Espiritismo e Ciência: superando desafios e erros modernos

O Espiritismo, como ciência de aspecto filosófico e consequências morais ((O Espiritismo somente pode ser visto como religião do ponto de vista filosófico, disse Kardec, justamente se baseando na filosofia de então, o Espiritualismo Racional, de onde o Espiritismo se desenvolveu.)), formada através do método científico, vive desafios de todos os lados. Colocado em figura, parece-se com a mais bela flor, do mais suave perfume e das maiores propriedades curativas, abafadas pelos espinhos e pelas ervas-daninhas.

Surgem de todos os lados as mais diversas dificuldades, nascidas principalmente de uma falta de empenho, de zelo e de cuidado. Sob essa nomenclatura, admitem quaisquer tipos de ideias, provenientes da boca ou da intermediação mediúnica de indivíduos tornados ícones inquestionáveis. Não bastasse isso, ausentes de conhecimento sobre o que seja ciência e sobre o necessário método científico, responsável justamente pela força inatacável da Doutrina nascida dos estudos coordenados por Allan Kardec, a maioria dos pesquisadores modernos promove, no meio espírita, novas ideias, novas teorias, distraindo-se do ponto essencial: as evocações, produzindo ensinamentos concordantes entre si, então submetidos à análise racional, frente à ciência humana e frente àquilo que já havia sido construído pelo mesmo método.

Método Científico

Retomemos, por um momento, a questão da definição do método científico, exemplificado na figura em anexo. Para quem se dedicou a estudar pelo menos o primeiro ano da Revista Espírita (1858), ficará muito fácil identificar os mesmos passos tomados por Kardec:

  • a observação sistemática e controlada de certos fenômenos e, depois, das evocações;
  • a verificação de fatos identificados;
  • a investigação de hipóteses, que formam uma teoria, coesa em si mesma, de onde se obtêm implicações, conclusões e previsões;
  • a realização de experimentos, através das evocações, de onde se obtém novas observações, analisadas racional e logicamente;
  • daí, a observação de novos fatos, que corroborarão ou não com a teoria;
  • por final, agregar os resultados dessas observações à teoria científica, se corroborarem com ela, ou reciclar hipóteses, realizando novas observações e percorrendo, novamente, o mesmo método.
Exemplificação do método científico

Um fato muito notável, que denota o rigor científico de Kardec e o seu compromisso indissolúvel com a ciência verdadeira, é que ele nunca se apegou a qualquer ideia no estudo do Espiritismo. Quem passou sobre o estudo da Revista Espírita de 1858 e 1859 já compreende isso muito bem. Um exemplo disso é o estudo tratado principalmente a partir da RE de julho de 1859, iniciando no artigo O Zuavo de Magenta e concluído (pelo menos de momento) nos artigos do mês seguinte. Destacamos o estudo no artigo Materialidade de Além-Túmulo.

E é justamente nesse ponto, o do apego às ideias, somados à ausência do método necessário, que erra a imensa maioria dos pesquisadores modernos do Espiritismo.

O erro do movimento espírita moderno

O grande problema surge a partir do momento em que, abandonando o método científico indispensável para a ciência espírita, o Movimento Espírita passou a admitir teorias contrárias aos princípios já solidificados pelo mesmo método, tais como as ideias de colônias espirituais, umbral, etc., caindo no erro mais básico do espírita empolgado: crer cegamente nas opiniões dos Espíritos.

Não dizemos que o Espiritismo, estudado por Kardec, já tenha observado tudo o que há para ser observado. É claro que não. O que dizemos é que o movimento espírita moderno criou um grande conjunto de teorias que não podem enfrentar o método científico, porque não passaram por ele!

Encontramos, muito frequentemente, mesmo aqueles pesquisadores dedicados e de boa vontade — não tomaremos deles esse ímpeto verdadeiro — que, contudo, apegam-se às mais diversas ideias e que muito rapidamente se mostram irritado pela contradita daquilo que, cientificamente, faz parte dos princípios doutrinários do Espiritismo.

A base da metodologia indispensável no Espiritismo

Retomemos, aqui, o que está destacado em nossa página inicial – uma citação de Allan Kardec em A Gênese:

Generalidade e concordância no ensino, esse o caráter essencial da doutrina, a condição mesma da sua existência, donde resulta que todo princípio que ainda não haja recebido a consagração do controle da generalidade não pode ser considerado parte integrante dessa mesma doutrina. Será uma simples opinião isolada, da qual não pode o Espiritismo assumir a responsabilidade.

Essa coletividade concordante da opinião dos Espíritos, passada, ao demais, pelo critério da lógica, é que constitui a força da doutrina espírita e lhe assegura a perpetuidade.

Allan Kardec — A Gênese

A afirmação acima destacada, feita por Kardec, não é mero fruto de uma sistematização pessoal. Muito pelo contrário: ela representa o método científico necessário para o estudo e o desenvolvimento do Espiritismo. Não basta que um mesmo princípio seja consagrado pela generalidade (o que requer o emprego das evocações, porque não basta que apenas nos coloquemos no papel de ouvir e aceitar o que dizem os Espíritos); não: é necessário, além disso, que essa coletividade concordante da opinião dos Espíritos seja passada pelo critério da lógica, o que quer dizer confrontá-la frente à ciência humana e o método científico, para que, apenas assim, possa ser tomada como princípio do Espiritismo.

Note, ademais, o termo “opinião” utilizado por Kardec, não por acaso: o que dizem os Espíritos, através das comunicações mediúnicas, são opiniões próprias, nascidas de seus conhecimentos e suas próprias observações, quando não são frutos de uma deliberada intenção de mistificar, isto é, promover falsas ideias. Acontece nos melhores grupos. As opiniões dos Espíritos, como as opiniões dos seres humanos, podem estar carregadas de crenças, falsas ideias, pouco conhecimentos, ilusões, etc. Como, então, analisá-las de forma científica? Através da observação psicológica dessas comunicações.

As nuances em uma ciência psicológica

Quem já estudou pelo menos os dois primeiros anos da Revista Espírita nota que, ainda ao final do segundo ano, Kardec continua frequentemente questionando ao Espírito comunicante como ele chegou ali, como ele se apresenta, como ele vê outros Espíritos, etc. Se uma resposta destoar da teoria científica ou trouxer novos fatos, será investigado pelas evocações e segundo o método científico — o que não é realizado hoje em dia.

Kardec investigou, dentre tantas coisas, a questão da dor no Espírito. Houve aqueles que afirmaram sentirem frio ou calor; dores; fome; vermes roendo seu corpo, etc. Foi pelo estudo dedicado, pela análise racional nas nuances psicológicas dessas comunicações, que Kardec chegou a diversos princípios científicos doutrinários. Um exemplo disso é a comunicação do Espírito do assassino Lemaire na RE de março de 1858:

6. Imediatamente após a tua execução, tiveste consciência de tua nova existência? — Eu estava mergulhado numa perturbação imensa, da qual ainda não saí. Senti uma grande dor; parece que meu coração a sentiu. Vi qualquer coisa rolar ao pé do cadafalso. Vi o sangue correr e minha dor tornou-se mais pungente.

Kardec poderia facilmente, não fosse seu rigor científico, admitir que o Espírito sofria materialmente de uma dor no coração. Mas ele investiga:

7. Era uma dor puramente física, semelhante à causada por uma ferida grave, como, por exemplo, a amputação de um membro? — Não. Imagina um remorso, uma grande dor moral.

Poderíamos citar uma enorme diversidade de casos que ilustram esse princípio científico, mas deixamos a cargo da curiosidade sadia do leitor o propósito de estudar a Doutrina que abraça.

O Espiritismo precisa de defesa

Deixar de lado o método científico é um grande erro da maior parte dos pesquisadores modernos do Espiritismo, que visa construir novos princípios doutrinários sem passar por esse processo, quando deveria estar não só praticando as evocações, frente ao estudo dedicado da Revista Espírita, como também deveria estar a todo tempo incitando o movimento espírita a fazê-lo.

Por não fazê-lo, jogam mais uma pá de cal sobre o Espiritismo, produzindo, dele, uma má impressão e uma falsa ideia ante o meio científico, que não o reconhece como algo nascido da ciência, mas como uma mera crendice supersticiosa ou uma religião. Não são raras as vezes em que me deparo com alegações de pessoas que, não tendo tido a chance de conhecer o que realmente seja o Espiritismo, dele se afastaram por não poder admitir, pela razão, que, por exemplo, um Espírito tenha que tomar um ônibus voador para se locomover.

Temos muito a fazer e você já deve ter percebido que o primeiro passo é estudar.




Já sabemos o essencial; há razão em se dedicar?

Muitos de nós, e eu me coloco entre esses, em certos momentos se perguntam, sobre o Espiritismo: “parece que já entendi o essencial. Qual o sentido de continuar estudando? Ninguém mais parece querer saber sobre isso.”

Minha sugestão é que, sempre que nos encontrarmos com falta de respostas, evoquemos os bons Espíritos, pela disposição interna do próprio pensamento. A resposta, de uma forma ou de outra, não tardará a surgir.

Não me considero médium, propriamente dito, mas tenho, como todo Espírito encarnado tem, a capacidade intuitiva. Eis que hoje, sem esperar, me veio ao pensamento: Revista Espírita, agosto de 1865. Deixo a vocês essa maravilhosa reflexão do próprio Kardec:

O que ensina o Espiritismo

“Há criaturas que perguntam quais são as conquistas novas que devemos ao Espiritismo. Pelo fato de ele não ter dotado o mundo com uma nova indústria produtiva, como o vapor, concluem que ele nada produziu. A maior parte dos que fazem tal pergunta, não se tendo dado ao trabalho de estudá-lo, só conhecem o Espiritismo de fantasia, criado para as necessidades da crítica, e que nada tem de comum com o Espiritismo sério. Não é, pois, de admirar que perguntem qual pode ser o seu lado útil e prático. Teriam tido que buscá-lo em sua fonte, e não nas caricaturas que dele fizeram os que só têm interesse em denegri-lo.

Numa outra ordem de ideias, alguns acham, ao contrário, a marcha do Espiritismo muito lenta para o seu gosto. Admiram-se que ele não tenha ainda sondado todos os mistérios da Natureza, nem abordado todas as questões que parecem ser de sua alçada; gostariam de vê-lo diariamente ensinar coisas novas, ou enriquecer-se com alguma descoberta. Como ele ainda não resolveu a questão da origem dos seres, do princípio e do fim de todas as coisas, da essência divina e de algumas outras do mesmo porte, concluem que não saiu do á-bê-cê; que ainda não entrou na verdadeira via filosófica e que se arrasta nos lugares-comuns, porque prega incessantemente a humildade e a caridade. Dizem eles: “Até hoje ele nada de novo nos ensinou, porque a reencarnação, a negação das penas eternas, a imortalidade da alma, a gradação através dos períodos da vitalidade intelectual, o perispírito, não são descobertas espíritas propriamente ditas; então é preciso caminhar para descobertas mais verdadeiras e mais sólidas.”

A tal respeito julgamos que devemos apresentar algumas observações, que também não serão novidades, mas há coisas que devem ser repetidas sob diversas formas.

É verdade que o Espiritismo nada inventou de tudo isso, pois não há verdadeiras verdades senão aquelas que são eternas e que, por isto mesmo, devem ter germinado em todas as épocas. Mas não é alguma coisa havê-las tirado, senão do nada, ao menos do esquecimento; de um germe ter feito uma planta vivaz; de uma ideia individual, perdida na noite dos tempos, ou abafada pelos preconceitos, ter feito uma crença geral; ter provado o que estava em estado de hipótese; ter demonstrado a existência de uma lei no que parecia excepcional e fortuito; de uma teoria vaga ter feito uma coisa prática; de uma ideia improdutiva ter tirado aplicações úteis? Nada é mais verdadeiro que o provérbio: “Não há nada de novo sob o sol”, e até mesmo essa verdade não é nova. Assim, não há uma descoberta da qual não se encontrem vestígios e o princípio em algum lugar. Por conta disto, Copérnico não teria o mérito de seu sistema, porque o movimento da Terra tinha sido suspeitado antes da era cristã. Era uma coisa tão simples, entretanto, era preciso encontrá-la. A história do ovo de Colombo será sempre uma eterna verdade.

Além disso, é incontestável que o Espiritismo ainda tem muito a nos ensinar. É o que não temos cessado de repetir, pois jamais pretendemos que ele tenha dito a última palavra. No entanto, considerando-se que ainda há o que fazer, segue-se que ele não tenha ainda saído do á-bê-cê? Seu á-bê-cê foram as mesas girantes, e a partir de então, ao que nos parece, ele tem dado alguns passos; parece-nos mesmo que tais passos foram grandes em alguns anos, se o compararmos às outras ciências que levaram séculos para chegar ao ponto em que estão. Nenhuma chegou ao apogeu num primeiro impulso; elas avançam, não pela vontade dos homens, mas à medida que as circunstâncias as põem no caminho de novas descobertas. Ora, ninguém tem o poder de comandar essas circunstâncias, e a prova é que todas as vezes que uma ideia é prematura, ela aborta, para reaparecer mais tarde, em tempo oportuno.

Mas em falta de novas descobertas, os homens de ciência nada terão que fazer? A Química não será mais a Química se diariamente não descobrir novos corpos? Os astrônomos serão condenados a cruzar os braços por não encontrarem novos planetas? E assim em todos os outros ramos das Ciências e da indústria. Antes de procurar coisas novas, não se tem que fazer aplicação daquilo que se sabe? É precisamente para dar aos homens tempo de assimilar, aplicar e vulgarizar o que sabem, que a Providência põe em compasso de espera a marcha para a frente. Aí está a História para nos mostrar que as Ciências não seguem uma marcha ascendente contínua, pelo menos ostensivamente. Os grandes movimentos que revolucionam uma ideia só se operam em intervalos mais ou menos distanciados. Não há, portanto, estagnação, mas elaboração, aplicação e frutificação daquilo que se sabe, o que sempre é progresso.

Poderia o Espírito humano absorver incessantemente novas ideias? A própria Terra não necessita de um tempo de repouso antes de reproduzir? Que diriam de um professor que diariamente ensinasse novas regras aos seus alunos, sem lhes dar tempo para se exercitarem nas que aprenderam, de com elas se identificarem e de aplicá-las? Então Deus seria menos previdente e menos hábil que um professor?

Em todas as coisas, as ideias novas devem encaixar-se nas ideias adquiridas. Se estas não estão suficientemente elaboradas e consolidadas no cérebro; se o espírito não as assimilou, aquelas que aí quisermos implantar não criarão raízes. Estaremos semeando no vazio.

Dá-se o mesmo em relação ao Espiritismo. Os adeptos de tal modo aproveitaram o que ele até hoje ensinou, que nada mais tenham a fazer? São de tal modo caridosos, desprovidos de orgulho, desinteressados, benevolentes para os seus semelhantes; moderaram tanto as suas paixões, abjuraram o ódio, a inveja e o ciúme; enfim são tão perfeitos que de agora em diante seja supérfluo pregar-lhes a caridade, a humildade, a abnegação, numa palavra, a moral? Essa pretensão, por si só, provaria quanto ainda necessitam dessas lições elementares, que alguns consideram fastidiosas e pueris. É, entretanto, somente com o auxílio dessas instruções, se as aproveitarem, que poderão elevar-se bastante para se tornarem dignos de receber um ensinamento superior.

O Espiritismo tem como objetivo a regeneração da Humanidade: isto é um fato constatado. Ora, não podendo essa regeneração operar-se senão pelo progresso moral, daí resulta que seu objetivo essencial, providencial, é o melhoramento de cada um. Os mistérios que ele nos pode revelar são o acessório. Porque ele nos abriu o santuário de todos os conhecimentos, não estaríamos mais adiantados para o nosso estado futuro, se não fôssemos melhores. Para admitir-nos ao banquete da suprema felicidade, Deus não pergunta o que sabemos nem o que possuímos, mas o que valemos e o bem que fizemos. É, pois, no seu melhoramento individual que todo espírita sincero deve trabalhar, antes de tudo. Só aquele que dominou suas más inclinações realmente tirou proveito do Espiritismo e receberá a sua recompensa. É por isto que os bons Espíritos, por ordem de Deus, multiplicam suas instruções e as repetem à saciedade; só um orgulho insensato pode dizer: Não preciso de mais nada. Só Deus sabe quando elas serão inúteis e só a ele cabe dirigir o ensino de seus mensageiros e de adequá-lo ao nosso adiantamento.

Vejamos, entretanto, se fora do ensinamento puramente moral os resultados do Espiritismo são tão estéreis quanto pretendem alguns.

1.º ─ Inicialmente ele dá, como sabem todos, a prova cabal da existência e da imortalidade da alma. É verdade que não é uma descoberta, mas é por falta de provas sobre este ponto que há tantos incrédulos ou indiferentes quanto ao futuro; é provando o que não passava de teoria, que ele triunfa sobre o materialismo e evita as funestas consequências deste sobre a Sociedade. Tendo transformado em certeza a dúvida sobre o futuro, é toda uma revolução nas ideias, cujas consequências são incalculáveis. Se a isto se limitassem os resultados das manifestações, esses resultados seriam imensos.

2.º ─ Pela firme crença que desenvolve, ele exerce uma ação poderosa sobre o moral do homem; leva-o ao bem, consola-o nas aflições, dá-lhe força e coragem nas provações da vida e o desvia do pensamento do suicídio.

3.º ─ Retifica todas as ideias falsas que se tivessem feito do futuro da alma, do o Céu, do inferno, das penas e das recompensas; destrói radicalmente, pela irresistível lógica dos fatos, os dogmas das penas eternas e dos demônios; numa palavra, desvela-nos a vida futura e no-la mostra racional e conforme à justiça de Deus. É ainda uma coisa de muito valor.

4.º ─ Dá a conhecer o que se passa no momento da morte. Esse fenômeno, até hoje insondável, não mais tem mistérios; as menores particularidades dessa passagem tão temida são hoje conhecidas. Ora, como todo mundo morre, tal conhecimento interessa a todo mundo.

5.º ─ Pela lei da pluralidade das existências, abre um novo campo à Filosofia; o homem sabe de onde vem, para onde vai, com que objetivo está na Terra. Explica a causa de todas as misérias humanas, de todas as desigualdades sociais; dá as próprias leis da Natureza como base dos princípios de solidariedade universal, de fraternidade, de igualdade e de liberdade, que se assentavam apenas na teoria. Enfim, lança luz sobre as questões mais árduas da Metafísica, da Psicologia e da Moral.

6.º ─ Pela teoria dos fluidos perispirituais, dá a conhecer o mecanismo das sensações e das percepções da alma; explica os fenômenos da dupla vista, da visão à distância, do sonambulismo, do êxtase, dos sonhos, das visões, das aparições, etc.; abre um novo campo à Fisiologia e à Patologia.

7.º ─ Provando as relações existentes entre os mundos corporal e espiritual, mostra neste último uma das forças ativas da Natureza, um poder inteligente, e revela a razão de uma porção de efeitos atribuídos a causas sobrenaturais que alimentaram a maioria das ideias supersticiosas.

8.º ─ Revelando o fato das obsessões, faz conhecer a causa, até aqui desconhecida, de numerosas afecções sobre as quais a Ciência se havia equivocado em detrimento dos doentes, e dá os meios de curá-los.

9.º ─ Dando-nos a conhecer as verdadeiras condições da prece e seu modo de ação; revelando-nos a influência recíproca dos Espíritos encarnados e desencarnados, ensina-nos o poder do homem sobre os Espíritos imperfeitos para moralizá-los e arrancá-los aos sofrimentos inerentes à sua inferioridade.

10.º ─ Dando a conhecer a magnetização espiritual, que era desconhecida, abre ao magnetismo um novo caminho e lhe traz um novo e poderoso elemento de cura.

O mérito de uma invenção não está na descoberta de um princípio, quase sempre anteriormente conhecido, mas na aplicação desse princípio. A reencarnação, sem dúvida, não é uma ideia nova, tanto quanto o perispírito, descrito por São Paulo sob o nome de corpo espiritual, nem mesmo a comunicação com os Espíritos. O Espiritismo, que não se gaba de haver descoberto a Natureza, procura cuidadosamente todos os traços que pode encontrar, da anterioridade de suas ideias, e quando os encontra, apressa-se em proclamá-los, como prova em apoio ao que propõe. Aqueles, pois, que invocam essa anterioridade visando depreciar o que ele faz, vão contra o seu objetivo, e agem incorretamente, pois isto poderia levantar a suspeita de uma ideia preconcebida.

A descoberta da reencarnação e do perispírito não pertence, pois, ao Espiritismo. É coisa sabida. Mas, até o aparecimento dele, que proveito a Ciência, a Moral, a Religião haviam tirado desses dois princípios, ignorados pelas massas, e mantidos em estado de letra morta? Ele não só os pôs à luz, os provou e fez reconhecer como leis da Natureza, mas os desenvolveu e faz frutificar; deles já fez saírem numerosos e fecundos resultados, sem os quais não se poderia compreender uma infinidade de coisas; diariamente nos leva a compreendermos coisas novas, e estamos longe de esgotar essa mina. Levando-se em conta que esses dois princípios eram conhecidos, por que ficaram tanto tempo improdutivos? Por que, durante tantos séculos, todas as filosofias se chocaram contra tantos problemas insolúveis? É que eram diamantes brutos, que deviam ser lapidados: é o que fez o Espiritismo. Ele abriu um novo caminho à Filosofia, ou melhor, criou uma nova Filosofia que diariamente conquista seu lugar no mundo. Então, estes são resultados de tal modo nulos que devamos acelerar a caminhada em busca de descobertas mais verdadeiras e mais sólidas?

Em resumo, um certo número de verdades fundamentais, esboçadas por alguns cérebros de escol, e conservadas, em sua maioria, como que em estado latente, uma vez que foram estudadas, elaboradas e provadas, de estéreis que eram, tornam-se uma mina fecunda, de onde saíram inúmeros princípios secundários e aplicações, e abriram um vasto campo à exploração, novos horizontes às Ciências, à Filosofia, à Moral, à Religião e à economia social.

Tais são, até hoje, as principais conquistas devidas ao Espiritismo, e não temos feito mais do que indicar os pontos culminantes. Supondo que devessem limitar-se a isto, já nos poderíamos dar por satisfeitos, e dizer que uma ciência nova, que dá tais resultados em menos de dez anos, não é acusada de nulidade, porque toca em todas as questões vitais da Humanidade e traz aos conhecimentos humanos um contingente que não se pode desdenhar. Até que apenas esses pontos tenham recebido todas as aplicações que lhes são susceptíveis, e que os homens os tenham aproveitado, ainda se passará muito tempo, e os espíritas que quiserem pô-los em prática para si próprios e para o bem de todos, não ficarão desocupados.

Esses pontos são outros tantos focos de onde irradiarão inumeráveis verdades secundárias que se trata de desenvolver e aplicar, o que se faz diariamente, porque diariamente se revelam fatos que levantam uma nova ponta do véu. O Espiritismo deu sucessivamente e em alguns anos todas as bases fundamentais do novo edifício. Cabe agora a seus adeptos pôr em prática esse material, antes de pedir materiais novos. Deus saberá bem lhos fornecer, quando tiverem completado sua tarefa.

Dizem que os espíritas só sabem o á-bê-cê do Espiritismo. Que seja. Para começar, então, aprendamos a soletrar esse alfabeto, o que não é problema de um dia, porque, mesmo reduzido tão somente a essas proporções, passará muito tempo antes que tenhamos esgotado todas as combinações e recolhido todos os frutos. Não restam mais fatos a explicar? Aliás, os espíritas não têm que ensinar esse alfabeto aos que o ignoram? Já lançaram eles a semente em toda parte onde poderiam fazêlo? Não resta mais incrédulos a converter, obsedados a curar, consolações a dar, lágrimas a enxugar? Temos razões para dizer que não há mais nada a fazer quando ainda não terminamos a tarefa, quando ainda restam tantas chagas a fechar? Aí estão nobres ocupações que vale a pena conhecer melhor e um pouco mais cedo que os outros.

Saibamos, pois, soletrar o nosso alfabeto antes de querer ler correntemente no grande livro da Natureza. Deus saberá bem no-lo abrir, à medida que avançarmos, mas não depende de nenhum mortal forçar sua vontade, antecipando o tempo para cada coisa. Se a árvore da Ciência é muito alta para que possamos atingi-la, esperemos para voar sobre ela que as nossas asas estejam crescidas e solidamente pregadas, para não termos a sorte de Ícaro.




“Espírito sente fome?” ou, “como afastar do estudo o estudante honesto”

Espírito sente fome, mas, calma!

Ao contrário do que muitos afirmam taxativamente (e muitas vezes de forma bastante áspera, melhor fórmula para afastar do estudo as pessoas que vêm do movimento espírita como o conhecemos), o Espírito apegado à matéria poderá sofrer de todas as vicissitudes da matéria, quando muito apegado a ela. Poderá sofrer de fome, de frio, de calor, de medo, etc. Claro: é um sofrimento que se origina nele, em si, isto é, é um sofrimento de origem moral, mas que, para ele, até que entenda, tem todas as características de um sofrimento material.

Quem diz isso é Kardec e os Espíritos, não eu:

“A quem quer que não conheça a verdadeira constituição do mundo invisível, parecerá estranho que Espíritos que, segundo eles, são seres abstratos, imateriais, indefinidos, sem corpo, sejam vítimas dos horrores da fome; mas o espanto cessa quando se sabe que esses mesmos Espíritos são seres como nós, que têm um corpo fluídico, é verdade, mas que não deixa de ser matéria; que deixando o seu envoltório carnal, certos Espíritos continuam a vida terrena com as mesmas vicissitudes, durante um tempo mais ou menos longo. Isto parece singular, mas assim é, e a observação nos ensina que essa é a situação dos Espíritos que viveram mais a vida material do que a vida espiritual, situação por vezes terrível, porque a ilusão das necessidades da carne se faz sentir, e eles têm todas as angústias de uma necessidade impossível de saciar. O suplício mitológico de Tântalo, entre os Antigos, acusa um conhecimento mais exato do que se supõe, do estado do mundo de além-túmulo, sobretudo mais exato do que entre os modernos. Muito diferente é a posição daqueles que desde esta vida se desmaterializaram pela elevação de seus pensamentos e sua identificação com a vida futura. Todas as dores da vida corporal cessam com o último suspiro, e logo o Espírito plana, radioso, no mundo etéreo, feliz como um prisioneiro livre de suas cadeias. Quem nos disse isto? É um sistema, uma teoria? Alguém disse que deveria ser assim, e nós acreditamos sob palavra? Não; são os próprios habitantes do mundo invisível que o repetem em todos os pontos do globo, para ensinamento dos encarnados. Sim, legiões de Espíritos continuam a vida corporal com suas torturas e suas angústias. Mas quais? Aqueles que ainda estão muito avassalados à matéria para dela se destacarem instantaneamente. É uma crueldade do Ser Supremo? Não. É uma lei da Natureza, inerente ao estado de inferioridade dos Espíritos e necessária ao seu adiantamento; é uma prolongação mista da vida terrestre durante alguns dias, alguns meses, alguns anos, conforme o estado moral dos indivíduos. “

[RE, junho, 1868]

As comunicações que indicaram tais tipos de sofrimentos são as mais diversas, frequentemente apresentadas na Revista Espírita e nas outras obras. Algumas delas:

10. Lembrai-vos dos instantes de vossa morte?

– R. É alguma coisa de terrível, impossível de descrever. Figurai-vos estar numa fossa com dez pés de terra sobre vós, querer respirar e faltar ar, querer gritar: “Estou vivo!” e sentir sua voz abafada; ver-se morrer e não poder chamar por socorro; sentir-se cheio de vida e riscado da lista dos vivos; ter sede e não poder se dessedentar; sentir as dores da fome e não poder fazê-la cessar; morrer, numa palavra, numa raiva de condenado

[RE, agosto, 1862]

[…] Quanto aos Espíritos inferiores, estão ainda completamente impregnados de fluidos terrenos; portanto, são materiais, como podeis compreender. Por isso sofrem fome, frio, etc., sofrimentos que não podem atingir os Espíritos superiores, visto que os fluidos terrenos já foram depurados no seu pensamento, quer dizer, na sua alma

[LAMENNAIS, OLM, 1861]

[…] não há um único [Epírito] cuja matéria não tenha que lutar com o Espírito que se reencontra. O duelo teve lugar, a carne foi dilacerada, o Espírito obscureceu-se no instante da separa- ção, e na erraticidade o Espírito reconheceu a verdadeira vida. Agora vou dizer-vos algumas palavras daqueles para os quais esse estado é uma prova. Oh! quanto ela é penosa! eles se crêem vivos e bem vivos, possuindo um corpo capaz de sentir e de saborear os gozos da Terra, e quando suas mãos vão tocar, suas mãos se apagam; quando querem aproximar seus lábios de uma taça ou de uma fruta, seus lábios se aniquilam; eles vêem, querem tocar, e não podem nem sentir nem tocar. Quanto o paganismo oferece uma bela imagem desse suplício, apresentando Tântalo tendo fome e sede e não podendo jamais tocar os lábios na fonte d’água que murmura ao seu ouvido, ou o fruto que parece amadurecer para ele

[Santo Agostinho, RE, 1864]

“É um suplício para o orgulhoso ver-se relegado às últimas posições, enquanto acima dele, cobertos de glória e de festas, estão aqueles que ele desprezou na Terra. Para o hipócrita, ver-se penetrado pela luz que põe a nu seus mais secretos pensamentos que todos podem ler, sem nenhum meio para se esconder e dissimular. Para o sensual, ter todas as tentações, todos os desejos, sem poder satisfazê-los. Para o avaro, ver seu ouro dilapidado e não poder retê-lo. Para o egoísta, ser abandonado por todos e sofrer tudo o que outros sofreram por ele: terá sede e ninguém lhe dará de beber, terá fome e ninguém lhe dará de comer.”

[Kardec, OCI, 1865]

O Espírito pode sentir uma fome maior do que a nossa, por conta de um sofrimento moral, isso é claro, devido ao apego material. Por esse apego, se verá em corpo, e não em Espírito. Materializará todas as sensações. Poderá até mesmo tentar ingerir um “alimento”, criado pela sua própria mente, e esse alimento poderá ter todas as características de um alimento material… Mas que, contudo, não o saciará, posto que, de fato, o Espírito não tem um estômago real, nem qualquer outro órgão. Não depende da alimentação para sobreviver. Assim, ficará nesse estado por um tempo maior ou menor, que para ele parecerá eterno, enquanto se mantiver voluntariamente nesse estado mental — ao que, muitas vezes, a reencarnação compulsória, como ato da misericórdia divina, atendendo à sua incapacidade de escolha, o vem furtar. Há uma forma de agir, se espalhando entre o movimento espírita estudioso, que é tão danosa quanto àquela dos espíritas que acreditam em tudo: é o de negar a tudo e a tudo refutar duramente. É a isso que tenho tentado chamar a atenção. Muitos tendem, mesmo, a atacar indivíduos e a rechaçar ideias com pedras nas mãos, como se fossem todas ridículas, sem compreender as nuances do mundo espiritual e se fazendo doutores em assuntos dos quais somos apenas aprendizes, aprendendo a balbuciar as primeiras letras do alfabeto. Já estive entre eles, e hoje compreendo meu erro.

Talvez, guiados por uma animosidade irresoluta e quase raivosa quanto a certas afirmativas frequentemente vistas no meio espírita em geral, e crendo-se senhores das luzes espirituais, muitos recebem questionamentos como esses — “Espíritos sentem fome” — com o mesmo grau de animosidade. Ao invés de esclarecer, afastam o indivíduo, que se sente humilhado por ter perguntado sobre algo que, talvez, tenha visto o próprio Kardec afirmar.

Não foi à toa (nunca é à toa que um Espírito, de qualquer elevação, agindo com honestidade, faz qualquer tipo de afirmação) que São Luís disse, na RE de 1866:

Mas se, graças às luzes do alto, fordes mais instruídos e compreenderdes mais, também deveis ser mais tolerantes e não empregar, como meio de propagação, senão o raciocínio, porque toda crença sincera é respeitável.

Amigos, Espiritismo é ciência, e tem duas partes: a parte dos Espíritos, que é de conhecimento maior ou menor deles e que conhecemos por suas manifestações, e a a parte dos homens, que é puramente teórica, ainda que absolutamente racional e lógica (e o que não faz dela menos “ciência”). Teorias se aproximam mais ou menos da verdade e, de nossa parte, nos cabe a investigação, e não a tola mania a tudo afirmar ou negar. Kardec, esse sim, foi o cientista extremamente brilhante que entendeu esse princípio, o que o fez, ao invés de descartar, investigar as afirmações aparentemente mais absurdas vindas dos Espíritos, quando, é lógico, identificava nela honestidade, e não o claro propósito de mistificar.

Portanto, aos questionamentos “Espírito sente fome? Sente frio? Sono? Constrói casas?”, a resposta é: depende de sua elevação. Pode sentir ou fazer tudo isso, mas, tenha certeza, não tem necessidade nenhuma, sofre e perde tempo quando se encontra nesse estado, por apego à matéria.




Obrigações do Espiritismo

O Espiritismo é uma ciência essencialmente moral. Então, os que se dizem seus adeptos não podem, sem cometer uma grave inconsequência, subtrair-se às obrigações que ele impõe.

(Revista Espírita, Paris, abril de 1866 ─ Médium: Sra. B…)

[grifos nossos; leia até o fim]

Essas obrigações são de duas ordens.

A primeira concerne o indivíduo que, ajudado pelas claridades intelectuais que a doutrina espalha, pode melhor compreender o valor de cada um de seus atos, melhor sondar todos os refolhos de sua consciência, melhor apreciar a infinita bondade de Deus, que não quer a morte do pecador mas que ele se converta e viva, e que para lhe deixar a possibilidade de erguer-se de suas quedas, lhe deu a longa série de existências sucessivas, em cada uma das quais, levando o peso de suas faltas passadas, ele pode adquirir novos conhecimentos e novas forças, fazendo-o evitar o mal e praticar o que é conforme à justiça e à caridade. Que dizer daquele que, assim esclarecido sobre os seus deveres para com Deus, para com os irmãos, permanece orgulhoso, cúpido, egoísta? Não parece que a luz o tenha enceguecido, porque não estava preparado para recebê-la? Desde então marcha nas trevas, embora esteja em meio à luz. Ele só é espírita de nome. A caridade fraterna dos que veem realmente, deve esforçar-se por curá-lo dessa cegueira intelectual. Mas, para muitos dos que se lhe assemelham, será necessária a luz que o túmulo traz, porque seu coração está muito ligado aos prazeres materiais e seu espírito não está maduro para receber a verdade. Numa nova encarnação compreenderão que os planetas inferiores, como a Terra, não passam de uma espécie de escola mútua, onde a alma começa a desenvolver suas faculdades, suas aptidões, para em seguida aplicá-las ao estudo dos grandes princípios da ordem, da justiça, do amor e da harmonia que regem as relações das almas entre si e as funções que elas desempenham na direção do Universo. Eles sentirão que, chamada a uma tão alta dignidade, qual a de se tornar mensageira do Altíssimo, a alma humana não deve aviltar-se, degradar-se ao contato dos prazeres imundos da volúpia; das ignóbeis tentações da avareza que subtrai a alguns filhos de Deus o gozo dos bens que ele deu para todos; compreenderão que o egoísmo, nascido do orgulho, cega a alma e a faz violar os direitos da justiça, da humanidade, porquanto ele engendra todos os males que fazem da Terra um lugar de dores e expiações. Instruído pelas duras lições da adversidade, seu espírito será amadurecido pela reflexão, e seu coração, depois de ter sido ralado pela dor, se tornará bom e caridoso. É assim que aquilo que nos parece um mal, por vezes é necessário para reconduzir os endurecidos. Esses pobres retardatários, regenerados pelo sofrimento, esclarecidos por essa luz interior que podemos chamar de batismo do Espírito, velarão com cuidado sobre si mesmos, isto é, sobre os movimentos do seu coração e o emprego de suas faculdades, para dirigi-los conforme as leis da justiça e da fraternidade. Eles compreenderão que não são apenas obrigados, eles próprios, a se melhorarem, cálculo egoísta que impede o atingimento do objetivo visado por Deus, mas que a segunda ordem das obrigações do espírita, que decorre necessariamente da primeira e a completa, é a do exemplo, que é o melhor meio de propagação e renovação.

Com efeito, aquele que está convencido da excelência dos princípios que lhe são ensinados e que devem, se a eles conformar a sua conduta, proporcionar-lhe uma felicidade duradoura, não pode, se estiver verdadeiramente animado dessa caridade fraterna que está na própria essência do Espiritismo, senão desejar que sejam compreendidos por todos os homens. Daí a obrigação moral de conformar sua conduta com a sua crença e de ser um exemplo vivo, um modelo, como o Cristo o foi para a Humanidade.

Vós, fracas centelhas oriundas do eterno foco do amor divino, certamente não podeis pretender uma tão vasta radiação quanto a do Verbo de Deus encarnado na Terra, mas cada um, na vossa esfera de ação, pode espalhar os benefícios do bom exemplo. Podeis fazer com que a virtude seja amada, cercando-a do encanto dessa benevolência constante que atrai, cativa e mostra, enfim, que a prática do bem é coisa fácil; que gera a felicidade íntima da consciência que se colocou sob sua lei, pois ela é o cumprimento da vontade divina que nos fez dizer, por intermédio do seu Cristo: Sede perfeitos, como vosso Pai celestial é perfeito.

Ora, o Espiritismo não é senão a aplicação verdadeira dos princípios da moral ensinada por Jesus, porque não é senão com o objetivo de fazê-la por todos compreendida, a fim de que por ela todos progridam mais rapidamente, que Deus permite esta universal mani­festação do Espírito, vindo explicar-vos o que vos parecia obscuro e vos ensinar toda a verdade. Ele vem, como o Cristianismo bem compreendido, mostrar ao homem a absoluta necessidade de sua renovação interior pelas próprias consequências de cada um de seus atos, de cada um de seus pensamentos, porque nenhuma emanação fluídica, boa ou má, escapa do coração ou do cérebro do homem sem deixar uma impressão em algum lugar. O mundo invisível que vos cerca é para vós esse Livro de Vida onde tudo se inscreve com uma incrível fidelidade, e a Balança da Justiça divina não é senão uma figura que revela cada um dos vossos atos, cada um dos vossos sentimentos. É, de certo modo, o peso que sobrecarrega a vossa alma e a impede de elevar-se, ou que traz o equilíbrio entre o bem e o mal.

Feliz aquele cujos sentimentos partem de um coração puro. Ele espalha em seu redor uma suave atmosfera que faz amar a virtude e atrai os bons Espíritos; seu poder de radiação é tanto maior quanto mais humilde for, e consequentemente mais desprendido das influências materiais que atraem a alma e a impedem de progredir.

As obrigações impostas pelo Espiritismo são, portanto, de uma natureza essencialmente moral, porque são uma consequência da crença; cada um é juiz e parte em sua própria causa; mas as claridades intelectuais que ele traz a quem realmente quer conhecer-se a si mesmo e trabalhar em seu melhoramento são tais que amedrontam os pusilânimes, e é por isso que ele é rejeitado por tantas pessoas. Outros tratam de conciliar a reforma que sua razão lhes demonstra ser uma necessidade com as exigências da Sociedade atual. Daí uma mistura heterogênea, uma falta de unidade que faz da época atual um estado transitório. É muito difícil para a vossa pobre natureza corporal despojar-se de suas imperfeições para revestir o homem novo, isto é, o homem que vive segundo os princípios de justiça e de harmonia desejados por Deus. Com esforços perseverantes, nada obstante, lá chegareis, porque as obrigações impostas à consciência, quando suficientemente esclarecida, têm mais força do que jamais terão as leis humanas baseadas no constrangimento de um obscurantismo religioso que não suporta exame. Mas se, graças às luzes do alto, fordes mais instruídos e compreenderdes mais, também deveis ser mais tolerantes e não empregar, como meio de propagação, senão o raciocínio, porque toda crença sincera é respeitável. Se vossa vida for um belo modelo em que cada um possa achar bons exemplos e sólidas virtudes, onde a dignidade se alia a uma graciosa amenidade, rejubilai-vos, porque tereis compreendido, pelo menos em parte, a que obriga o Espiritismo.

LUÍS DE FRANÇA (São Luís)

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O problema da atual ideia da “reforma íntima” não é uma questão de palavras, mas isso ter se tornado ponto central, como se a missão do indivíduo fosse se melhorar, somente. A cada dia, está demonstrado que o verdadeiro espírita, porque entendeu a luz que se lhe abriu ante os horizontes espirituais, se melhora de forma humilde, auxiliando o seu próximo com a mesma humildade, não lhe fustigando a consciência a golpes de murros e facas. A verdadeira face do bem é a cooperação, e não a disputa. O mais elevado, serve.

Luís inicia o texto afirmando: o Espiritismo é uma ciência e, como tal, espalha claridades intelectuais. O Espiritismo serve ao conhecimento, que é peça necessária para o progresso do indivíduo. Mas não basta isso: é necessário o exemplo, e disso temos várias provas na humanidade, sendo o Cristo a mais expressiva delas. Ele, que veio lavar nossos pés, demonstrou: o mais elevado, serve, dando de si mesmo o exemplo abnegado.

Ao final, Luís destaca: se somos mais instruídos, é graças às “luzes do alto”, não porque não nos cabe o esforço pessoal, mas porque, sem a cooperação caridosa daquele que está mais alto, não aprenderíamos! Aliás, aquele que entra na falsa ideia e se isola pelo egoísmo e pelo orgulho, sai da possibilidade desse aprendizado, por algum tempo. Essa é a face mais verdadeira possível da Criação, conforme o Espiritismo demonstra! A disputa, a ideia de que o mundo seja dos mais espertos, o egoísmo, o orgulho, enfim, são todas falsas concepções, ligadas às falsas ideias humanas, que conduzem o ser aos abismos que os aprisionam e dos quais cabe apenas dele o esforço em escapar. Em absoluto, são ideias que não representam a verdade sobre a Criação ou as relações como Espíritos!

Essa é uma comunicação que deve ser lida, relida, discutida e, quem sabe, colocada à cabeceira.




Cidades no mundo Espiritual: Materialidade do Além-Túmulo

Recentemente, uma série de estudos da Revista Espírita nos suscitaram um interessante aprendizado, que vai diretamente de encontro com as ideias de cidades no mundo espiritual, que muitos acreditam e divulgam. O estudo foi realizado sobre os seguintes artigos da Revista Espírita:

  • Julho de 1859:

    • O zuavo de Magenta;

      • Um oficial superior morto em Magenta

  • Agosto de 1859:
    • Mobiliário de além-túmulo;
    • Pneumatografia ou escrita direta;
    • Um espírito serviçal;
    • O guia da senhora Mally

Além disso, utilizamos a conclusão de Kardec em A Gênese (Editora FEAL) — Natureza e Propriedade dos Fluidos.

Vamos destacar os pontos principais do estudo, onde relacionamos nossos comentários entre colchetes ([comentário]).

O zuavo de Magenta

45. ─ Sabeis a razão pela qual nos vedes, ao passo que nós não vos podemos ver?

─ Acredito que vossos óculos estão muito fracos.

[Ele não sabe. Por isso, usa uma metáfora ou figura de linguagem.]

46. ─ Não seria por essa mesma razão que não vedes o general em seu uniforme?

─ Sim, mas ele não o veste todos os dias.

47. ─ Em que dias o veste?

─ Ora essa! Quando o chamam ao palácio.

[Os Espíritos, ignorantes de certas coisas, expressam-se como podem, e veem o mundo dos Espíritos conforme suas ideias, assim como uma criança, utilizando imagens mentais para descrever algo que ela não compreende, fala de coisas que imputamos apenas à imaginação, mas que, no fundo, tem seu significado. O erro, aqui, seria tomar o “palácio” como uma expressão da verdade espiritual permanente.]

48. ─ Por que estais aqui vestido de zuavo se não vos podemos ver?

─ Simplesmente porque ainda sou zuavo, mesmo depois de cerca de oito anos, e porque entre os Espíritos conservamos essa forma durante muito tempo. Mas isso apenas entre nós. Compreendeis que quando vamos a um mundo muito diferente, como a Lua ou Júpiter, não nos damos ao trabalho de fazer essa toalete toda.

[Isso aqui é muito interessante. O que entendemos é que ele está se referindo ao fato de Espírito adotar uma forma perispiritual de acordo com o mundo onde vai e de acordo com a existência de uma personalidade nesse mundo, sem nem perceberem. Se tivesse vivido em um mundo distante como, por exemplo, um vendedor de animais, ao ser lá evocado, se apresentaria dessa forma. Ao se deslocar no espaço, sem ser evocado, não toma forma específica, ou seja, “não precisa fazer essa toalete toda”.]

49. ─ Falais da Lua e de Júpiter. Porventura já lá estivestes depois de morto?

─ Não. Não estais me entendendo. Depois da morte nos informamos de muitas coisas. Não nos explicaram uma porção de problemas da nossa Terra? Não conhecemos Deus e os outros seres muito melhor do que há quinze dias? Com a morte, o Espírito sofre uma metamorfose que não podeis compreender.

[Ele está tentando explicar o pensamento anterior, sem saber como fazê-lo.]

Um oficial superior morto em Magenta

13. ─ No momento da morte vos reconhecestes imediatamente?

─ Reconheci-me quase que imediatamente, graças às vagas noções que tinha do Espiritismo.

14. ─ Podeis dizer algo a respeito do Sr… também morto na última batalha?

─ Ele ainda está nas redes da matéria. Tem mais trabalho em se desvencilhar. Seus pensamentos não se tinham voltado para este lado.
OBSERVAÇÃO: Assim, o conhecimento do Espiritismo auxilia no desprendimento da alma após a morte e abrevia o período de perturbação que acompanha a separação. Isto é compreensível, pois o Espírito conhecia antecipadamente o mundo em que se encontra.

[Se esse conhecimento é tão importante, como conceber que justamente no momento em que o Espiritismo era estudado cientificamente, no melhor momento possível, nada foi falado a respeito dessa materialidade que hoje domina as comunicações?]

Mobiliário de além-túmulo

Até aqui nenhuma dificuldade no que concerne à personalidade do Espírito. Sabemos, porém, que se apresentam com roupagens cujo aspecto mudam à vontade; por vezes mesmo têm certos acessórios de toalete, joias, etc. Nas duas aparições citadas no começo, uma tinha um cachimbo e produzia fumaça; a outra, uma tabaqueira e tomava pitadas. Note-se, entretanto, o fato de que este Espírito era de uma pessoa viva e que sua tabaqueira era em tudo semelhante à de que se servia habitualmente, e que tinha ficado em casa. Que significam, então, essa tabaqueira, esse cachimbo, essas roupas e essas joias? Os objetos materiais que existem na Terra teriam uma representação etérea no mundo invisível? A matéria condensada que forma tais objetos teria uma parte quintessenciada, que escapa aos nossos sentidos?

Eis um imenso problema, cuja solução pode dar a chave de uma porção de coisas até aqui não explicadas. Foi essa tabaqueira que nos pôs no caminho, não apenas do fato, mas do fenômeno mais extraordinário do Espiritismo: o fenômeno da pneumatografia ou escrita direta, de que falaremos a seguir.

[Posição do verdadeiro cientista, em busca da verdade, sem nada descartar.]

3. ─ Essa tabaqueira tinha a forma daquela que ele usa habitualmente, e que estava em sua casa. O que era essa tabaqueira entre as mãos do Espírito?

─ Sempre aparência. Era para que as circunstâncias fossem notadas, como o foram, e para que a aparição não fosse tomada por uma alucinação produzida pelo estado de saúde da vidente. O Espírito queria que essa senhora acreditasse na realidade de sua presença e tomou todas as aparências da realidade.

4. ─ Dizeis que é uma aparência, mas uma aparência nada tem de real; é como uma ilusão de óptica. Eu gostaria de saber se essa tabaqueira não era senão uma imagem irreal, como, por exemplo, a de um objeto que se reflete num espelho.

(Um dos membros da Sociedade, o Sr. Sanson, faz observar que na imagem reproduzida pelo espelho há qualquer coisa de real. Se a imagem não fica no espelho, é que nada a fixa, mas se for projetada sobre uma chapa do daguerreótipo, deixa uma impressão, prova evidente de que é produzida por uma substância qualquer e que não é apenas uma ilusão de óptica).

4 (continuação) – A observação do Sr. Sanson é perfeitamente justa. Teríeis a bondade de nos dizer se existe alguma analogia com a tabaqueira, isto é, se existe algo de material nessa tabaqueira?
─ Certamente. É com o auxílio desse princípio material que o perispírito toma a aparência de vestimenta semelhante às que o Espírito usava quando vivo.

[Sabemos, hoje, o princípio da imagem refletida em um espelho e sua fixação em uma fotografia: o comportamento de ondas. A luz, como energia eletromagnética, reflete no espelho e impressiona o dispositivo de fotografia, seja ele qual for. Parece que é a esse mesmo princípio (de onda) que o Espírito se refere.]

OBSERVAÇÃO: Evidentemente o vocábulo aparência deve aqui ser tomado no sentido de imagem, de imitação. A tabaqueira real lá não estava. A que o Espírito tinha era apenas uma reprodução. Comparada à original, era apenas uma aparência, conquanto formada por um princípio material.

A experiência nos ensina que não devemos tomar ao pé da letra certas expressões usadas pelos Espíritos. Interpretando-as segundo as nossas ideias, expomo-nos a grandes equívocos, por isso devemos aprofundar o sentido de suas palavras, sempre que existe uma ambiguidade mínima. Eis uma recomendação feita constantemente pelos Espíritos. Sem a explicação que provocamos, o vocábulo aparência, repetido continuamente em casos análogos, poderia dar lugar a uma falsa interpretação [Pois “aparência” poderia dar lugar à ideia de algo que não existe.].

5. ─ Haveria um desdobramento da matéria inerte? Haveria, no mundo invisível, uma matéria essencial, revestindo a forma dos objetos que vemos? Numa palavra, esses objetos teriam o seu duplo etéreo no mundo invisível, como os homens aí são representados em Espírito?

OBSERVAÇÃO: Eis uma teoria como qualquer outra, e que era pensamento nosso. O Espírito, no entanto, não a levou em consideração, o que absolutamente não nos humilhou, porque sua explicação nos pareceu muito lógica e porque ela repousa sobre um princípio mais geral, do qual encontramos muitas explicações.

─ Isto não se passa dessa maneira. O Espírito tem sobre os elementos materiais disseminados em todo o espaço, na nossa atmosfera, um poder que estais longe de suspeitar. Ele pode, à vontade, concentrar esses elementos e lhes dar uma forma aparente, adequada a seus projetos.

6. ─ Faço novamente a pergunta de maneira categórica, a fim de evitar qualquer equívoco. As roupas com que se cobrem os Espíritos são alguma coisa?

─ Parece que a minha resposta anterior resolve a questão. Não sabeis que o próprio perispírito é alguma coisa?

7. ─ Resulta desta explicação que os Espíritos fazem a matéria eterizada sofrer transformações à sua vontade e que, assim, no caso da tabaqueira, o Espírito não a encontrou perfeitamente acabada; ele mesmo a fez no momento em que dela necessitava, e depois a desfez. O mesmo deve acontecer com todos os outros objetos, tais como vestimentas, joias, etc.

─ Mas é evidente.

8. ─ Essa tabaqueira foi tão perfeitamente visível para a senhora R… a ponto de iludi-la. Poderia o Espírito tê-la tornado tangível?

─ Poderia.

9. ─ Nesse caso, a senhora R… poderia tê-la tomado nas mãos, julgando pegar uma autêntica tabaqueira?

─ Sim.

10. ─ Se a tivesse aberto teria provavelmente encontrado rapé. Se o tivesse tomado, ele a teria feito espirrar?

─ Sim.

11. ─ Pode então o Espírito dar não somente a forma, mas até propriedades especiais?

─ Se o quiser; é em virtude deste princípio que respondi afirmativamente às questões precedentes. Tereis provas da poderosa ação que o Espírito exerce sobre a matéria e que, como já vos disse, estais longe de suspeitar.

[Sabemos, hoje, que a Criação está longe de ser um “cada um por si”, e que, na verdade, é um “um por todos e todos por um”, sendo que aqueles mais inferiores são sempre “conduzidos” pelos mais elevados.]

12. ─ Suponhamos então que ele tivesse querido fazer uma substância venenosa e que uma pessoa a tivesse tomado. Esta teria sido envenenada?

─ Poderia, mas não teria feito, porque não teria tido permissão para fazê-lo.

13. ─ Teria podido fazer uma substância salutar e própria para curar, em caso de moléstias? Já houve esse caso?

─ Sim; muitas vezes.

OBSERVAÇÃO: Um fato desse gênero será encontrado com uma explicação teórica muito interessante no artigo que damos a seguir sob o título Um Espírito serviçal.

14. ─ Assim também poderia ele fazer uma substância alimentar; suponhamos que tivesse feito um fruto ou um petisco qualquer. Poderia alguém comê-lo e sentir-se alimentado?

─ Sim, sim. Mas não procureis tanto para encontrar aquilo que é fácil de compreender. Basta um raio de sol para tornar perceptíveis aos vossos órgãos grosseiros essas partículas materiais que enchem o espaço em cujo meio viveis. Não sabeis que o ar contém vapor d’água? Condensai-o e o levareis ao estado normal. Privai-o do calor e eis que suas moléculas impalpáveis e invisíveis se tornarão corpo sólido e muito sólido. Outras matérias existem que levarão os químicos a vos apresentar maravilhas ainda mais assombrosas. Só o Espírito possui instrumentos mais perfeitos que os vossos: a sua própria vontade e a permissão de Deus. 

OBSERVAÇÃO: A questão da saciedade é aqui muito importante. Como uma substância que tem apenas existência e propriedades temporárias e, de certo modo, convencionais, pode produzir a saciedade? Por seu contato com o estômago, essa substância produz a sensação de saciedade, mas não a saciedade resultante da plenitude. Se tal substância pode agir sobre a economia orgânica e modificar um estado mórbido, também pode agir sobre o estômago e produzir a sensação da saciedade. Contudo, pedimos aos senhores farmacêuticos e donos de restaurantes que não tenham ciúmes, nem pensem que os Espíritos lhes venham fazer concorrência. Esses casos são raros e excepcionais e jamais dependem da vontade. Do contrário, a alimentação e a cura seriam muito baratas.

15. ─ Do mesmo modo poderia o Espírito fabricar moedas?

─ Pela mesma razão.

16. ─ Desde que tornados tangíveis pela vontade do Espírito, poderiam esses objetos ter um caráter de permanência e de estabilidade?

─ Poderiam, mas isto não se faz. Está fora das leis.

17. ─ Todos os Espíritos têm esse mesmo grau de poder?

─ Não, não.

[Porque apenas os Espíritos superiores poderiam fazê-lo (resposta seguinte).]

18. ─ Quais os que têm mais particularmente esse poder?

─ Aqueles a quem Deus o concede, quando isto é útil.

19. ─ A elevação de um Espírito influi nesse caso?

─ É certo que quanto mais elevado o Espírito, mais facilmente obtém esse poder. Isto, porém, depende das circunstâncias. Espíritos inferiores também podem obtê-lo.

[E, nesse caso, são supridos pela assistência de Espíritos superiores, muitas vezes sem nem saberem disso. Ver O Livro dos Médiuns ou guia dos médiuns e dos evocadores > Segunda parte — Das manifestações espíritas > Capítulo V — Das manifestações físicas espontâneas > Arremesso de objetos.]

20. ─ A produção dos objetos semimateriais resulta sempre de um ato da vontade do Espírito, ou por vezes ele exerce esse poder malgrado seu?

─ Isso frequentemente acontece malgrado seu.

[Quer dizer: ele nem percebe, conscientemente, que faz o que faz.]

21. ─ Seria então esse poder um dos atributos, uma das faculdades inerentes à própria natureza do Espírito? Seria, de algum modo, uma das propriedades, como a de ver e ouvir?─ Certamente. Mas por vezes ele mesmo o ignora. Então outro o exerce por ele, malgrado seu, quando as circunstâncias o exigem. O alfaiate do zuavo era justamente o Espírito de que acabo de falar e ao qual ele fazia alusão na sua linguagem chistosa.

OBSERVAÇÃO: Encontramos um exemplo dessa faculdade em certos animais, como, por exemplo, no peixe-elétrico, que irradia eletricidade sem saber o que faz, nem como, e que nem ao menos conhece o mecanismo que a produz. Nós mesmos por vezes não produzimos certos efeitos por atos espontâneos dos quais não nos damos conta? Assim, pois, parece-nos muito natural que o Espírito opere nessa circunstância por uma espécie de instinto. Ele opera por sua vontade, sem saber como, assim como nós andamos sem calcular as forças que colocamos em jogo.

OBSERVAÇÃO: Esse era, por exemplo, o caso da rainha de Oude, cuja evocação consta do nosso número de março de 1858, que ainda se julgava coberta de diamantes.

23. ─ Dois Espíritos podem reconhecer-se mutuamente pela aparência material que tinham em vida?

─ Não é por esse meio que eles se reconhecem, pois não tomarão essa aparência um para o outro. Se, porém, em certas circunstâncias, se acham em presença um do outro, revestidos dessa aparência, por que não se haveriam de reconhecer?

[Isto aqui é importante! Nos romances mediúnicos, o mundo fantástico criado é todo material ou materialista, e a forma, nesses contos, é fundamental. Aqui, temos novamente a confirmação já feita antes que a forma não é importante para os Espíritos em geral, embora seja predominante para os Espíritos ainda muito presos à matéria (ou seja, de pensamento muito apegado). Decorre daí que faria sentido um Espírito em perturbação “se ver” numa condição como aquela do umbral de André Luiz, mas o mesmo não poderia se dar quando já desapegado dessas ideias, o que não parece ser algo tão distante, conforme o relato de vários Espíritos, dados a Kardec.]

24. ─ Como podem os Espíritos reconhecer-se no meio da multidão de outros Espíritos, e sobretudo como podem fazê-lo quando um deles vai procurar em lugar distante e muitas vezes em outros mundos, aqueles que chamamos?

─ Isto é uma pergunta cuja resposta levaria muito longe. É necessário esperar.

Não estais suficientemente adiantados. No momento contentai-vos com a certeza de que assim é, pois disso tendes provas suficientes.

25. ─ Se o Espírito pode tirar do elemento universal os materiais para fazer todas essas coisas e dar a elas uma realidade temporária, com suas propriedades, também pode tirar dali o necessário para escrever. Consequentemente, isto nos dá a chave do fenômeno da escrita direta((A escrita direta acontece quando um Espírito, pela vontade e com a utilidade em fazê-lo, faz aparecer, sobre um papel, uma escrita real, ora em grafite, ora em tinta, ora em formato de impressão. Recomendamos a leitura do artigo seguinte, “Pneumatografia ou escrita direta”, assim como do artigo de mesmo título, em maio de 1860, e também do Capítulo XII de O Livro dos Médiuns  — “Da pneumatografia ou escrita direta”. 

Pneuma: entre os antigos pensadores gregos, sobretudo os estoicos, designativo do espírito, sopro animador ou força criadora, usada pela razão divina para vivificar e dirigir todas as coisas.)).

─ Finalmente o compreendeis.

[amadurecimento científico]

26. ─ Se a matéria de que se serve o Espírito não é permanente, como não desaparecem os traços da escrita direta?

─ Não julgueis pelas palavras. Desde o início eu nunca disse jamais. Nos casos estudados, tratava-se de objetos materiais volumosos; aqui se trata de sinais que convém conservar e são conservados.

[Entendo que S. Luis afirma que essa matéria não é impermamente, e que ela se desfaz quando é “condensada” apenas por um efeito passageiro, por Espíritos inferiores. No caso da escrita direta, se há interesse em conservá-la, ela é conservada. O Cap. VI – Uranografia Geral – n’A Gênese, dá a chave para esse entendimento.]

A teoria acima pode resumir-se assim: O Espírito age sobre a matéria; tira da matéria primitiva universal os elementos necessários para, à vontade, formar objetos com a aparência dos diversos corpos existentes na Terra. Também pode operar sobre a matéria elementar, por sua vontade, uma transformação íntima que lhe dá determinadas propriedades. Essa faculdade é inerente à natureza do Espírito, que muitas vezes a exerce, quando necessário, como um ato instintivo, que não chega a perceber.

[É importante notar que, depois, parece ficar claro que essa interação sobre a matéria nunca é direta, mas que necessita do fluido perispiritual do encarnado para acontecer.]

Os objetos formados pelos Espíritos têm uma existência temporária, subordinada à sua vontade ou à necessidade. Ele pode fazê-los e desfazê-los à vontade. Em certos casos, aos olhos das pessoas vivas, esses objetos podem ter todas as aparências da realidade, isto é, tornar-se momentaneamente visíveis e até tangíveis. Há formação, mas não criação, visto que o Espírito nada pode tirar do nada. (O Livro dos Médiuns, questões 130 e 131).

O guia da senhora Mally

O artigo “Um espírito serviçal”, do mesmo número, apresenta o caso da senhora Mally, onde, ao seu redor, muitos fatos interessantes acontecem. Desde cedo tinha a capacidade de visão de Espíritos. Certas vezes, via seu Espírito guia; outras, via aparições desagradáveis, que tinham o intuito de chamar sua atenção para manter-se vigilante. Chegou a haver a materialização de um Espírito (agênere).

“Em 1856, a terceira filha da Senhora Mally, de quatro anos de idade, caiu doente. Foi em agosto. A criança estava continuamente mergulhada num estado de sonolência, interrompido por crises e convulsões. Durante oito dias eu mesmo [o correspondente] vi a criança, que parecia sair do seu abatimento, tomar uma expressão sorridente e feliz, de olhos semicerrados, sem olhar para os que a cercavam; estender a mão em gesto gracioso, como para receber alguma coisa; levá-la a boca e comer; depois agradecer com um sorriso encantador. Durante esses oito dias a menina foi sustentada por esse alimento invisível e seu corpo readquiriu a aparência de frescura habitual.”

[O artigo é interessante e recomendamos a leitura. Vamos seguir para a evocação do guia da Sra. Mally.]

A evocação inicia-se com o estabelecimento das relações daquele Espírito com a sra Mally: tinham uma relação de simpatia antiga. O Espírito era o de um menino de oito anos, falecido há muito tempo. Kardec pergunta se era sempre ele quem aparecia para ela, e ele diz que não, mas assevera que é ele mesmo quem produzia certos fenômenos materiais *:

13. ─ Então você tem o poder de se tornar visível à vontade?

─ Sim, mas eu disse que não era eu.

14. ─ Você também não tem nada a ver com as outras manifestações materiais produzidas na casa dela?

─ Perdão! Isto sim. Foi o que eu me impus, junto a ela, como trabalho material, mas faço para ela outro trabalho muito mais útil e muito mais sério.

* Kardec diz, no artigo anterior: “Por outras manifestações ele revela o seu estado moral. Esse Espírito tem um caráter pouco sério, entretanto, ao lado de sinais de leviandade, deu provas de sensibilidade e dedicação.”

16. ─ Você poderia tornar-se visível aqui, a um de nós?

─ Sim, se pedirdes a Deus para que isso aconteça. Eu posso, mas não ouso fazê-lo.

17. ─ Se você não quer tornar-se visível, poderia pelo menos dar-nos uma manifestação, como por exemplo trazer qualquer coisa para cima desta mesa?

─ Certamente, mas qual seria a utilidade? Para ela é assim que eu testemunho a minha presença, mas para vós isto seria inútil, pois estamos conversando.

18. ─ O obstáculo não seria a falta de um médium, necessário para produzir essas manifestações?

─ Não, isto é um pequeno obstáculo. Não vedes frequentemente aparições súbitas a pessoas sem nenhuma mediunidade?

19. ─ Então todo mundo é apto a ver aparições espontâneas?

─ Sim, pois todo ser humano é médium.

20. ─ Entretanto, o Espírito não encontra no organismo de certas pessoas uma facilidade maior para comunicar-se?

─ Sim, mas eu vos disse ─ e vós deveis sabê-lo ─ que os Espíritos têm o poder por si mesmos. O médium nada é. Não tendes a escrita direta? É necessário médium para isso? Não, mas apenas a fé e um ardente desejo. E ainda às vezes isto se produz a despeito dos homens, isto é, sem fé e sem desejo.

[Aqui, Kardec está aprofundando os estudos. Não podemos tomar isso como conclusivo, pois, talvez, o que diz esse Espírito não seja a verdade, mas apenas o que ele compreende. Contudo, não é difícil pensar que, se a Matéria forma-se pelo pensamento dos Espíritos puros, formas materiais muito simples possam ser formadas, sob essa influência e por sua utilidade, por Espíritos menos elevados.]

21. ─ Você acha que as manifestações, como a escrita direta, por exemplo, se tornarão mais comuns do que são hoje?

─ Certamente. Como compreendeis, então, a vulgarização do Espiritismo?

22. ─ Você pode explicar-nos o que é que a filha da senhora Mally pegava na mão e comia quando estava doente?

Maná, uma substância criada por nós, que encerra o princípio contido no maná ordinário e a doçura do confeito.

23. ─ Essa substância é formada da mesma maneira que as roupas e os outros objetos que os Espíritos produzem por sua vontade e pela ação que exercem sobre a matéria?

─ Sim, mas os elementos são muito diferentes. Os ingredientes que formam o maná não são os mesmos que eu arranjava para criar madeira ou roupa.

[“Não devemos tomar ao pé da letra certas expressões usadas pelos Espíritos”. Sigamos, antes de formar ideias]

24. ─ (A São Luís) Os elementos utilizados pelo Espírito para formar seu maná eram diferentes dos que ele tomava para formar outras coisas? Sempre nos disseram que há um só elemento primitivo universal, do qual os diferentes corpos são simples modificações.

[Aqui, por haver dúvida ou imprecisão na resposta daquele Espírito, Kardec questiona a São Luis, Espírito guia do grupo. É o princípio que demonstramos em nosso artigo recente]

─ Sim. Isto significa que esse elemento primitivo está no espaço, aqui sob uma forma, ali sob outra. É o que ele quer dizer. Ele obtém o seu maná de uma parte desse elemento, que supõe diferente, mas que é sempre o mesmo.

25. ─ A ação magnética pela qual se pode dar propriedades especiais a uma substância, como à da água, por exemplo, tem relação com a do Espírito que cria uma substância?

─ O magnetizador não emprega nada além da sua vontade. É um Espírito que o ajuda, que se encarrega de preparar o remédio.


Análise sobre passagem em “Nosso Lar”

Em Nosso Lar, vemos a seguinte passagem. Analisemo-la:

A mensageira do bem fixou o quadro, compreendeu a gravidade do momento e acrescentou:

– Não temos tempo a perder.

Antes de tudo, aplicou passes de reconforto ao doente, isolando-o das formas escuras, que se afastaram como por encanto. Em seguida, convidou-me com decisão:

– Vamos à Natureza.

Acompanhei-a sem hesitação e ela, notando-me a estranheza, acentuou:

– Não só o homem pode receber fluidos e emiti-los. As forças naturais fazem o mesmo, nos reinos diversos em que se subdividem. Para o caso do nosso enfermo, precisamos das árvores. Elas nos auxiliarão eficazmente.

Admirado da lição nova, segui-a, silencioso. Chegados a local onde se alinhavam enormes frondes, Narcisa chamou alguém, com expressões que eu não podia compreender.

[É claro que os Espíritos não falavam pela boca. Isso é uma figura de linguagem. A expressão é do pensamento, e André Luiz não conseguia compreender esses pensamentos, ainda.]

Daí a momentos, oito entidades espirituais atendiam-lhe ao apelo. Imensamente surpreendido, vi-a indagar da existência de mangueiras e eucaliptos. Devidamente informada pelos amigos, que me eram totalmente estranhos, a enfermeira explicou:

– São servidores comuns do reino vegetal, os irmãos que nos atenderam.

[Os mais elevados, SERVEM. Não são “duendes”. São Espíritos, ocupando suas atividades na natureza. Não vivem em meio à mata, mas se ocupam desse reino, como outros Espíritos se ocuparão de outros. Talvez não sejam mais adiantados que nós, mas são mais adiantados que aqueles que ainda estão na posição do Princípio Inteligente. Por isso, servem ao seu propósito. As obras mediúnicas precisam, com base no Espiritismo, ser relidas e, se ainda restar dúvida, esses Espíritos devem ser EVOCADOS!]

E, à vista da minha surpresa, rematou:

– Como vê, nada existe de inútil na Casa de Nosso Pai. Em toda parte, se há quem necessite aprender, há quem ensine; e onde aparece a dificuldade, surge a Providência. O único desventurado, na obra divina, é o espírito imprevidente, que se condenou às trevas da maldade.

[Aqui, ela reforça o ensinamento, asseverando que o Espírito (portanto, consciente) que voluntariamente se condenou à trevas, isto é, que voluntariamente se apegou à imperfeição, é o único que se afasta do “caminho”, que é a relação constante dos Espíritos, aprendendo, cooperando e ensinando, em direção ao bem.]

Narcisa manipulou, em poucos instantes, certa substância com as emanações do eucalipto e da mangueira [“[o] elemento primitivo está no espaço, aqui sob uma forma, ali sob outra”] e, durante toda a noite, aplicamos o remédio ao enfermo, através da respiração comum e da absorção pelos poros.


Continuando: O guia da senhora Mally

26. ─ (Ao guia) Há tempos relatamos fatos curiosos de manifestações de um Espírito por nós designado com o nome de Duende de Bayonne. Você conhece esse Espírito?

─ Particularmente, não, mas acompanhei o que fizestes a seu respeito e foi dessa forma que tomei conhecimento dele.

27. ─ Ele é um Espírito de ordem inferior?

─ Inferior quer dizer mau? Não. Quer dizer, simplesmente: não inteiramente bom, pouco adiantado? Sim.

[Espírito inferior não é sinônimo de Espírito imperfeito, porque a imperfeição é algo adquirido pelo hábito e pela vontade. Na Escala Espírita, isso fica claro.

Tudo isso está sendo fantástico! Poder verificar, na RE, a confirmação, dada por toda parte, daquilo que se conclui nas obras finais. Mal sabem, os resistentes, a riqueza que existe nesse estudo!]

28. ─ Agradecemos pela bondade de ter vindo, e pelas explicações que nos deu.

─ Às vossas ordens.

OBSERVAÇÃO: Oferece-nos esta comunicação um complemento àquilo que dissemos nos dois artigos precedentes sobre a formação de certos corpos pelos Espíritos. A substância dada à criança, durante a doença, evidentemente era preparada por eles e objetivava restaurar a saúde. De onde tiraram os seus princípios? Do elemento universal, transformado para o uso desejado. O fenômeno tão estranho das propriedades transmitidas por ação magnética, problema até aqui inexplicado, e sobre o qual se divertiram os incrédulos, está agora resolvido. Com efeito, sabemos que não são apenas os Espíritos dos mortos que agem, mas que os dos vivos também têm a sua parte de ação no mundo invisível. O homem da tabaqueira dá-nos a prova disso. Que há, pois, de admirável em que a vontade de uma pessoa, agindo para o bem [Lei], possa operar uma transformação da matéria primitiva e dar-lhe determinadas propriedades? Em nossa opinião, aí está a chave de muitos efeitos supostamente sobrenaturais, dos quais teremos oportunidade de falar.

É assim que, pela observação, chegamos a perceber as coisas que fazem parte da realidade e do maravilhoso. Mas quem diz que esta teoria é verdadeira? Vá lá! Ela tem pelo menos o mérito de ser racional e de estar perfeitamente em concordância com os fatos observados. Se algum cérebro humano achar outra mais lógica do que esta dada pelos Espíritos, que sejam comparadas. Um dia talvez nos agradeçam por termos aberto o caminho ao estudo racional do Espiritismo.

Certo dia alguém nos dizia: “Eu bem que gostaria de ter um Espírito serviçal às minhas ordens, mesmo que tivesse de suportar algumas travessuras que me fizesse.”

É uma satisfação que a gente desfruta sem o perceber, porque nem todos os Espíritos que nos assistem se manifestam de maneira ostensiva, mas nem por isso deixam de estar ao nosso lado e, pelo fato de ser oculta, sua influência não é menos real.

A Gênese (FEAL) > Natureza e Propriedade dos Fluidos

Como já foi demonstrado, o fluido cósmico universal é a matéria elementar primitiva da qual as modificações e transformações constituem a inumerável variedade de corpos da natureza. Como princípio elementar do Universo, ela apresenta dois estados distintos: o de eterização ou de imponderabilidade que se pode considerar como o estado primitivo, e o de materialização ou de ponderabilidade, que vem a ser, de alguma forma, sua consequência. O ponto intermediário é o de transformação do fluido em matéria tangível. Mas, ainda aí, não existe transição brusca, pois pode-se considerar nossos fluidos imponderáveis como um ponto intermediário entre os dois estados ((Para compreender as afirmações de Allan Kardec é fundamental considerar que havia em seu tempo, na Física, a teoria de que a matéria seria constituída por duas classes: matéria comum, tangível ou ponderável, e matéria imponderável ou átomos representativos da luz, da eletricidade, do calor, etc. (são os fluidos luminoso, elétrico, calórico, etc.). Os fluidos psíquicos ou espirituais (tema deste capítulo) seriam, então, estados ainda mais sutis do fluido cósmico universal do que desses fluidos imponderáveis então aceitos. Haveria, então, numa sequência de maior para menor sutiliza: matéria comum, matéria imponderável, matéria psíquica. Atualmente sabemos que a hipótese da substância imponderável é falsa, e esses fenômenos são explicados como ondas eletromagnéticas. Transpondo o raciocínio de Kardec para a Física Moderna, poderíamos concluir que a matéria psíquica ou espiritual estaria acima da luz. Mas essa hipótese leva a questões e implicações mais complexas no atual paradigma científico para as quais não temos nesta obra os desenvolvimentos que permitam resolvê-las. (N. do E.) )).

Os Espíritos agem sobre os fluidos espirituais, não os manipulando como os homens manipulam os gases, mas com a ajuda do pensamento e da vontade, que são, para o Espírito, o que a mão é para o homem. Pelo pensamento, eles imprimem no fluido essa ou aquela direção; eles os aglomeram, combinam ou dispersam e formam conjuntos com uma aparência, uma forma, uma cor determinada; mudam suas propriedades, como um químico muda as de um gás ou de outros corpos, combinando-os segundo certas leis. É a grande oficina ou laboratório da vida espiritual.

Algumas vezes, essas transformações são o resultado de uma intenção, mas frequentemente são o produto de um pensamento inconsciente, pois basta o Espírito pensar numa coisa para que ela seja feita.

É assim, por exemplo, que um Espírito se apresenta à vista de um encarnado, dotado da vista espiritual, sob a aparência que tinha quando estava vivo, na época em que o conheceu, embora já tenha tido várias outras encarnações. Ele se apresenta com as vestes, os sinais externos, enfermidades, cicatrizes, membros amputados, etc. que tinha; um decapitado se apresentará sem a cabeça. Não digo que tenham conservado tais aparências; não, certamente, porque, como Espírito, ele não é coxo nem maneta, nem caolho nem decapitado. Mas seu pensamento, se reportando à época em que era assim, seu perispírito toma instantaneamente essa aparência, a qual muda também instantaneamente. Se ele havia sido uma vez negro e outra vez branco, ele se apresentará como negro ou como branco, de acordo com qual das duas encarnações ele seja evocado e para onde vá seu pensamento.

Por um efeito análogo, o pensamento do Espírito cria fluidicamente os objetos que estava habituado a utilizar. Um avaro manejará ouro; um militar terá suas armas e seu uniforme; um fumante, seu cachimbo; um trabalhador, sua charrua e seus bois; uma velha mulher, sua roca.

Esses objetos fluídicos são tão reais para o Espírito quanto seriam no estado material para o homem encarnado. Mas, pelo fato de serem criados pelo pensamento, sua existência é tão efêmera quanto ele [aqui Kardec faz referência ao artigo abordado anteriormente, Mobiliário de além-túmulo].

Observações nossas

  • O Espírito materializa, pela ação do pensamento, os fluidos, de acordo com sua elevação, seus apegos e suas ideias. Essa materialização pode ir de simples objetos a, provavelmente, amplos cenários, formados em grupo.
  • Espíritos às vezes pouco elevados, mas já desprendidos dos apegos materiais, demonstram não estar envolvidos nessa materialidade, tão predominante em outros.
  • Espíritos pouco esclarecidos formam imagens mentais para descrever algo que eles não compreendem, assim como crianças podem fazer. O papel de um estudioso da psicologia, em ambos os casos, é ir além das imagens e das figuras para entender o fundo do que dizem. 
  • O erro está em se apegar à palavra, de forma literal.
  • Longe de descartarmos como tolice, precisaremos estar prontos para, havendo uma retomada do Espiritismo científico, sabermos filtrar os diversos atavismos que os Espíritos, dominados por essas ideias amplamente disseminadas, poderão utilizar.
  • Como destacamos em artigo recente, é um grave erro formar sistemas sobre metáforas, retiradas de seu contexto e não entendidas corretamente. Para se desfazer desses erros, necessário será retomar o Espiritismo cientificamente, da mesma forma que Kardec realizou.
  • A “codificação” apresenta todos os elementos para entender que a materialidade do mundo espiritual está diretamente ligada ao materialismo dos Espíritos. Aqueles que são mais “espiritualizados”, não necessariamente esclarecidos, não a apresentam, enquanto aqueles que encontram-se em estado de perturbação, causado por imperfeições, frequentemente apresentam ideias de apego à matéria. São fartos esses exemplos. Perguntamos: como, justamente no momento mais importante do Espiritismo, essa suposta realidade de cidades e colônias, que seria tão importante, já que seria imediata à nossa morte, não ficou claramente estabelecida para Kardec? Já tratamos dessas questões em artigo recente, e não vamos repetí-la.



A questão das escolhas

A vida é feita de escolhas. Às vezes, são escolhas lúcidas, isto é, sabemos bem que algo é correto ou não; outras vezes, são escolhas “ignorantes”, isto é, não conhecemos o suficiente para supor os resultados. Destas, podemos colher erros ou acertos e, no caso de erro, não existe “pecado”, pois o erro faz parte da evolução. Desde que não se apegue a ele, “está tudo certo”. Basta seguir em frente e não repetir o erro. Não há condenação, nem houve propósito de mal.

A grande questão é quando a escolha por aquilo que é errado se dá de forma mais consciente — e aqui não considero uma plena consciência, porque, se ela existisse, não se faria a má escolha. O indivíduo, dotado de consciência e de inteligência, age em favor do apego àquilo que é errado ou que traz maus frutos. Sim, age envolto numa confusão de ideias, que nasceram em primeiro lugar do seu ímpeto de se satisfazer em algum aspecto — daí a assertividade em dizer que o egoísmo e o orgulho são as mães de todas as demais imperfeições — e, muitas vezes, nem pensa em fazer o mal, mas sim em satisfazer seus próprios desejos ou [falsas] necessidades. Esse é o ponto problemático das más escolhas, onde o próprio indivíduo se condena a um turbilhão de maus efeitos em que a causa é ele mesmo e ninguém mais, e onde se afasta do Bem, que é o caminho, para tomar um desvio que duras penas lhe custarão para retomar, pois requer o exercício do desapego.

Dito isto, muitos se perguntarão: em ambos os casos, mas especialmente no segundo, então, como errar menos? Como julgar melhor nossas próprias ações? Como evitar o erro pontual e como exercitar o desapego antes que certo hábito se torne uma terrível imperfeição?

Resumidamente, a resposta é uma pergunta retórica: por que você acha que os próprios Espíritos dos indivíduos antes encarnados — Espíritos sábios e Espíritos ignorantes; Espíritos bondosos e Espíritos maldosos; Espíritos felizes e Espíritos sofredores — dedicaram seu tempo para nos contar de suas próprias aventuranças? Por que você acha que um indivíduo de ciências, dedicado filósofo da educação e conhecedor de tantas outras ciências, tendo vislumbrado algo nessas comunicações, dedicou, à exaustão, cerca de 14 anos de sua vida, de suas finanças, de suas alegrias, e de sua saúde em estudar e disseminar esse conhecimento, que formou o que conhecemos por Espiritismo ou Doutrina Espírita? POR QUÊ?

Quando a criança vê seu irmão sofrer uma queimadura por colocar a mão em brasa quente, muito provavelmente pensará duas vezes antes de fazer o mesmo. Imagine o que pode fazer um adulto, pleno de suas capacidades cerebrais, como esse conhecimento?! É, ainda assim, quantas pessoas, passando por anos e anos de sofrimentos tolamente cultivados, ESCOLHEM manter essas obras fechadas nas estantes, esquecidas em seus locais virtuais?

A passagem de Zaqueu, que, ao ver Jesus passar por sua porta, subiu em uma árvore para tentar vê-lo, sem se deixar ver interessado pelos cidadãos da cidade, pode ser a nossa mesma: basta ter interesse. A diferença é que nós não temos a necessidade de nos esconder de ninguém para ler um livro, a não ser quando ESCOLHEMOS nossa esconder de NÓS MESMOS, por um tolo medo de, vendo-se descoberto por si mesmo, ter que realizar o movimento de correção. Bem, a essa altura, se você agir assim, eu já posso lhe perguntar: por que é que você gosta tanto da infelicidade?

A salvação é o conhecimento. A cura é realizada por você mesmo. E tudo isso está tão perto quanto a sua vontade QUEIRA. Essa é a mensagem: para fazer melhores escolhas, você precisa ENTENDER como funciona a Lei.

Ótimos novos dias para você.




A continuidade científica do Espiritismo

Por uma estranha ideia, adotamos o princípio de que não podemos evocar os Espíritos, e que o único que pôde fazer isso foi Kardec, porque tinha a permissão ou um propósito muito peculiar.

À luz do conhecimento, precisamos corrigir um pouquinho essa ideia, pois, na verdade, os únicos que puderam fazer as evocações foram os milhares de indivíduos e pequenos grupos, espalhados pelo mundo, não só na época de Kardec, mas antes mesmo dele, pois, quando Kardec se interessou pela nova ciência e antes mesmo de se dar o pseudônimo de Allan Kardec, o Espiritismo já era praticado em muitos pontos do mundo.

Interessante, não? Por que será que hoje, então, não podemos ou não devemos evocar os Espíritos? Não conheço essa lei, nem nunca a vi escrita em qualquer lugar, senão numa frase tirada de contexto, metafórica de Chico Xavier: “o telefone só toca de lá para cá”. Muito pelo contrário, vamos encontrar, ao estudar as obras de Kardec, a recomendação da prática do Espiritismo pelos pequenos grupos, prática essa que consistia, a seu ver, uma ciência: a constante investigação, junto aos Espíritos, das leis que regem a Criação.

Por essa estranhíssima ideia, passamos a colocar os médiuns na posição das antigas secretárias telefônicas automáticas, cuja única missão era atender a uma ligação e gravar a mensagem, e nada mais. Os médiuns se transformaram nisso:

imagem de uma secretária eletrônica

Não só isso: os grupos espíritas, que hoje praticamente inexistem fora da figura dos centros espíritas, passaram a adotar uma ideia ainda mais estranha: passaram a ouvir as “gravações telefônicas” sem as questionar! Isso mesmo: não se questiona a mensagem dada, apenas as tomam pelo princípio de que são sempre dotadas de verdade e sabedoria, e de propósitos de bem. É muito, muito estranha essa ideia, porque ontem mesmo minha mãe recebeu uma mensagem de uma pessoa que se dizia ser eu, e que queria três mil reais para pagar uma conta urgente. Imagine se minha mãe adotasse a prática de muitos grupos espíritas e simplesmente confiasse no interlocutor!

Os sistemas

Por um princípio ainda mais estranho, certos indivíduos passaram a criar e defender sistemas erigidos justamente sobre essas comunicações passivamente recebidas e não verificadas, gastando precioso tempo e causando enormes dificuldades ao movimento espírita, que deixou de estudar Kardec para confiar nesses sistemas. Incongruentemente, os indivíduos que agem assim são, muitas vezes, aqueles que teriam plena capacidade, por terem conhecimentos científicos, para investigarem essas questões.

Mas nem só de comunicações espíritas não checadas se forma esse triste cenário. Outros tantos erigem verdadeiros sistemas de ideias sobre metáforas utilizadas por Kardec em seus estudos, não conseguindo compreender que os cientistas, sobretudo naquela época, vislumbrando novos aspectos científicos que não tinham como compreender, criavam metáforas para tentar dar luz à ideia que buscavam expressar, confiando à continuidade da ciência melhores explicações. Todos os grandes cientistas fizeram isso, sobretudo no aspecto filosófico e especialmente no âmbito metafísico dessas ideias. Kardec fez isso, por exemplo, ao tentar explicar a presença divina como sendo um oceano, onde tudo estaria imerso. Uma metáfora((Ainda hoje as metáforas são utilizadas para dar explicações científicas, chegando certos cosmólogos a dizer que o Espaço é como se fosse um shampoo ou um queijo! Pobre sujeito que erija um sistema sobre essas metáforas!))!

Mas não só a ciência humana usou metáforas. Os Espíritos também as utilizaram, frequentemente. Espíritos sábios utilizaram sábias metáforas para explicar ideias que, de forma científica, ainda não podíamos compreender. Jesus usou metáforas para explicar princípios da ciência espírita que os homens daquele tempo não podiam compreender. Espíritos ignorantes usaram metáforas para explicar causas e efeitos que nem eles conseguiam compreender de forma científica, mas que sabiam existir e funcionar.

A questão toda, aqui, é uma só:

METÁFORAS

Apenas para ficar muito claro e não restar dúvida, vamos definir o significado do termo: metáfora é a “figura de linguagem em que uma palavra que denota um tipo de objeto ou ação é usada em lugar de outra, de modo a sugerir uma semelhança ou analogia entre elas; translação (por metáfora se diz que uma pessoa bela e delicada é uma flor, que uma cor capaz de gerar impressões fortes é quente, ou que algo capaz de abrir caminhos é a chave do problema); símbolo.”((MICHAELIS. Moderno Português – Busca – Português Brasileiro – Metáfora. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/metafora. Acesso em: 29 mai. 2023.)). Do grego, metaphōrá.

São verdadeiros sistemas de ideias erigidas, muitas vezes, sobre nada mais que metáforas, tomando-as como se fossem literais. No âmbito das comunicações espíritas, o estudo da comunicação do soldado zuavo (“O zuavo de Magenta“), na Revista Espírita de julho de 1858, nos dá uma interessante perspectiva, pois, ao ser questionado sobre sua aparência espiritual naquela evocação (ou perispiritual), ele responde:

42. ─ Se vos pudéssemos ver, como o veríamos?
─ De turbante e culote.

43. ─ Pois bem! Suponhamos que nos aparecêsseis de turbante e culote. Onde teríeis arranjado essas roupas, desde que deixastes as vossas no campo de batalha?
─ Ora, ora! Não sei como é isto mas Tenho um alfaiate que mE as arranja.

44. ─ De que são feitos o turbante e o culote que usais? Não tendes ideia?
─ Não. Isto é lá com o trapeiro.

OBSERVAÇÃO: Esta questão da vestimenta dos Espíritos, como várias outras não menos interessantes, ligadas ao mesmo princípio, foram completamente elucidadas por novas observações feitas no seio da Sociedade. Daremos notícias disso no próximo número. Nosso bom zuavo não é suficientemente adiantado para resolver sozinho. Foi-nos preciso, para isso, o concurso de circunstâncias que se apresentaram fortuitamente e que nos puseram no caminho certo.

Depois, questionado sobre seu general, também já morto, assim responde:

46. ─ Não seria por essa mesma razão que não vedes o general em seu uniforme?
─ Sim, mas ele não o veste todos os dias.

47. ─ Em que dias o veste?
─ Ora essa! Quando o chamam ao palácio((Os Espíritos, ignorantes de certas coisas, expressam-se como podem, e veem o mundo dos Espíritos conforme suas ideias, assim como uma criança, utilizando imagens mentais para descrever algo que ela não compreende, fala de coisas que imputamos apenas à imaginação, mas que, no fundo, tem seu significado. O erro, aqui, seria tomar o “palácio” como uma expressão da verdade espiritual permanente.)).

Poderíamos tomar essa comunicação como mais uma base de suporte para o sistema das cidades espirituais. Kardec, porém, agindo de forma científica, não sistematizou sobre essa ideia, mas apenas viu nela algo muito interessante para ser pesquisado. Daí, surgiu a hipótese de que, no mundo dos Espíritos, a matéria terrestre poderia ter um “duplo etérico”. No artigo “Mobiliário de além-túmulo”, da Revista de agosto de 1859, ele pergunta a São Luis:

5. ─ Haveria um desdobramento da matéria inerte? Haveria no mundo invisível uma matéria essencial, revestindo a forma dos objetos que vemos? Numa palavra, esses objetos teriam o seu duplo etéreo no mundo invisível, como os homens aí são representados em Espírito?

─ Isto não se passa dessa maneira. O Espírito tem sobre os elementos materiais disseminados em todo o espaço, na nossa atmosfera, um poder que estais longe de suspeitar. Ele pode, à vontade, concentrar esses elementos e lhes dar uma forma aparente, adequada a seus projetos.

Não ficando satisfeito com a resposta, questiona:

6. ─ Faço novamente a pergunta de maneira categórica, a fim de evitar qualquer equívoco. As roupas com que se cobrem os Espíritos são alguma coisa?
─ Parece que a minha resposta anterior resolve a questão. Não sabeis que o próprio perispírito é alguma coisa?

No mesmo artigo, pouco antes, Kardec se refere especialmente ao caso do Espírito de um encarnado, que se apresentou em outro lugar, para uma pessoa, com as mesmas características do corpo físico e carregando sua tabaqueira. Reproduzimo-la, por ser autoexplicativa:

3. ─ Essa tabaqueira tinha a forma daquela que ele usa habitualmente, e que estava em sua casa. O que era essa tabaqueira entre as mãos do Espírito?
─ Sempre aparência. Era para que as circunstâncias fossem notadas, como o foram, e para que a aparição não fosse tomada por uma alucinação produzida pelo estado de saúde da vidente. O Espírito queria que essa senhora acreditasse na realidade de sua presença e tomou todas as aparências da realidade.

4. ─ Dizeis que é uma aparência, mas uma aparência nada tem de real; é como uma ilusão de óptica. Eu gostaria de saber se essa tabaqueira não era senão uma imagem irreal, como, por exemplo, a de um objeto que se reflete num espelho.

(Um dos membros da Sociedade, o Sr. Sanson, faz observar que na imagem reproduzida pelo espelho há qualquer coisa de real. Se a imagem não fica no espelho, é que nada a fixa, mas se for projetada sobre uma chapa do daguerreótipo, deixa uma impressão, prova evidente de que é produzida por uma substância qualquer e que não é apenas uma ilusão de óptica).

─ A observação do Sr. Sanson é perfeitamente justa. Teríeis a bondade de nos dizer se existe alguma analogia com a tabaqueira, isto é, se existe algo de material nessa tabaqueira?

─ Certamente. É com o auxílio desse princípio material que o perispírito toma a aparência de vestimenta semelhante às que o Espírito usava quando vivo. OBSERVAÇÃO: Evidentemente o vocábulo aparência deve aqui ser tomado no sentido de imagem, de imitação. A tabaqueira real lá não estava. A que o Espírito tinha era apenas uma reprodução. Comparada à original, era apenas uma aparência, conquanto formada por um princípio material.

A experiência nos ensina que não devemos tomar ao pé da letra certas expressões usadas pelos Espíritos. Interpretando-as segundo as nossas ideias, expomo-nos a grandes equívocos, por isso devemos aprofundar o sentido de suas palavras, sempre que existe uma ambiguidade mínima. Eis uma recomendação feita constantemente pelos Espíritos. Sem a explicação que provocamos, o vocábulo aparência, repetido continuamente em casos análogos, poderia dar lugar a uma falsa interpretação.

A imagem do espelho é aqui tomada como uma metáfora. Naquela época, não se conhecia os princípios físicos dessa imagem, crendo-se, em geral, que ela era algo irreal, uma “aparência“. A justa observação do Sr. Sanson demonstra que o reflexo no espelho tem algo de real, pois, se em lugar do espelho, fosse uma chapa fotossensível, como a do daguerreótipo, essa imagem ficaria gravada. Eles não tinham como explicar o fenômeno, por isso utilizavam metáforas. O Espírito de São Luis responde com a exatidão confirmada pela ciência moderna: assim como o reflexo no espelho e a gravação da fotografia agem por efeito da interação com fótons de luz, a aparência que toma o perispírito resulta da interação da vontade do Espírito sobre o elemento tomado do fluido cósmico universal. Isto se conclui na questão n.º 25:

25. ─ Se o Espírito pode tirar do elemento universal os materiais para fazer todas essas coisas e dar a elas uma realidade temporária, com suas propriedades, também pode tirar dali o necessário para escrever. Consequentemente, isto nos dá a chave do fenômeno da escrita direta.
─ Finalmente o compreendeis.

O propósito deste artigo

Se o leitor nos acompanhou até aqui, entendeu que estamos traçando uma linha de raciocínios bastante clara: é um erro erigir sistemas sobre metáforas. Isso não é científico. Tendo-se colocado de lado a ciência espírita, os modernos espíritas têm formado complexos sistemas de ideias e princípios que, muitas vezes, fixam-se sobre uma frágil vareta fincada na areia. A questão toda é: nós precisamos retomar o Espiritismo como ciência e, antes de demonstrar nossa visão sobre isso, vamos deixar bem claro que, para isso, uma condição é imprescindível: estudar e conhecer o Espiritismo e os princípios dessa ciência (portanto, é lógico, estudar as obras de Allan Kardec), bem como estar compenetrado do assunto que se queira estudar.

O ponto interessante é que temos diversas pessoas plenamente capazes de retomar essa ciência nas áreas que lhes interessam. Temos grandes conhecedores do Espiritismo e das diversas ciências humanas, espalhados mundo afora: físicos, biólogos, filósofos, matemáticos, etc. A diferença está em que, na época de Kardec, as ciências estavam todas interconectadas pela metafísica e que praticamente todos os cientistas conheciam várias áreas da ciência((Sugestão de leitura: Autonomia – A História Jamais Contada do Espiritismo, por Paulo Henrique de Figueiredo)). Além disso, é interessante destacar que o princípio que rege o bom cientista é o desapego ao orgulho. Pode-se ter uma ideia prévia, como Kardec as teve; pode-se questionar respostas que divirjam dessa ideia, defendendo-a, como fez Kardec; porém, frente à evidência inegável do contrário, quando não sobram dúvidas de que a ideia prévia não se sustenta, deve o bom cientista deixar essa ideia de lado, escolhendo ficar com aquilo que atende à razão e à lógica.

É nesse ponto que o bom cientista e a boa ciência experimental divergem dos cientistas sistemáticos, que querem impor à Natureza a adequação às suas próprias ideias, como se isso fosse possível. São esses últimos que, baseando-se em metáforas, distorcidas e retorcidas à sua conveniência, elaboram intrincados sistemas que, não raramente, dominam a humanidade por um tempo expressivo. Vimos isso em várias áreas, e a ciência espírita não escapou desse problema.

Chegamos, enfim, ao ponto crucial deste artigo.

A retomada da ciência espírita

Imbuídos do propósito da retomada do estudo; interessados no restabelecimento da ciência espírita; aderentes ao propósito do abandono ou, ao menos, do questionamento dos sistemas; compenetrados do fato de que Kardec relegou ao futuro a continuidade e a elucidação das questões que ele não pôde tratar senão de maneira metafórica, vamos dar nossa visão sobre o que requer a recuperação da pesquisa espírita do ponto de vista da ciência experimental, detentores da compreensão de que, sim, podemos e devemos evocar espíritos para esse propósito. Basearemos, porém, nossas ideias, no verdadeiro guia do laboratório espírita dado por Allan Kardec: a Revista Espírita.

É muito fácil compreender, com o estudo dos primeiros anos da Revista Espírita, os princípios básicos necessários para a pesquisa científica do Espiritismo. Vamos dividi-los em duas seções: princípios morais e princípios práticos.

Princípios morais

  • Compromisso pessoal com a moral; desapego das próprias ideias.
  • Interesse na investigação legítima da verdade
  • Humildade e espírito de cooperação
  • Seriedade e responsabilidade na pesquisa
  • Formação de grupos coesos em ideias e princípios

Princípios práticos

  • Elaboração de grupos de pesquisa e estudo, onde só participem pessoas verdadeiramente conhecedoras do Espiritismo
  • Cooperação de médiuns, de preferência psicógrafos, com especial interesse nos psicógrafos mecânicos((Porque o controle dos centros motores necessários à fala é mais difícil e porque às respostas “psicofônicas” são mais difíceis de ser analisadas em sua independência com relação às ideias do próprio médium.)), desapegados de suas próprias personalidades e de seus próprios interesses nesse trabalho.
  • Organização cuidadosa de estudos, capacidade de analisar e separar o que é metafórico do que é literal nas comunicações

A pesquisa através das evocações

Dotados de princípios legítimos e da vontade de pesquisar, seriamente, determinado tema, os pequenos grupos – que devem operar em âmbito fechado ao público geral – serão dirigidos por um ou mais Espíritos mais elevados, cuja autoridade moral poderá ser facilmente estabelecida se o grupo for realmente compenetrado da ciência espírita. Esse Espírito, que, no caso de Kardec, seria São Luís, é aquele que cuidará de auxiliar na parte espiritual, encaminhando Espíritos comunicantes, complementando ideias, etc.

A pesquisa sobre um determinado tema ou princípio deve seguir, então, os seguintes passos, onde EG é o Espírito guia do grupo:

Ousei resumir em um fluxograma a complexidade das evocações com fins de pesquisa científica, mas é claro que o digrama apenas exemplifica os passos que o próprio Allan Kardec demonstrou tomar, sem demonstrar toda a complexidade por trás disso, no sentido da necessidade de conhecimentos, seriedade, compromisso moral, etc.

O fluxograma é bem simples e autoexplicativo, basta seguir as setas direcionais. Ele demonstra os passos da preparação prévia de questões, da seleção de Espíritos a evocar (porque evocar Espíritos sem um propósito sério dá na mesma que ficar à disposição de qualquer Espírito, e pode ser ainda pior), da verificação da evocabilidade e da utilidade da evocação daquele Espírito em particular, da realização da evocação e da realização das perguntas e do registro das respostas, antes às quais, frente a questionamentos pontuais presentes, poderão ser realizadas novas questões para esclarecimento, ao próprio Espírito ou ao Espírito guia e, enfim, da documentação e da posterior análise das respostas dadas, com a criação de uma “base de dados” do grupo e com a disponibilização, quando pertinente, da evocação e do estudo para outros grupos, que poderão analisá-las e buscar confirmações ou refutações em seus próprios estudos. O médium não faz parte do fluxograma, mas é claro que também tem um papel fundamental, tratado com dedicação na obra O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec.

É evidente que cada resposta precisará ser analisada com um grande cuidado pelo grupo, considerando a Psicologia e sabendo que os Espíritos, simplesmente por estarem livre do corpo, não ganham plenas luzes instantaneamente – por isso, sempre, a recomendação do estudo da Revisa Espírita, que evidencia o fato de Kardec nunca ter formado sistemas sobre ideias incompletas ou de um só Espírito, o que teria condenado o Espiritismo ao misticismo, logo em seu primeiro ano de estudos.

E o que podemos perguntar? Com seriedade, honestidade e conhecimento do Espiritismo, tudo. Isto é: é claro que, satisfazendo as condições expressas, não iremos realizar uma evocação para pedir a previsão da loteria, nem para fazer o mal, isto é evidente. Mas, por exemplo, poderíamos evocar alguns Espíritos para buscar compreender mais a fundo essas ideias de fluidos, frente ao conhecimento da física moderna. Por que não? Talvez isso possa ser aprofundado ou, quem sabe, recebamos uma resposta do tipo “ainda faltam conhecimentos para que o ser humano possa compreender esses conceitos”.

As falsas ideias

É um erro pensar que os tempos modernos vão atrapalhar esse trabalho, imaginando que a facilidade da comunicação vai “contaminar” as ideias entre os grupos. Os Espíritos não revelam um conhecimento de forma exclusiva, mas, antes, o espalham por toda parte, onde houverem pessoas aptas ao estudo. Se uma falsa ideia for aceita por um grupo e divulgada aos outros, se os outros forem grupos sérios, facilmente a rejeitarão, porque verão os Espíritos demonstrando seu erro. A facilidade de comunicação, antes, vai facilitar esse trabalho, desde que exista a seriedade nos grupos que se comunicam.

Também é falso supor que o pesquisador espírita tenha que ser uma tela em branco. Não! O pesquisador sempre vai partir de uma ou mais hipóteses, que ele precisará testar numa população – no caso, a dos Espíritos. Ele pode ter uma ideia prévia porque, com base nos seus conhecimentos, é para onde lhe aponta a razão, e pode ver essa ideia ser confirmada ou refutada na prática das evocações. Se o pesquisador não tiver apego às suas próprias ideias, isto é, se não houver orgulho, ele as abandonará quando a razão apontar em outra direção, por novos fatos e evidências.

Eis aí, amigos, tudo o que é necessário para a retomada da pesquisa espírita. Ao invés de se apegarem às ideias erigidas sobre metáforas e figuras, arregacemos as mangas e nos coloquemos ao trabalho, que deve começar com o estudo e o entendimento da obra de Kardec, em seu contexto. Muito em breve, cremos, teremos um material ainda mais completo para essa correta compreensão. Sem atropelações, portanto, tomemos o primeiro passo e estudemos((Lembrando que, de acordo com o que nos mostram os fatos, as obras O Céu e o Inferno e A Gênese foram adulterados em suas respectivas 4.ª e 5.ª edições, motivo pelo qual indicamos a leitura das recentes edições da editora FEAL, que trazem na capa o termo “versão original” e com preciosas notas explicativas de Paulo Henrique de Figueiredo e outros)). O que virá disso será a consequência, pois bem sabemos que não estamos abandonados à própria sorte.

As adulterações

Outro fator importante nesse conjunto é a questão das adulterações das obras O Céu e o Inferno, a partir da 4.ª edição, e de A Gênese, a partir da 5.ª edição. Digam o que quiserem aqueles que querem transformar evidências em provas: para nós, a esta altura, não há outra forma de concluir senão pela adulteração dessas obras, posto que elas não condizem, nas edições alteradas, nem sequer com o que Kardec desenvolvia na Revista Espírita, além de introduzem pontos desconexos entre si e que mutuamente se contradizem. Baseados nessas edições, alguns sistemas foram elaborados, sendo um dos mais danosos a ideia do pagamento de dívidas através da encarnação, como um castigo. O restabelecimento das obras originais, sendo especialmente realizado pela Editora FEAL, foi de substancial importância nesse sentido.

A condição principal

Para que o desenvolvimento doutrinário seja retomado, será necessário desapego da personalidade, não só do pesquisador e do médium, mas também do Espírito evocado. A Doutrina demonstra a condição coletiva dos Espíritos e demonstra que, ao evocar, por exemplo, São Luis, outro Espírito pode responder em seu lugar. Para que esse seja um bom Espírito, que represente a mesma ideia, é necessário que o grupo esteja imbuído de tudo aquilo que demonstramos acima, evocando os bons Espíritos e, sob a tutela desses, realizando os estudos com Espíritos que, por ventura, sejam menos elevados. Além disso, para a retomada do Espiritismo, além da necessidade de recuperar a Doutrina “em Kardec”, de forma muito bem compreendida (porque os Espíritos só podem ensinar a partir de princípios verdadeiros), será necessário que isso se espalhe por diversos grupos pelo mundo, para que possa voltar a existir as condições de concordância universal do ensinamento.

Estamos aqui, incentivando esse processo.

Lembre-se de registrar o contato do seu grupo em nosso diretório, ou, se tiver dúvidas ou quiser conversar, basta entrar em contato!




Nossa posição final sobre as adulterações nas obras de Kardec

Estamos aqui apenas para deixar registrada nossa posição final sobre o assunto das adulterações nas obras de Kardec, sobre o qual não mais se discute, a não ser ante a evidências inquestionáveis ou provas irrefutáveis, coisa que nem o “CSI do Espiritismo” produziu. Apresentamos, sucintamente, os seguintes pontos:

  1. A questão legal: O Depósito Legal de A Gênese foi realizado apenas em 1872, cerca de três anos após a morte de Kardec; o DL de O Céu e o Inferno, foi realizado cerca de três meses após sua morte. Isto já é fato legal suficiente para configurar crime a distribuição das obras alteradas, publicadas após o fatídico evento, e sobre isto não há discussão, nem, até hoje, nenhuma prova de que Kardec tenha realizado o processo legal, necessário para tal.

    Esse ponto é importante, porque, ainda que tudo o que esteja ali publicado seja mesmo da mão de Kardec — o que implicaria no fato de ele ter voltado atrás de suas palavras, removido princípios e formado obras desconexas em si e entre si — ainda que tudo o que está ali seja das mãos de Kardec, ainda assim não podemos ter nem sequer a certeza de que ele desejaria que tudo aquilo fosse publicado, pela mera dúvida possível de que aquelas edições poderiam não estar finalizadas. É isso o que garante o direito autoral.

    Mais que isso: legalmente, não importa se foram encontradas cartas (uma carta) em que Kardec mencionava a produção dessas novas edições. Se não houve o Depósito Legal da obra, pelas mãos de Allan Kardec, está configurado o crime contra a lei vigente à época e, do fato de o DL ser posterior à sua época, está configurado o crime contra o direito autoral.

  2. Ainda que evidências apontem que Kardec estava finalizando ou mesmo que teria finalizado essas edições, nada prova que as edições impressas não tenham sido adulteradas. Resta dúvida, além do indiscutível fato legal.
  3. Além disso, restam os fatos constatados pela razão, já discutidos aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

Portanto, repetindo sempre a nossa vontade de nos permanecer resguardado contra o erro, preferimos seguir o conselho de Erasto, dispensando dez verdades para não ser possível ficar com uma só mentira, um só engano. Há dúvida e, se há dúvida, a razão nos manda ficar com as obras originais, republicadas pela Editora FEAL, onde não apenas temos certeza de que todas as vírgulas vêm das mãos de Kardec, como também onde, pelo estudo, percebemos que as conexões intrínsecas das obras em si e entre si estão intactas e atendem à razão.

Assim, declaramos encerrado o assunto, tornando essa decisão parte de nossos princípios, não fazendo dele palco de discussões vazias, até que provas irrecusáveis venham a ser apresentadas. Até lá, ficamos com o que a nossa razão nos manda, por nossa livre vontade, respeitando quem, pela sua razão, chegue a outra conclusão, por mais estranho que isso nos pareça.

O Grupo.




Nossa posição final sobre as colônias espirituais e o umbral

Este artigo é bem sucinto e serve apenas para destacar nossa posição final, como grupo, sobre a questão das colônias espirituais, sobre a qual muitos insistem em dedicar tempo precioso em debates sem fim. Sendo sucinto, não dedicaremos tempo em longas explicações ou citações de Kardec, posto que o que falamos, aqui, está baseado no Espiritismo, do ponto de vista científico — o que quase absolutamente se encerrou com a morte de Kardec. Assim, que cada um tome, ou não, a decisão de estudar e raciocinar.

Adianto que este artigo não é para aquele que acredita já saber de tudo e que prefere seguir o que os outros dizem, mas sim para aqueles que buscam raciocinarem por si mesmos, com base em conhecimento cientificamente produzido.

Os estudos de Allan Kardec

São fartas, nas obras do dedicado cientista, obtidas das comunicações dos Espíritos, passadas pelo método do duplo controle — generalidade dos ensinamentos, submetidos ao crivo da razão — as assertivas sobre a materialidade do mundo espiritual. Não é demais asseverar que não foram ideias que nasceram de sua cabeça, mas muito pelo contrário: nasceram da observação dos próprios Espíritos, milhares deles, por milhares de médiuns, espalhados pelo mundo. Muitas vezes, os próprios Espíritos demonstraram o erro das hipóteses que Kardec considerava.

O Livro dos Espíritos dá o princípio geral, que se confirma na Revista Espírita e que se conclui em A Gênese, após mais de uma década de estudos. Resumimos:

  1. O Espírito pouco evoluído não se desprende fácil das ideias da matéria. Muitas vezes, nem percebe que o corpo morreu. Como, pelo pensamento, é capaz de manipular a matéria fluídica, condensa, assim, sem nem o perceber, suas próprias criações, que, contudo, são efêmeras, isto é, passageiras, e que duram apenas enquanto seu pensamento esteja sobre elas.
  2. Juntos, Espíritos afins criam verdadeiros cenários, ora mais alegres, ora verdadeiramente infernais.
  3. Os cenários, individuais ou coletivos, refletem as crenças e os atavismos desses Espíritos, apegados às ideias materiais. É justamente por isso, o que é fácil perceber, que os Espíritos infelizes, através do tempo, transmitiram ideias que refletiram essas ideias: o inferno, o purgatório, o nada, os profundos vales, a caverna escura, etc. Por outro lado, é muito fácil perceber que os Espíritos mais felizes transmitem as ideias em sentido figurado, referindo-se ao sétimo céu, à cidade das flores, ao banquete espiritual, etc.
  4. Os Espíritos infelizes externalizam suas dores morais e seus vícios, mas é justamente por não poder atender a esses últimos que sofrem, como um “castigo”.

Até onde a Doutrina se desenvolveu como ciência, isso está bem estabelecido. Depois dela, nasceram e se fortaleceram ideias de um materialismo absoluto no mundo dos Espíritos, onde até banheiro se usa e sopa se come. Um mundo fantástico foi formado pelos espíritas e adeptos que, pouco afeitos ao estudo, se permitiram dominar pelas ideias fantásticas, narradas em romances mediúnicos, cuja culpa não é do médium, nem do Espírito, mas sim de quem não julgou tais comunicações, não questionou, como deve ser – afinal, não saímos por aí acreditando na palavra de qualquer um, não é?

Ideias nascidas de opiniões

Hoje, esse folclore está de tal forma estabelecido que muitos se perguntam até “onde ficam as 58 colônias espirituais no Brasil”. Até quantidade estabelecida já tem. “Para qual colônia espiritual eu vou?” é outra indagação frequentemente feita…

Perguntamos: por que é que os Espíritos superiores não trouxeram essa verdade justamente a Kardec, que poderia muito bem explorá-la cientificamente? O argumento de que “o entendimento na época não seria possível” é completamente falso e não se sustenta, pois, na época de Kardec, as cidades, o desenvolvimento científico e industrial, a inteligência, enfim, todo o desenvolvimento científico humano encontrava-se na sua mais alta luz. Por que não, então? Se Kardec abordou todo tipo de questão concernente ao mundo espiritual, repito: por que não? Se essa é uma verdade tão importante, já que estaria diretamente ligada ao nosso futuro próximo, após a morte, por que os Espíritos superiores não conduziram Espíritos nas mais diversas condições para tratar desse assunto, pela exploração científica, como fizeram com todos os outros assuntos? Por que conduziram aqueles que levaram, aliás, para o entendimento contrário, que conduz ao desapego a essa materialidade? Por quê?

Será que os apaixonados partidários dos sistemas nascidos desses romances nunca se fizeram essas perguntas? Será que a ausência dessas ideias sobre colônias espirituais e outras, no estudo científico de Kardec, se deve justamente ao fato de elas não refletem a verdade espiritual e só são transmitidas por Espíritos pouco desenvolvidos ou até por Espíritos mistificadores, que seriam prontamente vistos em erro, tal como acontece na Revista Espírita de julho de 1858 — O Falso Padre Ambrósio?

16. ─ Por que não sustentas a impostura em nossa presença?

─ Porque minha linguagem é uma pedra de toque, com a qual não vos podeis enganar.

A Gênese, obra final, reunindo mais de 10 anos de estudos

Para não deixar de fora algumas conclusões muito importantes de Kardec, citaremos A Gênese, no cap. XIV — Os Fluidos:

Os Espíritos agem sobre os fluidos espirituais, não os manipulando como os homens manipulam os gases, mas com a ajuda do pensamento e da vontade, que são para o Espírito o que a mão é para o homem. Pelo pensamento, eles imprimem no fluido essa ou aquela direção; eles os aglomeram, combinam ou dispersam e formam conjuntos com uma aparência, uma forma, uma cor determinada; mudam suas propriedades, como um químico muda as de um gás ou de outros corpos, combinando-os segundo certas leis. É a grande oficina ou laboratório da vida espiritual.

Algumas vezes, essas transformações são o resultado de uma intenção, mas frequentemente são o produto de um pensamento inconsciente, pois basta o Espírito pensar numa coisa para que ela seja feita.

É assim, por exemplo, que um Espírito se apresenta à vista de um encarnado, dotado da vista espiritual, sob a aparência que tinha quando estava vivo, na época em que o conheceu, embora já tenha tido várias outras encarnações. Ele se apresenta com as vestes, os sinais externos, enfermidades, cicatrizes, membros amputados, etc. que tinha; um decapitado se apresentará sem a cabeça. Não digo que tenham conservado tais aparências; não, certamente, porque, como Espírito, ele não é coxo nem maneta, nem caolho nem decapitado. Mas seu pensamento, se reportando à época em que era assim, seu perispírito toma instantaneamente essa aparência, a qual muda também instantaneamente. Se ele havia sido uma vez negro e outra vez branco, ele se apresentará como negro ou como branco, de acordo com qual das duas encarnações ele seja evocado e para onde vá seu pensamento.

Por um efeito análogo, o pensamento do Espírito cria fluidicamente os objetos que estava habituado a utilizar. Um avaro manejará ouro; um militar terá suas armas e seu uniforme; um fumante, seu cachimbo; um trabalhador, sua charrua e seus bois; uma velha mulher, sua roca.

Esses objetos fluídicos são tão reais para o Espírito quanto seriam no estado material para o homem encarnado. Mas, pelo fato de serem criados pelo pensamento, sua existência é tão efêmera quanto ele((Veja sobre objetos fluídicos na Revista Espírita, julho de 1859, página 184. Livro dos Médiuns, 2a parte, cap. VIII. (Nota de Allan Kardec.))).

Vale a pena ler também o artigo da Revista Espírita, citado por Kardec na nota de rodapé. Leia com atenção. A pergunta n.º 22 e sua resposta resumem tudo:

22. ─ Compreendemos que nos dois casos citados pela Senhora R.., um dos Espíritos quisesse ter um cachimbo e o outro uma tabaqueira para impressionar a visão de uma pessoa viva. Pergunto, porém, se caso não tivesse chegado a fazê-la ver, poderia o Espírito pensar que tinha esses objetos, criando para si mesmo uma ilusão?

Não, se ele tiver uma certa superioridade, porque terá perfeita consciência de sua condição. Já o mesmo não se dá com os Espíritos inferiores.

OBSERVAÇÃO: Esse era, por exemplo, o caso da rainha de Oude, cuja evocação consta do nosso número de março de 1858, que ainda se julgava coberta de diamantes.

Conclusão

Longe de nós endeusarmos a personalidade de Allan Kardec, como se ele não estivesse sujeito ao erro. Apenas nos perguntamos, uma vez mais: como é que, em mais de uma década de estudos, onde Kardec penetrou em tantas verdades sobre o mundo dos Espíritos, ele não chegou a essa verdade, defendida apaixonadamente por certas pessoas? Como, em contrário, ele foi conduzido, pelos Espíritos superiores, para o entendimento de que a materialidade do mundo espiritual está ligado à ignorância do Espírito e que, portanto, é efêmera, não sendo possível cogitar, dessa forma, de cidades espirituais, erguidas e comandadas por Espíritos elevados, feitas para sustentar as ideias materialistas e atrasar o seu desapego, as cultivando, pelo contrário? São perguntas que não podem ser respondidas pelos sistemas, mas que estão muito clara e pacificamente respondidas pela ciência espírita.

Sabemos de tudo sobre o mundo dos Espíritos? Não, longe disso. Mas, daí a sistematizar ideias que não passaram pelo método científico, vai um largo (e torto) passo. Não o daremos, pois preferimos ficar com o conselho de Erasto, asseverando que “mais vale rejeitar dez verdades do que admitir uma única mentira, uma única teoria falsa“.

E, com isso, encerramos esse assunto, até que ele possa voltar ao campo científico, se necessário for, para ser continuado.




Deus não se vinga

O artigo presente, “Deus não se vinga”, foi extraído textualmente de Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1865 > Maio > Dissertações espíritas.

I – As idéias preconcebidas

Nós vos temos dito muitas vezes que examineis as comunicações que vos são dadas, submetendo-as à análise da razão, e que não tomeis sem exame as inspirações que vêm agitar o vosso espírito, sob a influência de causas por vezes muito difíceis de constatar pelos encarnados, submetidos a distrações sem número.

As ideias puras que, por assim dizer, flutuam no espaço (segundo a ideia platônica), levadas pelos Espíritos, nem sempre podem alojar-se sós e isoladas no cérebro dos vossos médiuns. Muitas vezes elas encontram o lugar ocupado por ideias preconcebidas que se escoam com o jacto de inspiração, que o perturbam e o transformam de maneira inconsciente, é certo, mas algumas vezes de maneira bastante profunda para que a ideia espiritual seja, assim, inteiramente desnaturada.

A inspiração encerra dois elementos: o pensamento e o calor fluídico destinado a aquecer o espírito do médium, dando-lhe o que chamais a verve da composição. Se a inspiração encontrar o lugar ocupado por uma ideia preconcebida, da qual o médium não pode ou não quer desligar-se, nosso pensamento fica sem intérprete, e o calor fluídico se gasta em aquecer um pensamento que não é o nosso. Quantas vezes, em vosso mundo egoísta e apaixonado, vimos trazer o calor e a ideia! Desdenhais a ideia, que vossa consciência deveria fazer-vos reconhecer, e vos apoderais do calor em proveito de vossas paixões terrestres, assim por vezes dilapidando o bem de Deus em proveito do mal. Assim, quantas contas terão que prestar um dia todos os advogados das causas perdidas!

Sem dúvida seria desejável que as boas inspirações pudessem dominar sempre as ideias preconcebidas, mas, então, nós entravaríamos o livre-arbítrio da vontade do homem, e este último escaparia, assim, à responsabilidade que lhe pertence. Mas se somos apenas os conselheiros auxiliares da Humanidade, quantas vezes nos temos que felicitar, quando nossa ideia, batendo à porta de uma consciência reta, triunfa da ideia preconcebida e modifica a convicção do inspirado! Contudo, não se deveria crer que nosso auxílio mal-empregado não traia um pouco o mau uso que dele podem fazer. A convicção sincera encontra acentos que, partidos do coração, chegam ao coração; a convicção simulada pode satisfazer a convicções apaixonadas, vibrando em uníssono com a primeira, mas carrega um frio particular, que deixa a consciência insatisfeita e denota uma origem duvidosa.

Quereis saber de onde vêm os dois elementos da inspiração medianímica? A resposta é fácil: a ideia vem do mundo extraterreno, é a inspiração própria do Espírito. Quanto ao calor fluídico da inspiração, nós o encontramos e o tomamos de vós mesmos; é a parte quintessenciada do fluido vital em emanação. Algumas vezes tomamo-la do próprio inspirado, quando este é dotado de um certo poder fluídico (ou medianímico, como dizeis); o mais das vezes nós o tomamos em seu ambiente, na emanação de benevolência de que ele está mais ou menos rodeado. É por isto que se pode dizer com razão que a simpatia torna eloquente.

Se refletirdes atentamente nestas causas, encontrareis a explicação de muitos fatos que a princípio causam admiração, mas dos quais cada um possui uma certa intuição. Só a ideia não bastaria ao homem, se não lhe dessem a força para exprimila. O calor é para a ideia o que o perispírito é para o Espírito, o que o vosso corpo é para a alma. Sem o corpo a alma seria impotente para agitar a matéria; sem o calor, ideia seria impotente para comover os corações.

A conclusão desta comunicação é que jamais deveis abdicar de vossa razão, no exame das inspirações que vos são submetidas. Quanto mais ideias adquiridas tem o médium, mais é ele susceptível de ideias preconcebidas; também mais deve fazer tábula rasa de seus próprios pensamentos, depositar as influências que o agitam e dar à sua consciência a abnegação necessária a uma boa comunicação.

II – Deus não se vinga

O que precede é apenas um preâmbulo destinado a servir de introdução a outras ideias. Falei de ideias preconcebidas, mas há outras além das que vêm das inclinações do inspirado; há as que são consequência de uma instrução errônea, de uma interpretação acreditada num tempo mais ou menos longo, que tiveram sua razão de ser numa época em que a razão humana estava insuficientemente desenvolvida e que, passadas ao estado crônico, não podem ser modificadas senão por heróicos esforços, sobretudo quando têm por si a autoridade do ensino religioso e de livros reservados. Uma destas ideias é esta: Deus se vinga. Que um homem, ferido em seu orgulho, em sua pessoa ou em seus interesses se vingue, isto se concebe. Essa vingança, embora culposa, está dentro dos limites das imperfeições humanas, mas um pai que se vinga em seus filhos levanta a indignação geral, porque cada um sente que um pai, com a tarefa de formar os seus filhos, pode redirecionálos nos seus erros e corrigir seus defeitos por todos os meios ao seu alcance, mas que a vingança lhe é interdita, sob pena de tornar-se estranho a todos os direitos da paternidade.

Sob o nome de vindita pública, a Sociedade que está desaparecendo vingava-se dos culpados; a punição infligida, muitas vezes cruel, era a vingança que ela tomava do homem perverso. Ela não tinha a menor preocupação com a reabilitação desse homem e deixava a Deus o cuidado de puni-lo ou de perdoá-lo. Bastava-lhe ferir pelo terror, que julgava salutar, os futuros culpados. A Sociedade que vêm não mais pensa assim; se ela ainda não age em vista da emenda do culpado, ao menos compreende o que a vingança encerra de odioso por si mesma; salvaguardar a Sociedade contra os ataque de um criminoso lhe basta, auxiliada pelo medo de um erro judiciário. Em breve a pena capital desaparecerá dos vossos códigos.

Se hoje a Sociedade se sente grande demais diante de um culpado, para se deixar ir à cólera e dele vingar-se, como quereis que Deus, participando de vossas fraquezas, se tome de um sentimento irascível e fira por vingança um pecador chamado ao arrependimento? Crer na cólera de Deus é um orgulho da Humanidade, que imagina ter um grande peso na balança divina. Se a planta do vosso jardim vem mal, se se desvia, ireis encolerizar-vos e vos vingar dela? Não; endireitá-la-eis, se puderdes, dar-lhe-eis um apoio, forçareis, por entraves, as suas más tendências, se necessário a transplantareis, mas não vos vingareis. Assim faz Deus.

Deus vingar-se, que blasfêmia! Que diminuição da grandeza divina! Que ignorância da distância infinita que separa a criação de sua criatura! Que esquecimento de sua bondade e de sua justiça!

Deus viria, numa existência em que não vos resta nenhuma lembrança de vossos erros passados, fazer-vos pagar caro pelas faltas que podeis ter cometido numa época apagada em vosso ser! Não, não! Deus não age assim. Ele entrava o impulso de uma paixão funesta, corrige o orgulho inato por uma humildade forçada, endireita o egoísmo do passado pela urgência de uma necessidade presente que leva a desejar a existência de um sentimento que o homem não conheceu nem experimentou. Como pai, ele corrige, mas, também como pai, Deus não se vinga.

Guardai-vos dessas ideias preconcebidas de vingança celeste, restos dispersos de um erro antigo. Guardai-vos dessas tendências fatalistas, cuja porta está aberta para vossas doutrinas novas, e que vos conduziriam diretamente ao quietismo oriental. A parte de liberdade do homem já não é bastante grande para apequená-la ainda mais por crenças errôneas. Quanto mais sentirdes vossa liberdade, sem dúvida maior será a vossa responsabilidade, e tanto mais os esforços de vossa vontade vos conduzirão à frente, na via do progresso.

Pascal