A dogmática ciência moderna: Ciência versus Espiritismo

Acabo de responder uma objeção relacionada ao tema sobre Ciência versus Espiritismo (o sujeito quis imputar Espiritismo à imaginação). Achei interessante reproduzi-la aqui:

“X, está evidente que você fala do que acha que é, ou seja, fala de opinião própria. Isso não é ciência. Provavelmente o amigo desconhece que a Ciência (com “C” maiúsculo) foi formada juntamente à metafísica, e que os grandes gênios do passado, foram, também, grandes filósofos, tratando da questão de Deus e da Criação afastados, porém, da teologia, dogmática e retrógrada. Natural, pois a Ciência, tornando-se tão dogmática quanto a Igreja, virou as costas para a metafísica, tachando de supersticioso, místico ou louco aquele que ouse tocar no assunto sobre Deus ou sobre a espiritualidade, ainda que de forma racional. Pois bem, amigo. Foi justamente o que fizeram aqueles que deram início ao Espiritualismo Racional, no séc XIX, e foi precisamente o que fez Kardec no estudo de certos fenômenos que, apesar de atravessarem a humanidade, eram tratados e forma dogmática, tanto pela Igreja, quanto pela Ciência.

O que a Ciência moderna não percebe, porque colocou no esquecimento esse conhecimento, é que, ao agir como age, age como a Igreja. Enquanto esta conduzia o homem pelo dogma da queda pelo pecado e do castigo, aquela conduz o homem pelo dogma do materialismo. Tanto uma, quanto a outra, tornam-no ausente de suas responsabilidades: a última, porque submete o homem à vontade de terceiros — age-se mau pela influência do diabo e age-se bem pela influência do cristo — e a primeira porque torna o homem essa máquina que age desta ou daquela forma simplesmente por força das sensações, agindo quimicamente sobre seu cérebro ((não excluindo daqui, é claro, a influência que a “química corporal” e mesmo a genética tem sobre o indivíduo. Apenas destaca-se que não são os únicos fatores, porque, frente a uma grande tentação, o indivíduo pode escolher, por sua vontade, não ceder a ela.)). Caem no mesmo erro de certos cientistas antigos, que atribuíam o bom e o mau proceder à bile branca e à bile negra. A diferença, apenas, é que a ciência moderna não trata o psicológico com sanguessugas, mas com comprimidos.

Dizia eu que a Ciência, no passado, tratava da metafísica, de forma racional (e, lógico, nada misticista). Acontece que, para ela, faltava uma chave, assim como faltava para a psicologia de então, que investigava o homem como alma encarnada apenas pelos processos de indução e extrapolação lógicas. Essa chave, quem veio dar, foi o Espiritismo, não esse falso “espiritismo”, colhido nas entrelinhas de falsas ideias, surgida de erros e opiniões de supostas obras mediúnicas, mas o Espiritismo estudado por Kardec, com metodologia, aquele Espiritismo que, há mais de 150 anos, adiantou conhecimentos, ou caminhos para eles, que apenas agora a Ciência moderna passa a constatar. Importante, claro, separar os erros, naturais da parte humana, galgados na ciência da época (como a teoria dos fluidos), dos acertos da parte que tange à lei natural. O que Kardec fez foi investigar as causas de certos efeitos, de onde depreendeu uma Doutrina, que toca não apenas na questão de certos fenômenos materiais, mas que é toda de aspecto moral.

O pesquisador e o cientista que tivessem a boa-fé de investigar as obras “O Céu e o Inferno” e “A Gênese” (com o cuidado de referir-se às recentes edições da FEAL, onde temos segurança de serem as obras originais de Kardec, intocadas) encontrariam, com grande surpresa, algo muito diverso daquilo que pensavam que era o Espiritismo, e, por mais que pudessem terminar discordando, ao imputar a Kardec seja lá o que for, não poderiam concluir esse estudo sem constatar que ele se lançou com muita seriedade a essa pesquisa, que constituiu algo que, diferentemente do que você acha, não foi uma religião.”




Novos Horizontes

No primeiro semestre de 2021, tive — e eu nem lembro mais como — contato com a obra de Simoni Privato — O Legado de Allan Kardec — obra essa que muito me abalou, frente ao entendimento de tudo o que aconteceu com o Movimento Espírita francês, após a morte de Kardec, e o quanto isso definiu o rumo desse movimento no século seguinte, em especial no Brasil. Em seguida, “por acaso”, alguém postou, em um grupo, um questionamento sobre uma obra recém-lançada, na época: “Nem céu, nem inferno”, de Lucas Sampaio e Paulo Henrique de Figueiredo (PHF). O primeiro pensamento foi: deve ser um absurdo. Mas o título era desafiador demais para deixar passar. Resolvi pesquisar e encontrei um artigo, em um blog espírita, falando sobre a obra… E, para entender quais eram as bases do que os autores afirmavam, adquiri e li a obra, com grande avidez, devo confessar.

Da leitura dessas obras, além da constatação da distância mencionada (entre Movimento Espírita e o Espiritismo), me nasceu a necessidade de estudar o Espiritismo nas obras de Kardec, pois o fato patente constatado é que, com pelo menos 20 anos estudando ou lendo obras espíritas, eu não conhecia o Espiritismo. Demérito? Nenhum. Estudei o que estava ao meu alcance. Humilhação? Só se eu julgasse que a verdade era apenas o que eu conhecia e que, fora disso, nada existiria. Mas se tem uma coisa que eu conhecia sobre Kardec, por tradição de estudos de O Livro dos Espíritos, com meu pai, era o seu grandioso empenho na busca científica da verdade, motivo que me instigou a estudar, sem apegos. Mas… Estudar o quê? O Livro dos Espíritos eu já conhecia em grande parte. A essência de O Livro dos Médiuns, também. Quero dizer: frente àquilo que estava ao meu alcance, a essência moral e científica me parecia bem compreendida.

Um fato que me chamou a atenção e que talvez a intuição tenha reforçado é que deveria haver algo de importante nessa tal “Revista Espírita”, posto que esses autores frequentemente recorriam a citações muito pertinentes e perspicazes de Kardec ou de Espíritos, contidas nesses volumes. Assim, nasceu esta iniciativa e nosso grupo de estudos… Mas isso tudo vocês provavelmente já sabem. Não é esse o ponto, somente achei interessante demonstrar, mais uma vez, o caminho que percorri até aqui, pois esse caminho está me levando para lugares nunca antes visitados.

Um fato muito importante que aconteceu nessa trajetória foi a aproximação com o Grupo de Estudos Espiritismo para Todos, o que aconteceu porque, em contato com o Paulo Henrique, ele mesmo me indicou alguém desse grupo, que estudava junto a ele as obras de Kardec e seu contexto científico. Daí, veio o conhecimento sobre o Espiritualismo Racional, que várias vezes já abordamos por aqui, um pouco sobre o Magnetismo e, mais recentemente, um aprofundamento gigantesco em todo o contexto de Kardec, desconhecido atualmente. A metafísica, coisa totalmente desconhecida ou desconectada da ciência atual, era parte elementar dos estudos de qualquer cientista da época, e foi ela, juntamente a tudo o que a ciência fornecia, naquela época, que deu possibilidade à formação da Doutrina Espírita.

Da mesma forma que a Ciência propriamente dita tem como objeto o estudo das leis do princípio material, o objeto especial do Espiritismo é o conhecimento das leis do princípio espiritual. Ora, como este último princípio é uma das forças da natureza que reage incessantemente sobre o princípio material e reciprocamente, disso resulta que o conhecimento de um não pode estar completo sem o conhecimento do outro; que o Espiritismo e a Ciência se completam; que a Ciência sem o Espiritismo está impossibilitada de explicar certos fenômenos recorrendo somente às leis da matéria, e por ter prescindido do princípio espiritual se encontra em meio a tantas dificuldades; que o Espiritismo sem a Ciência careceria de apoio e de controle e poderia equivocar-se. Se o Espiritismo tivesse chegado antes das descobertas científicas, teria fracassado, como tudo o que ocorre antes do seu tempo.

KARDEC, Allan. A Gênese, 1868

É impossível descrever, somente neste artigo, tudo o que temos estudado até agora. O leitor que nos acompanha poderá identificar, na leitura dos textos deste site, diversas sugestões e pistas que frequentemente damos e que cabe a cada um o interesse de investigar ou não. O fato é que estamos chegando a um ponto, acompanhando os estudos do amigo Paulo Henrique, em que minhas primeiras indagações começam a ser respondidas: será possível retomar o Espiritismo, estudado cientificamente, como Kardec fazia? Será possível retomar o contato com os Espíritos, dando continuidade à formação, ou mesmo à recuperação doutrinária? Sim, é possível (e escrevo isso com um sorriso no rosto).

Veja: Kardec havia compreendido e avançado sobre pontos científicos que nós jamais suspeitávamos, e isso pôde ser constatado através de um método que, em breve, será conhecido por nós e pelo prezado leitor, porque o interesse é apresentá-lo para a humanidade. Não só o método, na verdade, mas o conhecimento encontrado através dele. Em estudo com PHF, onde esse conhecimento está sendo elaborado, não pude me sentir nada mais do que muito diminuído frente a Kardec. Me senti ignorante frente à minha compreensão prévia do Espiritismo. A cada nova constatação, eu ria, mas não era uma risada de desdém ou sarcasmo: era uma risada impossível de conter, que expressava meu nível de ignorância, frente ao tamanho que tomava a ciência espírita, formada pelos estudos de Kardec, através de anos de aprendizado junto aos Espíritos.

Nós já sabemos (e, se você não sabe, corra agora para estudar a Revista Espírita) que, no aprendizado com os Espíritos, não podemos tratá-los como reveladores, para os quais basta perguntar e eles respondem, com a teoria pronta. Não.

“… no mundo dos espíritos ocorre um fato muito singular, o qual seguramente ninguém havia suspeitado – os de existirem espíritos que não se consideram mortos. Pois bem: os Espíritos superiores, que conhecem perfeitamente esse fato, nunca vieram dizer por antecipação: “Há Espíritos que supõem ainda viver na vida terrestre; conservando seus gostos, hábitos e instintos”. Em lugar disso, provocaram a manifestação de Espíritos dessa categoria para que os observássemos. Assim, depois de ver Espíritos inseguros em relação ao seu estado, ou afirmando pertencerem a este mundo e desempenhando suas ocupações habituais, do exemplo se deduz a regra. A multiplicidade de fatos semelhantes provou não se tratar de uma exceção, mas de uma das fases da vida espiritual, permitindo estudar todas as variedades e causas dessa singular ilusão, além de reconhecer, sobretudo, ser essa situação própria de Espíritos pouco avançados moralmente, e característica de determinados tipos de morte; que é apenas temporária, mas podendo durar dias, meses e anos. Assim, a teoria nasceu da observação. O mesmo aconteceu com todos os demais princípios da doutrina.”

KARDEC, Allan. Ibidem.

É fácil perceber, portanto, quantos conhecimentos esses estudos requerem e, num século onde cada área está nichada, isto é, onde o físico não estuda filosofia; onde o matemático não conhece botânica; onde o químico não conhece astronomia, e onde nenhum deles conhece metafísica, fica mais fácil ainda compreender a dificuldade que enfrentamos. De minha parte, reconheço: se aventurar nesses estudos não é para qualquer um, e eu só posso me portar como um ganso (porque não quero me comparar a uma galinha, seria muito humilhante), correndo atrás das migalhas que caem das mãos daquele que plantou e que agora colhe os grãos da plantação.

Bem, como eu dizia, novos horizontes estão se abrindo e, cada um que se interesse em aprender e espalhar o conhecimento, pode e deve se lançar aos estudos, da forma que for possível a cada um. É difícil colher todo o aprendizado para retomar, por mãos próprias, o estudo científico do Espiritismo, mas quem disse que nós precisamos ser tão geniais como Einstein para entender a essência das leis do nosso universo, demonstradas por esse grande gênio? Podemos nos portar da mesma forma com o Espiritismo: basta dedicação, colocar a cabeça para funcionar e, de nossa parte, pesquisar, questionar e se aprofundar em tudo o que nos parecer nebuloso. O mais importante de tudo é que não estamos sozinhos: em grupo, a construção torna-se muito mais proveitosa, pois cada um, estando na posição de ajudar e de ser ajudado, auxilia e participa da construção do conhecimento. O que precisamos é sair da condição de professores de Espiritismo.

Terminamos nosso último estudo com o Paulo dizendo algo mais ou menos assim: “se esse conhecimento é tão interessante e transformador para nós, que somos ignorantes, imaginem para quem é inteligente!”. Sim. Imagine o que será para um matemático verificar que o Espiritismo fala de matemática. Imagine o que será para o físico, para o químico, para o médico, para o filósofo, verificar que, no Espiritismo, trata-se de tudo isso, com aspecto moral e sem misticismo? De que tudo se depreende da Lei Natural, e de que é disso que o Espiritismo vem tratar?

Mas, para isso, é preciso vencer algumas barreiras concretadas pelo materialismo, não só na ciência, mas também dentro do movimento espírita. Primeiramente, será necessário demonstrar que a ciência moderna, ao virar as costas para a metafísica, tornou-se tão dogmática quanto a Igreja que, no passado, tratava como herege aquele que afirmava que a Terra girava ao redor do sol, ou que queimava “bruxas” por afirmarem estarem ouvindo ou vendo Espíritos. Depois, será necessário demonstrar que isso que eles acham que é Espiritismo — muitas vezes baseados em coisas absurdas que leem por aí, outras vezes baseados no que lhes apresentam conhecidos, ditos espíritas, mas dogmáticos e caminhando pelas falsas ideias, ou ainda pela falsa confusão entre Espiritismo e espiritualismo moderno, místico, supersticioso e também dogmático — será necessário demonstrar, eu dizia, que isso não é Espiritismo. Será preciso demonstrar que o Espiritismo foi (é) algo tão racional e sério, um fato inegável, que adiantou, há mais de 150 anos, verdades que apenas agora a Ciência está constatando. Enfim, para aqueles que chegarem, pelo uso do bom-senso, a esse ponto, será necessário demonstrar que o Espiritismo, como ciência muito bem instituída em sua época, formou-se da mesma forma que todas as outras ciências de observação, sendo, portanto, racional — tão racional quanto a busca, da física atual, pela existência da matéria negra ou da existência de outros universos, guiados por efeitos cujas causas não são, e talvez nunca sejam, diretamente observáveis. Eis o desafio.

E quanto ao Movimento Espírita materialista, apegado aos erros? Esse depende da vontade de cada um. Os Espíritos, nossos bons Espíritos protetores, nos intuem ou nos direcionam a situações, a obras, a pessoas, isto é, eles nos ajudam, quando sabem que temos um mínimo de disposição. A cada um cabe o interesse em investigar. A mim, não foi suficiente me conduzirem a um lar de idosos, em momento em que eu precisava de ajuda, onde, não obstante haver um predomínio de cultura religiosa católica, encontrei na estante alguns volumes da Revista Espírita! Não. Eu abri, folheei, mas, naquele momento, não fui adiante. Foi necessário passar o apuro, para, somente mais tarde, dar atenção a tal obra, pelo processo explicado anteriormente. Natural que cada um siga seu caminho, e devemos respeitar as escolhas de cada um. Talvez, aqueles que se apeguem e se fechem ao conhecimento, acreditem que estão fazendo o bem, tanto quanto muitos dos que queimavam obras científicas acreditavam estar fazendo o que era certo (o que não os exime de sua responsabilidade, mas o que atenua suas faltas, perante suas próprias consciências). Apresentemos o conhecimento, se desejarmos, mas, se desejarem queimá-lo, deixemo-los, enquanto fazemos a nossa parte. O tempo se encarrega de tudo.

Bem, escrevi bastante. Fico por aqui. Preciso colher alguns grãos que ficaram pelo caminho.




Espiritismo sem Kardec?

Às portas do século XXI, é difícil observar como o movimento espírita pretende fazer Espiritismo, depois de ter esquecido, modificado e deturpado a obra de Allan Kardec. Passados ​​154 anos do desencarne do professor Rivail, é muito comum encontrar literatura dita espírita em que, em pouquíssimos casos, restam apenas imagens de Kardec em capas sensacionalistas e publicitárias.

A filosofia espírita tem um método, para fins de estudo, tem princípios ou fundamentos impossíveis de separar se tentarmos praticá-la; aqui está a causa de erros tão frequentes. Diante de tal cenário, nos perguntamos:

Será que atualmente seria possível praticar, divulgar, estudar o Espiritismo, deixando de lado os conceitos sistematizados por Denizard Rivail? Será que existe espiritismo sem Kardec?

Acreditamos que voltar a Kardec, estudar Kardec através de Kardec, educar a massa de adeptos do Espiritismo sobre a necessidade de praticar esta filosofia a partir de suas bases são questões urgentes e desenvolvimento necessário, pois desta e de muitas outras maneiras adotaríamos medidas contra um movimento que perdeu a identidade da Doutrina que supostamente pratica, que supostamente divulga. Trata-se de uma medida indispensável diante de um movimento que tem sido confundido por um mar de opiniões, distorcido por ondas de cifras em vendas de livros e revistas, equivocado na exaltação de homens e mulheres que não passaram de imperfeitos instrumentos mediúnicos como todos os outros. Queridos irmãos: aí está o trabalho daquele homem firme em suas determinações, aí está o guia lógico e fundamentado, as bases que precisamos desenvolver. O ponto de partida de um destino cheio de liberdade. Vamos usá-lo!

Caminhemos juntos, e finalmente resgatemos, de uma vez por todas, o legado de Kardec sem o qual não há Espiritismo possível.




Existe alguma outra forma de verificar a existência da alma sem experimentos?

A questão foi proposta em uma discussão, no Facebook, a respeito da resistência da ciência em investigar a alma, imputando o assunto ao misticismo e ao sobrenatural. Destaco, abaixo, minhas considerações sobre a possibilidade de verificar a existência da alma:

“Diga-me: o átomo é observável? Dirá que sim, e isso é fato: por meio de um instrumento, é possível observar o átomo, cuja investigação do comportamento leva os cientistas a teorizar em várias hipóteses.

Sem o microscópio, no passado, o homem, certamente, diria que isso é loucura ou sobrenatural. A questão é sempre atribuir ao sobrenatural aquilo que não compreendemos: esse é o ponto.

Será que somos assim, tão conhecedores de tudo, a ponto de podermos descartar o corpo como instrumento da alma?

Infelizmente, por uma virada materialista nos paradigmas filosóficos, após o final do século XIX, muitas verdades foram colocadas no esquecimento. Hoje, quando se fala em Psicologia, não se cita Victor Cousin ou Paul Janet; quando o assunto é física quântica, ninguém fala de Mesmer, que, taxado de louco, no passado, vislumbrou teorias em acordo com a física moderna.

O erro, sempre, é associar Ciência apenas com o que é observável, esquecendo-se de que a investigação científica avança, também, pela elaboração de teorias sobre hipóteses galgadas em observações racionais. Quer ver?

“A matéria negra é uma forma de matéria hipotética que os cientistas acreditam existir no universo devido a observações astronômicas. Ela é chamada de “negra” porque não emite, absorve ou reflete luz ou outras formas de radiação eletromagnética, tornando-se invisível para nossos telescópios.

Acredita-se que a matéria negra compõe cerca de 85% da matéria do universo, mas ainda não foi detectada diretamente. Os cientistas inferem a sua existência a partir de efeitos gravitacionais que ela causa em objetos observados, como galáxias e aglomerados de galáxias.

Apesar de muitos estudos e experimentos terem sido realizados para tentar identificar a matéria negra, sua natureza ainda é desconhecida. Várias hipóteses foram propostas, incluindo partículas exóticas ainda não detectadas, buracos negros primordiais, e teorias alternativas da gravitação. A pesquisa sobre a matéria negra continua sendo uma das áreas mais importantes e intrigantes da física e da astronomia modernas.”

Diríamos que os cientistas são loucos, ao perseguirem algo que não pode ser observável por nossos instrumentos (e que talvez nunca seja), simplesmente porque observaram certos efeitos? Partindo-se do censo comum, poderíamos dizer que a matéria negra seria algo sobrenatural?

E isso para não adentrar no escopo das teorias de universos paralelos, que são uma consequência lógica de algumas teorias da mecânica quântica.

Veja: a ciência busca respostas em algo não observável, baseada meramente em efeitos. Busca a causa de um efeito. E será mesmo que os efeitos, no escopo humano, são inobserváveis – ou será que a tendência a tratar qualquer forma de espiritualismo como misticismo ou sobrenatural é apenas um preconceito em um campo onde preconceito não deveria entrar?

Diz Paulo Henrique de Figueiredo, em ”Mesmer: a ciência negada do magnetismo animal”:

Os magnetizadores comprovaram muito cedo as relações dos sonâmbulos com seres invisíveis. Deleuze, discípulo de Mesmer, em sua correspondência mantida com o doutor G. P. Billot por mais de quatro anos, de março de 1829 até agosto de 1833, inicialmente foi relutante, mas por fim afirmou: “O magnetismo demonstra a espiritualidade da alma e a sua imortalidade; ele prova a possibilidade da comunicação das inteligências separadas da matéria com as que lhes estão ainda ligadas.” (BILLOT, 1839)”

[…]

Por sua vez, Deleuze afirmou: “Não vejo razão para negar a possibilidade da aparição de pessoas que, tendo deixado esta vida, ocupam-se daqueles que aqui amaram e a eles se venham manifestar, para lhes transmitir salutares conselhos. Acabo de ter disto um exemplo.” (Ibidem)

[…]

“Anos depois, o magnetizador Louis Alphonse Cahagnet (1809-1885), com coragem e determinação, conversou com os espíritos por meio de seus sonâmbulos em êxtase, principalmente Adèle Maginot, registrando em sua obra mais de cento e cinquenta cartas assinadas por testemunhas que reconheceram a identidade dos espíritos comunicantes. Cahagnet antecipou em mais de dez anos esse instrumento de pesquisa da ciência espírita.

Vemos, portanto, que a alma é tão observável quanto a matéria negra: pelos seus efeitos inteligentes. A diferença é que o Espírito (sinônimo de alma) age por sua própria vontade.




Espiritualismo Racional e Espiritismo – uma nova divisão no meio Espírita?

Parece que alguns Espíritas – aqueles que não entenderam a proposta do Espiritismo – trabalham pela divisão, e não pela construção colaborativa. Encontram em todos os lugares e em todas as pessoas um objeto de suas críticas que, se podem ter algum fundamento, quase sempre perdem-se em razão da notória falta de aprofundamento e de uma real e sólida argumentação, que apresente ponto e contraponto, não dando sentença final sobre nada que não possa ser provado ou suficientemente elaborado pela razão. Interessante, porque, justamente, são (somos) adeptos de uma Doutrina inteiramente fundada na lógica e na razão, onde evidências e hipóteses corroboram teorias, não se dando a posse sobre a verdade. Não agindo assim, Carlos Seth Bastos, do “CSI do Espiritismo”, vem dizer que o tema Espiritualismo Racional e Espiritismo seria uma nova divisão no movimento espírita, sem ter a coragem (ou a vontade) de citar o nome do autor ao qual se refere.

A história se repetiu entre 2016 e 2020 agora no campo da moral, com o lançamento de livros que procuraram trazer pensamentos de Kant, Maine de Biran e Victor Cousin para dentro do Espiritismo, mesmo que para isso precisassem deturpar as ideias de Allan Kardec.

Sua propagação, a pretexto de convencer as pessoas avessas à religião, nos parece o mesmo discurso de Marius George (Surpreso que a ideia espírita tinha recrutado tão poucos adeptos do exército de republicanos, foi finalmente levado a ver que o obstáculo era inteiramente devido ao disfarce místico sob o qual Allan Kardec o havia apresentado) e Émile Blin (Até que tenhamos trazido à Sociedade parisiense um número suficiente de membros para entrar neste caminho de pesquisa, devemos, para ver nossas fileiras aumentarem, convidar a vir até nós os incrédulos e os descrentes para, pela palavra, deixá-los conhecer nossas intenções, provar-lhes nosso desinteresse e persuadi-los de nossa boa fé e honestidade; então, por experiências tão simples quanto possível, por em suas mãos os meios de adquirir para si a certeza de que tudo o que propomos é real e, de fato, a doutrina imortalista é a única que, sem misticismo e sem orações, dá ao homem a consolação e a coragem no presente, e a esperança e a fé no futuro).

Pelo menos estes discursos não se sustentaram na falácia de uma improvável adulteração das obras de Allan Kardec.

BASTOS, Carlos Seth. Bônus adicional – O final. Espíritos sob investigação. Disponível em: <https://www.luzespirita.org.br/leitura/pdf/L193.pdf>. Acesso em: 15/04/2023.

Divisão no Espiritismo?

Em primeiro lugar, importa destacar que o Espiritismo não se divide. Sendo uma verdade natural, é una. Colocadas à parte as dificuldades encontradas nas comunicações feitas sem controle, o Espiritismo é um só, em todos os tempos. O que, sim, pode se dividir, é o Movimento Espírita – e essa divisão é incontável. Através do tempo, depois de Kardec, dividiu-se com a “roustainguização” e, depois, com incontáveis outras, por diversos motivos que não cabe citar aqui, mas que Simoni Privato, Paulo Henrique de Figueiredo e Wilson Garcia, dentre outros, contam bem em suas obras (refira-se a Obras Recomendadas).

Segundo Carlos Seth, “cabeça” do CSI do Espiritismo, agora a divisão se dá no campo moral, porque Paulo Henrique de Figueiredo – esse o autor das referidas obras, de 2018 e 2020, a quem Seth nem sequer se digna a fazer referência – estaria distorcendo falas de Kardec para implantar, na Doutrina, algo que nada tem a ver com ela. Veremos.

Em segundo lugar, importa abordar a sentença “a pretexto de convencer as pessoas avessas à religião”. Como se fazer esforços legítimos e bem embasados para atrair o interesse de “pessoas avessas à religião” fosse um demérito, já que (1) o Espiritismo não é uma religião, (2) desenvolveu-se a partir de uma ciência, como uma ciência e (3) foi precisamente no meio não religioso que encontrou, em sua origem, a maior aderência – justamente porque grande parte dos cientistas que se tornaram adeptos do Espiritismo estavam bem compenetrados do desenvolvimento do Espiritualismo Racional e de suas constatações científicas.

Termina o autor novamente atacando quem, por outras evidências e argumentos lógicos e racionais, conclui pela probabilidade da adulteração ((A teoria da não-adulteração (de O Céu e o Inferno e A Gênese) tem também evidências e argumentos, mas não apresenta prova cabal. Arvora-se numa falácia para atacar outra (segundo defende), esquecendo-se das valiosas sugestões de Kardec: nunca tomar por final senão aquilo que pode ser provado.))

Kardec defendeu o Espiritualismo Racional, mas Seth parece não saber disso

Antes de mais nada, porém, precisaremos evocar Kardec e questionar o porquê de ele ter defendido o tal Espiritualismo Racional – movimento filosófico-científico encabeçado por pessoas como Maine de Biran e Victor Cousin ((Por A + B, se o Espiritualismo Racional estava instituído oficialmente no ensino francês e se era um movimento sólido, fundamentado principalmente pelos autores citados, é fácil concluir, com certeza, que Kardec refere-se ao mesmo movimento, e não a outro qualquer)). Ora, vemos, na Revista Espírita de 1868, que:

A obra do Sr. Chassang é a aplicação dessas ideias à arte em geral, e à arte grega em particular. Reproduzimos com prazer o que dela diz o autor da crítica da Patrie, porque é uma prova a mais da enérgica reação que se opera em favor das ideias espiritualistas e que, como o dissemos, toda defesa do espiritualismo racional franqueia o caminho do Espiritismo, que é o seu desenvolvimento, combatendo os seus mais tenazes adversários: o materialismo e o fanatismo.

O Sr. Chassang é o autor da história de Apolônio de Tiana, à qual nos referimos na Revista de outubro de 1862.

“Esse livro, de um caráter todo especial, não foi feito por ocasião dos recentes debates sobre o materialismo e, sem a menor dúvida, é independentemente da vontade do autor que as circunstâncias lhe vieram dar uma espécie de atualidade. Escrevendo-o, o Sr. Chassang não pretendia fazer obra de metafísico, mas de simples literato. Não obstante, como as grandes questões de metafísica estão atualmente, como sempre, na ordem do dia, e toda obra literária verdadeiramente digna desse nome supõe sempre algum princípio filosófico, esse livro, de uma inspiração espiritualista muito decidida, se acha em correlação com as preocupações do momento.

KARDEC, Allan. Revista Espírita, novembro de 1868

Sendo que a metafísica era um dos campos de estudo das ciências filosóficas, oficialmente instituída na Universidade de Sorbonne:

Imagem extraída do Tratado Elementar de Philosophia, de Paul Janet

E isso não é tudo. Antes disso, em 1863, Kardec diz, no artigo intitulado “Noticias bibliográficas – O Espiritualismo racional pelo Sr. G. H. Love, engenheiro”:

Este livro notável e consciencioso é obra de um distinto cientista, que se propôs tirar da própria Ciência e da observação dos fatos a demonstração da realidade das ideias espiritualistas. É mais uma peça em apoio à tese que sustentamos acima. É mais ainda, porque é um primeiro passo, quase oficial, da Ciência, na via espírita; aliás, em breve será seguido ─ e disto temos certeza ─ por outras adesões mais ressonantes ainda, que levarão os negadores e adversários de todas as escolas a refletir seriamente

KARDEC, Allan. Revista Espírita, outubro de 1863

Que sandice, senhor Kardec! Defendendo ideias que, segundo algumas pessoas, não tem nada a ver com o Espiritismo! Afirmando que o Espiritualismo Racional, ao qual se refere, no texto, apenas como “ideias espiritualistas” (o que nos leva a crer que, em outras referências do tipo – “espiritualismo”, “espiritualistas”, etc – ele se referia ao mesmo Espiritualismo Racional) seria algo obtido da observação científica dos fatos! Ora, onde já se viu ciência e espiritualismo andarem juntos? Só se foi no passado, no tempo do “doido” Kardec.

Maior sandice, na verdade, é a de Paulo Henrique de Figueiredo, que resolveu investigar a fundo e descobriu que a metafísica, ao tempo de Kardec, era uma das áreas de estudo das Ciências Morais oficialmente ensinadas na Universidade de Paris e também na Escola Normal (refira-se a “Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo”, desse autor). Tudo isso contido em obras que, até então, eram desconhecidas ou esquecidas pelo mundo moderno.

A grande dificuldade, porém, será que todos nós, que acompanhamos o trabalho de Paulo Henrique e inclusive ele, teremos que negar a realidade, negar os documentos históricos e as obras existentes, censurar as obras de Paul Janet, negar Kardec, negar suas conclusões e suas afirmações, tudo a fim de não provocarmos uma nova cisão, “agora no campo moral”. Em outras palavras: apaguemos e adulteremos a verdade, para que a moral, da forma que eles entendem, permaneça intocada. Bem, essa sanha de tomar a verdade para si, ignorando fatos, parece um hábito do Carlos Seth Investiga do Espiritismo, como demonstramos no artigo “CSI do Espiritismo: o órgão oficial da Verdade“.

Também precisamos evocar o Espírito do Sr. Love e ter uma séria conversa com ele, a fim de esclarecer sua ousadia em, sendo um espiritualista racional, afirmar que encontrou a mesma moral obtida em suas observações, justamente no Espiritismo “de Kardec”:

A moral, tal qual a compreendo e a deduzi de noções científicas ─ não temo reconhecê-lo ─ tem numerosos pontos de contacto com aquela transmitida pelos médiuns do Sr. Allan Kardec. Também não estou longe de admitir que se nas páginas por eles escritas muitas há que não ultrapassam o alcance ordinário do espírito humano, inclusive o deles, deve havê-las, e as há, de um tal alcance que lhes seria impossível escrever outras idênticas nos seus momentos ordinários.

LOVE, G. H. apud KARDEC, Allan. Revista Espírita, outubro, 1863.

Creio não ser necessário seguir adiante. Deixo ao leitor a liberdade e a tarefa, se assim desejar, de buscar obter informações que o permitam chegar, pelo seu próprio raciocínio, às suas respostas. Apenas gostaria de citar mais uma vez Carlos Seth:

A doutrina espírita é progressiva, mas seu estudo é a chave. Saibamos aguardar novos dados em vez de recusarmos alguns de seus aspectos, como por exemplo a ação dos Espíritos nos fenômenos da natureza. Se ainda assim, determinada característica, como a religiosa, nos incomoda a ponto de não conseguirmos pô-la de lado, deixemos de ser espíritas kardecistas para então seguirmos quaisquer outras seitas oriundas do Espiritismo original. Apesar de recorrente na história,
é isso que hoje presenciamos mais uma vez com laicos, ecléticos e sincréticos.

BASTOS, Carlos Seth. Ibidem. Grifos meus.

Ah, se o sr. Carlos houvesse seguido seu próprio ensinamento e estudado. Se soubesse aguardar, antes de pular precipitadamente às tolas conclusões apressadas… Teria visto Paulo Henrique afirmar, em Revolução Espírita, o quão evidente é que o Espiritismo complementa e desenvolve aquilo que o Espiritualismo Racional não pôde estudar, resolvendo, aliás, muitos de seus erros, contradições e incertezas. Ah, essa pressa de certos “pesquisadores renomados”…

Por que Kardec não deu mais detalhes sobre o Espiritualismo Racional?

Cabe destacar que, à objeção do porquê Kardec não ter dado mais informações sobre algo para ele tão importante, precisamos responder o seguinte: o mesmo se deu com o Magnetismo, ciência que ele declara ter estudado por mais de 35 anos. Ele simplesmente não se aprofundou sobre algo que estava tão profundamente estabelecido em seu contexto, da mesma forma que, hoje, para falar sobre astronomia, não dedicamos tempo a narrar todo o contexto científico atual, nos limitando a falar, por exemplo, da teoria do Big Bang. Se, porventura, essa teoria fosse colocada no esquecimento, por encontrar-se superada ou pela adoção de outra teoria, não necessariamente correta, um leitor qualquer, no futuro, precisaria buscar resgatar esse conhecimento para bem compreender nossas teorias, suposições e doutrinas.

Devo apenas mencionar que, ao me pronunciar sobre o caso, solicitam-me provas de Kardec teria, como eu disse, defendido amplamente o Espiritualismo Racional. Eis minha resposta:

X, se os autores do artigo (PDF), de bom grado, tivessem se dedicado a estudar a obra desse autor, antes de criticar, teriam entendido muito facilmente todo esse contexto, de modo que eu não tivesse que ficar repetindo aqui toda a informação que já existe.

Já citei uma das vezes em que Kardec citou, com ênfase, e nomeadamente, “Espiritualismo Racional”, afirmando que toda defesa dele seria favorável ao Espiritismo. Em outubro de 1863 (RE) você terá DOIS artigos muito interessantes sobre o assunto. Cito o início do segundo, ao final do número (“O Espiritualismo racional pelo Sr. G. H. Love, engenheiro”):

“Este livro notável e consciencioso é obra de um distinto cientista, que se propôs tirar da própria Ciência e da observação dos fatos a demonstração da realidade das ideias espiritualistas. É mais uma peça em apoio à tese que sustentamos acima. É mais ainda, porque é um primeiro passo, quase oficial, da Ciência, na via espírita”.

Vá até o Google e coloque assim: “site:kardecpedia.com espiritualismo”, e encontrará muita coisa.

Ora, se Kardec falava de fluidos (vital, elétrico, magnético, etc) não nos cabe investigar o que é isso, ao invés de adotar, cegamente, teorias erradas? Vamos então verificar que era um conceito da ciência da época, superada pela ciência atual e, ao que tudo indica, abandonada por Kardec, após convencer-se da veracidade da teoria de Mesmer. Sem fazer isso, caio no erro de dizer que Mesmer e Espiritismo não tem nada a ver, sem saber que Kardec TAMBÉM defendeu o Magnetismo de Mesmer.

Afinal, que linha de pesquisa é essa, para a qual querem dar tantos ares de seriedade e confiança, mas que comete um erro tão grave e absurdo como tal, com o agravante de dar sentenças finais sobre este ou aquele assunto, influenciando o meio espírita para uma nova cisão que não existe senão em suas mentes, apegadas a uma discordância inicial ((Refiro-me à discordância entre ter havido ou não adulterações nas obras O Céu e o Inferno e A Gênese))?

Terminam por cair no ridículo e no descrédito aqueles que assim agem. Não que não estejamos livres, de nossa parte, de incorrer em erros do gênero ou outros piores, mas o estudo do Espiritismo e do proceder científico de Kardec muito nos tem ajudado nesse sentido.

O monopólio do bom-senso

Termino com uma observação de Kardec, feita sobre o artigo “A bibliotecária de Nova York”, na Revista Espírita de maio de 1860. Não é relacionado ao tema principal, mas, quem sabe, nos sirva de reflexão. Os grifos são meus, como sempre:

Sobre o artigo, faremos uma primeira observação: é a displicência com que os negadores dos Espíritos se atribuem o monopólio do bom-senso. “Os espiritualistas, diz o autor, aí veem um exemplo a mais das manifestações do outro mundo. As pessoas sensatas não vão buscar a explicação tão longe e reconhecem claramente os sintomas de uma alucinação”. Assim, conforme esse autor, só são sensatas as pessoas que pensam como ele; as demais não têm senso comum, mesmo que fossem doutores, e o Espiritismo os conta aos milhares. Estranha modéstia, na verdade, a que tem como máxima: ninguém tem razão, salvo nós e nossos amigos!

KARDEC, Allan. Revista Espírita, maio de 1860

Os documentos que eles encontraram, corroborando uma hipótese de não adulteração, são, segundo eles, comprobatórios, dão sentenças finais – mesmo sendo nada mais que evidências que não explicam muitas coisas. Fora disso, segundo eles, é tudo descartável, falácia ou invenção.

O questionamento é natural, salutar e necessário. Ele nos instiga a pesquisar, a reler, a estudar. Mas seria ainda mais produtivo se a opinião discordante nascesse, sempre, de um profundo embasamento bibliográfico e científico, de modo a não terminar como os Srs. Schiff e Jobert (Revista Espírita, junho, 1859) que, tendo descoberto no estalar de um músculo a confirmação de uma hipótese, terminaram por afirmar categoricamente, com palavra final, contra todos os fenômenos espíritas. Bem, basta ler o artigo para certificar-se do ridículo no qual caíram frente aos fatos apresentados por Kardec.

Isso é ciência. Isso é desapego. Isso é compromisso com a verdade. Por todo esse compromisso, longe de configurar como um ataque, mas como uma defesa, faço o que eles não fizeram, e dou nome e sobrenome àqueles que atacam de maneira leviana o trabalho de outros.

Estranhamente, Seth vê uma divisão ao tratar do movimento que deu base ao surgimento do Espiritismo, mas não vê problema algum em ficar fuçando e trazendo à tona fofocas da época, lançada por médiuns que não quiseram se adequar àquilo que a Doutrina Espírita demandava. Vai entender…




O ataque às escolas e a “visão segundo o Espiritismo”

Vou me dar ao luxo de “chover no molhado”, apenas porque o assunto é importante e requer, penso eu, reflexão e racionalidade. Os ataques realizados nas escolas foram algo lamentável, mas mais lamentável ainda é ouvir os absurdos que falam em nome do Espiritismo.

Vemos, frente aos acontecimentos em questão, novamente a busca de respostas “espiritualistas” para os motivos pelos quais aquelas crianças passaram por tais tragédias, e não raro nos deparamos com palestrantes que, em nome do Espiritismo, vão dizer que “são Espíritos endividados que se reuniram para resgatar faltas passadas”. Superado o momento inicial de verdadeira ojeriza pela falta de empatia de quem se coloca na posição de juiz do caminho alheio, sem se colocar na posição de um pai ou de uma mãe ouvindo tais palavras – um verdadeiro desserviço ao Espiritismo – sinto necessário reiterar: não é possível, muito menos cabível, apontar para quem quer que seja para dizer se a situação que a pessoa passa é resultado de suas escolhas – repito: escolhas – ou se é simples resultado da lei natural, isto é, resultado de estar vivo.

Já tratamos disso algumas vezes (ver Pode uma pessoa morrer antes do tempo ou é sempre o destino, ou a fatalidade?, O desastre de Petrópolis na visão do Espiritismo: resgate coletivo? e Karma e Espiritismo. Não existe carma, tudo é efeito de escolhas do Espírito, que, apenas em casos excepcionais, por ausência de capacidade de raciocínio, é submetido a encarnar de forma compulsória (ref. OLE, p. 262). Deus não castiga seus filhos por fazerem más escolhas, pois sabe que tudo é resultado da ignorância e, quando essa ignorância é tão grande a ponto de obliterar sua capacidade de julgamento, suas leis suprem essa incapacidade momentânea.

Digamos que participar de certos desastres, particulares ou coletivos, possa ser mesmo o efeito de uma escolha lúcida do Espírito que acredito que aquilo lhe ensinará algo ou que acredite na lei de talião ou no carma, julgando ser necessário passar pelo mesmo gênero de sofrimento a fim de se “depurarem”. Isso tem seu fundo de lógica e de verdade, e veremos alguns casos como esse permeando os estudos de Allan Kardec.

Poderiam, então, todas essas crianças terem escolhido estarem ali reunidas voluntariamente, por efeito de uma escolha feita em Espírito? Suponhamos que sim, e analisemos a lógica da suposição. Para tanto, de duas, uma: ou esses Espíritos teriam que saber, com grande antecedência, que aquele indivíduo, praticamente do crime, escolheria aquela escola onde elas teriam que estudar, para praticar seu crime, premeditado por anos, ou esses Espíritos teriam que, por meio deles ou de outros, instigarem esse indivíduo a cometer um crime (assumindo, por sua vez, uma “dívida”) apenas para que eles pudessem realizar seu “resgate” – um verdadeiro ciclo sem fim.

Sim, um Espírito em particular pode ter pressentido o crime em premeditação e ter manejado estar ali, para sofrer suas consequências, sabe-se lá o por que, assim como outro pode ter escolhido se ausentar desse local, nesse dia, pelo mesmo pressentimento. Vemos isso a todo momento. Torna-se inconcebível, porém, imaginar que todos aqueles que são mortos em um desastre qualquer escolheram estar ali, muitas vezes meses ou anos antes, apenas aguardando para que todas as circunstâncias alinhadas pudessem provocar a situação que ofereceria a oportunidade de “resgate”. Ademais, quando Kardec ou outros Espíritos falam em “resgate”, é o resgate de si mesmo, através do processo “arrependimento, a expiação e a reparação – em resumo: um aperfeiçoamento sério, efetivo, assim como um retorno sincero ao bem“((KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. Tradução por Emanuel G. Dutra, Paulo Henrique de Figueiredo e Lucas Sampaio. 2021.)), e não um resgate de débitos recíprocos ou com a lei divina – porque Deus não cobra débitos que, em verdade, nem sequer existem.

As crianças que morreram em tais casos trágicos não estão pagando por nada. Morreram por efeito de estarem encarnadas e por efeito de uma má escolha de outro indivíduo. Esse indivíduo, que já sofre por efeito de suas escolhas, mesmo que não perceba isso, sofrerá quando despertar sua consciência, seja por sentimento culpa frente ao crime cometido, seja pela constatação de sua própria condição de apego, pelo efeito de seus atos, mesmo que nem sequer se lembre do caso específico em questão. Os Espíritos das crianças podem já ter seguido em frente, evoluído bastante, no momento em que o Espírito do criminoso tome consciência. Não há que se cogitar, portanto, uma encarnação conjunta com o fim de resgate recíproco qualquer, mas podemos imaginar o Espírito de uma dessas crianças, tocado de compaixão pelo outro, escolhendo nascer junto a ele para auxiliá-lo em seu caminho de retorno ao bem. Ou não. O Espírito do criminoso pode escolher, se tiver consciência disso, nascer em meio a uma família boníssima, de grandes valores espirituais, que poderão auxiliá-lo a aprender… Ou poderá escolher nascer em meio à criminalidade, para se colocar à prova de resistência. O que é melhor? Como saber quem e por qual motivo fez esta ou aquela escolha? Não sei. Nem você sabe. O ponto é: qualquer das escolhas, para esse Espírito, será uma expiação, e “expiação” não significa castigo, mas condição na qual ele tenha suaatenção concentrada incessantemente sobre as consequências desse mal, compreende-lhe melhor os inconvenientes e é motivado a corrigir-se“((Ibidem)).

Se você já passou por algo parecido ou tem perto de você alguém que passou, a mensagem que eu deixo é esta: o Espírito sobrevive e seguirá sua jornada. Quem vai e quem fica precisa se esforçar para não se apegar ao acontecido, entendendo que quem comete o crime sofrerá por si só, e que apegar-se a ele ou à situação levará vocês a sofrerem também. Tristeza faz parte. Saudades, doem. Mas apego é infelicidade. Ore para que você e o Espírito que desencarnou não se apeguem a tudo isso, nem à personalidade que morreu com o corpo. Espíritos que se amam se comunicam instantaneamente, sem intermediários, e basta que um pense no outro para que estejam juntos, sem nenhuma necessidade de que isso seja percebido como sensação de presença. O pensamento a tudo alcança, em qualquer lugar do Universo.

Por fim: cuidado ao aceitar as “visões espíritas” sem estudar os alicerces do Espiritismo. Espíritos, encarnados ou desencarnados, dizem o que querem e, por falta de cuidado, frequentemente servem de ferramenta aos inimigos da Doutrina.




Um convite à autocrítica do Movimento Espírita

Nosso último encontro virtual de estudos, no dia 06/04/23, deu-se em cima do artigo “Refutação de um artigo de L ‘Univers”, da Revista Espírita de maio de 1859.

O artigo de Kardec começa com a citação integral de uma publicação do Abade Chesnel no jornal citado, publicação, por sinal, um tanto complexa de entender e, na verdade, bastante confusa em suas ideias. Apesar de citar diversas ideias correntes naquela época, como o Espiritualismo, o Magnetismo e o Espiritismo (embora ele confunda o Espiritismo com o Espiritualismo Racional), é muito fácil notar a confusão de conceitos feita pelo Abade, que, como ponto central, defende a ideia de que o Espiritismo (Espiritualismo) seria uma nova religião, apresentando perigos e ameaça à religião católica.

O texto, embora escrito com certa profundidade, é notadamente leviano, no sentido de fazer diversas afirmações sobre o Espiritismo (que, reitero, ele chama de Espiritualismo), sem ter lido nem sequer O Livro dos Espíritos – o que é certo, pois, logo no início da obra, Kardec faz uma clara distinção entre Espiritismo e Espiritualismo [Racional]. Mas não é esse o ponto central desta discussão.

O que nós notamos em nosso estudo, e sobre o que já havíamos conversado outras vezes, é o distanciamento apresentado entre o Movimento Espírita moderno e o Espiritismo “de Kardec” – com todo o cuidado ao usar esse termo, pois o Espiritismo nunca foi de Kardec, não criado nem imaginado por ele. Ora, não é possível negar que o Movimento Espírita fez do Espiritismo uma religião, definição esta que muitos defendem ferrenhamente, ao passo que Kardec faz, com todas as letras, uma árdua defesa racional em contrário, demonstrando que o Espiritismo não tinha nenhum aspecto de uma religião, mas sim o de uma ciência. Já falamos sobre isso no artigo “Espiritismo é religião?”, “Ciência e Espiritismo: matérias em dimensões opostas?“, “A distância entre o Espiritismo e o Movimento Espírita” e em outras ocasiões, mas decidimos voltar ao assunto pela nova ocasião proporcionada e pela persistência enfática de Kardec – que continua na RE de Julho, com uma réplica à resposta do Abade.

Quanto mais estudamos a Revista Espírita, mais notamos essa enorme distância citada. Convidamos o leitor a questionar: por que? Será que o “nosso” Espiritismo, baseado em informações de Espíritos não verificadas de forma científica e controlada, é “mais correto” do que o Espiritismo estudado tão seriamente, de forma metódica e controlada, por Kardec e outros membros da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas? Note o seguinte:

Seu verdadeiro caráter é, pois, o de uma ciência e não de uma religião e a prova é que conta como adeptos homens de todas as crenças, os quais, nem por isso, renunciaram às suas convicções: católicos fervorosos, que praticam todos os deveres de seu culto; protestantes de todas as seitas; israelitas, muçulmanos e até budistas e bramanistas.

Kardec, Revista Espírita, maio de 1859

Olhemos com frieza para o Movimento Espírita e tentemos encontrar pessoas de outras religiões inseridas nele: praticamente não existem. São raríssimas e, quase sempre, são pessoas que se dizem “sem religião definida”. Será que isso é normal, frente àquilo que Kardec demonstrava? Outra pergunta: se um agente do Censo te perguntar qual é a sua religião e você ser adepto do Espiritismo, o que você responderá?

Todas essas questões não tem a finalidade de atacar a crença pessoal de cada um (até porque, em verdade, o Espiritismo não é feito de crenças, mas de investigação científica), mas o de levantar um grave aspecto que, talvez, muitos não notem: definir o Espiritismo como religião tornou-se o motivo da derrocada do Movimento Espírita, que encontra-se cada vez mais esvaziado. Leia o artigo citado logo no início – pode encontrá-lo aqui – ao menos a partir da resposta de Kardec e procure analisar, por si mesmo, o quanto a definição de “religião” faz o Espiritismo perder em força de alcance e de ajuda no desenvolvimento da humanidade terrestre. Veja a posição do Abade, compatível com a posição moderna de grande parte de seus opositores: ao invés de compreender nessa ciência um suporte às suas crenças; ao invés de tê-la como auxílio às suas incertezas, têm nela uma inimiga, como se o fato de encher os bancos de um centro espírita significa esvaziar os bancos de uma igreja. Infelizmente, muito infelizmente, isso se tornou verdade.

Temos uma felicidade enorme de ter, entre nossos estudantes mais ativos, ao menos uma pessoa que se identifica como católica praticante, que vai à missa, que comunga, que pratica, enfim, sua religião, mas que estuda profundamente e que, muitas vezes, entende melhor que nós, os preceitos morais, filosóficos e científicos do Espiritismo, compreendendo com clara distinção seu caráter científico. Espiritismo é a ciência do que somos e do que é a criação; religião é escolha de práticas humanas, materiais, com significado espiritualista.

Pense, por final, sobre o seguinte: ao passo que Kardec recomendava a prática dos estudos espíritas no lar, o que era mesmo comum naquela época, pergunte-se: existe, hoje, Espiritismo fora dos centros? O que é dito sobre a prática mediúnica fora do centro espírita?

Fica, enfim, o convite reiterado: estude a Revista Espírita. Muitos médiuns bastante conhecidos não tiveram acesso a ela. Hoje, nós temos, e de forma muito, muito fácil e prática. Deixá-la de lado para ficar com o estudo de romances mediúnicos, sem contestação ou investigação, é apego, e traz demérito, dificuldades e erros ao Espiritismo que, de ciência, hoje, no Movimento Espírita não tem nada.




Participe do Grupo de Estudos da Revista Espírita

Mais uma vez, e sempre com alegria, convidamos você, prezado(a) amigo(a), a participar conosco de nosso grupo de estudos da Revista Espírita, ao vivo, on-line. Nesse grupo, não estamos ensinando, mas aprendendo. Se você se interessa pela Doutrina Espírita, venha estudar conosco!

Nos reunimos todas as quintas, às 19:30 (entrando às 19:20), e o estudo dura cerca de 1:15h a 1:30h.

Você precisará de:

– Câmera e microfone, e um cantinho mais sossegado para estudar

– Cerca de 01:15h livre

Desapego da opinião própria e interesse em ajudar, cooperar e aprender.

Interessa? Então basta chamar no WhatsApp: 15 998 628 392




Terá Deus nos abandonado?

“Deus estará à frente”; “Deus não permitirá que tal ou qual fato aconteça”. Mas, então, o fato, visto como negativo, se consuma. E, nesse momento, a fé de muitos esmorece. “Como Deus pôde permitir tal coisa?”, muitos hão de se perguntar. Vamos abordar e enfrentar esse problema nas linhas seguintes.

Muitos, nos momentos de sofrimentos, injustiças, barbáries, caem nesse questionamento e, sem ter uma resposta concreta, veem sua fé quase ruir, a ponto de, muitas vezes, se afastarem da religião e da espiritualidade, caindo nas garras do materialismo. Esse movimento se dá unicamente por uma razão: por estarmos quase em totalidade baseados em falsas ideias. Ora, a falsa ideia, sendo falsa, não se sustenta contra a lei natural. Se vê desmentida e desaba, ante ao curso da lei divina, não importando os nossos protestos. Seria isso uma impiedade divina? Ou, pior, demonstraria tudo isso que Deus não existe?

Falamos das falsas ideias. Ora, uma delas é a de que Deus interfere nas nossas escolhas. Outra é que Deus teria um oposto, o Diabo. Ambas ligam-se a um mesmo problema: a falsa suposição de que somos guiados, seja por Deus, seja pelo Diabo, seja pelas “forças”, seja pelos astros ou pelo “universo”. É a falsa ideia da heteronomia, que, criada sobre uma doutrina filosófica que domina a sociedade, nos faz cair nessas ciladas morais e intelectuais.

Questiona-se, portanto: é errado raciocinar, se esse raciocínio nos conduz para longe de Deus? Seria a ciência humana condenável, nesse sentido? Afirmo: o problema não está em raciocinar, mas, sim, em raciocinar sobre falsos princípios. Sendo o homem criação de Deus, seu intelecto também o é. Negar o intelecto, o raciocínio, seria negar a Deus. Raciocinar é necessário – é uma imposição da lei – e, quando o raciocínio nos leva a uma negação da lei (aqui, me referindo à lei natural, divina) e da própria razão, quer dizer que estamos nos baseando numa falsa ideia, que conduz a falsos resultados.

Não gastarei tempo destacando a impossibilidade da existência de uma força contrária a Deus, nem mesmo da inexistência do mal. Allan Kardec já fez um trabalho exímio e inatacável nas obras O Céu e o Inferno e A Gênese. Recomendamos ao leitor o estudo, de preferência baseado nas edições da FEAL. Também recomendamos ao leitor que nunca estudou o Espiritismo, e que sobre tal doutrina tem apenas ideias inexatas, que leia o livreto “O Espiritismo em sua mais simples expressão”, disponível para download no botão abaixo.

Vamos falar sobre a impossibilidade da interferência de Deus, Jesus ou qualquer ser superior em nossas escolhas, perguntando: como um aprendizado qualquer realmente se estabelece em nós mesmos? Pela imposição, ou pelo exercício da razão? É claro que a resposta só pode ser a última, pois, do contrário, a própria vida não teria sentido, e toda a lógica materialista estaria em razão.

Imaginemos a situação de um pai e seu filho. O primeiro, é o melhor pai que possamos supor: centrado, afável, sensato, fraterno, mas enérgico, além de inteligente e muito sábio. O segundo, é um filho rebelde, de “gênio forte”, como alguns diriam. Apesar de todo o esforço de seu pai, esse filho insiste por tomar decisões contrárias às suas recomendações, sempre ignorando seus ponderados alertas. Certa feita, diz o filho ao seu pai: “vou para uma festa com os filhos da dona Maria”, ao que o pai responde: “filho, cuidado. Eles, infelizmente, não escutam à razão. Estão sempre envolvidos com más pessoas, com drogas e eu soube que, recentemente, se envolveram até em alguns casos de roubos”. O filho responde: “Besteira, pai. Tô indo!”.

Esse pai teria duas escolhas: a primeira, seria usar de sua força física e moral para impedir fisicamente seu filho de deixar o lar em tão más companhias; a outra, seria adverti-lo sempre, mas deixando à sua escolha, livre e autônoma, o que fazer. Foi sempre essa segunda escolha que decidiu tomar, desde a infância de seu filho. Acredita que é apenas pelas próprias escolhas e pelos seus resultados, e não pela imposição, que o filho realmente aprenderá aquilo que ainda não consegue aprender pela razão e pela intuição.

O filho sai e, horas depois, o pai recebe uma ligação: é da polícia. Estão dizendo que o filho se envolveu em um caso de assalto a mão armada e, embora não tenha sido ele a sacar a arma, foi preso por colaborar com o grupo, tomando a bolsa e o colar de uma senhora, fato apontado pelos dois filhos da dona Maria, que queriam ver suas penas diminuídas. A tristeza abate esse pai, que, contudo, não se torna infeliz: “fiz tudo o que pude fazer”, tem ele em sua consciência. Condenado após julgamento, passa, seu filho, os próximos oito anos de sua vida atrás das grades, enquanto ele o visita, semanalmente, aconselhando-o e estimulando-o moralmente. Os outros dois encontram-se no mesmo presídio e, antes companheiros da vagabundagem, agora o submetem a atos vexatórios. O filho se diz arrependido, mas se é apenas remorso, pelo castigo recebido, ou se é arrependimento moral pelos atos praticados, somente o tempo dirá.

Essa pequena alegoria demonstra que Deus, incomparável a esse pai, cujas moral e forma de agir não se podem criticar em um só ponto, não poderia agir de forma diferente, nos deixando sempre o livre-arbítrio e a escolha como ferramentas fundamentais de nossa evolução. E isso, transposto ao nível social, explica tudo o que nos atinge por esses meios. Deus nos dá a matéria como ferramenta do Espírito, mas nos garante a livre vontade, sempre. É claro que não nos abandona – pelo contrário: através da sua própria criação, que é solidária, somos constantemente influenciados pelos Espíritos mais avançados que nós mesmos, que, contudo, não interpõem obstáculos quanto às nossas escolhas:

“Para elevar-se, deve o homem ser provado. Impedir sua ação e pôr um entrave em seu livre-arbítrio seria ir contra Deus e neste caso as provas tornar-se-iam inúteis, porque os Espíritos não cometeriam faltas. O Espírito foi criado simples e ignorante. Para chegar às esferas felizes, é necessário que ele progrida e que se eleve em conhecimento e sabedoria, e é somente na adversidade que ele adquire um coração elevado e melhor compreende a grandeza de Deus.”

Citação de São Luis na Revista Espírita de Novembro de 1858

Vejamos: foi o próprio povo – que é uma massa de indivíduos, cada um com suas escolhas – que elegeu e glorificou a Hitler, que, inflamando um orgulho materialista, levou a nação àquele estado de barbárie. Foi, aliás, o povo que, inflamado contra as verdades que feriam seu orgulho ou seduzidos pelo ouro, escolheu soltar Barrabás, condenando Jesus ao martírio. E, disso, o que se seguiu, senão muito aprendizado, em meio a condições absolutamente adversas?

Mas, como explicar, dentro dessa dinâmica, o sofrimento daqueles que não se enquadram nas más escolhas? Falamos daqueles que, por vontade própria e por um estado diferente de progresso espiritual, fazem escolhas melhores, mais ligadas à moral da lei divina.

Ora, da mesma forma que sofreu aquele pai, limitando sua vida em muitos aspectos, para estar junto de seu filho, fazendo-lhe o bem de buscar auxiliar a exercitar sua razão; da mesma forma que sofreram os apóstolos de Jesus que, longe de se atirarem às armas, atiraram-se ao bem, através da propagação das ideias do Cristo. São provas, oriundas da lei natural. Não são imposições arbitrárias de um Deus colérico, com uma finalidade de cobrança de débitos, mas apenas decorrências da lei divina, que impõe efeitos que, de uma forma ou de outra, trazem aprendizado ao Espírito. A lei natural impõe que, uma camada da crosta terrestre, sob pressão do manto, poderá sofrer rachadura, provocando terremotos ou a explosão de vulcões, cujos efeitos inevitavelmente trarão dificuldades. Essa mesmo lei impõe que nossas escolhas produzirão efeitos, que, é evidente, não são decorrência de um sistema de pecado e castigo, “olho por olho, dente por dente” ou “carma”.

Veja: o pai não escolheu que o filho tomasse aquelas decisões, tanto quanto os judeus não escolheram que Hitler fosse eleito. Uma pessoa, assassinada por um criminoso, não escolheu ser assassinada: foi o criminoso que escolheu praticar o crime, sem refletir. Por estarmos encarnados, estamos sujeitos às escolhas dos outros, e isso não é uma penitência imposta por Deus: pelo contrário, é um reflexo da lei natural, que nos traz, repito uma vez mais, aprendizado, útil ao nosso progresso. Ora, quantos judeus, encarcerados e tratados como animais, não viram suas almas elevarem-se pelo exercício da fraternidade e da fé, enquanto lidaram com tantas e sofridas adversidades? Um exemplo: Anne Frank, que viveu por dois anos trancada em um sótão, com sua família, sem poder fazer um só barulho, foi do estado de ódio de sua mãe ao estado de piedade fraternal, e provavelmente aprendeu muito com isso. O Espírito da pessoa assassinada por um criminoso poderá aprender muito com isso, ou poderá se apegar ao fato, o que poderá lhe causar sofrimento. De uma forma ou de outra, aprenderá, afinal, bem o sabemos, o fim de uma vida na matéria não representa o fim do progresso do Espírito.

Para o Espírito liberto, o sofrimento da carne não é nada mais que um detalhe passageiro, do qual se livra com felicidade, quando cumprido no tempo de Deus, e com empenho no aprendizado, ou ao qual se estreita ainda mais, quando cumprido com rebeldia ou terminado antes do tempo, pelo ato lastimável de dar fim à própria vida – e isso, mais uma vez, não por um ato de castigo divino, mas pela própria condição de ligação à matéria em que esse Espírito se coloca.

Deus, afinal, não nos abandonou, e não tem nenhum sofrimento material ou uma só injustiça que demonstre que ele não está, em verdade, “no comando”. Basta que nos desliguemos da falsa ideia de que ele interfere em nossas escolhas, individuais e em coletivo, bem como da ideia de que o indivíduo que age no mal estaria sendo guiado por uma potência contrária a Deus. Não: tudo decorre de escolhas, relativas ao estado moral e intelectual de cada um. O mal que nasce dessas escolhas não existe por si só, pois o indivíduo está apenas escolhendo com vistas a satisfazer suas próprias vontades e inclinações, o que, na raiz do problema, se liga ao egoísmo e ao orgulho. Diria Kardec, na Revista Espírita de agosto de 1863:

Então, por que o mal e como explicá-lo? O mal não vem de uma queda primitiva que teria mudado todas as condições da vida humana. Ele tem por causa o descumprimento da lei de Deus e a desobediência do homem, usando mal o livre-arbítrio.

Essas raízes, muito profundas, não são destruídas a golpes de machado: precisam ser lentamente desenterradas por um esforço contínuo, no qual a educação e a fraternidade têm papel fundamental.

Deus, longe de se ver diminuído por isso, se exalta em todos os seus atributos, pois nos confere a autonomia, o progresso pelo próprio esforço e a oportunidade do aprendizado e do ensino: quem está um pouco acima, ensina quem está um pouco abaixo, em todos os infinitos patamares da evolução.

Assim, tudo se liga, tudo se encadeia no Universo. Tudo está submetido à grande e harmoniosa lei de unidade, desde a materialidade mais compacta até a espiritualidade mais pura. A Terra é como uma vasilha de onde escapa uma fumaça espessa, que se rarefaz à medida que se eleva, e cujas parcelas rarefeitas se perdem no espaço infinito.

O poder divino brilha em todas as partes desse conjunto grandioso e, no entanto, queriam, para comprovar melhor o poder se Deus, que ele, não contente com isso, viesse turbar essa harmonia! Que se rebaixasse ao papel de mágico de efeitos pueris, dignos de um prestidigitador! E ousam, por acréscimo, dar-lhe por rival em habilidade o próprio Satã! Jamais se rebaixou tanto a majestade divina, e se surpreendem com o progresso da incredulidade!

Há razão em dizer: “A fé se foi!” Mas é a fé em tudo o que choca o bom senso e a razão; a fé semelhante à que, em tempos passados, levou a que dissessem: “Os deuses se vão!” Mas a fé nas coisas sérias, a fé em Deus e na imortalidade está sempre viva no coração do homem e foi sufocada pelas histórias tolas, com as quais oprimiram. Ela se ergue mais forte, desde que seja libertada, como a planta num lugar sombrio se recupera quando volta a receber os raios do Sol!

KARDEC, Allan. A Gênese, 1868. Editora FEAL.

Quanto à questão “Deus existe?”, responderemos que basta olhar para tudo o que dissemos, com um olhar elevado acima da matéria, e a constatação não pode ser outra. Contudo, se sua razão ainda se debate com as coisas que aprendeu, dê uma chance às obras anteriormente citadas, e estude-as. Muito provavelmente encontrará, ali, uma racionalidade tão clara, brilhante, que encontrará as respostas que tanto busca.

Uma última observação: dissemos, no início, que, ante ao fato, visto como negativo, muitos esmorecem. De nossa estreita visão terrena, tudo é negativo, tudo é péssimo, tudo é retrocesso. Olhemos, contudo, para o passado: quantos avanços, em todos os campos da humanidade, foram colhidos das adversidades? Quanto aprendizado? Isso quer dizer que, embora Deus não interfira de forma arbitrária, sua Lei é perfeita, e tudo conflui para um só ponto: o progresso, que é irresistível.

Otimismo, portanto. Sigamos estudando e fazendo a nossa parte. Nenhum indivíduo, nem muito menos o mundo, será mudado por imposição ou violência – e eis aqui a derrocada de muitos sistemas e ideologias materialistas, que continuam seduzindo muitos incautos – mas apenas pela vontade autônoma e consciente de cada indivíduo. Avante: o trabalho é grande, começa por nós mesmos e se espalha na fraternidade ao próximo. Deixo, aqui, uma sugestão de ótimos estudos.




O poder da vontade sobre as paixões (emoções)

Texto integralmente reproduzido da Revista Espírita de Julho de 1863, onde Kardec nos agracia com uma maravilhosa reflexão sobre o poder da vontade e a responsabilidade do Espírito. Grifos e notas nossos.

(Extrato dos trabalhos da sociedade espírita de Paris)

Um jovem de vinte e três anos, o Sr. A…, de Paris, iniciado no Espiritismo apenas há dois meses, com tal rapidez assimilou o seu alcance que, sem nada ter visto, o aceitou em todas as suas consequências morais. Dirão que isto não é de admirar da parte de um moço, e só uma coisa prova: a leviandade e um entusiasmo irrefletido. Seja. Mas continuemos. Esse jovem irrefletido tinha, como ele próprio reconhece, um grande número de defeitos, dos quais o mais saliente era uma irresistível disposição para a cólera, desde sua infância. Pela menor contrariedade, pelas causas mais fúteis, quando entrava em casa e não encontrava imediatamente o que queria; se uma coisa não estivesse em seu lugar habitual; se o que tivesse pedido não estivesse pronto em um minuto, entrava em furores, a ponto de tudo arrebentar. Chegava a tal ponto que um dia, no paroxismo da cólera, atirando-se contra a mãe, lhe disse: “Vai-te embora, ou eu te mato!” Depois, esgotado pela superexcitação, caía sem consciência. Acrescente-se que nem os conselhos dos pais, nem as exortações da religião tinham podido vencer esse caráter indomável, aliás compensado por vasta inteligência, uma instrução cuidada e os mais nobres sentimentos.

Dirão que é o efeito de um temperamento bilioso-sanguíneo-nervoso, resultado do organismo e, consequentemente, arrastamento irresistível. Resulta de tal sistema que se, em seus desatinos, tivesse cometido um assassinato, seria perfeitamente desculpável, porque teria tido por causa um excesso de bile((Paulo Henrique de Figueiredo, em “Mesmer: a ciência negada do Magnetismo Animal”, diz que “Galeno errou ao defender rigidamente a teoria dos humores como uma autêntica doutrina de Hipócrates. Ele divulgou e desenvolveu essa teoria amplamente ao comentar, de forma exaustiva, o tratado Sobre a natureza dos homens de Políbio. Segundo a interpretação de Galeno, a vida era mantida pelo equilíbrio entre os quatro humores — sangue, fleuma, bile amarela e bile negra, que eram procedentes, respectivamente, do coração, do cérebro, do fígado e do baço. O desequilíbrio seria a doença. Segundo o predomínio natural de um destes humores na constituição dos indivíduos, teríamos os diferentes tipos fisiológicos: o sanguíneo, o fleumático, o bilioso ou colérico e o melancólico.“ Até hoje, quando alguém está alegre e bem disposto, dizemos que ele está com bom humor e, àquele que está irado, dizemos que está mal-humorado.”)). Disso ainda resulta que, a menos que modificasse o temperamento, que mudasse o estado normal do fígado e dos nervos, esse moço estaria predestinado a todas as funestas consequências da cólera.

─ Conheceis um remédio para tal estado patológico?

─ Nenhum, a não ser que, com o tempo, a idade possa atenuar a abundância de secreções mórbidas.

─ Ora, o que não pode a Ciência, o Espiritismo faz, não lentamente e por força de um esforço contínuo, mas instantaneamente. Alguns dias bastaram para fazer desse jovem um ser suave e paciente. A certeza adquirida da vida futura; o conhecimento do objetivo da vida terrena; o sentimento da dignidade do homem, revelada pelo livre-arbítrio, que o coloca acima do animal; a responsabilidade daí decorrente; o pensamento de que a maior parte dos males terrenos são a consequência de nossos atos; todas estas ideias, bebidas num estudo sério do Espiritismo, produziram em seu cérebro uma súbita revolução. Pareceu-lhe que um véu se erguera acima de seus olhos e a vida se lhe apresentou sob outra face. Certo de que tinha em si um ser inteligente, independente da matéria, se disse: “Este ser deve ter uma vontade, ao passo que a matéria não a tem. Então, ele pode dominar a matéria.” Daí este outro raciocínio: “O resultado de minha cólera foi tornar-me doente e infeliz, e ela não me dá o que me falta, portanto, é inútil, porque assim não progredi. Ela me produz o mal e nenhum bem me dá em troca. Além disto, ela pode impelir-me a atos censuráveis e até criminosos.”

Ele quis vencer, e venceu. Desde então, mil ocasiões surgiram que antes o teriam enfurecido, mas ante elas, ficou impassível e indiferente, com grande estupefação de sua mãe. Ele sentia o sangue ferver e subir à cabeça, mas, por sua vontade, o recalcava e o forçava a descer.

Um milagre não teria feito melhor, mas o Espiritismo fez muitos outros, que nossa Revista não bastaria para registrá-los, se quiséssemos relatar todos os que são do nosso conhecimento pessoal, relativos a reformas morais dos mais inveterados hábitos. Citamos este como um notável exemplo do poder da vontade e, além disso, porque levanta um importante problema que só o Espiritismo pode resolver.

A propósito perguntava-nos o Sr. A… se seu Espírito era responsável por seus arrastamentos, ou se apenas sofria a influência da matéria. Eis a nossa resposta:

Vosso Espírito é de tal modo responsável que, quando o quisestes seriamente, detivestes o movimento sanguíneo. Assim, se tivésseis querido antes, os acessos teriam cessado mais cedo e não teríeis ameaçado a vossa mãe. Além disso, quem é que se encoleriza? É o corpo ou o Espírito? Se os acessos viessem sem motivo, poderiam ser atribuídos ao afluxo sanguíneo, mas, fútil ou não, tinham por causa uma contrariedade. Ora, é evidente que contrariado não era o corpo, mas o Espírito, muito suscetível. Contrariado, o Espírito reagia sobre um sistema orgânico irritável, que teria ficado em repouso, se não tivesse sido provocado.

Façamos uma comparação. Tendes um cavalo fogoso. Se souberdes dirigi-lo, ele se submete. Se o maltratardes, ele dispara e vos derruba. De quem a falta? Vossa ou do cavalo?

Para mim, é evidente que vosso Espírito é naturalmente irascível, mas, como cada um traz consigo o seu pecado original, isto é, um resto das antigas inclinações, não é menos evidente que, em vossa existência precedente, deveis ter sido um homem de uma extrema violência que provavelmente tivestes que pagar muito caro, talvez com a própria vida. Na erraticidade, vossas boas qualidades vos ajudaram a compreender os erros. Tomastes a resolução de vos vencer, e para isto lutar em nova existência. Mas, se tivésseis escolhido um corpo mole e linfático, não encontrando qualquer dificuldade, vosso Espírito nada teria ganho, o que resultaria na necessidade de recomeçar. Foi com esse objetivo que escolhestes um corpo bilioso, a fim de ter o mérito da luta. Agora a vitória está ganha. Vencestes o inimigo do vosso repouso e nada pode entravar o livre exercício de vossas boas qualidades.

Quanto à facilidade com que aceitastes e compreendestes o Espiritismo, ela se explica pela mesma causa. Éreis espírita há muito tempo. Esta crença era inata em vós, e o materialismo foi apenas o resultado da falsa direção dada às vossas ideias. A princípio abafada, a ideia espírita ficou em estado latente e bastou uma centelha para despertá-la. Bendizei a Providência que permitiu que esta centelha chegasse em boa hora para deter uma inclinação que talvez vos tivesse causado amargos desgostos, ao passo que vos resta uma longa carreira a percorrer na via do bem.

Todas as filosofias se chocaram contra esses mistérios da vida humana, que pareciam insondáveis até que o Espiritismo lhes trouxe o seu facho.

Em presença de tais fatos, ainda se pode perguntar para que ele serve? Não estamos em condições de emitir bons augúrios cerca do futuro moral da Humanidade quando ele for compreendido e praticado por todo mundo?