Paul Broca e o Magnetismo

Pierre Paul Broca, o Dr. Broca, é reconhecido no meio médico por ser um grande contribuinte para a área. Criança-prodígio, foi um grande cirurgião e antropólogo francês. Mas existe uma face de suas experiências absolutamente desconhecida, ligada ao Magnetismo de Mesmer (leia “Mesmer: a ciência negada do Magnetismo Animal”, de Paulo Henrique de Figueiredo), naquela época conhecido apenas por um de seus “filhos”: o hipnotismo.

Abordando as experiências de diversos cientistas e médicos renomados da época, Allan Kardec – ele mesmo – apresenta, na Revista Espírita de janeiro de 1860, o artigo “o magnetismo perante a academia“, do qual destacamos as partes seguintes:

“O Sr. Azam, professor substituto de clínica cirúrgica da Escola de Medicina de Bordéus, tendo repetido com sucesso as experiências do Dr. Braid, trocou ideias com o Dr. Paul Broca, que imaginou que as pessoas hipnotizadas talvez fossem insensíveis à dor das operações cirúrgicas. A carta que acaba de dirigir à Academia de Ciências é o resumo de suas experiências a respeito.

“Antes de tudo, devia ele assegurar-se da realidade do hipnotismo, o que conseguiu sem dificuldades.

“Visitando uma senhora de uns quarenta anos, algo histérica, e que estava acamada por ligeira indisposição, o Dr. Broca fazia de conta que queria examinar os olhos da paciente e lhe pedia que olhasse fixamente um frasquinho dourado que ele segurava a uns quinze centímetros da raiz do nariz. Ao cabo de três minutos os olhos ficaram um pouco vermelhos, os traços imóveis, as respostas lentas e difíceis, mas perfeitamente racionais. O Dr. Broca levantou o braço da doente e este se manteve na posição deixada; posicionou os dedos nas mais extremas situações e eles as conservaram; beliscou a pele em vários pontos, com certa força e, ao que parece, a paciente nada sentiu. Catalepsia, insensibilidade! O Dr. Broca não levou adiante a experiência, pois ela já lhe havia ensinado o que queria saber. Uma fricção sobre os olhos e uma insuflação de ar frio na fronte trouxeram a doente ao estado normal. Ela não tinha a menor lembrança do que se havia passado.

“Restava saber se a insensibilidade hipnótica resistiria à prova das operações cirúrgicas.

“Entre os doentes do Hospital Necker, no serviço do Dr. Follin, estava uma pobre senhora de 24 anos, vítima de extensa queimadura nas costas e nos dois membros direitos e de um abscesso extremamente doloroso. Os menores movimentos lhe eram um suplício. Esgotada pelo sofrimento e, de resto, muito pusilânime, essa infeliz pensava com terror na operação que se fazia necessária. Foi nela que, de acordo com o Dr. Follin, o Dr. Broca resolveu completar a prova do hipnotismo.

“Puseram-na num leito em frente à janela, prevenindo-a que ia dormir. Ao cabo de dois minutos suas pupilas se dilataram. Levantaram o braço esquerdo quase verticalmente acima do leito e ele ficou imóvel. No quarto minuto suas respostas são lentas e quase penosas, mas perfeitamente sensatas. Quinto minuto: o Dr. Follin belisca a pele do braço esquerdo e a doente não o acusa; nova picada mais funda, que produz sangue, e a mesma impassibilidade. Levantam o braço direito, que fica no ar. Então as cobertas são levantadas e os membros inferiores afastados, para deixar a descoberto a sede do abscesso. A doente consente e diz com tranquilidade que, sem dúvida, vão magoá-la. Aberto o abscesso, solta um grito fraco. Foi o único sinal de reação, e que durou menos de um segundo. Nem o menor tremor de músculos do rosto ou dos membros, nem uma agitação nos braços, sempre elevados verticalmente acima do leito. Os olhos um pouco injetados estavam largamente abertos e o rosto tinha a imobilidade de uma máscara…

“Levantado, o pé esquerdo fica suspenso. Tiram o objeto brilhante, uma luneta, e persiste a catalepsia. Pela terceira vez picam o braço esquerdo, o sangue borbulha e a operada nada sente. Há 13 minutos o braço guarda a posição que lhe foi dada.

“Enfim, uma fricção nos olhos e uma insuflação de ar fresco despertam a jovem senhora quase que subitamente. Relaxados, os braços e a perna esquerda tombam imediatamente sobre a cama. Ela esfrega os olhos, retoma a consciência, de nada se lembra e se admira de que a tenham operado. A experiência tinha durado de 18 a 20 minutos. O período de anestesia, de 12 a 15.

“Tais são, em resumo, os fatos essenciais relatados pelo Dr. Broca à Academia de Ciências. Já não são mais isolados. Um grande número de cirurgiões de nossos hospitais tiveram a honra de repeti-los, e o fizeram com sucesso. O objetivo do Dr. Broca e de seus ilustres colegas era, e deveria ser, cirúrgico. Esperemos que, como meio de provocar a insensibilidade, tenha o hipnotismo todas as vantagens dos agentes anestésicos, sem lhes ter os inconvenientes. Mas a Medicina não é do nosso domínio e, para não sair de suas atribuições, nossa Revista não deve considerar o fato senão sob o ponto de vista fisiológico.

KARDEC, Allan. Revista Espírita de janeiro de 1861.




Mediunidade nos animais

Trechos de artigo sobre mediunidade nos animais, obtido da Revista Espírita de agosto de 1861.

Para começar, entendamo-nos acerca dos nossos fatos. Que é um médium? É o ser, é o indivíduo que serve aos Espíritos como traço de união, a fim de que estes facilmente possam comunicar-se com os homens, Espíritos encarnados. Por consequência, sem médium, nada de comunicações tangíveis, mentais, escritas, físicas, nem de qualquer espécie.

Abordo hoje o problema da mediunidade dos animais, levantado e sustentado por um dos vossos mais fervorosos adeptos. Em virtude do axioma quem pode o mais pode o menos, pretende ele que podemos mediunizar aves e outros animais, deles nos servindo em nossas comunicações com a espécie humana. É o que, em Filosofia, ou antes, em Lógica, chamais pura e simplesmente um sofisma.

Os homens estão sempre dispostos a exagerar tudo. Uns ─ e não falo aqui dos materialistas ─ recusam uma alma aos animais e outros querem conceder-lhes uma, por assim dizer, semelhante à nossa. Por que querer assim confundir o perfectível com o imperfectível? Não, não. Estejam bem convictos de que o fogo que anima os animais, o sopro que os faz agir, mover-se e falar sua linguagem não tem, até o presente, nenhuma aptidão para se misturar, para unir-se, para fundir-se com o sopro divino, a alma etérea, o Espírito, numa palavra, que anima o ser essencialmente perfectível, o homem, esse rei da Criação. Ora, o que marca a superioridade da espécie humana sobre as outras espécies terrenas não é essa condição essencial de perfectibilidade? Então! Reconhecei, pois, que não é possível assimilar ao homem, único perfectível em si e em suas obras, qualquer indivíduo das outras raças vivas na Terra.

Certamente os Espíritos podem tornar-se visíveis e tangíveis pelos animais, muitas vezes tomados de súbito por esse pavor que vos parece infundado, e que é causado pela vista de um ou vários desses Espíritos mal-intencionados para com os indivíduos presentes ou para com os donos desses animais. Muitas vezes encontrais cavalos que não querem avançar nem recuar ou que empacam ante um obstáculo imaginário. Pois bem! Tende certeza de que o obstáculo imaginário é frequentemente um Espírito ou um grupo de Espíritos que se divertem impedindo-lhes o avanço. Lembrai-vos da jumenta de Balaão, que vendo um anjo à sua frente e, temendo a sua espada chamejante, obstinava-se em não avançar. É que antes de se tornar visível a Balaão, o anjo quis mostrar-se apenas para o animal. Mas, repito, não mediunizamos diretamente nem os animais, nem a matéria inerte. Sempre nos é preciso o concurso consciente ou inconsciente de um médium humano, porque nos é necessária a união de fluidos similares, o que não encontramos nos animais, nem na matéria bruta.

Ele diz que o Sr. Thiry magnetizou seu cão. Que aconteceu? Ele o matou, porque esse infeliz animal depois caiu numa espécie de atonia, de langor, em consequência da magnetização. Com efeito, inundando-o de um fluido tirado de uma essência superior à essência especial de sua natureza, esmagou-o e sobre ele agiu, embora mais lentamente, à maneira de um raio. Assim, como não há nenhuma identificação possível entre o nosso perispírito e o envoltório fluídico dos animais propriamente ditos, nós os esmagaríamos instantaneamente se os mediunizássemos.

Assentado isto, reconheço perfeitamente que nos animais existem aptidões diversas; que certos sentimentos; que certas paixões idênticas às paixões humanas neles se desenvolvem; que são sensíveis e reconhecidos, vingativos e odientos, conforme se atue bem ou mal com eles. É que Deus, que nada faz incompleto, deu aos animais companheiros ou servos do homem, qualidades de sociabilidade que faltam inteiramente aos animais selvagens que habitam as solidões.

Resumindo: os fatos mediúnicos não se podem manifestar sem o concurso consciente ou inconsciente do médium, e só entre os encarnados, Espíritos como nós, é que podemos encontrar os que nos podem servir de médiuns. Quanto a educar cães, aves ou outros animais para fazerem tais ou quais exercícios, é assunto vosso e não nosso.

ERASTO.

Revista Espírita, agosto de 1861 – Os animais médiuns

Leia mais sobre mediunidade.




Maldição e Espiritismo

Este artigo visa abordar, muito sucintamente, o tema da maldição segundo o Espiritismo. Conhecimentos para isso podem ser colhidos à fartura na Revista Espírita e nas demais obras de Allan Kardec.

Se alguém te lançar uma maldição, existem 5 possibilidades:

1. Nenhum Espírito participa disso, mas você, sabendo da “maldição”, acredita na nela e se auto sugestiona;

2. Participa um ou mais Espíritos maldosos, e você, sabendo da “maldição”, acredita, se auto sugestiona e se permite influenciar pelos Espíritos;

3. Você não faz a menor ideia da maldição, mas existem Espíritos maldosos envolvidos nela. Eles buscam te atingir pelos seus pensamentos, te atacando em possíveis imperfeições. Como a imperfeição nasce do apego, os pensamentos te agradam e você, não os combatendo (aos pensamentos) vai lentamente sendo obsediado.

4. Você não faz ideia da maldição, e não se permite ter maus pensamentos, apegos, etc. Nada acontece com você, senão, quem sabe, um incômodo passageiro.

5. Você sabe da maldição, existem ou não maus Espíritos envolvidos, mas você estudou o Espiritismo nas obras de Kardec, sabe como as coisas se passam e está sempre buscando se vigiar. Sabe, ademais, que quem pratica o mal está praticando para si mesmo. Você faz preces por aquelas pessoas e Espíritos, e eles, não encontrando em você a porta aberta, rapidamente desistem.

O Livro dos Espíritos dá o essencial

552. Que se deve pensar da crença no poder, que certas pessoas teriam, de enfeitiçar?

“Algumas pessoas dispõem de grande poder magnético, de que podem fazer mau uso, se maus forem seus próprios Espíritos, caso em que possível se torna serem secundadas por outros Espíritos maus. Não creias, porém, num pretenso poder mágico, que só existe na imaginação de criaturas supersticiosas, ignorantes das verdadeiras leis da natureza. Os fatos que citam como prova da existência desse poder são fatos naturais, mal observados e sobretudo mal compreendidos.”

553. Que efeito podem produzir as fórmulas e práticas mediante as quais pessoas há que pretendem dispor da vontade dos Espíritos?

“O efeito de torná-las ridículas, se procedem de boa-fé. No caso contrário, são velhacos que merecem castigo. Todas as fórmulas são mera ilusão. Não há palavra sacramental nenhuma, nenhum sinal cabalístico, nem talismã, que tenha qualquer ação sobre os Espíritos, porquanto estes só são atraídos pelo pensamento e não pelas coisas materiais.”

O Livro dos Espíritos

Conclusão

Tire de cenário a ideia de que a maldição seja a transferência de más energias. é necessário estudar o Espiritismo, nas obras de Kardec. Os fluidos espirituais tem seu papel, é claro, mas eles dependem de sintonia. Tire da cabeça, também, a ideia de “maldições hereditárias”, porque a herança é da carne, mas fica claro que o papel, aqui, é espiritual. Você só “herdaria” uma “maldição” se os Espíritos encontrarem, em você, motivo e aceitação para continuar te aborrecendo também.

E, é claro, não acredite em fórmulas mágicas, rituais ou objetos materiais quaisquer para solucionar o caso, pois nada disso tem poder sobre os Espíritos, como já foi demonstrado neste artigo. Para “reverter” uma maldição, é necessário agir sobre a moral, isto é, compreender, se analisar e procurar se modificar naquilo que te afaste do bem.

Estude a Revista Espírita (1858-1869)

Foto de capa: Fariborz MP: https://www.pexels.com/pt-br/foto/acessorios-adulto-aventura-facanha-11009468/




Palestras familiares de além-túmulo – Suicídio de um ateu

Obtido da Revista Espírita de fevereiro de 1861

O Sr. J. B. D…, evocado a pedido de um de seus parentes, era um homem instruído, mas até o último grau imbuído de ideias materialistas. Não acreditava na alma nem em Deus. Afogou-se voluntariamente há dois anos.

1. (Evocação).

─ Sofro! Sou um condenado.

2. ─ Pediram-nos que vos chamasse da parte de um dos vossos parentes, que deseja conhecer a vossa sorte. Podeis dizer se esta evocação é agradável ou penosa?

─ Penosa.

3. ─ Vossa morte foi voluntária?

─ Sim.

Observação: O Espírito escreve com extrema dificuldade. A letra é grande, irregular, convulsa e quase ilegível. De início denota cólera, quebra o lápis e rasga o papel.

4. ─ Tende calma. Rogaremos por vós a Deus.

─ Sou forçado a crer em Deus.

5. ─ Que motivo vos levou a vos destruirdes?

─ Tédio da vida sem esperança. 

Observação: Compreende-se o suicídio quando a vida é sem esperança. Quer-se fugir à infelicidade a todo custo. Com o Espiritismo o futuro se desenrola e a esperança se legitima. O suicídio, então, não tem objetivo; ainda mais, reconhece-se que por tal meio não se escapa a um mal senão para cair num outro cem vezes pior. Eis por que o Espiritismo já subtraiu tantas vítimas à morte voluntária. Estão errados e são sonhadores aqueles que nele buscam, antes de mais nada, o fim moral e filosófico? Muito culpados são aqueles que, por sofismas científicos e no suposto nome da razão, se esforçam por prestigiar a ideia desesperada, fonte de tantos males e crimes, de que tudo acaba com a vida. Serão responsáveis não só por seus próprios erros, mas por todos os males de que tiverem sido causadores.

6. ─ Quisestes escapar às vicissitudes da vida. Conseguistes alguma coisa? Sois mais feliz agora?

─ Por que o nada não existe?!

7. ─ Teríeis a bondade de descrever-nos o melhor possível a vossa situação?

─ Sofro por ser obrigado a crer em tudo aquilo que negava. Minha alma está como que num braseiro, horrivelmente atormentada.

8. ─ De onde vinham as ideias materialistas que tínheis em vida?

─ Em outra existência eu tinha sido mau, e meu Espírito estava condenado a sofrer os tormentos da dúvida durante minha vida. Assim, matei-me.

Observação: Existe aqui toda uma ordem de ideias. Frequentemente nos perguntamos como pode haver materialistas, de vez que, já tendo passado pelo mundo espírita, deveríamos ter-lhe a intuição. Ora, é precisamente essa intuição que é recusada, como castigo, a certos Espíritos que conservaram o orgulho e não se arrependeram de suas faltas. Não devemos esquecer que a Terra é um lugar de expiação. Eis por que ela encerra tantos Espíritos maus encarnados.

Nota minha (Paulo): a palavra “castigo”, em francês, pode ser lida como “punição”, que, de acordo com o Espiritualismo Racional, de onde o Espiritismo se desenvolveu, é nada mais que as consequências naturais de nossos erros. Assim, o Espírito muito orgulhoso, por consequência desse orgulho, não consegue guardar a intuição da vida no mundo dos Espíritos, por estar muito fechado em si mesmo.

9. ─ Quando vos afogastes, que pensáveis que vos iria acontecer? Que reflexões fizestes naquele momento?

─ Nenhuma. Para mim era o nada. Vi depois que não tendo esgotado a minha pena, ainda iria sofrer muito.

10. ─ Agora estais bem convencido da existência de Deus, da alma e da vida futura?

─ Oh! Sou terrivelmente atormentado por isto!

11. ─ Revistes vossa mulher e vosso irmão?

─ Oh! não!

12. ─ Por quê?

─ Por que reunir nossos tormentos? A gente se exila na desgraça e só se reúne na felicidade. Ai de mim!

Nota minha (Paulo): ele deve estar dizendo que o Espírito sofredor não consegue sair de seus próprios sofrimentos, ao passo que o Espírito desapegado, trabalhando pelo bem, torna-se feliz e se reúne com outros na mesma “sintonia”.

13. ─ Gostaríeis de rever o vosso irmão, que poderíamos chamar para o vosso lado?

─ Não, não! Eu estou muito mal.

14. ─ Por que não quereis que o chamemos?

─ É que também ele não é feliz.

15. ─ Temeis a sua presença. Entretanto, ela não vos poderia fazer bem?

─ Não. Mais tarde.

16. ─ Vosso parente pergunta se assististes ao vosso enterro e se ficastes satisfeito com o que ele fez na ocasião.

─ Sim.

17. ─ Desejais que ele diga alguma coisa?

─ Que orem um pouco por mim.

18. ─ Parece que na sociedade que frequentáveis algumas pessoas partilham das opiniões que tínheis em vida. Quereríeis dizer-lhes algo a respeito?

─ Ah! Que infelizes! Possam eles acreditar numa outra vida! É o que lhes posso desejar para maior felicidade. Se pudessem compreender minha triste posição, iriam refletir bastante.

– Evocação do irmão do precedente, que professava as mesmas ideias mas que não se suicidou. Conquanto infeliz, está mais calmo. Sua caligrafia é clara e legível.

─ Possa o quadro de nossos sofrimentos vos ser uma lição útil, e vos persuadir de que há uma outra vida, na qual expiamos nossas faltas e nossa incredulidade!

20. ─ Vós e o vosso irmão que acabamos de evocar vos vedes reciprocamente?

─ Não. Ele foge de mim.

21. ─ Estais mais calmo que ele. Poderíeis dar-nos uma descrição mais exata dos vossos sofrimentos?

─ Na Terra não sofrem o vosso amor próprio, o vosso orgulho, quando sois obrigados a confessar o vosso erro? Vosso Espírito não se revolta ao pensamento de vos humilhardes ante aquele que vos demonstra que estais errados? Então! Que pensais que sofra o Espírito que em toda a sua existência ficou persuadido de que nada existe além de si mesmo e que tem razão contra todos? Quando, de repente, ele se acha ante a deslumbrante verdade, sente-se aniquilado e humilhado. A isto vem juntar-se o remorso de, por tanto tempo, ter esquecido a existência de um Deus tão bom, tão indulgente. Seu estado é insuportável; não encontra calma nem repouso; não achará um pouco de tranquilidade senão no momento em que a graça santa, isto é, o amor de Deus o tocar, porque de tal modo o orgulho se apodera do nosso pobre Espírito, que o envolve inteiramente, e ainda lhe é necessário muito tempo para se desfazer dessa túnica fatal. Só a prece dos nossos irmãos nos ajuda a nos desembaraçarmos dela.

22. ─ Quereis falar de vossos irmãos vivos ou em Espírito?

─ De uns e de outros.

23. ─ Enquanto conversávamos com o vosso irmão, um dos presentes orou por ele. A prece ter-lhe-á sido útil?

─ Não será perdida. Se agora recusa a graça, ela lhe voltará quando estiver em estado de recorrer a essa divina panaceia.

O resultado dessas duas evocações foi transmitido à pessoa que no-las tinha pedido. Então recebemos a seguinte resposta:

“Não podeis imaginar, senhor, quão grande foi o bem produzido pela evocação de meu sogro e de meu tio. Nós os reconhecemos perfeitamente. Sobretudo a letra do primeiro tem uma notável analogia com a que tinha em vida, tanto mais quanto, nos últimos meses que passou conosco, ela era arrebatada e indecifrável. Aí encontramos a mesma forma das pernas, da assinatura, e de certas letras, principalmente os d, f, o, p, q, t. Quanto às palavras, às expressões e ao estilo, são ainda mais notáveis. Para nós, a analogia é perfeita, a não ser o seu maior esclarecimento sobre Deus, a alma e a eternidade, que outrora ele negava tão formalmente. Estamos, pois, perfeitamente convencidos quanto à identidade. Deus será por isso mais glorificado por nossa crença mais firme no Espiritismo, e nossos irmãos, Espíritos e vivos, assim se tornarão melhores. A identidade de seu irmão não é menos evidente. A imensa diferença entre o ateu e o crente foi reconhecida no seu caráter, no seu estilo, nas suas expressões. Uma palavra, sobretudo, nos chocou: panaceia. Era sua expressão habitual, que dizia a todos e a todo momento.

“Mostrei as duas comunicações a várias pessoas, que ficaram tocadas por sua veracidade. Mas os incrédulos, os que participam das opiniões de meus dois parentes, desejavam respostas mais categóricas: que, por exemplo, o Sr. D… precisasse o lugar onde foi enterrado, onde se afogou, de que maneira procedeu, etc. Para satisfazê-los e os convencer, bem poderíeis fazer-lhe as seguintes perguntas: Onde e como cometeu o suicídio? Quanto tempo ficou mergulhado? Onde seu corpo foi encontrado? Em que lugar foi enterrado? De que maneira, civil ou religiosa se procedeu à inumação, etc.?

“Peço-vos, senhor, a bondade de exigir respostas categóricas a estas perguntas essenciais para os que ainda duvidam. Estou persuadido do imenso bem que isto produzirá. Procedo de modo que esta carta vos chegue amanhã, sexta-feira, a fim de poderdes evocá-lo na sessão da Sociedade a realizar-se nesse dia… etc.”

Reproduzimos esta carta devido à identidade que ela estabelece. Juntamos a nossa resposta, para instrução das pessoas não familiarizadas com as comunicações de além-túmulo.

“… As perguntas que desejais sejam dirigidas novamente ao Espírito de vosso sogro certamente são ditadas por louvável intenção, a de convencer os incrédulos, porque em vós não há mistura de sentimentos de dúvida e de curiosidade. Entretanto, um mais perfeito conhecimento do Espiritismo vos teria feito compreender que são supérfluas.

“Para começar, pedindo faça o vosso sogro dar respostas categóricas, certamente ignorais que não governamos os Espíritos à vontade. Eles respondem quando querem e como querem, e muitas vezes como podem. Sua liberdade de ação é ainda maior do que quando vivos e têm mais meios de subtrair-se à pressão moral que tentássemos exercer sobre eles. As melhores provas de identidade são dadas espontaneamente, de acordo com sua própria vontade ou que brotam das circunstâncias e, na maioria dos casos, é perder tempo querer provocá-las. Vosso parente provou sua identidade de modo irrecusável, segundo vossa opinião. É, pois, mais que provável que recuse responder a perguntas que de pleno direito ele considera supérfluas e feitas com o objetivo de satisfazer a curiosidade de pessoas que lhe são indiferentes. Poderia ele responder, como frequentemente fizeram outros Espíritos em casos semelhantes, perguntando:

“Qual o interesse em perguntar-me coisas que sabeis?” Acrescentarei, ainda, que o estado de perturbação e de sofrimento em que se encontra deve tornar-lhe mais penosas as pesquisas desse gênero, exatamente como se se quisesse obrigar um doente que apenas pode pensar e falar, a contar-nos detalhes de sua vida. Seria certamente faltar à consideração devida à sua posição.

“Quanto ao resultado que esperais, seria nulo, tende certeza. As provas de identidade fornecidas têm um valor ainda maior, pelo próprio fato de terem sido espontâneas e de que nada podia indicar aquele caminho. Se os incrédulos não estão satisfeitos com isso, também não o ficariam por meio de perguntas que poderiam inquinar de conivência. Há criaturas a quem nada pode convencer. Elas veriam o vosso sogro com os seus próprios olhos e diriam que estavam sendo vítimas de uma alucinação. O que de melhor se lhes pode fazer é deixá-las tranquilas e não perder tempo com palavras supérfluas. Só podemos lamentá-las, porque, mais cedo ou mais tarde aprenderão por si mesmas quanto custa terem repelido a luz que Deus lhes envia. É sobretudo contra esses que Deus manifesta a sua severidade.

“Duas palavras ainda, senhor, sobre o vosso pedido de evocação no mesmo dia em que devia receber a carta. As evocações não são feitas assim, às pressas. Nem sempre os Espíritos respondem ao nosso apelo. Para tanto, é necessário que o possam ou o queiram. Além disso, é preciso um médium que lhes convenha e que tenha a aptidão especial necessária; que esse médium esteja à disposição em dado momento; que o meio seja simpático ao Espírito, etc. Todas estas são circunstâncias pelas quais não podemos responder jamais, e que importa conhecer quando se quer fazer a coisa com seriedade.”

Para ler mais sobre o tema, clique aqui.




A luta contra um Espírito obsessor

Na luta contra um Espírito obsessor, o conhecimento trazido pela Doutrina Espírita, como ela verdadeiramente é, é crucial. Sem as falsas ideias que reinam sobre o movimento espírita atual, podemos chegar às causas raízes e ao método para combater os Espíritos obsessores, pela nossa própria conscientização.

Texto obtido de parte do artigo Obsedados e Subjugados, da Revista Espírita de 1858. Subtítulos e destaques nossos.

Empolgação e vaidade do médium

Seja por entusiasmo, seja por fascínio dos Espíritos, ou seja por amor próprio, em geral o médium psicógrafo é levado a crer que os Espíritos que se comunicam com ele são superiores, e tanto mais, quanto mais os Espíritos, vendo sua propensão, não deixam de ornar-se com títulos pomposos, conforme a necessidade. Segundo as circunstâncias, tomam nomes de santos, de sábios, de anjos, da própria Virgem Maria, e fazem o seu papel como atores, vestindo ridiculamente a roupagem das pessoas que representam. Tirai-lhes a máscara e se tornam o que eram: ridículos. É isto o que se deve saber fazer, tanto com os Espíritos quanto com os homens.

Da crença cega e irrefletida na superioridade dos Espíritos que se comunicam, à confiança em suas palavras há apenas um passo, assim como acontece entre os homens. Se chegarem a inspirar essa confiança, alimentam-na por meio de sofismas e dos mais capciosos raciocínios, ante os quais frequentemente a gente baixa a cabeça. Os Espíritos grosseiros são menos perigosos: reconhecemo-los imediatamente e não inspiram mais que repugnância. Os mais temíveis, em seu mundo, como no nosso, são os Espíritos hipócritas: falam sempre com doçura; lisonjeiam as inclinações; são meigos, manhosos, pródigos em expressões carinhosas e em protestos de dedicação. É preciso ser realmente forte para resistir a semelhantes seduções.

Leia também: Maldição e Espiritismo.

Perguntareis: Onde está o perigo se os Espíritos são impalpáveis? O perigo está nos conselhos perniciosos que dão, aparentando benevolência, e nas atitudes ridículas, intempestivas ou funestas que nos levam a empreender. Já vimos alguns que fizeram certas pessoas andarem de região em regiãoem busca de coisas fantásticas, com o risco de comprometer a saúde, a fortuna e a própria vida. Vimolos ditar, com a aparência de gravidade, as coisas mais burlescas e as máximas mais esquisitas.

Considerando-se que convém dar o exemplo ao lado da teoria, vamos relatar a história de uma pessoa nossa conhecida que esteve sob o domínio de uma fascinação semelhante.

Um jovem médium obsedado

O Sr. F…, moço instruído, de esmerada educação, de caráter suave e benevolente, mas um pouco fraco e indeciso, tornou-se médium psicógrafo com muita rapidez. O Espírito obsessor que dele se apoderou e não lhe dava repouso, escrevia incessantemente. Se uma pena ou um lápis lhe caía na mão, tomava-o num movimento convulsivo e enchia páginas e páginas em poucos minutos. Na falta de instrumento, simulava escrever com o dedo, em qualquer parte onde se encontrasse: na rua, nas paredes, nas portas etc. Entre outras coisas, esta lhe era ditada: “O homem é composto de três coisas: o homem, o mau Espírito e o bom Espírito. Todos vós tendes vosso mau Espírito, que está ligado ao corpo por laços materiais. Para expulsar o mau Espírito é necessário quebrar esses laços para o que é preciso enfraquecer o corpo. Quando este se acha suficientemente enfraquecido, o laço se parte e o mau Espírito vai embora, deixando apenas o bom.”

Em consequência desta bela teoria fizeram-no jejuar durante cinco dias consecutivos e velar à noite. Quando estava extenuado, eles lhe disseram: “Agora a coisa está feita e o laço partido. Teu mau Espírito se foi: ficamos apenas nós, em quem deves crer sem reservas.” E ele, persuadido de que seu mau Espírito havia fugido, acreditava cegamente em todas as suas palavras. A subjugação havia chegado a um ponto em que se lhe tivessem dito para atirar-se na água ou partir para os antípodas, ele o teria feito. Quando queriam obrigá-lo a fazer qualquer coisa que lhe repugnava, era arrastado por uma força invisível.

Damos uma pequena amostra de sua moral; a partir daí pode-se julgar o resto:

Absurdos de um Espírito obsessor que usa até o nome de Jesus

“Para ter melhores comunicações é necessário primeiro orar e jejuar durante vários dias, uns mais, outros menos. O jejum enfraquece os laços que existem entre o ego e um demônio particular ligado a cada ser humano. Esse demônio está ligado a cada pessoa pelo envoltório que une corpo e alma. Esse envoltório se enfraquece pela falta de alimento e permite que os Espíritos arranquem aquele demônio. Então Jesus desce ao coração da pessoa possessa, em lugar do mau Espírito. Esse estado de possuir Jesus em si é o único meio de atingir toda a verdade e muitas outras coisas.

Quando a criatura conseguiu substituir o demônio por Jesus, ainda não possui a verdade. Para tê-la, é necessário crer. Deus não dá a verdade aos que duvidam: seria fazer algo de inútil e Deus nada faz em vão. Como a maioria dos médiuns novos duvidam do que dizem e escrevem, os bons Espíritos, a contragosto, por ordem formal de Deus, são obrigados a mentir e não têm outro jeito senão mentir até que o médium fique convencido; mas assim que ele acredita numa dessas mentiras, os Espíritos elevados se apressam em lhe desvelar os segredos do céu: a verdade inteira dissipa num instante essa nuvem de erros com que tinham sido obrigados a envolver o seu protegido.”

Encheríamos um volume com todas as tolices que lhe foram ditadas e com as circunstâncias que se seguiram. Entre outras coisas fizeram-no desenhar um edifício de tais dimensões que as folhas de papel, coladas umas às outras, chegavam à altura de dois andares.

Observe-se que em tudo isto nada há de grosseiro ou banal. É uma série de raciocínios sofísticos encadeando-se com aparência de lógica. Nos meios empregados para enganá-lo há realmente uma arte infernal e, se nos tivesse sido possível relatar todas essas manifestações, ver-se-ia até que ponto era levada a astúcia e com que habilidade para isso eram empregadas palavras melífluas.

Um bom Espírito buscava ajudar

O Espírito obsessor que representava o papel principal nesse negócio dava o nome de François Dillois, quando não se cobria com a máscara de um nome respeitável. Mais tarde viemos a saber o que esse tal Dillois tinha sido em vida, e então, nada mais nos surpreendeu em sua linguagem. Mas no meio de todo esse aranzel era fácil reconhecer um bom Espírito que lutava, fazendo de quando em quando ouvir algumas boas palavras de desmentido dos absurdos do outro. Havia um combate evidente, mas a luta era desigual. O moço se achava de tal modo subjugado, que sobre ele a voz da razão era impotente. O Espírito de seu pai, notadamente, lhe fez escrever as seguintes palavras: “Sim, meu filho, coragem! Sofres uma rude prova, que será para o teu bem no futuro. Infelizmente, no momento, nada posso fazer para te libertar, e isto muito me custa. Vai ver Allan Kardec; escuta-o, e ele te salvará”.

A vontade do moço e o auxílio de Kardec

Efetivamente, o Sr. F… veio procurar-me e, para começar, reconheci sem dificuldades a influência perniciosa sob que se achava, quer nas palavras, quer por certos sinais materiais que a experiência dá a conhecer, e que não nos podem enganar. Ele voltou várias vezes. Empreguei toda a minha força de vontade para chamar os bons Espíritos por seu intermédio; toda a minha retórica para lhe provar que era vítima de Espíritos detestáveis; que aquilo que escrevia não tinha senso, além de ser profundamente imoral. Para essa obra de caridade juntei-me a um colega, o Sr. T… e pouco a pouco conseguimos que escrevesse coisas sensatas. Ele tomou aversão àquele mau gênio, repelindo-o por vontade própria cada vez que tentava manifestar-se, e lentamente os bons Espíritos triunfaram.

Para modificar suas ideias, ele seguiu o conselho dos Espíritos, de entregar-se a um trabalho rude, que lhe não deixasse tempo para ouvir as sugestões más.

O próprio Espírito obsessor, Dillois, acabou confessando-se vencido e manifestou o desejo de progredir em nova existência. Confessou o mal que tinha tentado fazer e deu provas de arrependimento. A luta foi longa e penosa e ofereceu ao observador particularidades realmente curiosas. Hoje o Sr. F. sente-se livre e feliz. É como se tivesse deposto um fardo. Recuperou a alegria e agradece-nos o serviço que lhe prestamos.




Podemos evocar Espíritos maus?

O assunto está em pauta, porque muitos dizem evocar espíritos. Infelizmente, muitos também acreditam que simplesmente por estarem evocando maus Espíritos, estariam prontamente contraindo ligações com Espíritos obsessores. Veremos, pelo texto seguinte, que não é assim e que, havendo seriedade e bons propósitos, na verdade, se produz o bem e, frequentemente, a ligação com um Espírito que nunca mais esquecerá seu gesto.

Um antigo carreteiro – Revista Espírita de dezembro de 1859 (conteúdo integral)

O excelente médium Sr. V… é um moço que geralmente se distingue pela pureza de suas relações com o mundo espírita. Contudo, depois que se mudou para os aposentos que atualmente ocupa, um Espírito inferior se intromete em suas comunicações, interpondo-se até em seus trabalhos pessoais.

Encontrando-se, na noite de 6 de setembro de 1859, em casa do Sr. Allan Kardec, com quem devia trabalhar, foi entravado por aquele Espírito, que lhe fazia traçar coisas incoerentes ou impedia que escrevesse.

Então o Sr. Allan Kardec, dirigindo-se ao Espírito, manteve com ele a seguinte conversa:

1. ─ Por que vens aqui sem ser chamado?
─ Quero atormentá-lo.

2. ─ Quem és tu? Dize o teu nome.
─ Não o direi.

3. ─ Qual o teu objetivo, intrometendo-te naquilo que não te diz respeito? Isto não te traz nenhum proveito.
─ Não, mas eu o impeço de ter boas comunicações e sei que isto o magoa muito.

4. ─ És um mau Espírito, pois que te alegras em fazer o mal. Em nome de Deus eu te ordeno que te retires e nos deixes trabalhar tranquilamente.
─ Pensas que metes medo com essa voz grossa?

5. ─ Se não é de mim que tens medo, tê-lo-ás sem dúvida de Deus, em nome de quem te falo e que poderá fazer que te arrependas de tua maldade.
─ Não nos zanguemos, burguês.

6. ─ Repito que és um mau Espírito, e mais uma vez te peço que não nos impeças de trabalhar.
─ Eu sou o que sou, é a minha natureza.
Tendo sido chamado um Espírito superior, ao qual foi pedido que afastasse o intruso, a fim de não ser interrompido o trabalho, o mau Espírito provavelmente se foi, porque durante o resto da noite não houve mais nenhuma interrupção.

Interrogado sobre a natureza desse Espírito, respondeu o superior: Esse Espírito, que é da mais baixa classe, é um antigo carreteiro, falecido perto da casa onde mora o médium. Escolheu para domicílio o próprio quarto deste, e há muito tempo é ele que o obsidia e o atormenta incessantemente. Agora que ele sabe que o médium deve, por ordem de Espíritos superiores, mudar de residência, atormenta-o mais do que nunca. É ainda uma prova de que o médium não escreve o seu próprio pensamento. Vês assim que há boas coisas, mesmo nas mais desagradáveis aventuras da vida. Deus revela o seu poder por todos os meios possíveis.

─ Qual era em vida o caráter desse homem?

─ Tudo o que mais se aproxima do animal. Creio que seus cavalos tinham mais inteligência e mais sentimento do que ele.

─ Por que meio pode o Sr. V… desembaraçar-se dele?

─ Há dois: o meio espiritual, pedindo a Deus; o meio material, deixando a casa onde está.

─ Então há realmente lugares assombrados por certos Espíritos?

─ Sim, Espíritos que ainda estão sob a influência da matéria ligam-se a certos locais.

─ Os Espíritos que assombram certos lugares podem torná-los fatalmente funestos ou propícios às pessoas que os habitam?

─ Quem poderia impedi-los? Mortos, exercem influência como Espíritos; vivos, exercem-na como homens.

─ Alguém que não fosse médium, que jamais tivesse ouvido falar de Espíritos e que nem acreditasse neles poderia sofrer tal influência e ser vítima de vexames de tais Espíritos?

─ Indubitavelmente. Isto acontece mais frequentemente do que pensais, e explica muitas coisas.

─ Há fundamento na crença de que os Espíritos frequentam de preferência as ruínas e as casas abandonadas?

─ Superstição.

─ Então os Espíritos assombrarão uma casa nova da Rua de Rivoli, do mesmo modo que um velho pardieiro?

─ Por certo. Eles podem ser atraídos antes para um lugar do que para outro, pela disposição de espírito dos seus moradores.
Tendo sido evocado, na Sociedade, o Espírito do carreteiro acima mencionado, por intermédio do Sr. R…, ele manifestou-se por sinais de violência, quebrando os lápis, enfiando-os com força no papel, e por uma escrita grosseira, trêmula, irregular e pouco legível.

1. (Evocação).
─ Aqui estou.

2. ─ Reconheceis o poder de Deus sobre vós?
─ Sim; e daí?

3. ─ Por que escolhestes o quarto do Sr. V…, e não um outro?
─ Porque isto me agrada.

4. ─ Ficareis ali muito tempo?
─ Tanto quanto me sentir bem.

5. ─ Então não tendes a intenção de melhorar?
─ Veremos. Eu tenho tempo.

6. ─ Estais contrariado porque vos chamamos?
─ Sim.

7. ─ Que fazíeis quando vos chamamos?
─ Estava na taberna.

8. ─ Então bebíeis?
─ Que tolice! Como posso beber?

9. ─ Então o que quisestes dizer quando falastes da taberna?
─ Quis dizer o que disse.

10. ─ Quando vivo, maltratáveis os vossos cavalos?
─ Sois da polícia municipal?

11. ─ Quereis que oremos por vós?
─ E faríeis isto?

12. ─ Certamente. Nós oramos por todos aqueles que sofrem, porque temos piedade dos infelizes e sabemos que a misericórdia de Deus é grande.
─ Oh! Bem, sois boa gente mesmo. Eu gostaria de poder vos dar um aperto de mão. Procurarei merecê-lo. Obrigado.

OBSERVAÇÃO: Esta conversa confirma o que a experiência já provou muitas vezes, relativamente à influência que podem os homens exercer sobre os Espíritos, e por meio da qual contribuem para a sua melhora. Mostra a influência da prece.

Assim, essa natureza bruta e quase indomável e selvagem encontra-se como que subjugada pela ideia das vantagens que se lhe pode oferecer. Temos numerosos exemplos de criminosos que vieram espontaneamente comunicar-se com médiuns que haviam orado por eles, testemunhando-nos assim o seu arrependimento.

Às observações acima juntaremos as considerações que seguem, relativas à evocação de Espíritos inferiores.

Temos visto médiuns, justamente ciosos de conservar suas boas relações de além-túmulo, recusarem-se a servir de intérpretes dos Espíritos inferiores que podem ser chamados. É de sua parte uma suscetibilidade mal entendida. Pelo fato de evocarmos um Espírito vulgar, e mesmo mau, não ficaremos sob a dependência dele.

Longe disso, e ao contrário, nós é que o dominaremos. Não é ele que vem impor-se, contra a nossa vontade, como nas obsessões. Somos nós que nos impomos. Ele não ordena, obedece. Nós somos o seu juiz, e não a sua presa. Além disso, podemos serlhes úteis por nossos conselhos e por nossas preces e eles nos ficam reconhecidos pelo interesse que lhes demonstramos. Estender-lhe a mão em socorro é praticar uma boa ação. Recusá-la é falta de caridade; ainda mais, é orgulho e egoísmo. Esses seres inferiores, aliás, são para nós um grande ensinamento. Foi por seu intermédio que pudemos conhecer as camadas inferiores do mundo espírita e a sorte que aguarda aqueles que aqui fazem mau emprego de sua vida.

Notemos, além do mais, que é quase sempre tremendo que eles vêm às reuniões sérias, onde dominam os bons Espíritos.

Ficam envergonhados e se mantêm à distância, ouvindo a fim de instruir-se. Muitas vezes vêm com esse objetivo, sem terem sido chamados.

Por que, pois, recusaríamos ouvi-los, quando muitas vezes seu arrependimento e seu sofrimento constituem motivo de edificação ou, pelo menos, de instrução?

Nada há que temer dessas comunicações, desde que visem o bem. Que seria dos pobres feridos se os médicos se recusassem a tocar em suas chagas?




Evocação de um Espírito suicida em sofrimento

O artigo descreve a evocação do Espírito de um suicida francês, por Kardec, em pleno estado de sofrimento moral.

Leia mais sobre casos do tipo clicando aqui.

Publicado na Revista Espírita de novembro de 1858. Na íntegra:

Recentemente os jornais noticiaram o seguinte fato: “Ontem (7 de abril de 1858) pelas sete horas da noite, um homem de cerca de cinquenta anos, vestido decentemente, apresentou-se no estabelecimento da Samaritana e pediu um banho. O empregado admirou-se de que, após duas horas, o indivíduo não chamasse; decidiu-se a entrar no banheiro para ver se não se sentira indisposto. Testemunhou então um horrível espetáculo: o infeliz havia cortado a garganta com uma navalha e todo o sangue se havia misturado à água da banheira. Desde que a identidade não pôde ser estabelecida, o cadáver foi transportado para o necrotério.”

Pensamos que seria possível tirar um ensinamento útil à nossa instrução da conversa com o Espírito desse homem. Assim, evocamo-lo a 13 de abril, apenas seis dias após a sua morte.

1. ─ Peço a Deus Todo-Poderoso permita ao Espírito do indivíduo que se suicidou a 7 de abril de 1858, nos banhos da Samaritana, venha comunicar-se conosco.

─ Espera… (Depois de alguns instantes): Ei-lo.

OBSERVAÇÃO: Para compreender esta resposta é preciso que se saiba que, em geral, em todas as reuniões regulares, há um Espírito familiar, do médium ou da família, que está sempre presente, sem ser preciso chamá-lo. É ele que faz virem os que são evocados e, conforme seja mais ou menos elevado, serve como mensageiro ou dá ordens aos Espíritos que lhe são inferiores. Quando nossas reuniões têm como intérprete a Srta. Ermance Dufaux, é sempre o Espírito de São Luís que voluntariamente toma esse encargo. Foi ele que deu a resposta acima.

2. ─ Onde você está agora?

─ Não sei… Dizei-me onde me encontro.

3. ─ Na Rua Valois (Palais-Royal), n.º 35, numa reunião de pessoas que se ocupam de estudos espíritas e que lhe são benevolentes.

─ Dizei-me se estou vivo… Eu sufoco no caixão.

4. ─ Quem o convidou a vir até nós?

─ Senti-me aliviado.

5. ─ Que motivo o levou ao suicídio?

─ Estou morto?… Não!… Estou em meu corpo… Não sabeis quanto sofro!… Eu sufoco!… Que uma mão piedosa venha dar-me um fim!

OBSERVAÇÃO: Sua alma, embora separada do corpo, ainda está completamente mergulhada naquilo que poderíamos chamar o turbilhão da matéria corpórea; as ideias terrenas ainda se acham vivazes. Ele não acredita que está morto.

6. ─ Por que não deixou nenhum elemento de identificação?

─ Estou abandonado. Fugi do sofrimento para encontrar a tortura.

7. ─ Você tem ainda os mesmos motivos para ficar incógnito?

─ Sim. Não coloqueis um ferro em brasa na ferida que sangra.

8. ─ Poderia dar-nos o seu nome, idade, profissão e domicílio?

─ Não a tudo. Não!…

9. ─ Você tinha uma família, uma mulher, filhos?

─ Eu estava abandonado. Ninguém me amava.

10. ─ O que você fez para não ser amado por ninguém?

─ Quantos há como eu!… Um homem pode estar abandonado no meio da própria família, quando nenhum coração o ama.

11. ─ Você experimentou alguma hesitação ao realizar o suicídio?

─ Eu tinha sede de morrer… Esperava o repouso.

12. ─ Como é que a ideia do futuro não o levou a renunciar àquele desígnio?

─ Eu não cria mais no futuro; estava sem esperanças. O futuro é a esperança.

13. ─ Que reflexões você fez ao sentir extinguir-se a vida?

─ Não refleti; senti… Mas a minha vida não se extinguiu… minha alma está ligada ao corpo… não morri…, entretanto sinto que os vermes me roem.

14. ─ Que sentimento experimentou no momento em que se completou a morte?

─ Ela está completa?

15. ─ Foi doloroso o momento em que se extinguiu a vida?

─ Menos doloroso do que depois. Então, só o corpo sofreu.

São Luís continua:

─ O Espírito libertava-se de um fardo que o esmagava. Ele sentia a volúpia da dor.

(A São Luís): ─ Esse estado é o que sempre se segue ao suicídio?

─ Sim. O Espírito do suicida fica ligado ao corpo até o termo de sua vida. A morte natural é o enfraquecimento da vida. O suicídio a interrompe bruscamente.

─ Esse estado será o mesmo em toda morte acidental independente da vontade e que abrevia a duração natural da vida?

─ Não. Que entendeis por suicídio? O Espírito só é culpado por suas obras.

OBSERVAÇÃO: Havíamos preparado uma série de perguntas que nos propuséramos dirigir ao Espírito desse homem sobre a sua nova existência. Diante de suas respostas, elas perderam o sentido. Era evidente, para nós, que nenhuma consciência tinha ele da situação. A única coisa que nos pôde descrever foi o seu sofrimento.

Essa dúvida sobre a morte é muito comum nos recém-falecidos e principalmente naqueles que em vida não elevaram a alma acima da matéria. À primeira vista é um fenômeno bizarro, mas explicável muito naturalmente. Se perguntarmos a uma pessoa que pela primeira vez é levada ao sonambulismo se está adormecida, ela responderá quase sempre que não, e sua resposta é lógica. O interrogante é que formula mal a pergunta, servindo-se de um termo impróprio. A ideia de sono, no falar comum, está ligada à da suspensão de todas as faculdades sensitivas. Ora, o sonâmbulo, que pensa e vê; que tem consciência de sua liberdade moral, não crê que durma e, com efeito, não dorme, na acepção vulgar do vocábulo. Eis por que responde que não está dormindo, até familiarizar-se com essa nova maneira de entender a coisa. O mesmo acontece com o homem que acaba de morrer. Para ele a morte era o nada. Ora, como ocorre com o sonâmbulo, ele vê, sente a fala. Para ele, portanto, a vida continua, e ele assim o afirma, até que tenha adquirido consciência de seu novo estado.

Foto de capa: Daniel Reche: https://www.pexels.com/pt-br/foto/foto-em-escala-de-cinza-de-um-homem-cobrindo-o-rosto-com-as-maos-3601097/




Problemas morais – Suicídio por amor

O artigo seguinte, sobre o suicídio de um rapaz, em um ato de emoções incontidas, foi publicado na Revista Espírita de novembro de 1858. Na íntegra:

Há sete ou oito meses, Luís G…, sapateiro, namorava a jovem Vitorina R…, pespontadeira de botinas, com a qual deveria casar-se brevemente, pois os proclamas estavam sendo publicados. Estando as coisas nesse ponto, os jovens se consideravam quase definitivamente unidos e, como medida de economia, o sapateiro vinha fazer as refeições em casa da noiva.

Tendo vindo, quarta-feira última, como de costume, cear em casa da pespontadeira((costureira)), sobreveio uma discussão a propósito de uma futilidade. Obstinaram-se, de uma e de outra parte, e as coisas chegaram ao ponto em que Luís deixou a mesa e se foi, jurando não mais voltar.

Entretanto, no dia seguinte, o sapateiro, muito confuso, veio pedir perdão. Diz-se que a noite é boa conselheira, mas a operária, talvez prevendo, depois da cena de véspera, o que poderia acontecer quando não mais houvesse tempo para voltar atrás, recusou reconciliar-se e nem os protestos, nem as lágrimas, nem o desespero puderam vencê-la. Entretanto, como já se houvessem passado vários dias desde aquele arrufo, esperando que a sua amada estivesse mais tratável, anteontem à noite Luís quis tentar uma última explicação: chegou-se, bateu à porta de modo a se dar a conhecer, mas ela se recusou a abrir. Novas súplicas do pobre abandonado, novos protestos através da porta, mas nada demoveu a implacável eleita.

“Então adeus, ó malvada!” exclamou enfim o pobre rapaz, “Adeus para sempre! Procure um marido que a queira tanto quanto eu!”

Ao mesmo tempo a moça escutou uma espécie de gemido abafado, depois como que o ruído de um corpo que caísse escorregando ao longo da porta, e tudo entrou em silêncio. Ela pensou que Luís se houvesse sentado à soleira para esperar sua primeira saída, mas prometeu a si mesma não pôr o pé na rua enquanto ele lá estivesse.

Decorrido apenas um quarto de hora, um dos inquilinos que passava no pátio com uma luz gritou pedindo socorro. Logo chegaram os vizinhos e a senhorita Vitorina, tendo aberto também a sua porta, soltou um grito de horror, ao perceber no chão o corpo de seu noivo, pálido e inanimado. Todos se apressaram em prestar-lhe auxílio e procurar um médico, mas logo verificaram que tudo era inútil, pois ele já deixara de existir. O infeliz moço havia enterrado no peito a faca de sapateiro e o ferro ficara na ferida.

O fato que encontramos no Le Siècle de 7 de abril último despertou-nos a ideia de dirigir a um Espírito superior algumas perguntas sobre as suas consequências morais. Ei-las aqui, com as respectivas respostas, dadas pelo Espírito de São Luís na sessão da Sociedade do dia l0 de agosto de 1858.

1. ─ A moça, causa involuntária da morte do namorado, tem responsabilidade? ─ Sim, porque não o amava.

2. ─ Para evitar essa desgraça, deveria ela desposá-lo, embora não o amasse? ─ Ela buscava uma ocasião para se separar dele; fez no começo de sua ligação o que teria feito mais tarde.

3. ─ Assim a culpabilidade consiste em ter nele alimentado sentimentos de que não partilhava e que foram a causa da morte do rapaz? ─ Sim. É isto mesmo.

4. ─ Neste caso, sua responsabilidade deve ser proporcional à falta, que não deve ser tão grande quanto se ela tivesse, de caso pensado, provocado a morte. ─ Isto salta aos olhos.

5. ─ O suicídio de Luís encontra justificativa no desvario em que o mergulhou a obstinação de Vitorina? ─ Sim, porque seu suicídio, provocado pelo amor, é menos criminoso aos olhos de Deus do que o do homem que quer livrar-se da vida por covardia.

OBSERVAÇÃO: Dizendo que esse suicídio é menos criminoso aos olhos de Deus, evidentemente significa que há criminalidade, posto que menor. A falta consiste na fraqueza que ele não soube vencer. É sem dúvida uma prova a que sucumbiu. Ora, os Espíritos nos ensinam que o mérito está em lutar vitoriosamente contra as provas de todo gênero, que são a essência da vida terrena.

Evocado num outro dia, foram feitas ao Espírito de Luís C… as seguintes perguntas, a que respondeu:

1. ─ Que pensais da ação que praticastes? ─ Vitorina é uma ingrata. Errei em matar-me por ela, pois ela não o merecia.

2. ─ Então ela não vos amava? ─ Não. A princípio pensou que sim, mas estava iludida. A cena que fiz abriulhe os olhos. Depois, sentiu-se feliz com esse pretexto para desembaraçar-se de mim.

3. ─ E vós a amáveis sinceramente? ─ Eu tinha paixão por ela. Acredito que era apenas isso. Se eu a amasse com puro amor, não teria querido magoá-la.

4. ─ Se ela soubesse que realmente queríeis matar-vos, ela teria persistido na recusa? ─ Não sei. Não creio, pois ela não era má. Entretanto, teria sido infeliz. Para ela foi melhor assim.

5. ─ Ao chegar à sua porta tínheis intenção de vos matar, caso fosse recusado? ─ Não. Nem pensava nisso. Não a supunha tão obstinada. Somente quando vi sua teimosia é que fui tomado por uma vertigem.

6. ─ Parece que não lamentais o suicídio senão porque Vitorina não o merecia. É vosso único sentimento? ─ Neste momento, sim. Ainda me acho perturbado. Parece-me estar à sua porta. Sinto, porém, algo que não posso definir.

7. ─ Compreendereis mais tarde? ─ Sim, quando estiver desembaraçado… O que fiz foi ruim. Deveria tê-la deixado tranquila… Fui fraco e sofro as consequências… Como vedes, a paixão leva o homem à cegueira e a cometer erros absurdos. Ele só compreende quando é tarde demais.

8. ─ Dissestes que sofreis as consequências. Qual a pena que sofreis? ─ Errei abreviando a vida. Não deveria tê-lo feito. Deveria resistir em vez de acabar com tudo prematuramente. Por isso sou infeliz. Sofro. É sempre ela que me faz sofrer. Parece-me estar ainda à sua porta. Que ingrata! Não me faleis mais nisto. Não quero mais pensar, pois isto me faz muito mal. Adeus.




Um caso de obsessão espiritual: O Espírito e o jurado

O artigo seguinte foi publicado na Revista Espírita de novembro de 1858, e trata de um caso de obsessão espiritual, onde um rapaz foi obsediado por um Espírito – por culpa dele mesmo – a ponto de ser levado a matar uma senhora:

“Um dos nossos correspondentes, homem de grande saber e portador de títulos científicos oficiais, o que não o impede de cometer a fraqueza de acreditar que temos uma alma e que essa alma sobrevive ao corpo, que depois da morte fica errante no espaço e ainda pode comunicar-se com os vivos, tanto mais quanto ele próprio é um bom médium e mantém conversas com os seres de além-túmulo, dirige-nos a seguinte carta:

“Senhor,

“Talvez julgueis acertado agasalhar na vossa interessante revista o fato seguinte:

“Há algum tempo eu era jurado. O tribunal devia julgar um moço, apenas saído da adolescência, acusado de ter assassinado uma senhora idosa em circunstâncias horríveis. O acusado confessava e contava os detalhes do crime com uma impassibilidade e um cinismo que faziam fremir a assembleia.

“Entretanto é fácil prever, em virtude da sua idade, da sua absoluta falta de educação e dados os estímulos recebidos em família, que fossem apresentadas em seu favor circunstâncias atenuantes, tanto mais que ele fora levado pela cólera, agindo contra uma provocação por injúrias.

“Eu quis consultar a vítima a respeito do grau de sua culpabilidade. Chamei-a, durante uma sessão, por uma evocação mental. Ela me fez saber que estava presente e eu pus minha mão às suas ordens. Eis a conversação que tivemos ─ eu, mentalmente, ela pela escrita:

“─ O que a senhora pensa de seu assassino?

“─ Não serei eu quem o acusará.

“─ Por quê?

“─ Porque ele foi levado ao crime por um homem que me fez a corte há cinquenta anos e que, nada tendo conseguido de mim, jurou vingar-se. Conservou, após a sua morte, o desejo de vingança e aproveitou as disposições do acusado para lhe inspirar o desejo de matar-me.

“─ Como sabe disso?

“─ Porque ele mesmo me disse, quando cheguei a este mundo que hoje habito.

“─ Compreendo sua reserva diante dos estímulos que o seu assassino não repeliu como deveria e poderia. Mas a senhora não pensa que a inspiração criminosa, à qual ele voluntariamente obedeceu, não teria sobre ele o mesmo poder, se não houvesse nutrido ou entretido, durante muito tempo, sentimentos de inveja, de ódio e de vingança contra a senhora e a sua família?

“─ Com certeza. Sem isso ele teria sido mais capaz de resistir. Eis por que digo que aquele que quis vingar-se aproveitou as disposições desse moço. O senhor compreende que ele não se teria dirigido a alguém que se dispusesse a resistir.

“─ Ele goza com a sua vingança?

“─ Não, pois vê que isso lhe custará caro. Além disso, em lugar de me fazer mal, ele me prestou um serviço, fazendo-me entrar mais cedo no mundo dos Espíritos, onde sou mais feliz. Foi, pois, uma ação má sem proveito para ele.
“Circunstâncias atenuantes foram admitidas pelo júri, baseadas nos motivos acima indicados, e a pena de morte foi descartada.

“A respeito do que acabo de contar, deve fazer-se uma observação moral de grande importância. É necessário concluir, com efeito, que o homem deve vigiar os seus menores pensamentos malévolos e até mesmo os seus maus sentimentos, por mais fugidios que pareçam, pois eles podem atrair para si Espíritos maus e corrompidos, e expô-lo, fraco e desarmado, às suas inspirações culposas. É uma porta que ele abre ao mal, sem compreender o perigo. Foi, pois, com um profundo conhecimento do homem e do mundo espiritual que Jesus Cristo disse: ‘Todo aquele que olhar para uma mulher para cobiçá-la, já em seu coração adulterou com ela.” (Mat. 5:28).

“Tenho a honra, etc. SIMON M…”




Walewska: reflexões sob a ótica do Espiritismo

Uma das maiores atletas brasileiras, Walewska Oliveira (e não Valeska, Valesca, Walesca, Waleska, etc.) faleceu na noite do dia 21/09/23, em São Paulo. O motivo da morte foi uma queda fatal — provável suicídio — do 17º andar do prédio em que morava com seu marido, Ricardo Alexandre Mendes. O boletim de ocorrência policial registrou o incidente como queda, e também registrou a existência de um papel onde, possivelmente, teria ela registrado uma carta de despedida. Nas câmeras do edifício, ficaram registrados os momentos em que a atleta se encaminha a essa área, portando uma garrafa de vinho e uma pasta. Ainda não se conhecem os detalhes do caso, mas o assunto, justamente neste mês, marcado pela campanha Setembro Amarelo, destinada à prevenção do suicídio (omitimos a palavra para evitar problemas com os mecanismos de buscas) suscita uma reflexão sob a ótica do Espiritismo, naquilo que em verdade ela diz.

Antes de mais nada, devo dizer que acho lamentável qualquer opinião que busque julgar atitudes como essa (supondo que isso tenha acontecido) classificando-as como egoístas, “falta de Deus”, covardia, etc.

Desejamos aos familiares, aos amigos e ao marido de Walewska muita força para passarem por algo tão difícil e que, se forem buscar respostas, possam encontrá-las nos lugares corretos. Além disso, desejamos que nenhum suposto espírita venha, inadvertidamente, trazer supostas comunicações, cartas psicografadas, expondo-as ao público sem raciocinar sobre elas. Sentimos, que, se o que supomos, foi o que aconteceu, não tenha tido ela a oportunidade de conhecer uma filosofia que dá a certeza do futuro e a capacidade de enfrentar as dores da vida sob outro olhar.

Doutrina Espírita e Movimento Espírita

Não custa lembrar que a Doutrina Espírita, como ela realmente é, é uma ciência, formada por estudos metodológicos e sérios, coordenados por Allan Kardec, analisando comunicações, evocações e fenômenos por toda a parte do mundo. Sua principal característica, como ciência, é que qualquer princípio doutrinário deverá nascer do método científico, coisa que foi abandonada a partir do final do século XIX.

Em contrário às evocações e comunicações espontâneas, naquele tempo submetidas ao duplo critério da concordância e da razão, hoje o Movimento Espírita em geral acredita cegamente em praticamente dizem médiuns e Espíritos, esquecendo-se ou desconhecendo que são apenas opiniões que deveriam passar pelo critério citado. Outras vezes, generalizam situações individuais, justamente pela falta de conhecimento. Criam-se, assim, as diversas narrativas que, se não são apenas absurdas, por vezes ofendem o raciocínio e mesmo desrespeitam indivíduos em suas diversas condições.

O Vale dos Suicidas

Podemos citar, dentre elas, e no aspecto aqui tratado, a ideia de que todo suicida irá para o “Vale dos Suicidas”, onde, segundo essa ideia, ficará sofrendo até que aceite o “resgate” de um Espírito que, muitos dizem, seria a própria Virgem Maria. Outros dizem que aquele que pratica esse ato renascerá em corpos mutilados pela culpa, onde deverão resgatar o crime realizado. Não passam, respectivamente, das falsas ideias oriundas de religiões que ensinam a queda pelo pecado.

Me pergunto: será que as pessoas que assim dizem tais coisas não se colocam no lugar de quem as ouve? Não raciocinam? Como se sentiria uma mãe, cujo filho nasceu com certas características físicas, ao ouvir a ideia de que a razão daquilo se deveria ao fato de ele ter cometido crimes, senão contra outros, contra si e contra Deus? Muitas não se ofenderiam? Outras tantas poderiam passar a vê-los com estigmas, talvez? Pior: o que pensariam as próprias pessoas que nasceram com tais características? O fato é que muitos abandonam o Espiritismo por culpa do Movimento Espírita que, em plena era da informação, é renitente em reconhecer a necessidade de voltar a Kardec, não por fundamentalismo, mas por buscar fundamentos científicos.

Já chegamos a ouvir afirmarem, dentro de um Centro Espírita, pela boca de pessoas envolvidas nos trabalhos da instituição, e até mesmo de palestrantes, que o motivo de a pessoa ter nascido cega seria porque ela usou sua visão, na vida passada, para o mau. Quantos absurdos, quantos disparates, que somente fazem esvaziar os bancos do Movimento Espírita, transformado em religião.

O Espiritismo de verdade

Mas, graças aos estudos metodológicos de Kardec, nós podemos demonstrar facilmente a falsidade na generalização dessas ideias. Bastaria, a todo adepto espírita, ler o primeiro ano da Revista Espírita (1858), para verificar que as situações dos Espíritos de pessoas que cometeram esses atos não são únicas, justamente porque não podemos traçar um “código penal da vida futura”, ideia introduzida na adulteração de O Céu e o Inferno, em sua quarta edição, lançada após a morte de Kardec, sobre a qual todas as edições conhecidas até há pouco tempo foram baseadas (refira-se à edição da Editora FEAL para ter acesso ao conteúdo original e intocado).

Constatariam, com esse estudo, que o futuro do Espírito depende de sua psicologia, de seu conhecimento, de suas ideias. Que o ato extremo, muitas vezes é tomado em estado de desvario, de loucura, de irreflexão, de incapacidade de lidar com emoções não vigiadas. O artigo “Suicídio por amor“, de Revista de setembro de 1858, demonstra isso. Já o artigo “O suicida da Samaritana“, de junho do mesmo ano, demonstra outro caso, onde o Espírito, em um estado profundo de perturbação, acredita, por um estado de sofrimento moral, estar ligado ainda ao seu corpo.

Fatos

Um fato é inegável: o remorso e o arrependimento serão estados que todos os Espíritos encontrarão, depois, quando perceberem que tomaram tal atitude por uma incapacidade de lidar com a dor, com as emoções (naquela época conhecidas como paixões), com os arrependimentos, com os desgostos, etc. Infelizmente, tudo gerado por uma incapacidade de ver a vida sob outro ângulo, ângulo esse muito amplo, lógico, claro, que o Espiritismo dá, em sua originalidade. Não tenta impor o medo do castigo, mas demonstra os fatos, as consequências e dá ao indivíduo o vislumbre do futuro, onde apegos desviam para o mal e para o sofrimento, mas que o caminho de retorno ao bem estará sempre aberto, a partir do momento em que este compreender os motivos do seu sofrimento e, por vontade e esforços próprios, decidir enfrentar as raízes dos seus erros.

Veja: no caso apresentado na Revista de setembro de 1858, o rapaz apenas praticou um ato impensado. Ele afirma que nem pensava naquilo, mas que foi tomado de uma “vertigem”, isto é, uma emoção tão forte, com a qual não soube lidar. Em Espírito, compreendeu a tolice (motivo pelo qual todos, sem exceção, ficarão algum tempo com a cena fatídica repetindo-se em suas mentes) e compreendeu a necessidade de corrigir-se no futuro, para não mais cometer esse tipo de problema. Quem sabe, de acordo com sua capacidade de compreensão, escolherá uma vida que lhe dará, desde cedo, a fibra para lidar com essas emoções?

Resta dizer que as cenas que alguns Espíritos sofredores transmitem nas comunicações, como vales tenebrosos ou mesmo a ideia do “Umbral“, nascem de suas próprias mentes. Quiçá, possam materializá-las em escala, em uma espécie de sofrimento sintonizado, mas que não são por isso menos passageiras e que, definitivamente, não representam a condição genérica do Espírito sofredor após a morte (leia a Revista Espírita e verá).

A obsessão

Temos mais um aspecto a abordar: a questão da obsessão. A ciência dos Espíritos, tratada seriamente, foi enfática em demonstrar que os indivíduos, por vezes, cometem tais atos em estado de loucura, fora de si. Muitas vezes, mas nem sempre, esse estado tem a influência determinante de um Espírito obsessor.

Um artigo que demonstra isso é “O Espírito e o jurado“, de novembro de 1859. Nele, fica evidente que o papel de um Espírito obsessor, quando encontra caminhos nas próprias ideias do indivíduo, pode influenciá-lo lentamente. Este, aceitando essa influência, que lhe agrada, mesmo sem saber que o faz, vai lentamente se deixando sintonizar com o Espírito obsessor, como uma marionete cujos fios, lentamente, fossem sendo ligados às mãos de seu mestre. Em certo ponto, o indivíduo passa a responder cegamente, chegando ao estado de possessão, conforme abordado por Kardec em A Gênese (refira-se à edição da editora FEAL).

Daí, nasce uma espécie de culpa compartilhada, da qual cada um será seu próprio juiz. Aquele que se deixou influenciar, quando compreender, buscará criar a força para não mais se permitir a isso. O que influenciou, um dia, entenderá o mal que faz a si próprio, desviando-se do bem, e buscará condições de reparação de seu desvio.

Palavras finais

Há muito a recuperar no que tange aos princípios científicos do Espiritismo. Disso depende sua retomada, sua restauração, livre de dogmas e falsas ideias diariamente divulgadas e ensinadas nos centros espíritas, nas tribunas e, agora, na Internet, onde encontram uma lastimável facilidade de propagação. Precisamos utilizar essa facilidade em favor do bem e da restauração das ideias verdadeiras, não atacando os outros, como muitos ainda perdem o tempo fazendo, mas recuperando a verdade e as divulgando, em verdadeiro trabalho de formiguinha, onde cada um precisa carregar os seus grãos. Tome sua iniciativa. Esqueça, de momento, os romances. Estude o Espiritismo onde ele realmente existe como doutrina científica.