Efeitos do suicídio, segundo o Espiritismo

Muito temos falado sobre o suicídio segundo o Espiritismo e, talvez, nem sempre nossas posições tenham sido absolutamente claras e concisas. Em razão disso, cremos necessário realizar nova abordagem, de forma sucinta e clara.

por Paulo Degering R. Jr.

Leia até o fim

O suicida, desde que tenha consciência do que faz, terá algum sofrimento moral ao constatar a perda de tempo que foi interromper a própria vida. Disse “desde que tenha consciência do que faz” porque, algumas vezes, não há essa consciência. Outrossim, quase sempre terá uma dificuldade maior de se desprender do corpo, que, longe de estar enfraquecido, encontrava-se na plenitude de suas forças.

Kardec assim se expressou, em O Livro dos Espíritos:

Não é geral este efeito; mas, em caso algum, o suicida fica isento das consequências da sua falta de coragem e, cedo ou tarde, expia, de um modo ou de outro, a culpa em que incorreu. Assim é que certos Espíritos, que foram muito desgraçados na Terra, disseram ter-se suicidado na existência precedente e submetido voluntariamente a novas provas, para tentarem suportá-las com mais resignação.

Note a palavra destacada: voluntariamente. O suicida pode, em uma nova encarnação, escolher provas rudes a fim de tentar vencê-las, aprendendo a suportar as vicissitudes com maior resignação.

Mas aí vão te dizer: leia o livro “Memórias de um suicida”

O livro “Memórias de um suicida”

Nesse livro, de forma muito resumida, um Espírito fala de seus extremos padecimentos após a morte. Foi nele que foi criada a imagem do “vale dos suicidas”, algo como um “local” onde os Espíritos suicidas ficariam “purgando” suas faltas.

Acontece que Espíritos não buscam locais. Espíritos buscam Espíritos ou situações, de acordo com suas crenças e suas ideias — conscientemente ou não. Os Espíritos — todos eles — se atraem por afinidade e por sentimentos, como, por exemplo, pelo amor ou pelo ódio, mas também pela mesma sintonia de pensamentos. Espíritos que se julguem culpados, muitas vezes, se jogam num verdadeiro inferno mental, numa situação que é muitas vezes partilhada por outros Espíritos em situação semelhante, que, então, juntos, podem formar verdadeiras paisagens de sofrimento, através da ação mental sobre a matéria fluídica.

Então Yvonne do Amaral Pereira errou ou mentiu?

Não necessariamente. Em se tratando de Espíritos, sabemos que são como nós — com as mesmas virtudes e imperfeições. Assim, podem falar com sabedoria real, ou com falsas ideias, nas quais acreditam. Muitas vezes podem até mesmo enganar. Não sabemos quem foi esse Espírito que psicografou através de Yvonne. Provavelmente era um Espírito sofredor, com as ideias bastante limitadas sobre o mundo espiritual. O que sabemos é que, sem sombra de dúvidas, não podemos desrespeitar o princípio básico da ciência espírita: o da concordância universal do ensinamento dos Espíritos. Diria Kardec, em A Gênese, logo nas primeiras linhas:

Generalidade e concordância no ensino, esse o caráter essencial da doutrina, a condição mesma da sua existência, donde resulta que todo princípio que ainda não haja recebido a consagração do controle da generalidade não pode ser considerado parte integrante dessa mesma doutrina. Será uma simples opinião isolada, da qual não pode o Espiritismo assumir a responsabilidade.

Essa coletividade concordante da opinião dos Espíritos, passada, ao demais, pelo critério da lógica, é que constitui a força da doutrina espírita e lhe assegura a perpetuidade.

Os problemas dos falsos conceitos no Movimento Espírita

No meio espírita é lugar-comum, hoje em dia, ouvir afirmações do tipo “o suicida vai para o vale dos suicidas”, ou “o suicida encontrará enorme sofrimento, pois ficará preso ao corpo e sentirá os vermes o roendo” ou, ainda, “o suicida, na próxima encarnação, virá com um corpo defeituoso, para ‘resgatar’ suas faltas”. Nada disso reflete a realidade do suicídio segundo o Espiritismo, de forma genérica.

O movimento espírita atual passou a adotar diversos falsos conceitos e meias verdades, obtidas através de relatos individuais e isolados de alguns Espíritos, como se fosse a verdade inquestionável sobre todas as situações. Diria uma colega nossa: os espíritas modernos passaram a colocar todo um universo de possibilidades variáveis em “caixinhas”. Por exemplo: se matou? Vai para a “caixinha” do vale dos suicidas. Queimou uma pessoa? Vai para a “caixinha” de “morte em incêndio na próxima vida”. Tudo isso, como regra geral, não é uma verdade.

Infelizmente, muitos de nós — eu inclusive — por falta de estudos prévios e, muitas vezes, de bom grado, querendo auxiliar, soltamos essas frases que, muitas vezes, causam revolta e afastamento das pessoas que vem buscar, justamente no Espiritismo, uma resposta diferente daquilo que tanto se diz por aí.

Acontece que, no último ano, após o início dos nossos estudos sobre a Revista Espírita, muitos conceitos se aclararam, outros foram substituídos e outros tantos foram esquecidos. Kardec, já nas primeiras edições da RE, em 1858, faz evocações de pelo menos três espíritos suicidas, analisando seus casos individuais. Outros que foram feitos em outras ocasiões constam também em números posteriores, bem como no livro O Céu e o Inferno (da Editora FEAL, correspondente ao original, não adulterado). E, analisando essas comunicações, fica uma lição muito grande, que tentaremos explicar objetivamente a seguir.

Importa, antes, lembrar que o Espiritismo, como Doutrina Científica, não vem frear o homem pela imposição do medo, pois o freio das paixões por esse tipo de dispositivo é apenas temporário e sem grandes resultados. Não: o Espiritismo vem apresentar a verdade baseada na análise dos fatos, através do estudo racional e concordante das comunicações dos Espíritos dadas por todas as partes e por todos os tempos. Ao estudar o Espiritismo, não é mais pelo medo que somos guiados, mas pela razão, e é apenas quando o Espírito entra no estado da razão que ele realmente toma decisões melhores e mais claras.

Pois, bem: quanto ao assunto do suicídio, repetimos que, pautados nesses estudos, os resultados inicialmente destacados não podem ser tomados como regra geral. Sim, existem Espíritos em enorme perturbação que acreditam estar sendo roídos pelos vermes, pois sua mente ficou parada sobre a visão do corpo dilacerado. Existem também aqueles que se veem em locais infernais, por acreditarem que assim devem ser e por se lançarem em situações mentais infernais, onde, sozinhos ou em grupo, criam verdadeiros cenários diabólicos ou purgatoriais. Além destes, existem aqueles que acreditam piamente que a morte é o encerrar da vida e, então, entram em sono mais ou menos prolongado, como também existem aqueles raros que, depois do ato fatídico, momentaneamente se veem libertos da dor física, crendo-se, então, livres da dor moral, que ainda não sabem distinguir da primeira.

Portanto, a situação de cada um, após a morte por suicídio, vai variar muito, de caso a caso e conforme o — grau de consciência sobre aquilo que fazem. É por isso que um Espírito que tira a vida num ímpeto de desespero quase sempre tem um grau de culpa — perante a própria consciência — muito menor do que aquele que, conhecendo o Espiritismo e a doutrina da escolha das provas e expiações, após tirar a vida do próprio corpo, cai em profunda sensação de culpa e em pesadas lamentações, pois se arrepende de ter desistido das provas oportunas para seu próprio adiantamento. Além disso, importa dizer que, quase sempre, esses atos causam dor naqueles que nos amam, o que aumenta a amargura do Espírito ao avaliar a extensão dos resultados de seu ato.

O que buscamos dizer, afinal, é que o Espírito não sofre materialmente, de forma alguma. Pode acreditar que sofre e, mentalmente, criar uma falsa sensação de dor física, mas, na verdade, o sofrimento é moral e condizente com o grau de consciência e de culpa que tem, perante a si próprio, quanto ao mal realizado contra si próprio. Diríamos que, sendo o suicídio o abandono das provas escolhidas por si próprio, quase sempre acompanhará um sofrimento moral menor ou maior, mas nunca representará um termo nas oportunidades concedidas por Deus para nossa evolução, nem tampouco ocasionará, via-de-regra, um sofrimento expiatório na próxima encarnação. Uma vez mais, depende da mentalidade, das crenças e do conhecimento de cada um.

Mas, afinal, adianta se matar?

Sabemos que, quase sempre, o suicídio é uma tentativa de fuga para uma dor ou desespero com os quais não se sabe lidar. Veja, porém: o fato de aquela situação estar acontecendo é justamente uma oportunidade importante de aprendizado, de modo a lidar com essas situações. Se não sabemos lidar, é porque ainda temos imperfeições adquiridas ou paixões, isto é, emoções com as quais ainda não sabemos completamente lidar. Chegar ao ato extremo de tirar a vida do corpo apenas prolongará esse estado de ignorância ou de imperfeição, com um consequente sofrimento moral, já que não vencemos a prova, isto é, não adquirimos experiência e força para superá-la.

Onde, então, encontrar forças? Ora, estamos encarnados por um motivo: para aprender e para desapegar de possíveis imperfeições criadas por nós mesmos. No mundo dos Espíritos — o Espaço — o tempo não existe, de modo que o Espírito que tenha desenvolvido imperfeições fica incessantemente ocupado delas, seja em uma ilusão de prazeres, seja em uma autoperseguição causada por remorso. Assim, se tivermos desenvolvido uma imperfeição qualquer, essa imperfeição será, para nós, motivo de inquietações que parecem intermináveis — eis a explicação do porquê certos Espíritos, em estado de sofrimento, dizerem que tal situação lhes parece não ter fim.

Bem, dizia eu do motivo da encarnação, que, longe da falsa ideia de ser um castigo, é, pelo contrário, uma bênção divina, pois oferece oportunidade de aprendizado comum e de desapego às imperfeições adquiridas. Aqui, é possível nos colocar em contato com pessoas de todo tipo, exercitar diversas atividades, etc., tudo o que nos leva a sair, ou, pelo menos, quebrar o ciclo, dessas situações de sofrimento moral. Qual é, porém, o primeiro e maior erro que aquele que sofre moralmente costuma fazer — induzido também por Espíritos imperfeitos? Isolar-se. Aí está o primeiro passo para a queda, pois o isolamento causará justamente esse cenário de autoperseguição interminável. Não cometa esse erro, e busque ajudar quem o cometa, se possível traçando o raciocínio acima.

Ante uma prova difícil, quem disse que precisamos atravessá-la sozinha? Muitas vezes, esse pensamento de enfrentamento solitário é também originado de falsas ideias ou mesmo de um certo orgulho, que se transforma numa carapaça, por medo de se expor. Decerto não sairemos à rua contando de nossas dificuldades para qualquer um que passe, mas, com certeza, havendo o propósito de buscar auxílio, você o encontrará, talvez não no primeiro psicólogo, talvez não no primeiro amigo, talvez não no primeiro grupo de atividades qualquer, mas você o encontrará, porque você não está sozinho: ao seu lado, te conduzindo para o bem, existe um bom Espírito, mais elevado que você — seu anjo da guarda ou Espírito protetor. O importante é não se isolar, nem se isolar em si mesmo. Busque. Busque um grupo de atividades de caridade, busque um grupo de caminhada matinal, busque, sobretudo, ser útil, e isso te fará gravitar para situações e pessoas que poderão, lenta e progressivamente, auxiliar na sua construção.

Cabe a cada um de nós a vontade por se modificar ou não, por aprender ou não, mas esse trabalho é muito favorecido pelo desenvolvimento da razão — eis o motivo de tanto defendermos o estudo do Espiritismo. Através de nossa modificação, nos tornaremos mais fortes e avançaremos vários degraus em uma só vida e, quem sabe, amanhã não necessitemos de voltar para este mesmo gênero de situação dolorida, talvez conquistado a felicidade de poder viver em mundos melhores ou que, se aqui reencarnarmos, estejamos muito mais fortalecidos e preparados.

Não estou, aqui, falando da boca para fora: falo daquilo que eu mesmo vivi e aprendi. Passei por uma inquietação do tipo, passei pelo isolamento, passei pela autoperseguição. Me permiti, porém, ser influenciado por bons Espíritos, e isso me moveu a várias situações que, lenta e progressivamente, me trouxeram até aqui. Uma dessas situações foi muito interessante: resolvi visitar um asilo próximo de minha casa, onde tive contato com vários idosos que muito me ensinaram sobre a perseverança; fui acolhido com muito carinho por um grupo católico de orações, cuja dirigente era médium e, provavelmente, não sabia; mas o mais interessante, é que, na prateleira dessa instituição, onde havia o predomínio do catolicismo, estavam, na estante da sala comum, dispostos alguns exemplares da Revista Espírita, que eu cheguei a pegar em mãos, cheguei a folhear, por cima, mas acabei não lendo naquele momento. Somente vim conhecer a Revista cerca de um ano depois. Avalie por si mesmo os caminhos pelos quais os bons Espíritos nos conduzem, nos deixando a liberdade de seguir adiante ou não, abrir a porta ou mantê-la fechada.

Lembre-se, afinal: ninguém pode nos fazer o mal, senão nós mesmos. Interromper a própria vida é perda de tempo, que gera culpa e remorso e não interrompe o sofrimento moral causado pelas imperfeições que ainda possam existir em nós((Lembrando que ignorância e imperfeição são coisas diferentes. A imperfeição é adquirida pelo hábito em repetir um erro; já a ignorância pode conduzir ao erro, mas, desde que o superemos, é apenas um erro)).

E se alguém próximo a você está pensando em se matar, leve a ele esse tipo de pensamento. Se alguém já tirou a própria vida, nas suas preces por essa pessoa, converse com esse Espírito, de modo que ele possa deixar a sensação de impotência ante a culpa, se levantar e retomar o caminho evolutivo.

Estudemos, justamente, a fim de tirar, da cabeça das pessoas e do movimento Espírita, as falsas ideias que mais atrapalham do que ajudam. Um Espírito que não quer sair de dentro do caixão, o faz porque acredita que somente o próprio Jesus virá pegá-lo pela mão, no dia do juízo final. Não façamos como esses aprisionadores de consciências, não criemos falsas concepções no pensamento das pessoas. A matéria e as sensações, depois da morte, não são nada. Tudo o que importa é o pensamento, a vontade e a razão. E, por fim, não tomemos a opinião de Espíritos isolados como se fossem a pura verdade — independentemente do médium que a tenha possibilitado.

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A cultura organizacional de um centro espírita

por Marco Milani
Texto publicado na Revista Dirigente Espírita, ed. 188 – mar/abr 2022, p. 9-11

O presente artigo reforça nossas observações recentes, a respeito do Movimento Espírita, e demonstra que não estamos sozinhos nesse caminho.

Apesar de diferentes portes e complexidades dos serviços oferecidos, todas as instituições efetivamente espíritas possuem, como característica identitária comum, a estruturação teórica de seus princípios e valores no ensino dos Espíritos organizados e apresentados por Allan Kardec. Muito mais do que a denominação formal ostentada em sua fachada e documentos, é a cultura interna pautada pelo conteúdo das obras kardequianas que torna-se o elemento central que faz com que qualquer centro espírita seja, assim, reconhecido como tal.

Historicamente, pode-se apontar a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas (SPEE), fundada em 01/04/1858, como o primeiro centro espírita do mundo e serviu de referência para a constituição de inúmeros grupos voltados para o estudo e prática do Espiritismo.

Ainda que tenha sido o modelo para formação de outros centros, a cultura organizacional da SPEE era única, pois o conjunto de práticas, rotinas, normas, necessidades, preocupações e expectativas de seus membros é algo que não se reproduz. Igualmente, cada instituição espírita, do passado ou do presente, reflete aspectos particulares de seus fundadores, mantenedores e colaboradores que lhe dá uma característica singular e sujeita a modificações com o tempo, mas sempre distinta de outras organizações.

Pode-se, então, afirmar que o centro espírita possui uma identidade comum em Kardec, compartilhada com outras instituições espíritas, e uma microcultura própria, decorrente da atuação direta de seus participantes, que o diferencia em maior ou menor grau dos demais centros.

A pluralidade microcultural é determinada, também, pela maturidade doutrinária dos dirigentes de cada casa.

Um problema crítico de identidade é gerado quando a microcultura da instituição conflita com a identidade comum que a faria ser reconhecida como espírita. Em outras palavras, quando os princípios e valores espíritas passam a ser reinterpretados e ressignificados devido à imaturidade doutrinária e/ou interesses particulares dos dirigentes, afasta-se a casa do direcionamento kardequiano e a aproxima de um contexto espiritualista, mas não espírita.

O dinamismo doutrinário, a necessidade de agregação de novos conhecimentos e a atualização conceitual costumam ser utilizados indevidamente para justificar a subversão ou abandono do ensino dos Espíritos na obra kardequiana. Opiniões isoladas de autores desencarnados passam a ser assumidas como novas verdades que se autolegitimam por terem sido reveladas por supostas comunicações mediúnicas e por médiuns infalíveis. O método do controle universal adotado por Kardec também é inutilizado ou deturpado pelos novidadeiros, desvalorizando-se os cuidados necessários para se aceitar uma informação como válida.

Não por acaso a relação entre poder e cultura nas organizações é amplamente explorada na literatura científica da área de Ciências Sociais Aplicadas. A influência exercida por líderes, principalmente carismáticos, nas instituições pode mudar e consolidar a cultura organizacional no longo prazo e fazer com que as referências doutrinárias espíritas migrem de sua base kardequiana para novos arcabouços teóricos, geralmente sincréticos e místicos.

Foi, justamente, o sincretismo com a Teosofia, Catolicismo e orientalismo, além de pitadas supersticiosas, alguns dos fatores que impactaram negativamente o desenvolvimento do Movimento Espírita Francês a partir da desencarnação de Allan Kardec. O reflexo do desvirtuamento cultural foi a disseminação do roustainguismo, por exemplo, em alguns grupos nascentes, inclusive brasileiros. Uma vez implantada a microcultura sincrética, é visível o seu impacto nocivo na questão identitária espírita.

Equivocadamente, alguns mais afoitos e distantes da análise criteriosa sob métodos sociológicos, confundem as inúmeras microculturas organizacionais com a própria identidade comum espírita, levando-os a supor que existam “vários espiritismos”. O que existe, de fato, é uma esperada heterogeneidade microcultural que não representa, por si mesma, a Doutrina Espírita, a qual é única. Assim, só há um Espiritismo, mas diferentes graus de maturidade doutrinária de seus adeptos.

Quanto mais coerente com o ensino dos Espíritos apresentados por Allan Kardec, mais próximo da identidade espírita encontra-se o profitente. O próprio codificador reconheceu e classificou os diferentes tipos de espíritas, sinalizando que não há uniformidade estrita nem que os pensamentos e atos isolados daquele que se declara adepto caracterizará, necessariamente, a doutrina.

No livro O Evangelho Segundo o Espiritismo, em seu capítulo XVII, item 4, explicita-se as características do verdadeiro espírita, porém mesmo nesse item a leitura apressada impede a real compreensão de seu significado mais profundo. Destaca-se o seguinte trecho:

“Aquele que pode ser, com razão, qualificado de espírita verdadeiro e sincero, se acha em grau superior de adiantamento moral. O Espírito, que nele domina de modo mais completo a matéria, dá-lhe uma percepção mais clara do futuro; os princípios da Doutrina lhe fazem vibrar fibras que nos outros se conservam inertes (grifo meu). Em suma: é tocado no coração, pelo que inabalável se lhe torna a fé. Um é qual músico que alguns acordes bastam para comover, ao passo que outro apenas ouve sons. Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações más.”

               Conforme se depreende, trata-se de interpretação limitada a caracterização do verdadeiro espírita apenas pela transformação moral e pelos esforços para domar as más inclinações, uma vez que essas atitudes, ainda que extremamente positivas e necessárias, podem ser feitas por qualquer ser humano, seja qual for a crença ou orientação filosófica que possua, inclusive ateus. Para ser bom, não precisa ser espírita. Por isso que a máxima é fora da caridade (não do Espiritismo) não há salvação. Existem ateus moralmente mais elevados que muitos religiosos.

Por outro lado, para ser espírita, deve-se compreender e vivenciar os princípios doutrinários e, para isso, deve-se estudar e se instruir sobre a natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal, segundo o Espiritismo. A Ciência tem, portanto, papel de destaque na produção e avanço no conhecimento sobre a realidade que nos cerca, adentrando, inclusive em propostas espiritualistas, mesmo que desagradando pesquisadores ainda presos no materialismo.

Considerando que não basta ser bom para ser um espírita verdadeiro, uma organização espírita deve, imperiosamente, ser conduzida conforme os princípios e valores doutrinários. Desvios conceituais incorporados na microcultura organizacional sob a alegação de que a única coisa que importa é se esforçar para se transformar moralmente gera espaços para sutis ou claras infiltrações antidoutrinárias.

Em síntese, o movimento espírita, composto por milhares de instituições e profitentes, expressa rica diversidade microcultural e graus de maturidade doutrinária, mas o Espiritismo é único, expressando o ensino dos Espíritos que foram validados pelo método do controle universal e marcha, lado a lado, com os avanços científicos desde que devidamente validados, superando o estágio hipotético. A cultura organizacional do verdadeiro centro espírita tem, portanto, Kardec como lastro, afasta posturas sincréticas, místicas e supersticiosas, e acolhe o convite para o diálogo baseado em fatos e na fé raciocinada para a produção e avanço do conhecimento, os quais não ocorrem por simples opinião mediúnica.




Já pensou em conversar com os Espíritos?

Esta é uma reflexão honesta e aberta. Acontece que, hoje, só se pensa em doutrinar. Esquecemos, porém, que os Espíritos tem muito a nos ensinar – mesmo os mais infelizes, pois podemos analisar seu estado atual, os motivos das complicações de suas vidas e, disso, obter muitos conhecimentos importantes. Estudando Kardec, vemos que não somente ele, mas também muitos grupos distribuídos pela Europa e pela América do Norte realizavam pesquisas sérias a respeito através das comunicações mediúnicas – e não apenas esperando que “o telefone toque de lá pra cá”, mas realizando evocações com fins sérios e úteis.

Além disso, naquela época, era costume anotar-se a tudo, gerando grandes volumes de documentos a respeito dessas comunicações, que, então, podiam ser estudados de forma independente por pesquisadores externos, através da racionalidade, buscando encontrar a concordância entre elas. É praticamente o que Kardec fazia, e é o que permitiu a estruturação do Espiritismo como Doutrina Cientíifica. Hoje isso raramente é feito, senão na produção das “cartas” de parentes desencarnados (cujas comunicações poderiam ser muito melhor aproveitadas). Meu ponto é: precisaremos retomar essa metodologia, afinal, a ciência humana avançou muito, mas o Espiritismo ficou praticamente parado no tempo, sendo que muitos conceitos que hoje são aceitos não passaram por essa metodologia necessária. Se, hoje, os vários grupos de estudos ou de práticas mediúnicas espalhados por aí retomassem essa tarefa, tomando o cuidado de não se contaminarem entre si a partir da partilha de ideias não sancionadas por esse método, poderíamos voltar a ter um grande volume de produção de conteúdos que, aos poucos, poderiam ser analisados. Isso, contudo, requer pelo menos o estudo básico de O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns.

Imagine, por exemplo, as controvérsias e falta de informações a respeito das “cidades espirituais”: não podemos, claro, perguntar ao Espírito, na sessão mediúnica: “Ei, você vive numa cidade espiritual? Onde fica?”. Isso provocaria, quase sempre, uma ideia contaminada como resposta. Antes, perguntaríamos: “poderia nos dizer como foi a sua chegada no plano espiritual? O que encontrou aí? Qual é a sua ocupação, hoje? Você se cansa? [Se sim] O que você faz para descansar?”

Entende? Tem outro ponto muito positivo: além de aprendermos com tais relatos, com efeitos sobre nós mesmos, nossos pensamentos e nossas atitudes, essas comunicações também são muito úteis aos Espíritos, principalmente aqueles em estado de perturbação, que, ao ser contrangido à ligação mediúnica, se centra um tanto mais, novamente e pode, nesse momento, refletir muito sobre sua condição, mudando de vida.

Enfim, é isso. Tem que recomeçar, de alguma forma. Só não podemos esquecer de estudar Kardec para isso, a fim de evitar as dificuldades já conhecidas e tratadas com muita clareza por ele.




Espiritismo e Política

Bate o horário da palestra no Centro Espírita. Sobe à tribuna o palestrante, aparentemente bem preparado e de linguagem eloquente e, em meio a temas relativos ao meio espírita atual, começa a emitir opiniões diversas a respeito de um suposto propósito do Espiritismo como alicerce de movimentos políticos.

Muito provavelmente você também, caro leitor, já presenciou tais feitos, ou já ouviu relatos próximos. E, é claro, tais opiniões – pessoais, lembramos – despertam simpatias e antipatias, porque, no campo político, há muito embate e discordância de ideologias.

Não vamos nomear lados, partidos, ideologias ou o que quer que seja. O que vamos defender, aqui, é que o Espiritismo não é e nem nunca será um movimento político. E quem envolve a Doutrina em tais assuntos, não a entendeu em sua profundidade e se baseia num entendimento distorcido para fundamentar suas próprias inclinações ideológicas políticas, afastando do Espiritismo as pessoas que não concordam com sua forma de pensar – quase sempre bastante fechada em um círculo específico de ideias.

O Espiritismo, lembramos, é uma ciência moral de aspecto filosófico, cuja teoria nasceu da observação dos fatos espíritas – isto é, da manifestação dos Espíritos. Sua essência, em sua clareza original, é voltada à reforma de ideias, no sentido de como o Espírito humano encara sua evolução, suas provas, suas dificuldades e suas oportunidades. Não é acaso, aliás, que Allan Kardec foi formado no Castelo de Yverdon, pelo método de Pestalozzi: é através da pedagogia da fraternidade e do amor, e não pela punição, que o Espírito realmente adquire um entendimento real a respeito de suas potencialidades e de suas imperfeições, se aperfeiçoando e deixando para trás seus maus hábitos.

Por que dizemos tudo isso? Porque as ideologias políticas, de todos os lados, contam com adeptos – à exclusão daqueles muitos apenas utilizam da política para benefício próprio – que visam a melhoria social. Quando esses adeptos são espíritas, muitas vezes são levados a acreditar, por um entendimento muito raso, que as ideias espíritas se aliam às suas ideologias políticas, e passam a divulgar a quatro ventos tais crenças, sem se importar com as antipatias que despertarão. A propósito, precisamos também lembrar: a maioria das ideologias políticas atropela as liberdades de pensamento individuais, sendo que o Espiritismo faz justamente o contrário.

E isso tudo, repito, por um entendimento muito raso, por não se aprofundar nos estudos da Doutrina a ponto de entender que o propósito do Espiritismo é reeducar o Espírito humano e, aliando-se à educação desde a infância, melhorar a forma como o Espírito encara a vida material, promovendo nele uma mudança de ideias sobre as dificuldades da vida e sobre a necessidade de abafar seus ímpetos de orgulho e egoísmo e de agir de forma caridosa, como obrigação moral, respeitando o livre-arbítrio que cada um tem.

Isso sim muda a sociedade, pois modifica a forma como o indivíduo encara a vida e o próximo. O Espiritismo nos oferece terreno comum, sendo uma ciência disponível para pessoas de todas as crenças e ideologias, desde entendam que a sua real proposta é a modificação individual, pela livre-consciência, e não por força de lei.

Da mesma forma que se afugenta um indivíduo que bate à porta do centro buscando consolação mas ouve as mais diversas abobrinhas, também se afugentam irmãos ao envolver temas políticos no meio espírita. Infelizmente, vejo muitos espíritas apoiando ideias e indivíduos que, direta ou indiretamente, ferem ou declaradamente desejam ferir o primeiro princípio básico da lei divina, sustentada pelo Espiritismo, que é o livre-arbítrio.

Não quero dizer que seja eu alguém tão digno de se fazer importante por sua presença ou ausência, mas penso que não sou o único a se afastar por conta desse tipo de viés que não deveria, segundo minha modesta opinião, fazer parte de estudos da Doutrina – pensando que, embora queiramos imprimir aos grupos nossas próprias personalidades e ideias, temos muita responsabilidade sobre os demais, da mesma forma que tem responsabilidade aquele que “acolhe” a mãe de um indivíduo portador de deficiências dizendo que ele é assim porque cometeu suicídio na vida passada e que, por isso, a afasta.

Portanto, não, o Espiritismo não pode jamais ser misturado a movimentos políticos quaisquer.

Para terminar, lembremos

Allan Kardec que, na Revista Espírita de Fevereiro de 1862, faz um alerta:

“Devo ainda chamar a atenção para outra tática de nossos adversários: a de procurar comprometer os espiritas, induzindo-os a se afastarem do verdadeiro objetivo da Doutrina, que é o da moral (grifo nosso), para abordarem questões que não são de sua competência e que poderiam, com toda razão, despertar suscetibilidade e desconfianças.

Também não vos deixeis cair nessa armadilha; afastai cuidadosamente de vossas reuniões tudo quanto disser respeito à política e às questões irritantes, nesse caso, as discussões não levarão a nada e apenas suscitarão embaraços, enquanto ninguém questionará a moral, quando eia for boa.

Procurai no Espiritismo aquilo que vos pode melhorar; eis o essencial. Quando os homens forem melhores, as reformas sociais verdadeiramente uteis serão uma consequência natural”.




Setembro amarelo: Espiritismo e prevenção ao suicídio

[Este artigo foi originalmente criado pela passagem do Setembro Amarelo de 2021, mas se estende para todos os momentos possíveis]

Em um século de desespero, onde a sociedade vive a materialidade de forma exagerada, talvez como nunca antes; onde os dogmas antigos e a imposição do medo não surtem mais efeito, desacreditados que estão pelo desenvolvimento das ciências e da razão; onde, enfim, o ser humano abandona a vida e seus sofrimentos adoçados pela falsa concepção de que, após a morte, existe apenas o “descanse em paz”, o Espiritismo vem, uma vez mais, mostrar a essência de sua doutrina, apresentando, aos indivíduos, a realidade da vida e uma nova forma de encará-la, com mais decisão e austeridade. Na prevenção do suicídio, o Espiritismo é a mais poderosa ferramenta existente.

O que é o suicídio na compreensão do Espiritismo

O suicídio, em si, é apenas o ato extremo, quase sempre desesperado, muitas vezes ocasionados pelas paixões humanas, levadas ao ato irrefletido do crime contra a própria vida. Mas ele começa antes, muito antes, com os primeiros ímpetos de desistência ante às dificuldades da vida. Somos, ainda, Espíritos imperfeitos e, sem uma base forte, sem uma boia onde nos agarrar, facilmente afundamos… E é justamente essa base que a Doutrina Espírita vem nos dar, não mais como artigo de fé, como algo imaginável, apenas, mas pelas provas dos fenômenos espíritas e das comunicações deles mesmos, os Espíritos, já libertos da matéria.

Onde, então, encontraremos essa bóia de salvação, em meio ao mar das dores?

O nada, o dogma e a razão

Os dogmas católicos de então afirmavam, sobre esse assunto, que o indivíduo que cometia suicídio sofreria eternamente no inferno; ora, entre sofrer aqui e sofrer no inferno, na cabeça de muitos, a diferença não seria grande, já que muitos já se imaginavam com um “pé no inferno”, por já se acreditarem pecadores. Tirar a própria vida não traria grande modificação, pensavam, mas pelo menos os livrariam das dores presentes. Vemos que o dogma não era mais suficiente para preencher o vazio humano.

O materialismo, por outro lado, afirmava que o homem era apenas máquina biológica, escrava dos sentidos e das vontades. Tirar a própria vida, então, para acabar com um sofrimento qualquer, muitas vezes sem explicação, seria a melhor saída, sob essa ótica – uma doutrina de teorias terríveis e de consequências desastrosas:

Todo homem sente a necessidade de viver, de aproveitar a vida, de amar, de ser feliz. A uma pessoa que sabe que está para morrer, diga-se que ela ainda viverá, ou que sua hora foi postergada. Diga-se, sobretudo, que ela será mais feliz do que nunca, e seu coração vibrará de alegria. Mas de que serviríam tais aspirações de felicidade se um leve sopro pudesse desfazê-las?

[…]

Há algo mais desesperador do que a ideia da destruição absoluta? As afeições sagradas, a inteligência, o progresso, o conhecimento laboriosamente adquirido, tudo seria desfeito, tudo estaria perdido! Qual a necessidade do esforço para nos tornarmos melhores, para reprimirmos as paixões, para enriquecermos nosso espírito, se daí não devemos colher fruto algum, sobretudo ante a ideia de que amanhã, talvez, isso não nos servirá mais para nada? Se assim fosse, a sorte do homem seria cem vezes pior do que a do selvagem, que vive inteiramente no presente, na satisfação de seus apetites materiais, sem aspirações com relação ao futuro. Uma secreta intuição nos diz que isso não é possível.

Allan Kardec, O Céu e o Inferno

Antes do Espiritismo, a vida após a morte era apenas algo vago. Sabíamos que “tínhamos” uma alma (melhor dizendo, somos uma alma, ligada a um corpo) mas o gênero de dificuldades a serem enfrentadas por ela após a morte era algo totalmente desconhecido, sendo tratado apenas de forma dogmática e, mesmo quando afastado do dogma, era conceito mais filosófico do que factual.

A Ciência Espírita vem trazer luz através do estudo racional dos fatos

Com o nascimento do Espiritismo, contudo, o conceito de alma foi complementado e expandido através do estudo dos fenômenos decorrentes de nossa relação com os Espíritos, que se mostraram como sendo as almas humanas, mas desligadas do corpo.

Isso foi um marco que, um dia, estará na história humana, como já se encontra, hoje, na história espírita, pois trouxe ao homem a certeza de que a vida realmente não acaba no túmulo nem se inicia na concepção, mas que transcende os limites da matéria, nas suscessivas encarnações, com a finalidade de aprender e se elevar, sempre, até não mais precisar da matéria, quando o Espírito se torna puro ou perfeito.

Através das comunicações com os Espíritos, intermediadas por médiuns, especialmente os psicógrafos mecânicos (ver mais sobre isso em O Livro dos Médiuns, na Segunda Parte), Allan Kardec obteve os mais valiosos ensinamentos sobre o futuro da alma, após a desencarnação. E foi assim que, após alguns anos de estudos, formulou a obra O Céu e o Inferno, onde trata de maneira filosófica, na primeira parte, e prática, na segunda, sobre o maior problema da humanidade: quem somos, de onde viemos e para onde vamos e por que e para que estamos aqui.

O Céu e o Inferno: o destino do Espírito após a morte do corpo

Nessa obra, impossível de ser resumida, na segunda parte, encontramos alguns depoimentos de Espíritos de vários matizes evolutivos – dentre eles, o de alguns suicidas. E a leitura, embora difícil, é importantíssima, pois aprendemos com eles sobre os efeitos de suas ações. Na Revista Espírita, de 1858 a 1869, também encontramos vários relatos de evocações a suicidas, que nos contam de suas dificuldades e dos efeitos de suas ações. Deles, tiramos o seguinte extrato:

Cada situação é uma, pois cada Espírito é um, com sua inteligência, sua evolução, seu entendimento, suas concepções e seu momento. Existem suicidas que afirmam sofrer dores físicas após a morte (o que, na verdade, é um sofrimento moral externalizado, já que o Espírito não sofre materialmente); existem os Espíritos que dizem se verem em uma situação infernal, o que pode ser apenas um quadro mental como também pode ser uma “realidade” vivida junto a outros Espíritos em sofrimento, que se agrupam por seu estado mental; existem os Espíritos que percebem que cometeram um erro ao tirar sua própria vida, num ato impensado; e existem até, embora sejam raros, aqueles que, num primeiro momento, se contentam por terem saído da vida, para mais tarde entenderem que isso não lhes serviu de nada e que terão que voltar a reencarnar, no mesmo gênero de encarnação, a fim de continuarem suas provas.

Não existe, portanto, essa correlação que muitos fazem, de que o suicida vai sofrer sentindo os vermes roerem seu corpo ou que na próxima vida reencarnarão em corpos deformados, nem que todos irão para o famoso “vale dos suicidas”, que nada mais é do que um dos infinitos agrupamentos de Espíritos em sofrimento e que, pela mentalidade perturbada, criam verdadeiras regiões infernais. Cada caso é um caso. A única certeza, repito, é que o suicídio apenas prolongará o estado de sofrimento que é ser imperfeito e ter que lidar com essas imperfeições através das reencarnações na matéria bruta e entre Espíritos tão imperfeitos que nós, ou mais.

Mais do que isso, porém, é muito importante entender a Doutrina Espírita em sua essência, de onde tiramos o seguinte:

Na vida, temos dois gêneros de sofrimentos: os causados por nós mesmos, pela nossa incúria, pela nossa impaciência, pelos nossos vícios, e aqueles que não causamos nesta vida. Os primeiros podem ser evitados por uma reforma interior, pela correção de nossas imperfeições. Os segundos, porém, compõem os gêneros de dificuldades que fazem parte de um planejamento reencarnatório, realizado por nós mesmos, com vistas a nos fazer aprender, nas provas difíceis e, assim, a corrigir nossas imperfeições, nos auxiliando a errar menos e a avançar mais rapidamente.

Portanto, até aqui, temos três pontos muito importantes:

  1. Matar o corpo não mata o Espírito e nem muito menos elimina a dor moral que nos faça sofrer. Muitas vezes, a aumenta e sempre a prolonga.
  2. Ante às dificuldades causadas por nós mesmos, pelas nossas imperfeições, apenas uma correção interna nos fará deixar de criar essas dificuldades que, muitas vezes, tantos sofrimentos nos trazem
  3. Ante às dificuldades trazidas pela vida e que não são resultado de nossas ações atuais, precisamos entender que se trata de uma oportunidade muito grande para nosso aprendizado, planejada por nós mesmos, como Espírito, e que dalí precisamos tirar algo de bom, aproveitando a oportunidade dolorida para olhar para dentro de nós mesmos e nos modificarmos com ainda mais energia e persistência.

A vida, enfim, não é um castigo. Não estamos aqui para pagar nada, mas sim para nos desenvolvermos, e é apenas através do exercício desse desenvolvimento, de nos livrarmos de nossas imperfeições e de conquistarmos virtudes, que alcançaremos um estado real de felicidade, cada vez maior.

O suicídio e nossas relações com os Espíritos

Sabemos, contudo, que nem sempre estamos prontos para lidar com as dificuldades que nos chegam, de forma que é muito fácil nos permitirmos abater. É nesse momento que precisamos estar muito atentos, pois, lembremos, esse abatimento não costuma vir apenas de dentro de nós, mas, muitas vezes – quase sempre – é alimentado e aumentado por Espíritos que não desejam o nosso bem.

Sabemos que os Espíritos estão o tempo todo ao nosso redor, e que são atraídos para nós conforme somos em nossa realidade interior, nua e crua. Assim, por nossas imperfeições, que muitas vezes gostamos de cultivar, passamos a atrair Espíritos inferiores que passam a se afeiçoar a nós e a alimentar o cultivo dessas imperfeições. Com o tempo, essa relação pode se tornar obsessiva, a ponto de nos vermos subjugados pela vontade de um ou mais Espíritos inferiores, que passam a comandar nossas ações. Esse é um estado perigoso que nos leva também a alimentar os pensamentos suicidas e que, em casos extremos, pode inativar nossa capacidade de agir pela própria vontade, e a vontade firme é a principal ferramenta para vencer as obsessões espirituais.

Nesses casos, é importante buscar apoio externo, pois, muitas vezes, nos encontramos em um estado de subjugação que nos tira a capacidade de raciocínio e de vontade firme. Essa ajuda pode ser encontrada de diversas formas – veja, ao final, a seção “Ferramentas para vencer as depressões e os pensamentos de desistência“.

As paixões

Aqui surge mais um aspecto importante nesse assunto: a questão das paixões, que Kardec sempre citava ao seu tempo, e que hoje podem ser compreendidos como “sentimentos”.

Por definição, paixão é um termo que designa um sentimento muito forte de atração por uma pessoa, objeto ou tema. A paixão é intensa, envolvente, um entusiasmo ou um desejo forte por qualquer coisa. O termo também é aplicado com frequência para designar um vívido interesse ou admiração por um ideal, causa ou atividade.

No estado da vivência das paixões, o indivíduo fica cego à racionalidade e, nesse estado, quantos já não foram os casos de suicídio praticados irrefletidamente? Quantas não foram as comunicações, com as quais já tivemos contato, do Espírito que, logo após realizar o ato, se arrependeu profundamente pela irreflexão do que realizou? Domar as paixões, portanto, é algo de suma importância. Kardec assim define, em A Gênese:

O instinto se aniquila por si mesmo; as paixões somente pelo esforço da vontade podem domar-se.

E hoje, enfim, com acesso à Doutrina Espírita, podemos reforçar a vontade pela razão, isto é, podemos desenvolver mais firmeza e calma para passar pelas provas da vida, sabendo que disso dependem a nossa felicidade futura, e que interromper nossa vida antes do tempo não encerrará nenhum sofrimento moral, mas apenas o prolongará.

Nessa situação, portanto, busquemos ajuda: busquemos o psicólogo, busquemos o centro espírita, busquemos um bom amigo, busquemos a oração, a música calma, a leitura e a prática do Evangelho, busquemos visitar um asilo para conversar com os velhinhos, enfim, busquemos algo que nos faça bem, mas busquemos com decisão e persistência.

Mas, acima de tudo, busquemos uma coisa muito especial e importante: estudar e praticar o Espiritismo em nossos lares, junto à nossa família, pois enquanto o indivíduo se supuser máquina passiva, refém da química corporal, sem alma e, portanto, sem livre arbítrio, apenas responderá maquinalmente a tudo e, ante à dor, encontrará o único resultado que disso emana, embora falso: desliga-se a máquina, termina a dor.

Entender o Espiritismo é entender a vida

É apenas com o retorno e desenvolvimento do entendimento do conceito de uma alma que sobrevive à morte do corpo e que avança sempre na direção da perfeição, se melhorando e se corrigindo através das sucessivas provas e oportunidades, e longe dos antigos e errados conceitos de pecado e punição por um Deus vingativo e cruel, que o suicídio deixará de existir na face da Terra.

A vida não acaba no túmulo e a alma, livre do corpo, apenas encontra sua realidade, ainda mais exacerbada. É justamente sobre essa realidade, que a leva à desistência, que ela precisa se debruçar, sem cessar, a fim de se fortalecer; mas, repito: isso nunca se dará enquanto, no corpo, se supuser apenas uma máquina, escrava da química dos sentidos.

E não nos esqueçamos. Deus não nos deixa abandonados nas dificuldades da vida e também não nos dá fardos maiores do que podemos carregar. É por conta das nossas ações ou da forma de enfrentar essas dificuldades que muitas vezes aumentamos o peso desse fardo até cairmos de joelhos ao chão, sob um peso além do programado. Ainda assim, é possível se recuperar e seguir em frente, se quisermos: basta pedir ajuda a Deus e ela virá, de uma forma ou de outra, para nos ajudar a diminuir o peso extra que carregamos. Estejamos atentos: essa ajuda vem através de um contato inesperado, um livro presenteado, um conteúdo que um amigo nos sugere ou mesmo através de um pensamento persistente para que procuremos determinado conteúdo na Internet. É a forma como Deus nos responde, mas precisamos estar abertos a ela.

Por fim, claro: se você nota alguém ao seu lado com os mínimos traços de depressão, tristeza constante, desânimo, recolhimento, etc, seja caridoso e converse com ela, com todo o carinho, toda a fraternidade e toda a atenção possível. Fale para ela da sua certeza de que a vida não termina no túmulo. Conte para ela que ela não está sozinha e que as dificuldades da vida, que todos temos, são provas necessárias para nosso próprio aprendizado, quase sempre solicitadas por nós mesmos. Isso pode salvar uma vida.

Ferramentas para vencer as depressões e os pensamentos de desistência

Vamos, aqui, elencar algumas ferramentas que serão mais ou menos úteis para uns e para outros, de acordo com o pensamento e o estado de cada um. Analise e fique com aquilo que te faz bem:

  • Ajuda psicológica: esse é um apoio substancial e necessário nesses casos. O terapeuta profissional vai conseguir dar um apoio que quase ninguém conseguirá, lhe auxiliando a entender conteúdos e dores que você nem mesmo percebe, mas que estão ali, te perturbando.
  • Evangelho no Lar: é uma prática que tem sido muito destacada, e que visa refletir, sob a luz do Evangelho Segundo o Espiritismo, sobre nossas próprias faltas e imperfeições, buscando nos modificar. Nesse sentido, um conteúdo que gosto muito e que já me ajudou é o Evangelho do centro espírita Terra de Ismael.
  • Estudo do Espiritismo: adquirir conhecimentos é de extrema importância para que nossa fé seja inabálvel e para que nos tornemos mais austeros e decididos para enfrentar as dificuldades. Estude as obras de Kardec!
  • Frequentar um centro espírita: embora a vivência do Espiritismo deva ser algo interior, contar com o apoio fraterno de um centro espírita pode ser muito importante. Busque algum próximo e no qual se sinta bem e acolhido.
  • Pratique atividades a fim de se colocar em contato social e te desligar um pouco do pensamento ou do ambiente perturbador. Atividades assistenciais, por exemplo, ajudam muito, pois, ao fazer o bem aos outros, fazemos a nós mesmos.
  • Pratique esportes e tente buscar uma vida mais saudável, pois não podemos esquecer que, enquanto encarnados, somos influenciados pelas indisposições do corpo.
  • Faça exames gerais, verificando se não está com problemas de saúde, dentre eles as deficiências vitamínicas e hormonais, que comumente causam estados de penúria e abatimento.
  • Não se cobre demais, pois isso causa decepção e amargura. Sabemos que precisamos nos melhorar, mas não adianta querer virar anjo da noite para o dia! A evolução é feita a passos decididos e constantes, mas milímetro a milímetro. Tropeçaremos muitas vezes nesse processo: então, não se deixe abater. Reconheça-se Espírito imperfeito, levante-se, bata o pó e retome o caminho.
  • Pratique a prece em todos os momentos em que sentir angústia qualquer. Não repita palavras de forma decorada, porém: faça essa prece vir do fundo do seu coração, ligando-o a Deus, e não se esqueça que nenhum de nós estamos abandonados na vida: do nosso lado, buscando nos ajudar, sempre temos nossos Espíritos protetores ou guardiães.
  • Esteja atento às oportunidades que a “vida” (os bons Espíritos, na verdade) te apresentam: um bom livro indicado por alguém, o convite a um grupo de estudos, a participação num centro espírita, enfim, as boas oportunidades que a vida nos apresenta e que cabe a nós não estarmos resistentes a elas.