O Espiritismo Ciência e o Espiritismo Religião

Temos dois aspectos atualmente defendidos pelo movimento espírita: o de o Espiritismo ser uma ciência e o de ele ser uma religião. Unindo esses dois aspectos, alguns afirmam que ele tenha um tríplice aspecto: ciência, filosofia e religião.

Antes de mais nada, precisamos destacar que o Espiritismo somente pode ser visto como religião no aspecto filosófico, e não no aspecto ecumênico.

E o fato de ser uma religião no sentido filosófico, afirmado por Kardec, liga-se diretamente ao fato de a Doutrina Espírita ser um desenvolvimento do Espiritualismo Racional, Movimento Filosófico que delineou as ciências morais francesas e o ensino, naquele país, por grande parte do século XIX.

Se assim é, perguntarão, então o Espiritismo é uma religião? Ora, sim, sem dúvida, senhores; no sentido filosófico, o Espiritismo é uma religião, e nós nos glorificamos por isto, porque é a doutrina que funda os laços da fraternidade e da comunhão de pensamentos, não sobre uma simples convenção, mas sobre as mais sólidas bases: as próprias leis da Natureza.

KARDEC, Allan. Revista Espírita, dezembro de 1868. Sessão anual comemorativa dos mortos.

O Espiritismo, portanto, não é uma religião como entendemos atualmente. É justamente por isso que Allan Kardec defende que o termo não seja usado, a fim de não causarmos más interpretações e não colocarmos o Espiritismo num campo em que ele não se encaixa e onde, deixando de ser ciência, é vencido pela disputa entre religiões e entre ciência e religião. Não, isto não é cabido nem merecido a essa doutrina nascida do método científico e presente na própria natureza.

Por que, então, temos declarado que o Espiritismo não é uma religião? Porque não há uma palavra para exprimir cada ideia, e porque, na opinião geral, a palavra religião é inseparável da ideia de culto; porque ela desperta exclusivamente uma ideia de forma, que o Espiritismo não tem. Se o Espiritismo se dissesse religião, o público não veria aí senão uma nova edição, uma variante, se quiserem, dos princípios absolutos em matéria de fé; uma casta sacerdotal com seu cortejo de hierarquias, de cerimônias e de privilégios; ele não o separaria das ideias de misticismo e dos abusos contra os quais tantas vezes a opinião pública se levantou.

Não tendo o Espiritismo nenhum dos caracteres de uma religião, na acepção usual do vocábulo, não podia nem devia enfeitar-se com um título sobre cujo valor as pessoas inevitavelmente ter-se-iam equivocado. Eis por que simplesmente se diz: doutrina filosófica e moral.

Ibidem

Espiritismo-Religião

O Espiritismo-religião esconde-se, como religião, nos centros espíritas, como as demais religiões moram em suas igrejas e templos (há até quem já esteja chamando o centro espírita de “templo”). Não pratica as evocações e aceita cegamente o que dizem médiuns ou Espíritos isolados, ou, ainda, o que determinam instituições como a FEB – Federação Espírita Brasileira. O Espiritismo-religião se tornou dogmático e deixou de lado os princípios doutrinários e científicos nascidos do longo e exaustivo estudo de Allan Kardec. Enterrou seu legado, em grande parte, para ficar com as mais diversas falsas ideias modernas, oriundas do misticismo, que permitiu que se instalasse em seu seio.

Para ser adepto do Espiritismo-religião, o indivíduo é levado a crer que depende de deixar de lado sua própria religião, porque é assim que funciona nesse sentido. Pode-se estudar matemática ou botânica sendo católico ou evangélico, mas não se dá o mesmo com uma religião, não é mesmo?

Mas, muitas vezes, esse adepto sincero, sedento de conhecimentos, encontra no Espiritismo-religião nada mais que uma nova religião, cheia de dogmas. Às vezes, o Espiritismo-religião se torna até preconceituoso e afasta novos adeptos, ao ser taxativo em apontar para pessoas com certas características e dizer que são assim porque estariam pagando débitos de vidas passadas, dentre outras ideias que beiram o absurdo.

Mas isso não corresponde em nada ao Espiritismo-ciência.

O Espiritismo-Ciência

O Espiritismo-ciência não se escondia. Galgado na força do Espiritualismo Racional, que desenvolveu pela Psicologia Experimental, alastrava-se como pólvora, como qualquer outra ciência. Era não só aceito, mas estudado, em pessoa, por gente das camadas mais cultas da sociedade. Príncipes, princesas, reis, rainhas, filósofos, cientistas, médicos, doutores. Ele se disseminava, por ser algo puramente claro e racional, entre religiosos de todos os credos, encontrando, entre seus números, até mesmo católicos ortodoxos e muçulmanos.

IV. ─ Em relação à instrução:O grau de instrução é muito fácil de avaliar pela correspondência. Instrução cuidada, 30%; simples letrados, 30%; instrução superior, 20%; ─ semiletrados, 10%; ─ iletrados, 6%; ─ sábios oficiais, 4%.

V. ─ Em relação às ideias religiosas: católicos romanos, livres-pensadores, não ligados ao dogma, 50%; ─ católicos gregos, 15%; ─ judeus, 10%; ─ protestantes liberais, 10%; ─ católicos ligados aos dogmas, 10%; ─ protestantes ortodoxos, 3%; ─ muçulmanos, 2%.

KARDEC, Allan. Revista Espírita, janeiro de 1869. Estatística do Espiritismo.

Ah!, como era maravilhoso e, ao mesmo tempo, simples, o Espiritismo-ciência. Era praticado nos lares. As famílias realizavam evocações particulares de seus entes queridos, e com eles aprendiam e se consolavam. Por vezes, evocavam Espíritos sofredores, e os ajudavam a se acalmarem, com novas compreensões. Muitas vezes, enviavam as anotações dessas evocações para Allan Kardec, que as analisava junto aos demais associados da SPEE. Quantas vezes essas evocações particulares deram lugares a novas hipóteses e novas investigações!

O Espiritismo-ciência era visto de maneira séria. Não se admitiam novos princípios doutrinários sem que fossem verificados pelo método do duplo controle: a comunicação de um mesmo princípio por todo parte, sendo avaliadas essas comunicações perante a lógica e a razão. Não se negava nem se aceitava nada sem realizar esse processo. Quantas vezes Kardec voltou atrás e abandonou uma hipótese, por vê-la inválida perante as evidências?

No Espiritismo-ciência, os centros eram centros sérios de estudos. Praticavam as evocações com a finalidade de aprendizado e, nos mais sérios, segundo preceitos de Kardec, não se admitiam nas reuniões mediúnicas nem os neófitos, nem os curiosos.

O Espiritismo-ciência faz falta. Nele, Kardec encontrava argumentos muito claros e racionais para descartar as mais absurdas e infundadas críticas contra o Espiritismo. Hoje, o Espiritismo-religião frequentemente perde adeptos para a descrença, porque as ideias nascidas da aceitação cega não conseguem enfrentar a razão.

Faríamos melhor se nem sequer falássemos em “Espiritismo-religião”, mas apenas em “Movimento Espírita Religioso”, talvez. Mas é importante destacar a incongruência entre os dois conceitos, pois precisamos fazer esforços para voltar ao “Espiritismo-ciência”, aquele que todo mundo pode estudar, sem abandonar suas religiões; aquele que dá a fé raciocinada, que pode enfrentar a razão, a qualquer tempo; aquele, enfim, que não terminou com Kardec, e que precisa continuar.

O Espiritismo-ciência encontra sua formação largamente registrada na Revista Espírita de 1858 a 1869, fruto de um extenuado trabalho de mais de 12 anos sobre comunicações espontâneas, evocações e manifestações de milhares de Espíritos, por milhares de médiuns, em milhares de grupos, por toda parte do mundo. Já o “Espiritismo-religião” encontra-se predominantemente em romances, frutos da opinião de um Espírito, que não se questiona pelo método necessário.

Na data em que se comemora o nascimento de Allan Kardec, penso que precisamos fazer muito mais pela defesa de seu legado, que, longe de ser uma criação religiosa para conduzir fiéis, abarca a toda a comunidade de Espíritos encarnantes no planeta Terra. Esse legado é maior que eu, que você, que nosso grupo. Não depende e nem deve depender da opinião de quem seja. Precisa ser recuperado em sua fonte. Eis o trabalho.


Allan Kardec, o grande responsável pelo Espiritismo como ciência.

Até o último instante de sua existência física, Allan Kardec deixou profundos ensinamentos. Morreu como viveu: trabalhando pelo Espiritismo. Suas mãos laboriosas despediram-se deste mundo entregando a Revista Espírita — periódico no qual deixou registrados seus ensinamentos, suas lutas, suas vitórias e, naquele último momento, sua imortalidade.

[…]

No cemitério, os curiosos procuravam posicionar-se nos lugares de onde podiam escutar os discursos. No entanto, quando o ataúde desceu para o fundo da cova, a emoção calou as palavras; fez-se um grande silêncio.

PRIVATO, Simoni. O Legado de Allan Kardec.




Alzheimer e Espiritismo: expiação de dívidas de vidas passadas?

Há algum tempo, um médium muito conhecido disse, em público, falando em Alzheimer e Espiritismo, que as doenças degenerativas são expiações de erros de vidas passadas…

Amigos, cuidado com as generalizações. Infelizmente, a maior parte dos Espíritas ativos, e falando em nome da Doutrina, não conhecem o Espiritismo em sua realidade.

Esquecemos que as atitudes desta vida, conscientes ou não, tem consequências nesta vida? Esquecemos que o consumo prolongado de certas substâncias, inclusive aquelas vendidas nas farmácias, provocam danos em nosso corpo?

Foi por conta dessas ideias que, quando minha avó morreu de câncer, me revoltei contra Deus, porque fiquei me perguntando como uma pessoa tão boa como ela poderia ter que “pagar” com algo tão ruim. Lastimável efeito dessas opiniões absurdas, superado, enfim, pelo estudo do Espiritismo em sua realidade.

De onde foi que tiramos essas ideias de que sofremos nesta vida para resgatar débitos, senão da ausência de um estudo profundo da ciência espírita?

Vejam: prova é tudo o que enfrentamos na vida e que nos permite o aprendizado. Já a expiação é a escolha consciente do Espírito que visa tentar se desapegar de uma imperfeição adquirida por sua própria vontade.

“8o) A duração do castigo está subordinada ao aperfeiçoamento do espírito culpado. Nenhuma condenação por um tempo determinado é pronunciada contra ele. O que Deus exige para pôr fim aos sofrimentos é o arrependimento, a expiação e a reparação – em resumo: um aperfeiçoamento sério, efetivo, assim como um retorno sincero ao bem.” – KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno, Cap. VIII – As penas futuras segundo o Espiritismo. Editora FEAL

“Reparar” é reparar esse desvio, para aqueles que o tomam. Nem todos tomam esses desvios, mas continuaremos encarnando nos planetas relativos à nossa evolução espiritual, onde sofreremos as vicissitudes da matéria, cada vez menores, conforme nos elevamos pelo aprendizado colaborativo.

Não existe carma no Espiritismo.




Um evangélico estudando o Espiritismo

Fico cada vez mais feliz em constatar que a quantidade de interesse pelo Espiritismo vem crescendo entre as religiões, e até entre o protestantismo evangélico. Hoje, venho contar de um evangélico estudando o Espiritismo.

O amigo, P…, com o qual tive o grato contato, conta que nasceu no meio protestante e nele cresceu. Contudo, conta que seu pai, desde sua infância, o ensinou a não crer cegamente no que diziam os pastores, recomendando que, havendo dúvida, fosse buscar o que estava escrito na Bíblia. Eis o princípio do Espiritismo, ensinado por um evangélico: a busca pela razão, em nada crendo cegamente. É sempre triste notar que, hoje, não se encontra esse princípio nem no próprio movimento espírita.

Vejam, amigos, o quanto é imprescindível transmitir os melhores valores às crianças. Eu dou também o meu exemplo, porque meu pai também me ensinou o mesmo, refletindo os ensinamentos de Kardec, puramente científicos. Mesmo tendo atravessado um período de descrença, porque o que eu outrora conhecia não estava firmado sobre essa ciência que é o Espiritismo, consegui reencontrar o caminho, e hoje estudo a Doutrina Espírita onde ela reside em toda sua confiabilidade: nas obras de Allan Kardec.

Religiosos estudavam o Espiritismo no passado

Quero destacar que Kardec, na Revista Espírita de janeiro de 1869, dá as seguintes estatísticas sobre os adeptos espíritas:

Em relação às ideias religiosas:

  • católicos romanos, livres-pensadores, não ligados ao dogma, 50%;
  • católicos gregos, 15%;
  • judeus, 10%;
  • protestantes liberais, 10%;
  • católicos ligados aos dogmas, 10%;
  • protestantes ortodoxos, 3%;
  • muçulmanos, 2%.

São números muito interessantes, principalmente quando confrontados com a época atual, em que o Espiritismo, visto como religião (uma falsa ideia) encontra resistência e dificuldade para proliferar. Protestante, naquela época, é o evangélico de hoje.

Não é demais relembrar que o Espiritismo é a ciência da própria Criação, existindo entre todos e provocando, com seus fenômenos, até mesmo aqueles que o negam. Sendo, antes de tudo, uma ciência, pode ser estudado por todos, com grande proveito, e não foi senão por adulterações que deixou de ser assim.

Leia também: Chega de rixas, chega de briga: é chegado o momento de colaborar!

A importância do questionamento

Mas também é fato que muitos que chegam ao Espiritismo, entram pela porta das falsas ideias que reinam no movimento espírita moderno, que anda muito renitente em retomar Kardec, antes de tudo. Aqui, devo mais uma vez reconhecer a força de vontade de P…, nascido no meio evangélico, mas que nunca colocou de lado o raciocínio e, tendo encontrado material que demonstra a ciência espírita, prontamente encontrou nele algo que lhe atendesse às perquirições racionais.

É por isso que sempre destaco a importância de cada um fazer a sua parte, da melhor forma que puder. Mas, para fazer assim, solidificar o conhecimento na ciência é imprescindível. Erra-se menos agindo dessa forma.

Porto seguro

O porto seguro do Espiritismo está nas obras de Kardec, não por que ele tenha dado a última palavra, mas porque as palavras que deu nasceram do método científico. Hoje, abandonado o método, existe uma infinitude de falsas ideias, muitas vezes contrárias aos princípios doutrinários, nascidos do estudo metodológico de milhares de Espíritos, evocados ou de livre comunicação, por toda a parte.

É necessário estudar e, desse estudo, solidificado, é necessário produzir. Façamos a nossa parte, pois existem muitos outros como P…, – protestantes, católicos, umbandistas, etc. – pelo mundo, aos quais apenas falta o contato com as ideias verdadeiras.




O inferno, segundo o Espiritismo

O Espiritismo demonstrou a impossibilidade da existência do Inferno, bem como do purgatório como um lugar após a morte. É lógico notar que, com isso, demonstra a impossibilidade das construções modernas de ideias como a do umbral. Mas, ao mesmo tempo, demostrou a existência desses dois últimos, não como um local fluídico, mas como um local material: os próprios planetas como a Terra e inferiores, onde, literalmente, se purgam as imperfeições adquiridas:

“É, portanto, nas sucessivas encarnações que a alma se despoja pouco a pouco de suas imperfeições, em outras palavras, que ela se purga, até que esteja pura o bastante para merecer deixar os mundos de expiação e ir para mundos mais ditosos, de onde mais tarde parte para fruir da felicidade suprema ((No início de sua evolução, há imperfeições que são hábitos equivocados criados pelo apego, que resultam em orgulho e egoísmo. Essa responsabilidade pessoal, somente daqueles que escolherem esse caminho penoso, configura a condição de imperfeição e sofrimento morais que deverão ser superados pela expiação. Todavia, nos planetas primitivos, há as vicissitudes decorrentes da falta de inteligência para criar melhores condições de vida e conforto, quanto a alimentação, moradia, saúde. Também falta oportunidade para todos progredirem, como educação, trabalho, família. Por isso, todos enfrentam provas, que são oportunidades para o progresso, individual e coletivo. São os planetas de expiação e provas. (N. do E.) )).

O Purgatório não é mais, por conseguinte, uma ideia vaga e incerta, é uma realidade material que vemos, tocamos e sofremos. Ele está nos mundos de expiação, e a Terra é um desses mundos – nela os homens expiam o passado e o presente em proveito de seu futuro. Mas, ao contrário da ideia que se tem tradicionalmente do Purgatório, depende de cada um abreviar ou prolongar a sua permanência aí, segundo o grau de adiantamento e pureza a que se chega pelo trabalho sobre si mesmo. Saímos desses mundos não porque tenha chegado a termo nosso tempo, ou pelo mérito de outros, mas em razão do nosso próprio mérito, segundo as palavras do Cristo: – A cada um, conforme suas obras –, palavras que resumem toda a justiça de Deus.

O Espiritismo não veio, portanto, negar a penalidade futura – veio, ao contrário, confirmá-la. O que ele destrói é o Inferno localizado, com suas fornalhas e suas penas irremissíveis. Não nega o Purgatório, porquanto prova que nele nos encontramos, definindo-o e detalhando-o, explicando a causa das misérias terrestres, conduzindo à crença, com isso, aqueles que o negavam.”

KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno – Editora FEAL




Paul Broca e o Magnetismo

Pierre Paul Broca, o Dr. Broca, é reconhecido no meio médico por ser um grande contribuinte para a área. Criança-prodígio, foi um grande cirurgião e antropólogo francês. Mas existe uma face de suas experiências absolutamente desconhecida, ligada ao Magnetismo de Mesmer (leia “Mesmer: a ciência negada do Magnetismo Animal”, de Paulo Henrique de Figueiredo), naquela época conhecido apenas por um de seus “filhos”: o hipnotismo.

Abordando as experiências de diversos cientistas e médicos renomados da época, Allan Kardec – ele mesmo – apresenta, na Revista Espírita de janeiro de 1860, o artigo “o magnetismo perante a academia“, do qual destacamos as partes seguintes:

“O Sr. Azam, professor substituto de clínica cirúrgica da Escola de Medicina de Bordéus, tendo repetido com sucesso as experiências do Dr. Braid, trocou ideias com o Dr. Paul Broca, que imaginou que as pessoas hipnotizadas talvez fossem insensíveis à dor das operações cirúrgicas. A carta que acaba de dirigir à Academia de Ciências é o resumo de suas experiências a respeito.

“Antes de tudo, devia ele assegurar-se da realidade do hipnotismo, o que conseguiu sem dificuldades.

“Visitando uma senhora de uns quarenta anos, algo histérica, e que estava acamada por ligeira indisposição, o Dr. Broca fazia de conta que queria examinar os olhos da paciente e lhe pedia que olhasse fixamente um frasquinho dourado que ele segurava a uns quinze centímetros da raiz do nariz. Ao cabo de três minutos os olhos ficaram um pouco vermelhos, os traços imóveis, as respostas lentas e difíceis, mas perfeitamente racionais. O Dr. Broca levantou o braço da doente e este se manteve na posição deixada; posicionou os dedos nas mais extremas situações e eles as conservaram; beliscou a pele em vários pontos, com certa força e, ao que parece, a paciente nada sentiu. Catalepsia, insensibilidade! O Dr. Broca não levou adiante a experiência, pois ela já lhe havia ensinado o que queria saber. Uma fricção sobre os olhos e uma insuflação de ar frio na fronte trouxeram a doente ao estado normal. Ela não tinha a menor lembrança do que se havia passado.

“Restava saber se a insensibilidade hipnótica resistiria à prova das operações cirúrgicas.

“Entre os doentes do Hospital Necker, no serviço do Dr. Follin, estava uma pobre senhora de 24 anos, vítima de extensa queimadura nas costas e nos dois membros direitos e de um abscesso extremamente doloroso. Os menores movimentos lhe eram um suplício. Esgotada pelo sofrimento e, de resto, muito pusilânime, essa infeliz pensava com terror na operação que se fazia necessária. Foi nela que, de acordo com o Dr. Follin, o Dr. Broca resolveu completar a prova do hipnotismo.

“Puseram-na num leito em frente à janela, prevenindo-a que ia dormir. Ao cabo de dois minutos suas pupilas se dilataram. Levantaram o braço esquerdo quase verticalmente acima do leito e ele ficou imóvel. No quarto minuto suas respostas são lentas e quase penosas, mas perfeitamente sensatas. Quinto minuto: o Dr. Follin belisca a pele do braço esquerdo e a doente não o acusa; nova picada mais funda, que produz sangue, e a mesma impassibilidade. Levantam o braço direito, que fica no ar. Então as cobertas são levantadas e os membros inferiores afastados, para deixar a descoberto a sede do abscesso. A doente consente e diz com tranquilidade que, sem dúvida, vão magoá-la. Aberto o abscesso, solta um grito fraco. Foi o único sinal de reação, e que durou menos de um segundo. Nem o menor tremor de músculos do rosto ou dos membros, nem uma agitação nos braços, sempre elevados verticalmente acima do leito. Os olhos um pouco injetados estavam largamente abertos e o rosto tinha a imobilidade de uma máscara…

“Levantado, o pé esquerdo fica suspenso. Tiram o objeto brilhante, uma luneta, e persiste a catalepsia. Pela terceira vez picam o braço esquerdo, o sangue borbulha e a operada nada sente. Há 13 minutos o braço guarda a posição que lhe foi dada.

“Enfim, uma fricção nos olhos e uma insuflação de ar fresco despertam a jovem senhora quase que subitamente. Relaxados, os braços e a perna esquerda tombam imediatamente sobre a cama. Ela esfrega os olhos, retoma a consciência, de nada se lembra e se admira de que a tenham operado. A experiência tinha durado de 18 a 20 minutos. O período de anestesia, de 12 a 15.

“Tais são, em resumo, os fatos essenciais relatados pelo Dr. Broca à Academia de Ciências. Já não são mais isolados. Um grande número de cirurgiões de nossos hospitais tiveram a honra de repeti-los, e o fizeram com sucesso. O objetivo do Dr. Broca e de seus ilustres colegas era, e deveria ser, cirúrgico. Esperemos que, como meio de provocar a insensibilidade, tenha o hipnotismo todas as vantagens dos agentes anestésicos, sem lhes ter os inconvenientes. Mas a Medicina não é do nosso domínio e, para não sair de suas atribuições, nossa Revista não deve considerar o fato senão sob o ponto de vista fisiológico.

KARDEC, Allan. Revista Espírita de janeiro de 1861.




Mediunidade nos animais

Trechos de artigo sobre mediunidade nos animais, obtido da Revista Espírita de agosto de 1861.

Para começar, entendamo-nos acerca dos nossos fatos. Que é um médium? É o ser, é o indivíduo que serve aos Espíritos como traço de união, a fim de que estes facilmente possam comunicar-se com os homens, Espíritos encarnados. Por consequência, sem médium, nada de comunicações tangíveis, mentais, escritas, físicas, nem de qualquer espécie.

Abordo hoje o problema da mediunidade dos animais, levantado e sustentado por um dos vossos mais fervorosos adeptos. Em virtude do axioma quem pode o mais pode o menos, pretende ele que podemos mediunizar aves e outros animais, deles nos servindo em nossas comunicações com a espécie humana. É o que, em Filosofia, ou antes, em Lógica, chamais pura e simplesmente um sofisma.

Os homens estão sempre dispostos a exagerar tudo. Uns ─ e não falo aqui dos materialistas ─ recusam uma alma aos animais e outros querem conceder-lhes uma, por assim dizer, semelhante à nossa. Por que querer assim confundir o perfectível com o imperfectível? Não, não. Estejam bem convictos de que o fogo que anima os animais, o sopro que os faz agir, mover-se e falar sua linguagem não tem, até o presente, nenhuma aptidão para se misturar, para unir-se, para fundir-se com o sopro divino, a alma etérea, o Espírito, numa palavra, que anima o ser essencialmente perfectível, o homem, esse rei da Criação. Ora, o que marca a superioridade da espécie humana sobre as outras espécies terrenas não é essa condição essencial de perfectibilidade? Então! Reconhecei, pois, que não é possível assimilar ao homem, único perfectível em si e em suas obras, qualquer indivíduo das outras raças vivas na Terra.

Certamente os Espíritos podem tornar-se visíveis e tangíveis pelos animais, muitas vezes tomados de súbito por esse pavor que vos parece infundado, e que é causado pela vista de um ou vários desses Espíritos mal-intencionados para com os indivíduos presentes ou para com os donos desses animais. Muitas vezes encontrais cavalos que não querem avançar nem recuar ou que empacam ante um obstáculo imaginário. Pois bem! Tende certeza de que o obstáculo imaginário é frequentemente um Espírito ou um grupo de Espíritos que se divertem impedindo-lhes o avanço. Lembrai-vos da jumenta de Balaão, que vendo um anjo à sua frente e, temendo a sua espada chamejante, obstinava-se em não avançar. É que antes de se tornar visível a Balaão, o anjo quis mostrar-se apenas para o animal. Mas, repito, não mediunizamos diretamente nem os animais, nem a matéria inerte. Sempre nos é preciso o concurso consciente ou inconsciente de um médium humano, porque nos é necessária a união de fluidos similares, o que não encontramos nos animais, nem na matéria bruta.

Ele diz que o Sr. Thiry magnetizou seu cão. Que aconteceu? Ele o matou, porque esse infeliz animal depois caiu numa espécie de atonia, de langor, em consequência da magnetização. Com efeito, inundando-o de um fluido tirado de uma essência superior à essência especial de sua natureza, esmagou-o e sobre ele agiu, embora mais lentamente, à maneira de um raio. Assim, como não há nenhuma identificação possível entre o nosso perispírito e o envoltório fluídico dos animais propriamente ditos, nós os esmagaríamos instantaneamente se os mediunizássemos.

Assentado isto, reconheço perfeitamente que nos animais existem aptidões diversas; que certos sentimentos; que certas paixões idênticas às paixões humanas neles se desenvolvem; que são sensíveis e reconhecidos, vingativos e odientos, conforme se atue bem ou mal com eles. É que Deus, que nada faz incompleto, deu aos animais companheiros ou servos do homem, qualidades de sociabilidade que faltam inteiramente aos animais selvagens que habitam as solidões.

Resumindo: os fatos mediúnicos não se podem manifestar sem o concurso consciente ou inconsciente do médium, e só entre os encarnados, Espíritos como nós, é que podemos encontrar os que nos podem servir de médiuns. Quanto a educar cães, aves ou outros animais para fazerem tais ou quais exercícios, é assunto vosso e não nosso.

ERASTO.

Revista Espírita, agosto de 1861 – Os animais médiuns

Leia mais sobre mediunidade.




Maldição e Espiritismo

Este artigo visa abordar, muito sucintamente, o tema da maldição segundo o Espiritismo. Conhecimentos para isso podem ser colhidos à fartura na Revista Espírita e nas demais obras de Allan Kardec.

Se alguém te lançar uma maldição, existem 5 possibilidades:

1. Nenhum Espírito participa disso, mas você, sabendo da “maldição”, acredita na nela e se auto sugestiona;

2. Participa um ou mais Espíritos maldosos, e você, sabendo da “maldição”, acredita, se auto sugestiona e se permite influenciar pelos Espíritos;

3. Você não faz a menor ideia da maldição, mas existem Espíritos maldosos envolvidos nela. Eles buscam te atingir pelos seus pensamentos, te atacando em possíveis imperfeições. Como a imperfeição nasce do apego, os pensamentos te agradam e você, não os combatendo (aos pensamentos) vai lentamente sendo obsediado.

4. Você não faz ideia da maldição, e não se permite ter maus pensamentos, apegos, etc. Nada acontece com você, senão, quem sabe, um incômodo passageiro.

5. Você sabe da maldição, existem ou não maus Espíritos envolvidos, mas você estudou o Espiritismo nas obras de Kardec, sabe como as coisas se passam e está sempre buscando se vigiar. Sabe, ademais, que quem pratica o mal está praticando para si mesmo. Você faz preces por aquelas pessoas e Espíritos, e eles, não encontrando em você a porta aberta, rapidamente desistem.

O Livro dos Espíritos dá o essencial

552. Que se deve pensar da crença no poder, que certas pessoas teriam, de enfeitiçar?

“Algumas pessoas dispõem de grande poder magnético, de que podem fazer mau uso, se maus forem seus próprios Espíritos, caso em que possível se torna serem secundadas por outros Espíritos maus. Não creias, porém, num pretenso poder mágico, que só existe na imaginação de criaturas supersticiosas, ignorantes das verdadeiras leis da natureza. Os fatos que citam como prova da existência desse poder são fatos naturais, mal observados e sobretudo mal compreendidos.”

553. Que efeito podem produzir as fórmulas e práticas mediante as quais pessoas há que pretendem dispor da vontade dos Espíritos?

“O efeito de torná-las ridículas, se procedem de boa-fé. No caso contrário, são velhacos que merecem castigo. Todas as fórmulas são mera ilusão. Não há palavra sacramental nenhuma, nenhum sinal cabalístico, nem talismã, que tenha qualquer ação sobre os Espíritos, porquanto estes só são atraídos pelo pensamento e não pelas coisas materiais.”

O Livro dos Espíritos

Conclusão

Tire de cenário a ideia de que a maldição seja a transferência de más energias. é necessário estudar o Espiritismo, nas obras de Kardec. Os fluidos espirituais tem seu papel, é claro, mas eles dependem de sintonia. Tire da cabeça, também, a ideia de “maldições hereditárias”, porque a herança é da carne, mas fica claro que o papel, aqui, é espiritual. Você só “herdaria” uma “maldição” se os Espíritos encontrarem, em você, motivo e aceitação para continuar te aborrecendo também.

E, é claro, não acredite em fórmulas mágicas, rituais ou objetos materiais quaisquer para solucionar o caso, pois nada disso tem poder sobre os Espíritos, como já foi demonstrado neste artigo. Para “reverter” uma maldição, é necessário agir sobre a moral, isto é, compreender, se analisar e procurar se modificar naquilo que te afaste do bem.

Estude a Revista Espírita (1858-1869)

Foto de capa: Fariborz MP: https://www.pexels.com/pt-br/foto/acessorios-adulto-aventura-facanha-11009468/




Palestras familiares de além-túmulo – Suicídio de um ateu

Obtido da Revista Espírita de fevereiro de 1861

O Sr. J. B. D…, evocado a pedido de um de seus parentes, era um homem instruído, mas até o último grau imbuído de ideias materialistas. Não acreditava na alma nem em Deus. Afogou-se voluntariamente há dois anos.

1. (Evocação).

─ Sofro! Sou um condenado.

2. ─ Pediram-nos que vos chamasse da parte de um dos vossos parentes, que deseja conhecer a vossa sorte. Podeis dizer se esta evocação é agradável ou penosa?

─ Penosa.

3. ─ Vossa morte foi voluntária?

─ Sim.

Observação: O Espírito escreve com extrema dificuldade. A letra é grande, irregular, convulsa e quase ilegível. De início denota cólera, quebra o lápis e rasga o papel.

4. ─ Tende calma. Rogaremos por vós a Deus.

─ Sou forçado a crer em Deus.

5. ─ Que motivo vos levou a vos destruirdes?

─ Tédio da vida sem esperança. 

Observação: Compreende-se o suicídio quando a vida é sem esperança. Quer-se fugir à infelicidade a todo custo. Com o Espiritismo o futuro se desenrola e a esperança se legitima. O suicídio, então, não tem objetivo; ainda mais, reconhece-se que por tal meio não se escapa a um mal senão para cair num outro cem vezes pior. Eis por que o Espiritismo já subtraiu tantas vítimas à morte voluntária. Estão errados e são sonhadores aqueles que nele buscam, antes de mais nada, o fim moral e filosófico? Muito culpados são aqueles que, por sofismas científicos e no suposto nome da razão, se esforçam por prestigiar a ideia desesperada, fonte de tantos males e crimes, de que tudo acaba com a vida. Serão responsáveis não só por seus próprios erros, mas por todos os males de que tiverem sido causadores.

6. ─ Quisestes escapar às vicissitudes da vida. Conseguistes alguma coisa? Sois mais feliz agora?

─ Por que o nada não existe?!

7. ─ Teríeis a bondade de descrever-nos o melhor possível a vossa situação?

─ Sofro por ser obrigado a crer em tudo aquilo que negava. Minha alma está como que num braseiro, horrivelmente atormentada.

8. ─ De onde vinham as ideias materialistas que tínheis em vida?

─ Em outra existência eu tinha sido mau, e meu Espírito estava condenado a sofrer os tormentos da dúvida durante minha vida. Assim, matei-me.

Observação: Existe aqui toda uma ordem de ideias. Frequentemente nos perguntamos como pode haver materialistas, de vez que, já tendo passado pelo mundo espírita, deveríamos ter-lhe a intuição. Ora, é precisamente essa intuição que é recusada, como castigo, a certos Espíritos que conservaram o orgulho e não se arrependeram de suas faltas. Não devemos esquecer que a Terra é um lugar de expiação. Eis por que ela encerra tantos Espíritos maus encarnados.

Nota minha (Paulo): a palavra “castigo”, em francês, pode ser lida como “punição”, que, de acordo com o Espiritualismo Racional, de onde o Espiritismo se desenvolveu, é nada mais que as consequências naturais de nossos erros. Assim, o Espírito muito orgulhoso, por consequência desse orgulho, não consegue guardar a intuição da vida no mundo dos Espíritos, por estar muito fechado em si mesmo.

9. ─ Quando vos afogastes, que pensáveis que vos iria acontecer? Que reflexões fizestes naquele momento?

─ Nenhuma. Para mim era o nada. Vi depois que não tendo esgotado a minha pena, ainda iria sofrer muito.

10. ─ Agora estais bem convencido da existência de Deus, da alma e da vida futura?

─ Oh! Sou terrivelmente atormentado por isto!

11. ─ Revistes vossa mulher e vosso irmão?

─ Oh! não!

12. ─ Por quê?

─ Por que reunir nossos tormentos? A gente se exila na desgraça e só se reúne na felicidade. Ai de mim!

Nota minha (Paulo): ele deve estar dizendo que o Espírito sofredor não consegue sair de seus próprios sofrimentos, ao passo que o Espírito desapegado, trabalhando pelo bem, torna-se feliz e se reúne com outros na mesma “sintonia”.

13. ─ Gostaríeis de rever o vosso irmão, que poderíamos chamar para o vosso lado?

─ Não, não! Eu estou muito mal.

14. ─ Por que não quereis que o chamemos?

─ É que também ele não é feliz.

15. ─ Temeis a sua presença. Entretanto, ela não vos poderia fazer bem?

─ Não. Mais tarde.

16. ─ Vosso parente pergunta se assististes ao vosso enterro e se ficastes satisfeito com o que ele fez na ocasião.

─ Sim.

17. ─ Desejais que ele diga alguma coisa?

─ Que orem um pouco por mim.

18. ─ Parece que na sociedade que frequentáveis algumas pessoas partilham das opiniões que tínheis em vida. Quereríeis dizer-lhes algo a respeito?

─ Ah! Que infelizes! Possam eles acreditar numa outra vida! É o que lhes posso desejar para maior felicidade. Se pudessem compreender minha triste posição, iriam refletir bastante.

– Evocação do irmão do precedente, que professava as mesmas ideias mas que não se suicidou. Conquanto infeliz, está mais calmo. Sua caligrafia é clara e legível.

─ Possa o quadro de nossos sofrimentos vos ser uma lição útil, e vos persuadir de que há uma outra vida, na qual expiamos nossas faltas e nossa incredulidade!

20. ─ Vós e o vosso irmão que acabamos de evocar vos vedes reciprocamente?

─ Não. Ele foge de mim.

21. ─ Estais mais calmo que ele. Poderíeis dar-nos uma descrição mais exata dos vossos sofrimentos?

─ Na Terra não sofrem o vosso amor próprio, o vosso orgulho, quando sois obrigados a confessar o vosso erro? Vosso Espírito não se revolta ao pensamento de vos humilhardes ante aquele que vos demonstra que estais errados? Então! Que pensais que sofra o Espírito que em toda a sua existência ficou persuadido de que nada existe além de si mesmo e que tem razão contra todos? Quando, de repente, ele se acha ante a deslumbrante verdade, sente-se aniquilado e humilhado. A isto vem juntar-se o remorso de, por tanto tempo, ter esquecido a existência de um Deus tão bom, tão indulgente. Seu estado é insuportável; não encontra calma nem repouso; não achará um pouco de tranquilidade senão no momento em que a graça santa, isto é, o amor de Deus o tocar, porque de tal modo o orgulho se apodera do nosso pobre Espírito, que o envolve inteiramente, e ainda lhe é necessário muito tempo para se desfazer dessa túnica fatal. Só a prece dos nossos irmãos nos ajuda a nos desembaraçarmos dela.

22. ─ Quereis falar de vossos irmãos vivos ou em Espírito?

─ De uns e de outros.

23. ─ Enquanto conversávamos com o vosso irmão, um dos presentes orou por ele. A prece ter-lhe-á sido útil?

─ Não será perdida. Se agora recusa a graça, ela lhe voltará quando estiver em estado de recorrer a essa divina panaceia.

O resultado dessas duas evocações foi transmitido à pessoa que no-las tinha pedido. Então recebemos a seguinte resposta:

“Não podeis imaginar, senhor, quão grande foi o bem produzido pela evocação de meu sogro e de meu tio. Nós os reconhecemos perfeitamente. Sobretudo a letra do primeiro tem uma notável analogia com a que tinha em vida, tanto mais quanto, nos últimos meses que passou conosco, ela era arrebatada e indecifrável. Aí encontramos a mesma forma das pernas, da assinatura, e de certas letras, principalmente os d, f, o, p, q, t. Quanto às palavras, às expressões e ao estilo, são ainda mais notáveis. Para nós, a analogia é perfeita, a não ser o seu maior esclarecimento sobre Deus, a alma e a eternidade, que outrora ele negava tão formalmente. Estamos, pois, perfeitamente convencidos quanto à identidade. Deus será por isso mais glorificado por nossa crença mais firme no Espiritismo, e nossos irmãos, Espíritos e vivos, assim se tornarão melhores. A identidade de seu irmão não é menos evidente. A imensa diferença entre o ateu e o crente foi reconhecida no seu caráter, no seu estilo, nas suas expressões. Uma palavra, sobretudo, nos chocou: panaceia. Era sua expressão habitual, que dizia a todos e a todo momento.

“Mostrei as duas comunicações a várias pessoas, que ficaram tocadas por sua veracidade. Mas os incrédulos, os que participam das opiniões de meus dois parentes, desejavam respostas mais categóricas: que, por exemplo, o Sr. D… precisasse o lugar onde foi enterrado, onde se afogou, de que maneira procedeu, etc. Para satisfazê-los e os convencer, bem poderíeis fazer-lhe as seguintes perguntas: Onde e como cometeu o suicídio? Quanto tempo ficou mergulhado? Onde seu corpo foi encontrado? Em que lugar foi enterrado? De que maneira, civil ou religiosa se procedeu à inumação, etc.?

“Peço-vos, senhor, a bondade de exigir respostas categóricas a estas perguntas essenciais para os que ainda duvidam. Estou persuadido do imenso bem que isto produzirá. Procedo de modo que esta carta vos chegue amanhã, sexta-feira, a fim de poderdes evocá-lo na sessão da Sociedade a realizar-se nesse dia… etc.”

Reproduzimos esta carta devido à identidade que ela estabelece. Juntamos a nossa resposta, para instrução das pessoas não familiarizadas com as comunicações de além-túmulo.

“… As perguntas que desejais sejam dirigidas novamente ao Espírito de vosso sogro certamente são ditadas por louvável intenção, a de convencer os incrédulos, porque em vós não há mistura de sentimentos de dúvida e de curiosidade. Entretanto, um mais perfeito conhecimento do Espiritismo vos teria feito compreender que são supérfluas.

“Para começar, pedindo faça o vosso sogro dar respostas categóricas, certamente ignorais que não governamos os Espíritos à vontade. Eles respondem quando querem e como querem, e muitas vezes como podem. Sua liberdade de ação é ainda maior do que quando vivos e têm mais meios de subtrair-se à pressão moral que tentássemos exercer sobre eles. As melhores provas de identidade são dadas espontaneamente, de acordo com sua própria vontade ou que brotam das circunstâncias e, na maioria dos casos, é perder tempo querer provocá-las. Vosso parente provou sua identidade de modo irrecusável, segundo vossa opinião. É, pois, mais que provável que recuse responder a perguntas que de pleno direito ele considera supérfluas e feitas com o objetivo de satisfazer a curiosidade de pessoas que lhe são indiferentes. Poderia ele responder, como frequentemente fizeram outros Espíritos em casos semelhantes, perguntando:

“Qual o interesse em perguntar-me coisas que sabeis?” Acrescentarei, ainda, que o estado de perturbação e de sofrimento em que se encontra deve tornar-lhe mais penosas as pesquisas desse gênero, exatamente como se se quisesse obrigar um doente que apenas pode pensar e falar, a contar-nos detalhes de sua vida. Seria certamente faltar à consideração devida à sua posição.

“Quanto ao resultado que esperais, seria nulo, tende certeza. As provas de identidade fornecidas têm um valor ainda maior, pelo próprio fato de terem sido espontâneas e de que nada podia indicar aquele caminho. Se os incrédulos não estão satisfeitos com isso, também não o ficariam por meio de perguntas que poderiam inquinar de conivência. Há criaturas a quem nada pode convencer. Elas veriam o vosso sogro com os seus próprios olhos e diriam que estavam sendo vítimas de uma alucinação. O que de melhor se lhes pode fazer é deixá-las tranquilas e não perder tempo com palavras supérfluas. Só podemos lamentá-las, porque, mais cedo ou mais tarde aprenderão por si mesmas quanto custa terem repelido a luz que Deus lhes envia. É sobretudo contra esses que Deus manifesta a sua severidade.

“Duas palavras ainda, senhor, sobre o vosso pedido de evocação no mesmo dia em que devia receber a carta. As evocações não são feitas assim, às pressas. Nem sempre os Espíritos respondem ao nosso apelo. Para tanto, é necessário que o possam ou o queiram. Além disso, é preciso um médium que lhes convenha e que tenha a aptidão especial necessária; que esse médium esteja à disposição em dado momento; que o meio seja simpático ao Espírito, etc. Todas estas são circunstâncias pelas quais não podemos responder jamais, e que importa conhecer quando se quer fazer a coisa com seriedade.”

Para ler mais sobre o tema, clique aqui.




A luta contra um Espírito obsessor

Na luta contra um Espírito obsessor, o conhecimento trazido pela Doutrina Espírita, como ela verdadeiramente é, é crucial. Sem as falsas ideias que reinam sobre o movimento espírita atual, podemos chegar às causas raízes e ao método para combater os Espíritos obsessores, pela nossa própria conscientização.

Texto obtido de parte do artigo Obsedados e Subjugados, da Revista Espírita de 1858. Subtítulos e destaques nossos.

Empolgação e vaidade do médium

Seja por entusiasmo, seja por fascínio dos Espíritos, ou seja por amor próprio, em geral o médium psicógrafo é levado a crer que os Espíritos que se comunicam com ele são superiores, e tanto mais, quanto mais os Espíritos, vendo sua propensão, não deixam de ornar-se com títulos pomposos, conforme a necessidade. Segundo as circunstâncias, tomam nomes de santos, de sábios, de anjos, da própria Virgem Maria, e fazem o seu papel como atores, vestindo ridiculamente a roupagem das pessoas que representam. Tirai-lhes a máscara e se tornam o que eram: ridículos. É isto o que se deve saber fazer, tanto com os Espíritos quanto com os homens.

Da crença cega e irrefletida na superioridade dos Espíritos que se comunicam, à confiança em suas palavras há apenas um passo, assim como acontece entre os homens. Se chegarem a inspirar essa confiança, alimentam-na por meio de sofismas e dos mais capciosos raciocínios, ante os quais frequentemente a gente baixa a cabeça. Os Espíritos grosseiros são menos perigosos: reconhecemo-los imediatamente e não inspiram mais que repugnância. Os mais temíveis, em seu mundo, como no nosso, são os Espíritos hipócritas: falam sempre com doçura; lisonjeiam as inclinações; são meigos, manhosos, pródigos em expressões carinhosas e em protestos de dedicação. É preciso ser realmente forte para resistir a semelhantes seduções.

Leia também: Maldição e Espiritismo.

Perguntareis: Onde está o perigo se os Espíritos são impalpáveis? O perigo está nos conselhos perniciosos que dão, aparentando benevolência, e nas atitudes ridículas, intempestivas ou funestas que nos levam a empreender. Já vimos alguns que fizeram certas pessoas andarem de região em regiãoem busca de coisas fantásticas, com o risco de comprometer a saúde, a fortuna e a própria vida. Vimolos ditar, com a aparência de gravidade, as coisas mais burlescas e as máximas mais esquisitas.

Considerando-se que convém dar o exemplo ao lado da teoria, vamos relatar a história de uma pessoa nossa conhecida que esteve sob o domínio de uma fascinação semelhante.

Um jovem médium obsedado

O Sr. F…, moço instruído, de esmerada educação, de caráter suave e benevolente, mas um pouco fraco e indeciso, tornou-se médium psicógrafo com muita rapidez. O Espírito obsessor que dele se apoderou e não lhe dava repouso, escrevia incessantemente. Se uma pena ou um lápis lhe caía na mão, tomava-o num movimento convulsivo e enchia páginas e páginas em poucos minutos. Na falta de instrumento, simulava escrever com o dedo, em qualquer parte onde se encontrasse: na rua, nas paredes, nas portas etc. Entre outras coisas, esta lhe era ditada: “O homem é composto de três coisas: o homem, o mau Espírito e o bom Espírito. Todos vós tendes vosso mau Espírito, que está ligado ao corpo por laços materiais. Para expulsar o mau Espírito é necessário quebrar esses laços para o que é preciso enfraquecer o corpo. Quando este se acha suficientemente enfraquecido, o laço se parte e o mau Espírito vai embora, deixando apenas o bom.”

Em consequência desta bela teoria fizeram-no jejuar durante cinco dias consecutivos e velar à noite. Quando estava extenuado, eles lhe disseram: “Agora a coisa está feita e o laço partido. Teu mau Espírito se foi: ficamos apenas nós, em quem deves crer sem reservas.” E ele, persuadido de que seu mau Espírito havia fugido, acreditava cegamente em todas as suas palavras. A subjugação havia chegado a um ponto em que se lhe tivessem dito para atirar-se na água ou partir para os antípodas, ele o teria feito. Quando queriam obrigá-lo a fazer qualquer coisa que lhe repugnava, era arrastado por uma força invisível.

Damos uma pequena amostra de sua moral; a partir daí pode-se julgar o resto:

Absurdos de um Espírito obsessor que usa até o nome de Jesus

“Para ter melhores comunicações é necessário primeiro orar e jejuar durante vários dias, uns mais, outros menos. O jejum enfraquece os laços que existem entre o ego e um demônio particular ligado a cada ser humano. Esse demônio está ligado a cada pessoa pelo envoltório que une corpo e alma. Esse envoltório se enfraquece pela falta de alimento e permite que os Espíritos arranquem aquele demônio. Então Jesus desce ao coração da pessoa possessa, em lugar do mau Espírito. Esse estado de possuir Jesus em si é o único meio de atingir toda a verdade e muitas outras coisas.

Quando a criatura conseguiu substituir o demônio por Jesus, ainda não possui a verdade. Para tê-la, é necessário crer. Deus não dá a verdade aos que duvidam: seria fazer algo de inútil e Deus nada faz em vão. Como a maioria dos médiuns novos duvidam do que dizem e escrevem, os bons Espíritos, a contragosto, por ordem formal de Deus, são obrigados a mentir e não têm outro jeito senão mentir até que o médium fique convencido; mas assim que ele acredita numa dessas mentiras, os Espíritos elevados se apressam em lhe desvelar os segredos do céu: a verdade inteira dissipa num instante essa nuvem de erros com que tinham sido obrigados a envolver o seu protegido.”

Encheríamos um volume com todas as tolices que lhe foram ditadas e com as circunstâncias que se seguiram. Entre outras coisas fizeram-no desenhar um edifício de tais dimensões que as folhas de papel, coladas umas às outras, chegavam à altura de dois andares.

Observe-se que em tudo isto nada há de grosseiro ou banal. É uma série de raciocínios sofísticos encadeando-se com aparência de lógica. Nos meios empregados para enganá-lo há realmente uma arte infernal e, se nos tivesse sido possível relatar todas essas manifestações, ver-se-ia até que ponto era levada a astúcia e com que habilidade para isso eram empregadas palavras melífluas.

Um bom Espírito buscava ajudar

O Espírito obsessor que representava o papel principal nesse negócio dava o nome de François Dillois, quando não se cobria com a máscara de um nome respeitável. Mais tarde viemos a saber o que esse tal Dillois tinha sido em vida, e então, nada mais nos surpreendeu em sua linguagem. Mas no meio de todo esse aranzel era fácil reconhecer um bom Espírito que lutava, fazendo de quando em quando ouvir algumas boas palavras de desmentido dos absurdos do outro. Havia um combate evidente, mas a luta era desigual. O moço se achava de tal modo subjugado, que sobre ele a voz da razão era impotente. O Espírito de seu pai, notadamente, lhe fez escrever as seguintes palavras: “Sim, meu filho, coragem! Sofres uma rude prova, que será para o teu bem no futuro. Infelizmente, no momento, nada posso fazer para te libertar, e isto muito me custa. Vai ver Allan Kardec; escuta-o, e ele te salvará”.

A vontade do moço e o auxílio de Kardec

Efetivamente, o Sr. F… veio procurar-me e, para começar, reconheci sem dificuldades a influência perniciosa sob que se achava, quer nas palavras, quer por certos sinais materiais que a experiência dá a conhecer, e que não nos podem enganar. Ele voltou várias vezes. Empreguei toda a minha força de vontade para chamar os bons Espíritos por seu intermédio; toda a minha retórica para lhe provar que era vítima de Espíritos detestáveis; que aquilo que escrevia não tinha senso, além de ser profundamente imoral. Para essa obra de caridade juntei-me a um colega, o Sr. T… e pouco a pouco conseguimos que escrevesse coisas sensatas. Ele tomou aversão àquele mau gênio, repelindo-o por vontade própria cada vez que tentava manifestar-se, e lentamente os bons Espíritos triunfaram.

Para modificar suas ideias, ele seguiu o conselho dos Espíritos, de entregar-se a um trabalho rude, que lhe não deixasse tempo para ouvir as sugestões más.

O próprio Espírito obsessor, Dillois, acabou confessando-se vencido e manifestou o desejo de progredir em nova existência. Confessou o mal que tinha tentado fazer e deu provas de arrependimento. A luta foi longa e penosa e ofereceu ao observador particularidades realmente curiosas. Hoje o Sr. F. sente-se livre e feliz. É como se tivesse deposto um fardo. Recuperou a alegria e agradece-nos o serviço que lhe prestamos.




Podemos evocar Espíritos maus?

O assunto está em pauta, porque muitos dizem evocar espíritos. Infelizmente, muitos também acreditam que simplesmente por estarem evocando maus Espíritos, estariam prontamente contraindo ligações com Espíritos obsessores. Veremos, pelo texto seguinte, que não é assim e que, havendo seriedade e bons propósitos, na verdade, se produz o bem e, frequentemente, a ligação com um Espírito que nunca mais esquecerá seu gesto.

Um antigo carreteiro – Revista Espírita de dezembro de 1859 (conteúdo integral)

O excelente médium Sr. V… é um moço que geralmente se distingue pela pureza de suas relações com o mundo espírita. Contudo, depois que se mudou para os aposentos que atualmente ocupa, um Espírito inferior se intromete em suas comunicações, interpondo-se até em seus trabalhos pessoais.

Encontrando-se, na noite de 6 de setembro de 1859, em casa do Sr. Allan Kardec, com quem devia trabalhar, foi entravado por aquele Espírito, que lhe fazia traçar coisas incoerentes ou impedia que escrevesse.

Então o Sr. Allan Kardec, dirigindo-se ao Espírito, manteve com ele a seguinte conversa:

1. ─ Por que vens aqui sem ser chamado?
─ Quero atormentá-lo.

2. ─ Quem és tu? Dize o teu nome.
─ Não o direi.

3. ─ Qual o teu objetivo, intrometendo-te naquilo que não te diz respeito? Isto não te traz nenhum proveito.
─ Não, mas eu o impeço de ter boas comunicações e sei que isto o magoa muito.

4. ─ És um mau Espírito, pois que te alegras em fazer o mal. Em nome de Deus eu te ordeno que te retires e nos deixes trabalhar tranquilamente.
─ Pensas que metes medo com essa voz grossa?

5. ─ Se não é de mim que tens medo, tê-lo-ás sem dúvida de Deus, em nome de quem te falo e que poderá fazer que te arrependas de tua maldade.
─ Não nos zanguemos, burguês.

6. ─ Repito que és um mau Espírito, e mais uma vez te peço que não nos impeças de trabalhar.
─ Eu sou o que sou, é a minha natureza.
Tendo sido chamado um Espírito superior, ao qual foi pedido que afastasse o intruso, a fim de não ser interrompido o trabalho, o mau Espírito provavelmente se foi, porque durante o resto da noite não houve mais nenhuma interrupção.

Interrogado sobre a natureza desse Espírito, respondeu o superior: Esse Espírito, que é da mais baixa classe, é um antigo carreteiro, falecido perto da casa onde mora o médium. Escolheu para domicílio o próprio quarto deste, e há muito tempo é ele que o obsidia e o atormenta incessantemente. Agora que ele sabe que o médium deve, por ordem de Espíritos superiores, mudar de residência, atormenta-o mais do que nunca. É ainda uma prova de que o médium não escreve o seu próprio pensamento. Vês assim que há boas coisas, mesmo nas mais desagradáveis aventuras da vida. Deus revela o seu poder por todos os meios possíveis.

─ Qual era em vida o caráter desse homem?

─ Tudo o que mais se aproxima do animal. Creio que seus cavalos tinham mais inteligência e mais sentimento do que ele.

─ Por que meio pode o Sr. V… desembaraçar-se dele?

─ Há dois: o meio espiritual, pedindo a Deus; o meio material, deixando a casa onde está.

─ Então há realmente lugares assombrados por certos Espíritos?

─ Sim, Espíritos que ainda estão sob a influência da matéria ligam-se a certos locais.

─ Os Espíritos que assombram certos lugares podem torná-los fatalmente funestos ou propícios às pessoas que os habitam?

─ Quem poderia impedi-los? Mortos, exercem influência como Espíritos; vivos, exercem-na como homens.

─ Alguém que não fosse médium, que jamais tivesse ouvido falar de Espíritos e que nem acreditasse neles poderia sofrer tal influência e ser vítima de vexames de tais Espíritos?

─ Indubitavelmente. Isto acontece mais frequentemente do que pensais, e explica muitas coisas.

─ Há fundamento na crença de que os Espíritos frequentam de preferência as ruínas e as casas abandonadas?

─ Superstição.

─ Então os Espíritos assombrarão uma casa nova da Rua de Rivoli, do mesmo modo que um velho pardieiro?

─ Por certo. Eles podem ser atraídos antes para um lugar do que para outro, pela disposição de espírito dos seus moradores.
Tendo sido evocado, na Sociedade, o Espírito do carreteiro acima mencionado, por intermédio do Sr. R…, ele manifestou-se por sinais de violência, quebrando os lápis, enfiando-os com força no papel, e por uma escrita grosseira, trêmula, irregular e pouco legível.

1. (Evocação).
─ Aqui estou.

2. ─ Reconheceis o poder de Deus sobre vós?
─ Sim; e daí?

3. ─ Por que escolhestes o quarto do Sr. V…, e não um outro?
─ Porque isto me agrada.

4. ─ Ficareis ali muito tempo?
─ Tanto quanto me sentir bem.

5. ─ Então não tendes a intenção de melhorar?
─ Veremos. Eu tenho tempo.

6. ─ Estais contrariado porque vos chamamos?
─ Sim.

7. ─ Que fazíeis quando vos chamamos?
─ Estava na taberna.

8. ─ Então bebíeis?
─ Que tolice! Como posso beber?

9. ─ Então o que quisestes dizer quando falastes da taberna?
─ Quis dizer o que disse.

10. ─ Quando vivo, maltratáveis os vossos cavalos?
─ Sois da polícia municipal?

11. ─ Quereis que oremos por vós?
─ E faríeis isto?

12. ─ Certamente. Nós oramos por todos aqueles que sofrem, porque temos piedade dos infelizes e sabemos que a misericórdia de Deus é grande.
─ Oh! Bem, sois boa gente mesmo. Eu gostaria de poder vos dar um aperto de mão. Procurarei merecê-lo. Obrigado.

OBSERVAÇÃO: Esta conversa confirma o que a experiência já provou muitas vezes, relativamente à influência que podem os homens exercer sobre os Espíritos, e por meio da qual contribuem para a sua melhora. Mostra a influência da prece.

Assim, essa natureza bruta e quase indomável e selvagem encontra-se como que subjugada pela ideia das vantagens que se lhe pode oferecer. Temos numerosos exemplos de criminosos que vieram espontaneamente comunicar-se com médiuns que haviam orado por eles, testemunhando-nos assim o seu arrependimento.

Às observações acima juntaremos as considerações que seguem, relativas à evocação de Espíritos inferiores.

Temos visto médiuns, justamente ciosos de conservar suas boas relações de além-túmulo, recusarem-se a servir de intérpretes dos Espíritos inferiores que podem ser chamados. É de sua parte uma suscetibilidade mal entendida. Pelo fato de evocarmos um Espírito vulgar, e mesmo mau, não ficaremos sob a dependência dele.

Longe disso, e ao contrário, nós é que o dominaremos. Não é ele que vem impor-se, contra a nossa vontade, como nas obsessões. Somos nós que nos impomos. Ele não ordena, obedece. Nós somos o seu juiz, e não a sua presa. Além disso, podemos serlhes úteis por nossos conselhos e por nossas preces e eles nos ficam reconhecidos pelo interesse que lhes demonstramos. Estender-lhe a mão em socorro é praticar uma boa ação. Recusá-la é falta de caridade; ainda mais, é orgulho e egoísmo. Esses seres inferiores, aliás, são para nós um grande ensinamento. Foi por seu intermédio que pudemos conhecer as camadas inferiores do mundo espírita e a sorte que aguarda aqueles que aqui fazem mau emprego de sua vida.

Notemos, além do mais, que é quase sempre tremendo que eles vêm às reuniões sérias, onde dominam os bons Espíritos.

Ficam envergonhados e se mantêm à distância, ouvindo a fim de instruir-se. Muitas vezes vêm com esse objetivo, sem terem sido chamados.

Por que, pois, recusaríamos ouvi-los, quando muitas vezes seu arrependimento e seu sofrimento constituem motivo de edificação ou, pelo menos, de instrução?

Nada há que temer dessas comunicações, desde que visem o bem. Que seria dos pobres feridos se os médicos se recusassem a tocar em suas chagas?