olhos umedecidos, limpou-os e, aos poucos, notou a visão retornando. Foi quando conseguiu observar três pessoas ao seu redor, portando ferramentas e algumas bolsas de pano. Sorriam para ele. Uma delas entregou-lhe um cantil, do qual o rapaz bebeu com avidez. A água era fresca, límpida, como ele nunca havia ingerido antes, senão quando conseguia colher alguma água da chuva.

Refestelou-se daquele líquido e, em alguns momentos, sentiu a energia lhe retornando ao corpo. Teve forças e se levantou vagarosamente. Aquelas pessoas se aproximaram e quiseram lhe falar. Espantado, notou que falavam o seu idioma, embora com sotaque diferente! Convidaram-no a segui-las, ao que ele prontamente se entregou. Caminharam algum tempo em meio a uma linda floresta. Ele percebia o perfume, a umidade que lhe acalentava a pele, os sons de diferentes animais e do vento balançando as folhas. Notou, no chão, flores e folhas que ele reconhecia. Próximo, notou um riacho de água limpa e cristalina a correr em meio à vegetação. Que alegria ele sentia naquele momento!

Chegaram, então, ao centro de um vilarejo. Muitas pessoas viviam ali, todas de aparência saudável e rostos alegres. Haviam também animais e, nas proximidades, enxergava plantações verdejantes e robustas, algo totalmente diferente da realidade de seu local de origem.

Levaram-no, então, a uma casinha simples, onde se reuniam algumas pessoas em alegre conversação. Pareciam trabalhar em colaboração sobre o alimento oriundo das plantações. Rapidamente aquela gente o acolheu. Deram-no do que comer e beber, acomodaram-no como se fosse um dos seus, ouviram sua história e lhe contaram muitas coisas em retorno. Ali, o rapaz foi ensinado que a água que brota na superfície vem de muito fundo, e que encontra ali um local de saída. Que, para obter mais dessa água, seria necessário cavar um tanto mais, limpando o barro. Que poderiam fazer poços, para obtê-la fresca e cristalina e que, se as margens fossem cuidadas, com o plantio de certas plantas e árvores, aos poucos o corpo de água ganharia volume e qualidade. Ensinaram que as plantações de alimentos devem vir depois dessas áreas, para não facilitarem a evaporação. Ele rapidamente percebeu que era justamente o contrário do que faziam.

Também contaram ao rapaz que esses vilarejos espalhados pelo deserto foram originalmente formados por pessoas oriundas daquele lugar, muito, muito tempo antes. Eram pessoas que, apesar de viverem e se beneficiarem do conhecimento e da produção daquele lugar, pouco ou nada faziam para aprender e para colaborar. Convidadas constantemente ao trabalho necessário, decidiram afastar-se em um grupo e, depois, decidiram sair, com a intenção de formar elas mesmas suas próprias aldeias, onde acreditavam que poderiam fazer as coisas melhores, e de outra maneira. Isso aconteceu muitos, muitos anos antes e, desde então, eles não mais as viram por ali, embora, de vez em quando, algum bravo indivíduo saísse em missão de buscá-las para ajudá-las: encontrando-as, era rapidamente afastado pelas ideias que trazia e tinha que retornar àquele lugar.

O rapaz estava muito interessado. Questionava, queria saber mais. Compreendeu rapidamente que o conhecimento renegado foi a causa da miséria em que viviam esses vilarejos ou aldeias. Passou ali alguns dias, mas logo percebeu que tinha que retornar, pois precisava compartilhar com os seus tudo aquilo que viu e aprendeu. Tomada a decisão, saiu em viagem de retorno, dessa vez muito mais preparado, com alimento e água fartos. Conduziu-se sem maiores dificuldades ao seu vilarejo de origem, onde ingressou em alguns dias de jornada.

Muito alegre e com energia renovada, tomou o rapaz as ruas arenosas da pequena vila. Seu rosto expressava decisão, embora aqui e ali expressasse alguma tristeza por ver os seus companheiros, tristes e insalubres, encarando-o curiosamente. Buscou, contudo, não se afetar demais e, dirigindo-se aos chefes da vila, cheio de entusiasmo, contou do acontecido, pedindo que fosse realizada uma reunião naquela noite, onde pudesse expor aos demais tudo o que viu e aprendeu. Os chefes da vila receberam suas palavras com olhares de espanto e de incredulidade. Ao final, negaram-lhe a reunião solicitada, dizendo que tudo aquilo não passava de absurdos e que eles estavam certos dos ensinamentos de seus antepassados, aos quais se agarravam com paixão. Além disso, repreenderam-no duramente por ter se retirado sem aviso, pois causou enorme preocupação em todos do vilarejo.

O rapaz não conseguia acreditar. Incrédulo com aquela recepção amargosa, tomou outro caminho: decidiu que ele mesmo buscaria reunir algumas pessoas e que, depois disso, se fosse expulso pelo desrespeito, teria para onde ir. Assim, saiu pelas ruas do vilarejo. Encontrou muitos companheiros de vida e, um a um, foi contando resumidamente sua história e convocando-os para uma reunião, em seu casebre. Muitos expressavam um brilho no olhar, mas diziam não se sentir fortes para abandonar seus hábitos; outros, lhe acusavam de blasfemar contra os ensinamentos de sua tradição; outros, ainda, temiam serem expulsos dali pelos chefes do vilarejo, por pensarem diferentes.

Chegada a hora da reunião, esperava ansioso a chegada de muitos… Esperou, esperou mas, além dele, compareceram apenas outros dois, amigos de infância, tímidos e incertos, mas que perceberam a importância daquilo que ouviram, já que eles mesmos pensavam que aquela situação e aqueles ensinamentos não eram suficientes ou corretos. O rapaz entristeceu-se por alguns instantes, percebendo que nada seria fácil. Ele viu a felicidade de outras pessoas, que colaboravam em um ambiente cuidado por seus próprios esforços. Viu a água cristalina, enquanto, sobre a mesa de seu casebre, restava um jarro de água lamacenta. Ele não podia não tentar.

Passados alguns momentos, tomou resolução diferente. Percebeu que aquele ambiente não aceitaria essas verdades, senão depois de muito tempo, e com a colaboração de pessoas que fossem compreendendo as verdadeiras e originais ideias. Decidiu convidar os presentes a acompanhá-lo em jornada para aquela aldeia distante. Os dois amigos prontamente aceitaram o convite. Queriam aprender mais, queriam viver melhor, e entenderam que, para ajudar àquelas pessoas, teriam que aprender muito mais e se fortalecerem.

Assim, partiram no dia seguinte. Já certo de seu caminho, o rapaz fez que viajassem mais preparados e com mais rapidez. Chegaram às margens da floresta em dois dias, sem muitas dificuldades. Ali, logo encontrou pessoas que os receberam e os conduziram à vila, onde foram todos recebidos com felicidade e integrados à sociedade dali. Em pouco tempo, aprenderam muito. Sentiam-se felizes e contentes, pois não viviam para subsistir e nem para cuidarem apenas de si. Havia colaboração genuína no uso e no desenvolvimento do conhecimento que permitia manter aquele grande oásis, verdadeiro paraíso em meio ao deserto. Mas esse senso de colaboração lhes dizia, no interior, que não podiam ter tudo aquilo somente para eles, pois, fora dali, seus semelhantes viviam em plenas miséria e infelicidade.

Assim, depois de algum tempo, esses três formaram uma iniciativa, à qual se juntaram outros jovens daquele lugar: deveriam planejar, de quando em quando, missões com destino a esses vilarejos, buscando conquistar corações pela razão. Aos poucos, mapearam diversos deles, para onde partiam todo ano, buscando encontrar ouvidos dispostos a escutá-los. Em alguns deles, não encontravam senão hostilidade, sendo mesmo banidos de um e de outro. Nos outros, eram aceitos com precauções, nunca encontrando mais que frieza em seus chefes, que permitiam, contudo, que falassem. Desses, com certa raridade, retornavam com um algum novo companheiro, que frequentemente se juntava à mesma iniciativa.

E assim passaram seus anos de vida, buscando fazer o que acreditaram ser o correto, sabendo que a distância entre os conhecimentos adulterados seriam vencidos um dia e que, nesse dia, as florestas verdejariam por todo lugar, progressivamente extinguindo o deserto para dar lugar a um novo e saudável ambiente. Um dia…


O grande oásis é o Espiritismo, cujo ensinamento os Espíritos vem nos transmitir, em esforço de colaboração. A água pura é o conhecimento resultante desse esforço, construído de maneira metodológica e científica. O rapaz é cada um que percebe essa distância entre o movimento espírita e o Espiritismo. Os vilarejos são os agrupamentos de adeptos espíritas onde não se fala em Kardec e onde o questionamento é visto como subversivo e prontamente coibido. O deserto é a situação atual do nosso mundo.




Revista Espírita – surge uma luz em meio à escuridão

Talvez alguns de vocês já saibam do que vou falar. Eu não sabia, e não posso senão apresentar extrema alegria em fazê-lo. Acabo de encontrar um grupo realizando publicações ao estilo da Revista Espírita de Allan Kardec – realizando evocações, recebendo relatos, analisando-os, etc.

Uma luz em meio à escuridão: Revista Espírita.

Trata-se do site “Revista Espírita” – simplesmente isso. Nomeado à luz da Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos – publicação que serviu de base ao desenvolvimento da Doutrina Espírita, ali eles apresentam evocações, comunicações espontâneas e relatos pessoais, tudo, até onde pude ver, dentro da melhor racionalidade e com todas as características da comunicação de Espíritos devidamente alinhados aos princípios científicos do Espiritismo.

A Revista Espírita Digital recebe o subtítulo: PERIÓDICO DE DIVULGAÇÃO DO ESPIRITISMO PRÁTICO. Não poderia ser mais acertado.

Se você não entendeu completamente, eu friso: são evocações atuais de Espíritos. Sim. Como Kardec fazia.

Nosso objetivo não é o mesmo que tinha o nosso caro Mestre naquele século, nem queremos sequer insinuar que poderíamos, ainda que sejamos vários espíritas a trabalhar unidos, chegar aos pés de Allan Kardec, pois reconhecemos a nossa pequenez. Kardec trabalhava na elaboração de uma Ciência, e a sua Revue Spirite lhe servia para esse fim. 

O que queremos é colocar ao alcance de todos, num único lugar, os estudos feitos com os Espíritos, e que consideramos que possam ser úteis; nossa intenção é dar uma singela contribuição do nosso grupo espírita, formado em fevereiro de 2007. Assim fazendo, desejamos mostrar a nossa gratidão a Allan Kardec pelos esforços por ele empreendidos a fim de nos legar a ciência espírita, que, como sabemos, é uma ciência prática.

Equipe da Revista Espírita digital, Curitiba – Paraná.

Como podemos ver, eles tem objetivos modestos, o que está em pleno acordo com aquele que realmente tenha entendido o Espiritismo. Mas o que mais importa, e o que venho destacar, é que essa iniciativa é daquelas para serem replicadas, com base no conhecimento obtido das obras de Kardec.

Desde o início deste nosso grupo, com a criação deste site, eu tinha um maior intuito em mente: contagiar. Meu maior objetivo, depois de ler O Legado de Allan Kardec, de Simoni Privato, e dizer a mim mesmo “eu preciso fazer alguma coisa”, foi o de espalhar ao máximo possível o entendimento de que é necessário retomar as evocações… E, hoje, conto dois grupos que conheço realizando esse trabalho.

Lhes convido a ler os artigos apresentados no site deles e a fazerem as vossas análises, utilizando os mesmos princípios traçados por Kardec. Verifiquem se, nas comunicações apresentadas, existem qualquer tipo de pensamento que traia seus alegados autores – dentre eles Allan Kardec – e estejam convidados a interagir conosco através dos comentários em nosso site e no Facebook. Pretendo começar a fazer estudos sobre artigos ali publicados.

Somente posso terminar, dizendo: graças a Deus.

Sigam o link para acessar o site citado: https://www.revistaespirita.net




Alzheimer e Espiritismo: expiação de dívidas de vidas passadas?

Há algum tempo, um médium muito conhecido disse, em público, falando em Alzheimer e Espiritismo, que as doenças degenerativas são expiações de erros de vidas passadas…

Amigos, cuidado com as generalizações. Infelizmente, a maior parte dos Espíritas ativos, e falando em nome da Doutrina, não conhecem o Espiritismo em sua realidade.

Esquecemos que as atitudes desta vida, conscientes ou não, tem consequências nesta vida? Esquecemos que o consumo prolongado de certas substâncias, inclusive aquelas vendidas nas farmácias, provocam danos em nosso corpo?

Foi por conta dessas ideias que, quando minha avó morreu de câncer, me revoltei contra Deus, porque fiquei me perguntando como uma pessoa tão boa como ela poderia ter que “pagar” com algo tão ruim. Lastimável efeito dessas opiniões absurdas, superado, enfim, pelo estudo do Espiritismo em sua realidade.

De onde foi que tiramos essas ideias de que sofremos nesta vida para resgatar débitos, senão da ausência de um estudo profundo da ciência espírita?

Vejam: prova é tudo o que enfrentamos na vida e que nos permite o aprendizado. Já a expiação é a escolha consciente do Espírito que visa tentar se desapegar de uma imperfeição adquirida por sua própria vontade.

“8o) A duração do castigo está subordinada ao aperfeiçoamento do espírito culpado. Nenhuma condenação por um tempo determinado é pronunciada contra ele. O que Deus exige para pôr fim aos sofrimentos é o arrependimento, a expiação e a reparação – em resumo: um aperfeiçoamento sério, efetivo, assim como um retorno sincero ao bem.” – KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno, Cap. VIII – As penas futuras segundo o Espiritismo. Editora FEAL

“Reparar” é reparar esse desvio, para aqueles que o tomam. Nem todos tomam esses desvios, mas continuaremos encarnando nos planetas relativos à nossa evolução espiritual, onde sofreremos as vicissitudes da matéria, cada vez menores, conforme nos elevamos pelo aprendizado colaborativo.

Não existe carma no Espiritismo.




Um evangélico estudando o Espiritismo

Fico cada vez mais feliz em constatar que a quantidade de interesse pelo Espiritismo vem crescendo entre as religiões, e até entre o protestantismo evangélico. Hoje, venho contar de um evangélico estudando o Espiritismo.

O amigo, P…, com o qual tive o grato contato, conta que nasceu no meio protestante e nele cresceu. Contudo, conta que seu pai, desde sua infância, o ensinou a não crer cegamente no que diziam os pastores, recomendando que, havendo dúvida, fosse buscar o que estava escrito na Bíblia. Eis o princípio do Espiritismo, ensinado por um evangélico: a busca pela razão, em nada crendo cegamente. É sempre triste notar que, hoje, não se encontra esse princípio nem no próprio movimento espírita.

Vejam, amigos, o quanto é imprescindível transmitir os melhores valores às crianças. Eu dou também o meu exemplo, porque meu pai também me ensinou o mesmo, refletindo os ensinamentos de Kardec, puramente científicos. Mesmo tendo atravessado um período de descrença, porque o que eu outrora conhecia não estava firmado sobre essa ciência que é o Espiritismo, consegui reencontrar o caminho, e hoje estudo a Doutrina Espírita onde ela reside em toda sua confiabilidade: nas obras de Allan Kardec.

Religiosos estudavam o Espiritismo no passado

Quero destacar que Kardec, na Revista Espírita de janeiro de 1869, dá as seguintes estatísticas sobre os adeptos espíritas:

Em relação às ideias religiosas:

  • católicos romanos, livres-pensadores, não ligados ao dogma, 50%;
  • católicos gregos, 15%;
  • judeus, 10%;
  • protestantes liberais, 10%;
  • católicos ligados aos dogmas, 10%;
  • protestantes ortodoxos, 3%;
  • muçulmanos, 2%.

São números muito interessantes, principalmente quando confrontados com a época atual, em que o Espiritismo, visto como religião (uma falsa ideia) encontra resistência e dificuldade para proliferar. Protestante, naquela época, é o evangélico de hoje.

Não é demais relembrar que o Espiritismo é a ciência da própria Criação, existindo entre todos e provocando, com seus fenômenos, até mesmo aqueles que o negam. Sendo, antes de tudo, uma ciência, pode ser estudado por todos, com grande proveito, e não foi senão por adulterações que deixou de ser assim.

Leia também: Chega de rixas, chega de briga: é chegado o momento de colaborar!

A importância do questionamento

Mas também é fato que muitos que chegam ao Espiritismo, entram pela porta das falsas ideias que reinam no movimento espírita moderno, que anda muito renitente em retomar Kardec, antes de tudo. Aqui, devo mais uma vez reconhecer a força de vontade de P…, nascido no meio evangélico, mas que nunca colocou de lado o raciocínio e, tendo encontrado material que demonstra a ciência espírita, prontamente encontrou nele algo que lhe atendesse às perquirições racionais.

É por isso que sempre destaco a importância de cada um fazer a sua parte, da melhor forma que puder. Mas, para fazer assim, solidificar o conhecimento na ciência é imprescindível. Erra-se menos agindo dessa forma.

Porto seguro

O porto seguro do Espiritismo está nas obras de Kardec, não por que ele tenha dado a última palavra, mas porque as palavras que deu nasceram do método científico. Hoje, abandonado o método, existe uma infinitude de falsas ideias, muitas vezes contrárias aos princípios doutrinários, nascidos do estudo metodológico de milhares de Espíritos, evocados ou de livre comunicação, por toda a parte.

É necessário estudar e, desse estudo, solidificado, é necessário produzir. Façamos a nossa parte, pois existem muitos outros como P…, – protestantes, católicos, umbandistas, etc. – pelo mundo, aos quais apenas falta o contato com as ideias verdadeiras.




O inferno, segundo o Espiritismo

O Espiritismo demonstrou a impossibilidade da existência do Inferno, bem como do purgatório como um lugar após a morte. É lógico notar que, com isso, demonstra a impossibilidade das construções modernas de ideias como a do umbral. Mas, ao mesmo tempo, demostrou a existência desses dois últimos, não como um local fluídico, mas como um local material: os próprios planetas como a Terra e inferiores, onde, literalmente, se purgam as imperfeições adquiridas:

“É, portanto, nas sucessivas encarnações que a alma se despoja pouco a pouco de suas imperfeições, em outras palavras, que ela se purga, até que esteja pura o bastante para merecer deixar os mundos de expiação e ir para mundos mais ditosos, de onde mais tarde parte para fruir da felicidade suprema ((No início de sua evolução, há imperfeições que são hábitos equivocados criados pelo apego, que resultam em orgulho e egoísmo. Essa responsabilidade pessoal, somente daqueles que escolherem esse caminho penoso, configura a condição de imperfeição e sofrimento morais que deverão ser superados pela expiação. Todavia, nos planetas primitivos, há as vicissitudes decorrentes da falta de inteligência para criar melhores condições de vida e conforto, quanto a alimentação, moradia, saúde. Também falta oportunidade para todos progredirem, como educação, trabalho, família. Por isso, todos enfrentam provas, que são oportunidades para o progresso, individual e coletivo. São os planetas de expiação e provas. (N. do E.) )).

O Purgatório não é mais, por conseguinte, uma ideia vaga e incerta, é uma realidade material que vemos, tocamos e sofremos. Ele está nos mundos de expiação, e a Terra é um desses mundos – nela os homens expiam o passado e o presente em proveito de seu futuro. Mas, ao contrário da ideia que se tem tradicionalmente do Purgatório, depende de cada um abreviar ou prolongar a sua permanência aí, segundo o grau de adiantamento e pureza a que se chega pelo trabalho sobre si mesmo. Saímos desses mundos não porque tenha chegado a termo nosso tempo, ou pelo mérito de outros, mas em razão do nosso próprio mérito, segundo as palavras do Cristo: – A cada um, conforme suas obras –, palavras que resumem toda a justiça de Deus.

O Espiritismo não veio, portanto, negar a penalidade futura – veio, ao contrário, confirmá-la. O que ele destrói é o Inferno localizado, com suas fornalhas e suas penas irremissíveis. Não nega o Purgatório, porquanto prova que nele nos encontramos, definindo-o e detalhando-o, explicando a causa das misérias terrestres, conduzindo à crença, com isso, aqueles que o negavam.”

KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno – Editora FEAL




Paul Broca e o Magnetismo

Pierre Paul Broca, o Dr. Broca, é reconhecido no meio médico por ser um grande contribuinte para a área. Criança-prodígio, foi um grande cirurgião e antropólogo francês. Mas existe uma face de suas experiências absolutamente desconhecida, ligada ao Magnetismo de Mesmer (leia “Mesmer: a ciência negada do Magnetismo Animal”, de Paulo Henrique de Figueiredo), naquela época conhecido apenas por um de seus “filhos”: o hipnotismo.

Abordando as experiências de diversos cientistas e médicos renomados da época, Allan Kardec – ele mesmo – apresenta, na Revista Espírita de janeiro de 1860, o artigo “o magnetismo perante a academia“, do qual destacamos as partes seguintes:

“O Sr. Azam, professor substituto de clínica cirúrgica da Escola de Medicina de Bordéus, tendo repetido com sucesso as experiências do Dr. Braid, trocou ideias com o Dr. Paul Broca, que imaginou que as pessoas hipnotizadas talvez fossem insensíveis à dor das operações cirúrgicas. A carta que acaba de dirigir à Academia de Ciências é o resumo de suas experiências a respeito.

“Antes de tudo, devia ele assegurar-se da realidade do hipnotismo, o que conseguiu sem dificuldades.

“Visitando uma senhora de uns quarenta anos, algo histérica, e que estava acamada por ligeira indisposição, o Dr. Broca fazia de conta que queria examinar os olhos da paciente e lhe pedia que olhasse fixamente um frasquinho dourado que ele segurava a uns quinze centímetros da raiz do nariz. Ao cabo de três minutos os olhos ficaram um pouco vermelhos, os traços imóveis, as respostas lentas e difíceis, mas perfeitamente racionais. O Dr. Broca levantou o braço da doente e este se manteve na posição deixada; posicionou os dedos nas mais extremas situações e eles as conservaram; beliscou a pele em vários pontos, com certa força e, ao que parece, a paciente nada sentiu. Catalepsia, insensibilidade! O Dr. Broca não levou adiante a experiência, pois ela já lhe havia ensinado o que queria saber. Uma fricção sobre os olhos e uma insuflação de ar frio na fronte trouxeram a doente ao estado normal. Ela não tinha a menor lembrança do que se havia passado.

“Restava saber se a insensibilidade hipnótica resistiria à prova das operações cirúrgicas.

“Entre os doentes do Hospital Necker, no serviço do Dr. Follin, estava uma pobre senhora de 24 anos, vítima de extensa queimadura nas costas e nos dois membros direitos e de um abscesso extremamente doloroso. Os menores movimentos lhe eram um suplício. Esgotada pelo sofrimento e, de resto, muito pusilânime, essa infeliz pensava com terror na operação que se fazia necessária. Foi nela que, de acordo com o Dr. Follin, o Dr. Broca resolveu completar a prova do hipnotismo.

“Puseram-na num leito em frente à janela, prevenindo-a que ia dormir. Ao cabo de dois minutos suas pupilas se dilataram. Levantaram o braço esquerdo quase verticalmente acima do leito e ele ficou imóvel. No quarto minuto suas respostas são lentas e quase penosas, mas perfeitamente sensatas. Quinto minuto: o Dr. Follin belisca a pele do braço esquerdo e a doente não o acusa; nova picada mais funda, que produz sangue, e a mesma impassibilidade. Levantam o braço direito, que fica no ar. Então as cobertas são levantadas e os membros inferiores afastados, para deixar a descoberto a sede do abscesso. A doente consente e diz com tranquilidade que, sem dúvida, vão magoá-la. Aberto o abscesso, solta um grito fraco. Foi o único sinal de reação, e que durou menos de um segundo. Nem o menor tremor de músculos do rosto ou dos membros, nem uma agitação nos braços, sempre elevados verticalmente acima do leito. Os olhos um pouco injetados estavam largamente abertos e o rosto tinha a imobilidade de uma máscara…

“Levantado, o pé esquerdo fica suspenso. Tiram o objeto brilhante, uma luneta, e persiste a catalepsia. Pela terceira vez picam o braço esquerdo, o sangue borbulha e a operada nada sente. Há 13 minutos o braço guarda a posição que lhe foi dada.

“Enfim, uma fricção nos olhos e uma insuflação de ar fresco despertam a jovem senhora quase que subitamente. Relaxados, os braços e a perna esquerda tombam imediatamente sobre a cama. Ela esfrega os olhos, retoma a consciência, de nada se lembra e se admira de que a tenham operado. A experiência tinha durado de 18 a 20 minutos. O período de anestesia, de 12 a 15.

“Tais são, em resumo, os fatos essenciais relatados pelo Dr. Broca à Academia de Ciências. Já não são mais isolados. Um grande número de cirurgiões de nossos hospitais tiveram a honra de repeti-los, e o fizeram com sucesso. O objetivo do Dr. Broca e de seus ilustres colegas era, e deveria ser, cirúrgico. Esperemos que, como meio de provocar a insensibilidade, tenha o hipnotismo todas as vantagens dos agentes anestésicos, sem lhes ter os inconvenientes. Mas a Medicina não é do nosso domínio e, para não sair de suas atribuições, nossa Revista não deve considerar o fato senão sob o ponto de vista fisiológico.

KARDEC, Allan. Revista Espírita de janeiro de 1861.