Efeitos do suicídio, segundo o Espiritismo
Muito temos falado sobre o suicídio segundo o Espiritismo e, talvez, nem sempre nossas posições tenham sido absolutamente claras e concisas. Em razão disso, cremos necessário realizar nova abordagem, de forma sucinta e clara.
por Paulo Degering R. Jr.
Leia até o fim
O suicida, desde que tenha consciência do que faz, terá algum sofrimento moral ao constatar a perda de tempo que foi interromper a própria vida. Disse “desde que tenha consciência do que faz” porque, algumas vezes, não há essa consciência. Outrossim, quase sempre terá uma dificuldade maior de se desprender do corpo, que, longe de estar enfraquecido, encontrava-se na plenitude de suas forças.
Kardec assim se expressou, em O Livro dos Espíritos:
Não é geral este efeito; mas, em caso algum, o suicida fica isento das consequências da sua falta de coragem e, cedo ou tarde, expia, de um modo ou de outro, a culpa em que incorreu. Assim é que certos Espíritos, que foram muito desgraçados na Terra, disseram ter-se suicidado na existência precedente e submetido voluntariamente a novas provas, para tentarem suportá-las com mais resignação.
Note a palavra destacada: voluntariamente. O suicida pode, em uma nova encarnação, escolher provas rudes a fim de tentar vencê-las, aprendendo a suportar as vicissitudes com maior resignação.
Mas aí vão te dizer: leia o livro “Memórias de um suicida”
O livro “Memórias de um suicida”
Nesse livro, de forma muito resumida, um Espírito fala de seus extremos padecimentos após a morte. Foi nele que foi criada a imagem do “vale dos suicidas”, algo como um “local” onde os Espíritos suicidas ficariam “purgando” suas faltas.
Acontece que Espíritos não buscam locais. Espíritos buscam Espíritos ou situações, de acordo com suas crenças e suas ideias — conscientemente ou não. Os Espíritos — todos eles — se atraem por afinidade e por sentimentos, como, por exemplo, pelo amor ou pelo ódio, mas também pela mesma sintonia de pensamentos. Espíritos que se julguem culpados, muitas vezes, se jogam num verdadeiro inferno mental, numa situação que é muitas vezes partilhada por outros Espíritos em situação semelhante, que, então, juntos, podem formar verdadeiras paisagens de sofrimento, através da ação mental sobre a matéria fluídica.
Então Yvonne do Amaral Pereira errou ou mentiu?
Não necessariamente. Em se tratando de Espíritos, sabemos que são como nós — com as mesmas virtudes e imperfeições. Assim, podem falar com sabedoria real, ou com falsas ideias, nas quais acreditam. Muitas vezes podem até mesmo enganar. Não sabemos quem foi esse Espírito que psicografou através de Yvonne. Provavelmente era um Espírito sofredor, com as ideias bastante limitadas sobre o mundo espiritual. O que sabemos é que, sem sombra de dúvidas, não podemos desrespeitar o princípio básico da ciência espírita: o da concordância universal do ensinamento dos Espíritos. Diria Kardec, em A Gênese, logo nas primeiras linhas:
Generalidade e concordância no ensino, esse o caráter essencial da doutrina, a condição mesma da sua existência, donde resulta que todo princípio que ainda não haja recebido a consagração do controle da generalidade não pode ser considerado parte integrante dessa mesma doutrina. Será uma simples opinião isolada, da qual não pode o Espiritismo assumir a responsabilidade.
Essa coletividade concordante da opinião dos Espíritos, passada, ao demais, pelo critério da lógica, é que constitui a força da doutrina espírita e lhe assegura a perpetuidade.
Os problemas dos falsos conceitos no Movimento Espírita
No meio espírita é lugar-comum, hoje em dia, ouvir afirmações do tipo “o suicida vai para o vale dos suicidas”, ou “o suicida encontrará enorme sofrimento, pois ficará preso ao corpo e sentirá os vermes o roendo” ou, ainda, “o suicida, na próxima encarnação, virá com um corpo defeituoso, para ‘resgatar’ suas faltas”. Nada disso reflete a realidade do suicídio segundo o Espiritismo, de forma genérica.
O movimento espírita atual passou a adotar diversos falsos conceitos e meias verdades, obtidas através de relatos individuais e isolados de alguns Espíritos, como se fosse a verdade inquestionável sobre todas as situações. Diria uma colega nossa: os espíritas modernos passaram a colocar todo um universo de possibilidades variáveis em “caixinhas”. Por exemplo: se matou? Vai para a “caixinha” do vale dos suicidas. Queimou uma pessoa? Vai para a “caixinha” de “morte em incêndio na próxima vida”. Tudo isso, como regra geral, não é uma verdade.
Infelizmente, muitos de nós — eu inclusive — por falta de estudos prévios e, muitas vezes, de bom grado, querendo auxiliar, soltamos essas frases que, muitas vezes, causam revolta e afastamento das pessoas que vem buscar, justamente no Espiritismo, uma resposta diferente daquilo que tanto se diz por aí.
Acontece que, no último ano, após o início dos nossos estudos sobre a Revista Espírita, muitos conceitos se aclararam, outros foram substituídos e outros tantos foram esquecidos. Kardec, já nas primeiras edições da RE, em 1858, faz evocações de pelo menos três espíritos suicidas, analisando seus casos individuais. Outros que foram feitos em outras ocasiões constam também em números posteriores, bem como no livro O Céu e o Inferno (da Editora FEAL, correspondente ao original, não adulterado). E, analisando essas comunicações, fica uma lição muito grande, que tentaremos explicar objetivamente a seguir.
Importa, antes, lembrar que o Espiritismo, como Doutrina Científica, não vem frear o homem pela imposição do medo, pois o freio das paixões por esse tipo de dispositivo é apenas temporário e sem grandes resultados. Não: o Espiritismo vem apresentar a verdade baseada na análise dos fatos, através do estudo racional e concordante das comunicações dos Espíritos dadas por todas as partes e por todos os tempos. Ao estudar o Espiritismo, não é mais pelo medo que somos guiados, mas pela razão, e é apenas quando o Espírito entra no estado da razão que ele realmente toma decisões melhores e mais claras.
Pois, bem: quanto ao assunto do suicídio, repetimos que, pautados nesses estudos, os resultados inicialmente destacados não podem ser tomados como regra geral. Sim, existem Espíritos em enorme perturbação que acreditam estar sendo roídos pelos vermes, pois sua mente ficou parada sobre a visão do corpo dilacerado. Existem também aqueles que se veem em locais infernais, por acreditarem que assim devem ser e por se lançarem em situações mentais infernais, onde, sozinhos ou em grupo, criam verdadeiros cenários diabólicos ou purgatoriais. Além destes, existem aqueles que acreditam piamente que a morte é o encerrar da vida e, então, entram em sono mais ou menos prolongado, como também existem aqueles raros que, depois do ato fatídico, momentaneamente se veem libertos da dor física, crendo-se, então, livres da dor moral, que ainda não sabem distinguir da primeira.
Portanto, a situação de cada um, após a morte por suicídio, vai variar muito, de caso a caso e conforme o — grau de consciência sobre aquilo que fazem. É por isso que um Espírito que tira a vida num ímpeto de desespero quase sempre tem um grau de culpa — perante a própria consciência — muito menor do que aquele que, conhecendo o Espiritismo e a doutrina da escolha das provas e expiações, após tirar a vida do próprio corpo, cai em profunda sensação de culpa e em pesadas lamentações, pois se arrepende de ter desistido das provas oportunas para seu próprio adiantamento. Além disso, importa dizer que, quase sempre, esses atos causam dor naqueles que nos amam, o que aumenta a amargura do Espírito ao avaliar a extensão dos resultados de seu ato.
O que buscamos dizer, afinal, é que o Espírito não sofre materialmente, de forma alguma. Pode acreditar que sofre e, mentalmente, criar uma falsa sensação de dor física, mas, na verdade, o sofrimento é moral e condizente com o grau de consciência e de culpa que tem, perante a si próprio, quanto ao mal realizado contra si próprio. Diríamos que, sendo o suicídio o abandono das provas escolhidas por si próprio, quase sempre acompanhará um sofrimento moral menor ou maior, mas nunca representará um termo nas oportunidades concedidas por Deus para nossa evolução, nem tampouco ocasionará, via-de-regra, um sofrimento expiatório na próxima encarnação. Uma vez mais, depende da mentalidade, das crenças e do conhecimento de cada um.
Mas, afinal, adianta se matar?
Sabemos que, quase sempre, o suicídio é uma tentativa de fuga para uma dor ou desespero com os quais não se sabe lidar. Veja, porém: o fato de aquela situação estar acontecendo é justamente uma oportunidade importante de aprendizado, de modo a lidar com essas situações. Se não sabemos lidar, é porque ainda temos imperfeições adquiridas ou paixões, isto é, emoções com as quais ainda não sabemos completamente lidar. Chegar ao ato extremo de tirar a vida do corpo apenas prolongará esse estado de ignorância ou de imperfeição, com um consequente sofrimento moral, já que não vencemos a prova, isto é, não adquirimos experiência e força para superá-la.
Onde, então, encontrar forças? Ora, estamos encarnados por um motivo: para aprender e para desapegar de possíveis imperfeições criadas por nós mesmos. No mundo dos Espíritos — o Espaço — o tempo não existe, de modo que o Espírito que tenha desenvolvido imperfeições fica incessantemente ocupado delas, seja em uma ilusão de prazeres, seja em uma autoperseguição causada por remorso. Assim, se tivermos desenvolvido uma imperfeição qualquer, essa imperfeição será, para nós, motivo de inquietações que parecem intermináveis — eis a explicação do porquê certos Espíritos, em estado de sofrimento, dizerem que tal situação lhes parece não ter fim.
Bem, dizia eu do motivo da encarnação, que, longe da falsa ideia de ser um castigo, é, pelo contrário, uma bênção divina, pois oferece oportunidade de aprendizado comum e de desapego às imperfeições adquiridas. Aqui, é possível nos colocar em contato com pessoas de todo tipo, exercitar diversas atividades, etc., tudo o que nos leva a sair, ou, pelo menos, quebrar o ciclo, dessas situações de sofrimento moral. Qual é, porém, o primeiro e maior erro que aquele que sofre moralmente costuma fazer — induzido também por Espíritos imperfeitos? Isolar-se. Aí está o primeiro passo para a queda, pois o isolamento causará justamente esse cenário de autoperseguição interminável. Não cometa esse erro, e busque ajudar quem o cometa, se possível traçando o raciocínio acima.
Ante uma prova difícil, quem disse que precisamos atravessá-la sozinha? Muitas vezes, esse pensamento de enfrentamento solitário é também originado de falsas ideias ou mesmo de um certo orgulho, que se transforma numa carapaça, por medo de se expor. Decerto não sairemos à rua contando de nossas dificuldades para qualquer um que passe, mas, com certeza, havendo o propósito de buscar auxílio, você o encontrará, talvez não no primeiro psicólogo, talvez não no primeiro amigo, talvez não no primeiro grupo de atividades qualquer, mas você o encontrará, porque você não está sozinho: ao seu lado, te conduzindo para o bem, existe um bom Espírito, mais elevado que você — seu anjo da guarda ou Espírito protetor. O importante é não se isolar, nem se isolar em si mesmo. Busque. Busque um grupo de atividades de caridade, busque um grupo de caminhada matinal, busque, sobretudo, ser útil, e isso te fará gravitar para situações e pessoas que poderão, lenta e progressivamente, auxiliar na sua construção.
Cabe a cada um de nós a vontade por se modificar ou não, por aprender ou não, mas esse trabalho é muito favorecido pelo desenvolvimento da razão — eis o motivo de tanto defendermos o estudo do Espiritismo. Através de nossa modificação, nos tornaremos mais fortes e avançaremos vários degraus em uma só vida e, quem sabe, amanhã não necessitemos de voltar para este mesmo gênero de situação dolorida, talvez conquistado a felicidade de poder viver em mundos melhores ou que, se aqui reencarnarmos, estejamos muito mais fortalecidos e preparados.
Não estou, aqui, falando da boca para fora: falo daquilo que eu mesmo vivi e aprendi. Passei por uma inquietação do tipo, passei pelo isolamento, passei pela autoperseguição. Me permiti, porém, ser influenciado por bons Espíritos, e isso me moveu a várias situações que, lenta e progressivamente, me trouxeram até aqui. Uma dessas situações foi muito interessante: resolvi visitar um asilo próximo de minha casa, onde tive contato com vários idosos que muito me ensinaram sobre a perseverança; fui acolhido com muito carinho por um grupo católico de orações, cuja dirigente era médium e, provavelmente, não sabia; mas o mais interessante, é que, na prateleira dessa instituição, onde havia o predomínio do catolicismo, estavam, na estante da sala comum, dispostos alguns exemplares da Revista Espírita, que eu cheguei a pegar em mãos, cheguei a folhear, por cima, mas acabei não lendo naquele momento. Somente vim conhecer a Revista cerca de um ano depois. Avalie por si mesmo os caminhos pelos quais os bons Espíritos nos conduzem, nos deixando a liberdade de seguir adiante ou não, abrir a porta ou mantê-la fechada.
Lembre-se, afinal: ninguém pode nos fazer o mal, senão nós mesmos. Interromper a própria vida é perda de tempo, que gera culpa e remorso e não interrompe o sofrimento moral causado pelas imperfeições que ainda possam existir em nós((Lembrando que ignorância e imperfeição são coisas diferentes. A imperfeição é adquirida pelo hábito em repetir um erro; já a ignorância pode conduzir ao erro, mas, desde que o superemos, é apenas um erro)).
E se alguém próximo a você está pensando em se matar, leve a ele esse tipo de pensamento. Se alguém já tirou a própria vida, nas suas preces por essa pessoa, converse com esse Espírito, de modo que ele possa deixar a sensação de impotência ante a culpa, se levantar e retomar o caminho evolutivo.
Estudemos, justamente, a fim de tirar, da cabeça das pessoas e do movimento Espírita, as falsas ideias que mais atrapalham do que ajudam. Um Espírito que não quer sair de dentro do caixão, o faz porque acredita que somente o próprio Jesus virá pegá-lo pela mão, no dia do juízo final. Não façamos como esses aprisionadores de consciências, não criemos falsas concepções no pensamento das pessoas. A matéria e as sensações, depois da morte, não são nada. Tudo o que importa é o pensamento, a vontade e a razão. E, por fim, não tomemos a opinião de Espíritos isolados como se fossem a pura verdade — independentemente do médium que a tenha possibilitado.
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