Espiritismo no Brasil e a crítica aos espíritas

Muito temos falado sobre a grande distância entre o Espiritismo, ou a ciência espírita, e aquilo que aprende e divulga o Movimento Espírita no Brasil, cada dia mais contaminado por distorções e misticismo. Não creio necessário repetir os fatos a esse respeito. Limitamo-nos a recomendar o leitor aos artigos A distância entre o Espiritismo e o Movimento Espírita, Profecia do Espírito da Verdade, O Canal Espírita e o Espiritismo, O rapaz e o oásis: uma fábula de esperança, Um diálogo interessante, Um convite à autocrítica do Movimento Espírita, dentre outros.

Podemos, porém, acrescentar o pensamento de Kardec, em O Livro dos Médiuns:

Há, por fim, os espíritas exaltados. A espécie humana seria perfeita, se preferisse sempre o lado bom das coisas. O exagero é prejudicial em tudo. No Espiritismo ele produz uma confiança cega e frequentemente pueril nas manifestações do mundo invisível, fazendo aceitar muito facilmente e sem controle aquilo que a reflexão e o exame demonstrariam ser absurdo ou impossível, pois o entusiasmo não esclarece, ofusca. Esta espécie de adeptos é mais nociva do que útil à causa do Espiritismo. São os menos capazes de convencer, porque se desconfia com razão do seu julgamento. São enganados facilmente por Espíritos mistificadores ou por pessoas que procuram explorar a sua credulidade. Se apenas eles tivessem de sofrer as consequências o mal seria menor, mas o pior é que oferecem, embora sem querer, motivos aos incrédulos que mais procuram zombar do que se convencer e não deixam de imputar a todos o ridículo de alguns. Isso não é justo nem racional, sem dúvida, mas os adversários do Espiritismo, como se sabe, só reconhecem como boa a sua razão e pouco se importam de conhecer a fundo aquilo de que falam.

KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns, Lake, 23a Edição. Grifos nossos.

É evidente seu posicionamento: os descuidados que, com entusiasmo (e vaidade) acreditam em tudo cegamente, promovem mais mal do que bem à Doutrina.

Exageros, dizem alguns

É da opinião de alguns, que temos exagerado. Segundo eles, devemos “respeitar” a fé de cada um, limitando-nos a realizar o nosso trabalho. Em primeiro lugar, precisamos demonstrar que não existe desrespeito à fé de ninguém. Cada um tem o livre-arbítrio e o direito de acreditar no que quiser, racionalmente ou não. Mas, aqui, tratamos da ciência espírita, e aqui nasce o maior problema da ideia dessas pessoas: o não conhecimento dessa ciência. Basta ler a Revista Espírita e as demais obras de Kardec e verá não apenas ele, mas também os bons Espíritos, frequentemente destacando a necessidade de se expor os erros e, sobretudo, os charlatães e os inimigos da Doutrina Espírita que, vestindo suas ideias sob a roupagem do Espiritismo, voluntariamente ou não promovem o erro que alimenta o descrédito geral no Espiritismo, tal como se fosse mais uma religião nascida das ideias de alguém. Já demonstramos suficientemente o porquê o Espiritismo é uma ciência, e não uma religião.

O Espiritismo chegou distorcido ao Brasil

O fato é que o Espiritismo já se instalou no Brasil adulterado pelo Movimento Espírita iniciante ((fatos fartamente apresentados em Ponto Final, de Wilson Garcia)) e, na FEB (Federação Espírita Brasileira), autodenominada “casa mater” do Espiritismo brasileiro, longe de encontrar terreno para sua restauração, foi substituído pela doutrina de Roustaing, totalmente fundamentada nos velhos dogmas religiosos. Essa instituição, que acabou ditando os rumos do Espiritismo brasileiro por muito tempo, nunca se dedicou a recuperar a ciência espírita e o método necessário para a continuidade da Doutrina, sendo que as evocações particulares (e mesmo nos centros espíritas), ferramenta imprescindível para o estudo científico, foram abandonadas. Sem o método de Kardec, e pelo interesse na impressão e na venda de obras mediúnicas, qualquer ideia vinda de qualquer Espírito passou a ser veiculada e, assim, formou lentamente a crença geral do Movimento Espírita, hoje completamente perdido em ideias que, na verdade, são fundamentalmente antidoutrinárias.

Precisamos reconhecer, é claro, que parte dessas ideias fundamentou-se antes mesmo da vinda do Espiritismo ao Brasil, com a adulteração das obras O Céu e o Inferno (principalmente) e a A Gênese, após a morte de Kardec. Infelizmente, a FEB é a primeira a defender a ideia de que essas obras não tenham sido adulteradas, fato que, principalmente com relação à O Céu e o Inferno, é suficientemente evidenciado e irrefutável.

Falar em adulteração é criar descrença?

Aqui, enfim, chegamos a outra crítica de certas pessoas: “dizer que houve adulteração seria jogar lama em Kardec, suscitar descrença no Espiritismo”. “Aliás”, dizem elas, “que Doutrina é essa que os Espíritos permitem tal coisa, sem aviso?”. É um pensamento completamente ilógico.

Começamos lembrando que as palavras do próprio Cristo foram adulteradas e distorcidas em favor dos dogmas religiosos, e esse fato foi justamente o que levou à descrença de incontável número de pessoas no cristianismo. Voltaire foi um dos mais evidentes expoentes dessa descrença, que ainda hoje prevalece. Perguntamos: seria “lançar lama” em Jesus destacar as adulterações? Seria “suscitar descrença” no cristianismo, destacar as distorções, ao mesmo tempo em que se demonstra as ideias originais? Evidente que não. Se o problema aconteceu, precisamos encará-lo de frente (uma atitude científica e verdadeiramente kardeciana), e não varrê-lo para baixo do tapete, enquanto perduram seus efeitos avassaladores.

À ideia de que “os Espíritos não teriam permitido as adulterações”, opomos a forte recomendação de estudo da Doutrina, o que evidentemente não foi realizado por essas pessoas. Os Espíritos alertaram várias vezes sobre as tramas dos inimigos da Doutrina, como demonstramos em Profecia do Espírito da Verdade. Baseado nos alertas e nas evidências, Kardec também previa o futuro do Espiritismo, conforme destacou na Revista Espírita de dezembro de 1863, no artigo “Período de Lutas”:

A luta determinará uma nova fase do Espiritismo e levará ao quarto período, que será o período religioso. Depois virá o quinto, o período intermediário, consequência natural do precedente e que, mais tarde, receberá sua denominação característica. O sexto e último período será o da renovação social, que abrirá a era do século vinte. Nessa época, todos os obstáculos à nova ordem de coisas desejadas por Deus para a transformação da Terra terão desaparecido. A geração que surge, imbuída das ideias novas, estará em toda a sua força e preparará o caminho da que deve inaugurar a vitória definitiva da união, da paz e da fraternidade entre os homens, confundidos numa mesma crença, pela prática da lei evangélica.

KARDEC, Allan. Revista Espírita, dezembro de 1863.

Infelizmente, a previsão do sexto período está atrasada em mais de um século, por diversos fatos imprevisíveis àquela época, quais o abandono do Espiritualismo Racional e da Ciência Espírita, além da adulteração das obras citadas. Depois, as guerras, o esquecimento da Doutrina na França e na Europa e sua instalação no Brasil, completamente distorcido.

Os Espíritos não impedem o livre-arbítrio humano

Lembramos, para terminar, que o cerne da Doutrina Espírita, sempre demonstrado pelos Espíritos, é o livre-arbítrio, ao qual os Espíritos não podem se interpor. Podem aconselhar, mas não podem tolher a vontade humana. Assim fizeram: aconselharam largamente sobre a necessidade de cuidado que, infelizmente, faltou àqueles que deveriam cuidar do legado do mestre. Parece que o Movimento Espírita francês ficou muito confortável com o direcionamento de Kardec e, quando isso deveria mudar, a partir de meados de 1869 (conforme exposto na Revista Espírita de dezembro de 1868, “Constituição transitória do Espiritismo”) Kardec morreu, e todos ficaram sem rumo. Assumindo Leymarie a direção da Sociedade Espírita, desvirtuou o propósito da Revista Espírita, admitindo a doutrina roustainguista a troco de dinheiro, e o resto o leitor pode conhecer através da leitura das obras O Legado de Allan Kardec, de Simoni Privato, Nem Céu, Nem Inferno, de Paulo Henrique de Figueiredo e Ponto Final, de Wilson Garcia.

O bem em meio aos enganos

Muitos dizem: “o Movimento Espirita, em meio a muitos enganos, ainda assim produz um bem. Não é de todo errado”. Não poderíamos discordar disso. Não dizemos que há erro ou engano em tudo e que nenhum bem se produz. Um romance mediúnico, por mais que seja repleto de ideias erradas, pode ser a porta de entrada para o indivíduo questionador ir atrás de mais informações, terminando por conhecer as obras de Kardec, enfim. Mas, perguntamos: não seria melhor que o Espiritismo fosse apresentado como ele é, simples e racional, sem os absurdos que produzem tantos contratempos e que muito frequentemente conduzem à descrença? Não podemos deixar de destacar que, quando se abre espaço para um engano, dentro de uma ciência, e esse engano não é remediado pela teoria e pelos fatos doutrinários, ele dá margem a muitos outros. É o que tem acontecido.

Restauração

É chegada a hora de restaurar o Espiritismo, o que já começou no Brasil e se espalhará pelo mundo. O primeiro passo é aprender o Espiritismo como ele verdadeiramente é, afastando-se dos erros. Aqueles que, ditos “espíritas”, não desejarem fazer assim, integrarão uma nova religião, se o quiserem, tão dogmática quanto as demais. Deixemos que o tempo se encarregue deles, mas nem por isso deixemos de fazer a nossa parte, apresentando os erros, frente à Doutrina Espírita, sem personalismo. Depois, virá o tempo da restauração do método de Kardec. Esses dois passos darão a possibilidade do sexto período previsto por Kardec: o da renovação social.

Não podemos deixar de recomendar como leitura essencial a obra Autonomia – A História Jamais Contada do Espiritismo, de Paulo Henrique de Figueiredo.

Faça parte dessa jornada, que é coletiva e somente se dará pela colaboração de muitos.




A mais forte evidência de adulteração de O Céu e o Inferno, de Allan Kardec

São fatos jurídicos incontestes as adulterações de A Gênese e O Céu e o Inferno, pela mera questão de terem sido lançadas edições, com alterações, após a morte do autor e sem o depósito legal – assim afirmam ao menos quatro operadores jurídicos especializados: Simoni Privato, Júlio Nogueira, Lucas Sampaio e Marcelo Henrique. Esse fato legal está acima de qualquer cogitação e, por conta disso, federações espíritas de outros países, em respeito à lei, voltaram à terceira edição da obra. Infelizmente, a Federação Espírita Brasileira, tendo muito a recapitular ao tomar essa atitude (já que os textos original de O Céu e o Inferno e A Gênese contraditam uma infinidade de erros que povoam a generalidade das publicações por ela editadas e impressas) ainda reluta contra esses fatos, baseando-se em argumentações de leigos em matéria de direito autoral.

Além do fato jurídico e do necessário respeito à lei, pelo estudo, acabamos de identificar mais uma evidência, talvez a mais determinante de todas, da adulteração de O Céu e o Inferno, obra de Allan Kardec, justamente na parte que exprimia a filosofia doutrinária em sua mais clara e pura face.

Em O Livro dos Espíritos, Kardec trata da questão dos Espíritos que escolheram sempre o caminho do bem (tratamos disso também no artigo “Reforma Íntima e Espiritismo“:

Existem Espíritos que sempre escolheram o caminho do bem

121. Por que é que alguns Espíritos seguiram o caminho do bem e outros o do mal?

“Não têm eles o livre-arbítrio? Deus não criou Espíritos maus; criou-os simples e ignorantes, isto é, tendo tanta aptidão para o bem quanta para o mal. Os que são maus, assim se tornaram por vontade própria.”

133. Têm necessidade de encarnação os Espíritos que desde o princípio seguiram o caminho do bem?

“Todos são criados simples e ignorantes e se instruem nas lutas e tribulações da vida corporal. Deus, que é justo, não podia fazer felizes a uns, sem fadigas e trabalhos, conseguintemente sem mérito.”

a) — Mas, então, de que serve aos Espíritos terem seguido o caminho do bem, se isso não os isenta dos sofrimentos da vida corporal?

Chegam mais depressa ao fim. Ademais, as aflições da vida são muitas vezes a consequência da imperfeição do Espírito. Quanto menos imperfeições, tanto menos tormentos. Aquele que não é invejoso, nem ciumento, nem avaro, nem ambicioso, não sofrerá as torturas que se originam desses defeitos.”

O Livro dos Espíritos. Grifos nossos.

Confirmados pelos Espíritos, existem aqueles que sempre escolheram o caminho do bem, o que não os livra da necessidade de encarnar, para seu desenvolvimento. Assim, não têm o que expiar, dado que a expiação é a escolha consciente de provas e oportunidades que lhes ajudem a desapegar de imperfeições conscientemente adquiridas (lembrando que errar, meramente, não é adquirir imperfeições, desde que o erro seja superado pelo aprendizado. O que gera imperfeições é a repetição consciente do erro).

Além disso, é mais que lógico que aquele que tenha superado, através da expiação, uma imperfeição adquirida, não tem mais o que expiar, exceto caso desenvolva novas imperfeições. Ainda assim, ele pode necessitar nascer em um planeta como a Terra, simplesmente porque suas necessidades atuais demandam ou porque escolha encarnar em missão. O próprio Jesus Cristo é o exemplo máximo desse último caso e, mesmo sendo um Espírito puro, ainda assim enfrentou as vicissitudes da matéria, sem ter nada o que expiar. Vejam aonde leva a admissão dessas falsas ideias: ao dogma de Espíritos criados à parte e que nunca estiveram, em realidade, entre nós (um dogma sustentado por Roustaing)!

Forte evidência da adulteração de O Céu e O Inferno

E aqui chegamos à mais forte evidência da adulteração de O Céu e O Inferno, que, na edição lançada após a morte de Kardec, introduziu dois itens no capítulo VIII (que se tornou capítulo VII):

9.º — Toda falta cometida, todo mal realizado, é uma dívida contraída que deve ser paga; se não o for numa existência, sê-lo-á na seguinte ou nas seguintes, porque todas as existências são solidárias umas das outras. Aquele que a quita na existência presente não terá de pagar uma segunda vez.

10.º — O Espírito sofre a pena de suas imperfeições, seja no mundo espiritual, seja no mundo corporal. Todas as misérias, todas as vicissitudes que suportamos na vida corporal são decorrentes de nossas imperfeições, expiações de faltas cometidas, seja na existência presente, seja nas precedentes.

O Céu e o Inferno, quarta edição. FEB. Grifos meus.

Esses dois itens, repito, não existiam na terceira edição da obra, lançada e impressa por Kardec em vida. Admitir que Kardec tenha incluído esses itens nessa edição, em especial o item 10, seria admitir que Kardec entrou em contradição com tudo o que havia desenvolvido até então.

Para dar suporte a essa falsa ideia, os seguintes parágrafos foram removidos na adulteração, no capítulo IX (antigo capítulo X):

Nos primeiros estágios de sua existência, os espíritos estão sujeitos à encarnação material, que é necessária ao seu desenvolvimento, até que tenham chegado a um certo grau. O número das encarnações é indeterminado, e subordina-se à rapidez do progresso, que ocorre na razão direta do trabalho e da boa vontade do espírito, que age sempre em função de seu livre-arbítrio. Aqueles que, por sua incúria, negligência, obstinação ou má vontade permanecem mais tempo nas classes inferiores, sofrem disso as consequências, e o hábito do mal dificulta-lhes a saída desse estado. Um dia, porém, cansam-se dessa existência penosa e dos sofrimentos daí decorrentes. É então que, ao comparar sua situação à dos bons espíritos, compreendem que seu interesse está no bem, procurando então melhorar-se, mas o fazem por vontade pró- pria, sem que a isso sejam forçados. Estão submetidos à lei do progresso por conta de sua aptidão a progredir, mas não o fazem contra a própria vontade. Fornece-lhes Deus incessantemente os meios de progredir, mas são livres para se aproveitarem destes ou não. Se o progresso fosse obrigatório, nenhum mérito os espíritos teriam, e Deus quer que tenham todos o mérito de suas obras, não privilegiando ninguém com o primeiro lugar, posto franqueado a todos, mas que o alcançam somente através dos próprios esforços. Os anjos mais elevados conquistaram sua posição percorrendo, como os demais, a rota comum. Todos, do topo à base, pertenceram ou pertencem ainda à humanidade.

Os homens são, assim, espíritos encarnados mais ou menos adiantados, e os espíritos são as almas dos homens que deixaram seu invólucro material. A vida espiritual é a vida normal do espírito. O corpo não é senão uma vestimenta temporária, apropriada às funções que devem exercer na Terra, tal como o guerreiro veste a armadura e a cota de malha para o momento do combate, delas despindo-se após a batalha, para eventualmente vesti-las de novo quando chegada a hora de uma nova luta. A vida corporal é o combate que os espíritos devem enfrentar para avançar, para o que se revestem dessa armadura que é para eles ao mesmo tempo um instrumento de ação, mas também um embaraço.

Ao encarnarem, os espíritos trazem suas qualidades inerentes. Os espíritos imperfeitos constituem, portanto, os homens imperfeitos; aqueles mais adiantados, bons, inteligentes, instruídos, são os homens instintivamente bons, inteligentes e aptos a adquirir com facilidade novos conhecimentos. Da mesma forma, os homens, ao morrer, fornecem ao mundo espiritual espíritos bons ou maus, adiantados ou atrasados. O mundo corporal e o mundo espiritual suprem-se assim constantemente um ao outro.

Entre os maus espíritos há os que têm toda a perversidade dos demônios, aos quais pode-se aplicar perfeitamente a imagem que se faz desses últimos. Quando encarnados, constituem os homens perversos e astuciosos que se comprazem no mal, parecendo criados para a desgraça de todos os que são atraídos para sua intimidade, e dos quais pode-se dizer – sem que isso constitua ofensa – que são demônios encarnados.

Tendo alcançado um certo grau de purificação, os espíritos recebem missões compatíveis com seu adiantamento, desempenhando dessa forma todas as funções atribuídas aos anjos de diferentes ordens. Como Deus criou desde sempre, também desde sempre houve espíritos suficientes para atender a todas as necessidades do governo do Universo. Uma só espécie de seres inteligentes, submetidos à lei do progresso, é, portanto, suficiente para tudo. Essa unidade na criação, juntamente à ideia de que todos têm uma mesma origem comum, o mesmo caminho para percorrer, e que se elevam todos por seu mérito próprio, corresponde muito melhor à justiça de Deus do que à criação de espécies diferentes, mais ou menos favorecidas por dons naturais, equivalentes a privilégios.

O Céu e o Inferno – Editora FEAL

Mais evidências da ideia original

Apresento, a seguir, mais alguns trechos da obra de Kardec que evidenciam o verdadeiro entendimento sobre o assunto (a encarnação não é resultado exclusivo da expiação):

“Segundo um sistema que tem algo de especioso à primeira vista, os Espíritos não teriam sido criados para se encarnarem e a encarnação não seria senão o resultado de sua falta. Tal sistema cai pela mera consideração de que se nenhum Espírito tivesse falido, não haveria homens na Terra, nem em outros mundos. Ora, como a presença do homem é necessária para o melhoramento material dos mundos; como ele concorre por sua inteligência e sua atividade para a obra geral, ele é uma das engrenagens essenciais da Criação. Deus não podia subordinar a realização desta parte de sua obra à queda eventual de suas criaturas, a menos que contasse para tanto com um número sempre suficiente de culpados para fornecer operários aos mundos criados e por criar. O bom-senso repele tal ideia.”

KARDEC. Revista espírita — 1863 > junho > Do príncipio da não-retrogradação do Espírito. Grifos nossos.

Nesse artigo, nesse trecho, Kardec está evidentemente refutando, de maneira firme, a mesma ideia transmitida nos Quatro Evangelhos de Roustaing (que somente seria lançado em 1865), de que a encarnação se daria apenas para expiação, isto é, quando o Espírito é “culpado”:

A ideia da encarnação como castigo, dissemos, é uma ideia totalmente ligada aos dogmas de Roustaing:

N. 59. Que é o que devemos pensar da opinião que se formula assim: “Do mesmo modo que, para o Espírito em estado de formação, a materialização nos reinos mineral e vegetal e nas espécies intermediárias e igualmente a encarnação no reino animal e nas espécies intermediárias é uma necessidade e não um castigo resultante de falta cometida, também, para o Espírito formado, que já tem inteligência independente, consciência de suas faculdades, consciência e liberdade de seus atos, livre arbítrio e que se encontra no estado de inocência e ignorância, a encarnação, primeiro, em terras primitivas, depois, nos mundos inferiores e superiores, até que haja atingido a perfeição, é uma necessidade e não um castigo”?

Não; a encarnação humana não é uma necessidade, é um castigo, já o dissemos. E o castigo não pode preceder a culpa.

O Espírito não é humanizado, também já o explicamos, antes que a primeira falta o tenha sujeitado à encarnação humana. Só então ele é preparado, como igualmente já o mostramos, para lhe sofrer as conseqüências.

ROUSTAING, Jean B. Quatro Evangelhos, Tomo I

É fácil observar a semelhança dessa ideia com aquele introduzida na 4a edição de O Céu e o Inferno: a de que a encarnação somente se dá quando o Espírito é culpado de um erro anterior.

Continuemos com as evidências da ideia original de Kardec e da Doutrina:

132. Qual o objetivo da encarnação dos Espíritos?

“Deus lhes impõe a encarnação com o fim de fazê-los chegar à perfeição. Para uns, é expiação; para outros, missão. Mas, para alcançarem essa perfeição, têm que sofrer todas as vicissitudes da existência corporal: nisso é que está a expiação […]

O Livro dos Espíritos

Para uns, é expiação; para outros, missão. “Para alcançarem essa perfeição, têm que sofrer todas as vicissitudes da existência corporal: nisso é que está a expiação“, ou seja, a expiação, tratada no meio religoso como um processo de remissão de pecados pelos castigos divino, aqui, para o Espiritismo, é apenas o processo de aprendizado e de desenvolvimento do Espírito.

Contudo, a fatalidade não é uma palavra vã. Existe na posição que o homem ocupa na Terra e nas funções que aí desempenha, em conseqüência do gênero de vida que seu Espírito escolheu como prova, expiação ou missão. Ele sofre fatalmente todas as vicissitudes dessa existência e todas as tendências boas ou más, que lhe são inerentes.

O Livro dos Espíritos

O Espírito sofre as vicissitudes da exisência escolhida pelo Espírito, como prova, expiação ou missão.

  1. É um castigo a encarnação e somente os Espíritos culpados estão sujeitos a sofrê-la?

A passagem dos Espíritos pela vida corporal é necessária para que eles possam cumprir, por meio de uma ação material, os desígnios cuja execução Deus lhes confia. É-lhes necessária, a bem deles, visto que a atividade que são obrigados a exercer lhes auxilia o desenvolvimento da inteligência. Sendo soberanamente justo, Deus tem de distribuir tudo igualmente por todos os seus filhos; assim é que estabeleceu para todos o mesmo ponto de partida, a mesma aptidão, as mesmas obrigações a cumprir e a mesma liberdade de proceder. Qualquer privilégio seria uma preferência, uma injustiça. Mas, a encarnação, para todos os Espíritos, é apenas um estado transitório. É uma tarefa que Deus lhes impõe, quando iniciam a vida, como primeira experiência do uso que farão do livre-arbítrio. Os que desempenham com zelo essa tarefa transpõem rapidamente e menos penosamente os primeiros graus da iniciação e mais cedo gozam do fruto de seus labores. Os que, ao contrário, usam mal da liberdade que Deus lhes concede retardam a sua marcha e, tal seja a obstinação que demonstrem, podem prolongar indefinidamente a necessidade da reencarnação, caso em que ela se lhes torna um castigo. — S. Luís. (Paris, 1859.)

KARDEC. O Evangelho segundo o Espiritismo > Capítulo IV — Ninguém poderá ver o reino de Deus se não nascer de novo > Instruções dos Espíritos. > Necessidades da encarnação. > 25. Grifos nossos.

Evidentemente, os Espíritos demonstram que a encarnação é necessária a todos, de maneira que, enquanto se desenvolvem, fazem sua parte na Criação.

Os exemplos de castigos imediatos são menos raros do que se crê. Se se remontasse à fonte de todas as vicissitudes da vida, ver-se-ia aí, quase sempre, a conseqüência natural de alguma falta cometida. O homem recebe, a cada instante, terríveis lições das quais infelizmente bem pouco aproveita.

Revista Espírita, 1864

Quase sempre as fontes de todas as vicissitudes da vida remontam à consequencia natural de alguma falta cometida.

[O homem de bem] Sabe que todas as vicissitudes da vida, todas as dores, todas a decepções, são provas ou expiações, e as aceita sem murmurar.

O Evangelho Segundo o Espiritismo

Todas as vicissitudes da vida são provas ou expiações. Prova: tudo aquilo que nos serve ao aprendizado, todas as dificuldades da vida. Expiação: certos gêneros de provas, escolhidas para o exercício de desapego de uma imperfeição adquirida.

“Esta pergunta dos discípulos “É o pecado deste homem a causa de nascer cego” indica a intuição de uma existência anterior. Caso contrário, não teria sentido, porque o pecado que seria a causa de uma enfermidade de nascença deveria ter sido cometido antes do nascimento e, por consequência, em uma existência anterior. Se Jesus tivesse visto aí uma ideia falsa ele teria dito: “Como esse homem teria podido pecar antes de estar entre nós?” Em lugar disso ele lhes disse que, se o homem é cego, não significa que tenha pecado, mas, a fim de que o poder de Deus brilhe nele; é como dizer que ele devia ser o instrumento de uma manifestação do poder de Deus. Se isso não era uma expiação do passado, é uma prova de que devia servir a seu progresso, porque Deus, que é justo, não poderia lhe impor um sofrimento sem compensação.”

KARDEC, Allan. A Gênese. 4a edição. “Cego de Nascença”. Grifos nossos.

Nesse trecho, onde Kardec trata da cura da cegueira, feita por Jesus, ele faz a seguinte observação: “Se isso não era uma expiação do passado, é uma prova de que devia servir a seu progresso“. Ora, isso quer dizer que, para ele, e de acordo com o Espiritismo, as vicissitudes não se dão apenas como expiação, mas também como ferramenta de aprendizado. Esse trecho consta inclusive da 5a edição de A Gênese (a edição adulterada), e Kardec não pode ter se contradito em suas ideias em cada uma das obras. Esse não é o Kardec que conhecemos.

Motivo da adulteração

Todo aquele que está investigando o assunto seriamente, e que investigou também a adulteração de A Gênese, perceberá algo em comum entre as duas adulterações: o princípio do dogma da encarnação como o resultado do castigo pelo pecado – dogma fortemente limitador e aprisionante, repercutido por Roustaing e ensinado pelos Espíritos mistificadores que com ele se comunicavam, através da médium Emilie Collignon. Contra a sua teoria, existe um simples detalhe: Jesus.

Jesus, o Espírito mais evoluído que já encarnou entre nós, não tinha nada a “pagar”, posto que era Espírito puro. Como resolver esse problema? Dizendo que Jesus não encarnou, mas que, em verdade, foi um agênere, isto é, um Espírito materializado, que simplesmente nos enganou ao longo de sua trajetória.

O ponto é que, em O Céu e o Inferno, foram removidas as ideias doutrinárias que demonstravam a encarnação como necessária a todos, bons e maus, e foi acrescentada a ideia de que tudo o que passamos é fruto de expiações de erros de vidas passadas (item 10, cap. 7, Código Penal da Vida Futura); já na adulteração de A Gênese, não por acaso, o item 67 do capítulo XV foi removido, e, como demonstra Henri Netto,

[…] a renumeração do item 68 como se fosse o 67, oculta a apreciação lógica (ainda que em termos de suposições) sobre o destino do envoltório corporal de Yeshua, após o seu sepultamento. Qual seria a razão de Kardec, depois de repelir a tese docetista (“corpo fluídico” de Jesus), e afirmar a sua natureza humana, para suprimir suas judiciosas considerações acerca do tema?

NETTO, Henri. À procura da dúvida: onde está a verdade? Publicado no site Espiritismo com Kardec – ECK, em 24/12/2023. Disponível em comkardec.net.br/a-procura-da-duvida-onde-esta-a-verdade-por-henri-netto

Ou seja: em A Gênese, para dar suporte às adulterações de O Céu e o Inferno, atacou-se a ideia que demonstra, pelo exemplo inequívoco, que a encarnação não serve apenas para expiação (acrescentando-se aqui que expiação é o ato consciente da escolha de provas visando o retorno ao bem, para os Espíritos que, em minoria, escolheram o apego ao erro e, assim, desenvolveram imperfeições). Removeu-se uma ideia doutrinária, ainda que a recomendação do Espírito, que se comunicou a Kardec sobre o assunto da nova edição, tenha sido de não remover absolutamente nada que fosse relacionado às ideias doutrinárias.

Conclusão

De duas, uma: ou Kardec fez essa alteração, ou ele não fez essa alteração. Se ele mesmo fez essa alteração, então contradisse todo seu entendimento anterior e, além disso, demonstra um estado de saúde mental alterado, já que contradisse essa ideia n’A Gênese, inclusive em sua quinta edição, como demonstramos acima.

Ora, sabendo que Kardec deixa muito claro seu entendimento de que a encarnação não pode ser resultado exclusivo da expiação e conhecendo seu estado de saúde mental sadio, até o dia de sua morte, podemos chegar a apenas uma conclusão: essa obra foi adulterada.

A alteração é muito clara: “Todas as misérias, todas as vicissitudes que suportamos na vida corporal são decorrentes de nossas imperfeições, expiações de faltas cometidas”. Isso é claramente a ideia de Roustaing, e a essência desse capítulo foi perdida com a alteração, para implantar os mesmos dogmas que esse senhor aceitava e defendia:

“Não; a encarnação humana não é uma necessidade, é um castigo, já o dissemos. E o castigo não pode preceder a culpa”.

ROUSTAING, Jean B. Quatro Evangelhos, Tomo I, item 59

Muitos dirão, ainda, que o item 16 do cap. VII de O Céu e o Inferno (a versão adulterada) encerra o mesmo princípio removido do item 8, original:

16.º — O arrependimento é o primeiro passo para o aperfeiçoamento; mas sozinho não basta; são precisas ainda a expiação e a reparação.

Arrependimento, expiação e reparação são as três condições necessárias para apagar os traços de uma falta e suas consequências.

O arrependimento suaviza as dores da expiação, dando esperança e preparando as vias da reabilitação; mas somente a reparação pode anular o efeito, destruindo a causa; o perdão seria uma graça e não uma anulação.

Contudo, perguntamos: em que se torna a arrependimento, a expiação e a reparação, quando submetidas às ideias inseridas pelas adulterações, senão no cumprimento de uma sentença ou de um castigo? Em que se torna o erro, parte do aprendizado, senão em uma condenação? E, vendo sob esse ângulo, perguntamos: o indivíduo que é levado a pensar dessa maneira, como age ante à vida? Age austeramente, buscando superar o erro, ou, crendo-se condenado, se submete à inação ou, pior, descamba por mais erros ainda? E ante ao próximo, que sofre as vicissitudes da vida? Vê nele um irmão que requer o nosso apoio, um ser capaz de superar suas dificuldades pelo aprendizado, ou vê nele mais um condenado, sobre o qual nada se pode fazer, já que cumpre sua sentença? Finalmente: tudo isso leva ao estado de cooperação, em busca do progresso, ou leva ao materialismo e ao egoísmo?

São perguntas que cada um se deve fazer, de posse do conhecimento que, para mim, demorou três anos para ser clarificado e estabelecido. Quem sabe, com tudo isso, eu possa ajudar a diminuir esse tempo para você.

Inimigos do bem se esforçam por retardá-lo

É muito evidente que o capítulo mais importante de O Céu e o Inferno, justamente aquele que continha a essência da filosofia doutrinária, foi propositadamente adulterado. As ideias originalmente estabelecidas foram completamente remodeladas segundo dogmas ligados à ideia da queda pelo pecado, atrasando, por mais de 150 anos, o desenvolvimento do Espiritismo na face da Terra. Chega. Agora é hora de recuperar e de estudar. Recomendamos a leitura das nossas Obras Recomendadas.

Os esforços daqueles que tentam obter o domínio da verdade estão ligados às concepções de velho mundo. São Espíritos ainda incapazes de compreender a essência do Espiritismo e que, conscientemente ou não, lutam contra suas ideias de autonomia e de liberdade. Como diria Kardec, deixemos que o tempo se encarregue deles.

Dizem eles terem provado sumariamente a não adulteração e, assim, refutado todas as evidências em contrário. Assim sendo, peço a esses indivíduos que expliquem essa alteração ilógica e contraditória a toda a doutrina.

Como agem os sacerdotes

Para Leymarie, os fatos e a discussão sobre eles não importavam. Para manter a sua versão, visava dominar a verdade com subterfúgios diversos. Tentava tomar domínio da opinião espírita e escondia tudo o que pudesse depor contra suas ideias. Assim agem, também, aqueles que contrariam os fatos da adulteração com o “canto de sereia”, como diria Marcelo Henrique.

Há poucos dias, comentei no vídeo ” O Livro A Gênese foi mesmo adulterado?”, publicado no canal Grupo Espírita Revelare, no Youtube:

Não por acaso, meus comentários não aparecem para mais ninguém, pois estou oculto no canal.




Allan Kardec e a revolução moral da humanidade

O seguinte artigo contém os conteúdos gentilmente disponibilizados pelo Centro Espírita Nosso Lar – Casas André Luiz, e correspondem ao evento recentemente realizado por Paulo Henrique de Figueiredo sobre o tema em destaque.

A apresentação pode ser facilmente baixada através deste link e também pode ser ouvida em Podcast, cujo áudio disponibilizamos a seguir.


A seguir estão os tópicos da palestra, que podem ser verificados na apresentação disponibilizada e no áudio acima exposto.

ENCONTRO COM A CULTURA ESPÍRITA – Allan Kardec e a revolução moral da humanidade

Paulo Henrique de Figueiredo – 28 e 29 out 2023




Os problemas da crença no nada (niilismo) e no castigo

A crença no castigo, mesmo dentro do Espiritismo (ou do Movimento Espírita) e a crença no nada levam o homem a duas situações muito complicadas. Vejamos:

Quando se crê no nada, o homem se concentra sobre o desfrute do presente, a qualquer custo. Isso é o que Kardec nos demonstra em O Céu e o Inferno (editora FEAL):

“Há algo mais desesperador do que a ideia da destruição absoluta? As afeições sagradas, a inteligência, o progresso, o conhecimento laboriosamente adquirido, tudo seria desfeito, tudo estaria perdido! Qual a necessidade do esforço para nos tornarmos melhores, para reprimirmos as paixões, para enriquecermos nosso espírito, se daí não devemos colher fruto algum, sobretudo ante a ideia de que amanhã, talvez, isso não nos servirá mais para nada? Se assim fosse, a sorte do homem seria cem vezes pior do que a do selvagem, que vive inteiramente no presente, na satisfação de seus apetites materiais, sem aspirações com relação ao futuro. Uma secreta intuição nos diz que isso não é possível.

Pela crença no nada, o homem inevitavelmente concentra seu pensamento na vida presente. Não haveria, com efeito, por que se preocupar com um futuro do qual nada se espera. Essa preocupação exclusiva com o presente o leva naturalmente a pensar em si antes de tudo; é, portanto, o mais poderoso estímulo ao egoísmo. O incrédulo é coerente quando chega à conclusão: “Desfrutemos enquanto aqui estamos, desfrutemos o máximo possível, pois, depois de nós, tudo estará acabado; gozemos depressa, porque não sabemos quanto tempo durará”, assim como a esta outra, bem mais grave aliás para a sociedade: “Desfrutemos, não importa à custa de quem; cada um por si; a felicidade, cá embaixo, é do mais astuto”. Se o escrúpulo religioso restringe a ação de alguns, que freio terão aqueles que em nada creem? Para estes, a lei humana somente alcança os tolos, e por isso dedicam seu talento a maneiras de dela se esquivarem. Se há uma doutrina nociva e antissocial, é certamente a do neantismo ((Doutrina do nada, niilismo)), porque rompe os verdadeiros laços de solidariedade e de fraternidade, alicerce das relações sociais.”

KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno, Editora FEAL.

Algo diametralmente oposto ao pensamento niilista, glorificado em Nietzsche:

A descoberta da moral cristã é um acontecimento que não tem igual, uma verdadeira catástrofe. O pretexto sagrado de tornar melhor a humanidade surge como a astúcia para esgotar a própria vida, para a tornar anêmica. O conceito de além foi inventado para desvalorizar o único mundo que existe – para destituir a nossa realidade terrena de todo o fim, de toda a razão, de todo o propósito! O conceito de alma, de espírito, finalmente ainda de alma imortal, inventou-se para desprezar o corpo. Por fim – e é o mais terrível – no conceito de homem bom, toma-se o partido de tudo o que é fraco, doente, falhado, do que em si mesmo é passivo, de tudo o que deve perecer – a lei da seleção natural é contrariada, e faz-se um ideal a partir da oposição ao homem altivo e bem-sucedido, ao homem que diz sim, ao homem que garante e está certo do futuro – este torna-se agora o mau… E em tudo isto se acreditou como moral.

NIETZSCHE, 2008, p. 99-100

Por outro lado, quando o homem acredita na ideia da queda pelo pecado ou na vida humana como uma forma de “pagar dívidas”; em outras palavras: quando ele acredita na ideia do castigo divino, ele se torna inapto a lidar pró-ativamente com seus problemas. Uma mulher que, por exemplo, viva com um mau companheiro, que a agrida, física ou moralmente, pode crer (e muitos lhe afirmam isso) que está vivendo um “resgate” de vidas passadas. Deve, portanto, se submeter às condições desumanas, para, segundo dizem, “quitar seus débitos”.

Essa maneira de pensar é frequentemente ensinada desde os primeiros passos da criança, quando esta é submetida ao castigo, ao invés de ser instigada ao desenvolvimento pela sua própria autonomia racional. Já tratamos disso no artigo “O castigo irrita e impõe. Não educa pela razão.


O fanatismo da credulidade cria incrédulos, porque nada responde. Tira o indivíduo do controle sobre sua responsabilidade: se comete o mal, é culpa do diabo; se faz o bem, é graça divina.

O fanatismo da incredulidade, por outro lado, vai na mesma direção e produz a mesma coisa que o primeiro: o indivíduo, se faz o mal ou se faz o bem, é por conta do seu DNA.

Ambos transformam o ser em um autômato a quem resta, apenas, os prazeres mundanos, ante à perspectiva do nada ou da condenação eterna. A via intermediária, em sua excelência racional, é o Espiritualismo Racional e o Espiritismo (em sua origem). Veja esse estudo: https://www.youtube.com/watch?v=OCD2_iAQySw.


Recomendamos a todos o estudo seguinte:




Grupos de Estudos de Espiritismo pelo Mundo

Queremos criar uma rede de contatos com outros grupos, de todas as línguas, espalhados pelo mundo. Se você faz parte de um grupo de estudos do Espiritismo ou conhece algum grupo, nos ajude nessa iniciativa, cadastrando-o através de nosso formulário.

Ajude na formação dessa corrente tão importante!




Encarnação como castigo pelo pecado

O seguinte artigo, tratando do princípio da não retrogradação do Espírito e eliminando a ideia da reencarnação como um castigo, foi obtido do artigo “Do princípio da não-retrogradação do Espírito”, da Revista espírita de junho de 1863. Ele contraria o que foi inserido na adulteração de O Céu e o Inferno, conforme demonstramos “A mais forte evidência de adulteração de O Céu e o Inferno, de Allan Kardec“.

“Tendo sido várias vezes levantadas questões sobre o princípio da não retrogradação dos Espíritos, princípio diversamente interpretado, vamos tentar resolvê-las. O Espiritismo quer ser claro para todos e não deixar aos seus futuros seguidores nenhum motivo para discussão de palavras, por isso todos os pontos suscetíveis de interpretação serão elucidados sucessivamente.

Os Espíritos não retrogradam, no sentido de que nada perdem do progresso realizado. Eles podem ficar momentaneamente estacionários, mas de bons não podem tornar-se maus, nem de sábios, ignorantes. Tal é o princípio geral, que só se aplica ao estado moral e não à situação material, que de boa pode tornar-se má, se o Espírito a tiver merecido.

Façamos uma comparação. Suponhamos um homem do mundo, instruído, mas culpado de um crime que o conduz às galés. Certamente há para ele uma grande descida como posição social e como bem-estar material. À estima e à consideração sucederam o desprezo e a abjeção. Entretanto, ele nada perdeu quanto ao desenvolvimento da inteligência. Levará à prisão as suas faculdades, os seus talentos, os seus conhecimentos. É um homem decaído, e é assim que devem ser compreendidos os Espíritos decaídos. Deus pode, pois, ao cabo de certo tempo de prova, retirar de um mundo onde não terão progredido moralmente, aqueles que o tiverem desconhecido, que se tiverem rebelado contra as suas leis, mandando que expiem os seus erros e o seu endurecimento num mundo inferior, entre seres ainda menos adiantados. Aí serão o que eram antes, moral e intelectualmente, mas numa condição infinitamente mais penosa, pela própria natureza do globo, e sobretudo pelo meio no qual se acharem. Numa palavra, estarão na posição de um homem civilizado forçado a viver entre os selvagens, ou de um homem educado condenado à sociedade dos forçados. Eles perderam sua posição e suas vantagens, mas não regrediram ao estado primitivo. De adultos, não se tornaram crianças. Eis o que se deve entender pela não retrogradação. Não tendo aproveitado o tempo, é para eles um trabalho a recomeçar. Em sua bondade, Deus não quer deixá-los por mais tempo entre os bons, cuja paz perturbam, e é por isto que ele os envia para viverem entre homens que eles terão por missão fazer com que progridam, ensinando-lhes o que sabem. Por esse trabalho eles próprios poderão adiantar-se e se regenerarem, expiando as faltas passadas, como o escravo que economiza pouco a pouco para um dia comprar sua liberdade. Mas, como o escravo, muitos só economizam dinheiro, em vez de amontoar virtudes, as únicas que podem pagar seu resgate.

Esta tem sido, até agora, a situação de nossa Terra, mundo de expiação e de provas, onde a raça adâmica, raça inteligente, foi exilada entre as raças primitivas inferiores que a habitavam antes dela. Tal a razão pela qual há tantas amarguras aqui, amarguras que estão longe de sentir no mesmo grau os povos selvagens.

Há, certamente, retrogradação do Espírito no sentido de que retarda seu progresso, mas não do ponto de vista de suas aquisições, em razão das quais e do desenvolvimento de sua inteligência, sua degradação social lhe é mais penosa. É assim que o homem do mundo sofre mais num meio abjeto do que aquele que sempre viveu na lama.

Segundo um sistema que tem algo de especioso à primeira vista, os Espíritos não teriam sido criados para se encarnarem e a encarnação não seria senão o resultado de sua falta. Tal sistema cai pela mera consideração de que se nenhum Espírito tivesse falido, não haveria homens na Terra, nem em outros mundos. Ora, como a presença do homem é necessária para o melhoramento material dos mundos; como ele concorre por sua inteligência e sua atividade para a obra geral, ele é uma das engrenagens essenciais da Criação. Deus não podia subordinar a realização desta parte de sua obra à queda eventual de suas criaturas, a menos que contasse para tanto com um número sempre suficiente de culpados para fornecer operários aos mundos criados e por criar. O bom-senso repele tal ideia.

A encarnação é, pois, uma necessidade para o Espírito que, realizando a sua missão providencial, trabalha para seu próprio adiantamento pela atividade e pela inteligência que ele deve desenvolver a fim de prover à sua vida e ao seu bem-estar.

Mas a encarnação torna-se uma punição quando, não tendo feito o que devia, o Espírito é constrangido a recomeçar sua tarefa e multiplica suas existências corpóreas penosas por sua própria culpa. Um estudante só é graduado após ter passado por todas as classes. Essas classes são um castigo? Não. Elas são uma necessidade, uma condição indispensável ao seu avanço. Mas se, pela preguiça, for obrigado a repeti-las, aí é uma punição. Ser aprovado em algumas é um mérito. O que é certo, portanto, é que a encarnação na Terra é uma punição para muitos que a habitam, porque poderiam tê-la evitado, ao passo que eles talvez a tenham duplicado, triplicado, centuplicado, por sua própria culpa, assim retardando sua entrada em mundos melhores. O que é errado é admitir, em princípio, a encarnação como um castigo.

Outra questão muitas vezes discutida é esta: Como o Espírito foi criado simples e ignorante, com a liberdade de fazer o bem ou o mal, não teria ele uma queda moral quando toma o mau caminho, considerando-se que ele chega a fazer o mal que não fazia antes?

Esta proposição não é mais sustentável que a precedente. Só há queda na passagem de um estado relativamente bom a um pior. Ora, criado simples e ignorante, o Espírito está, em sua origem, num estado de nulidade moral e intelectual, como a criança que acaba de nascer. Se não fez o mal, também não fez o bem; não é feliz nem infeliz; age sem consciência e sem responsabilidade. Como nada tem, nada pode perder, nem pode retrogradar. Sua responsabilidade só começa no momento em que se desenvolve o seu livre-arbítrio. Seu estado primitivo não é, pois, um estado de inocência inteligente e raciocinada. Consequentemente, o mal que fizer mais tarde, infringindo as leis de Deus e abusando das faculdades que lhe foram dadas, não é um retorno do bem ao mal, mas a consequência do mau caminho por onde entrou.

Isto nos conduz a outra questão. Nero, por exemplo, enquanto encarnado como Nero, pode ter cometido mais maldades do que na sua precedente encarnação? A isto respondemos “sim”, o que não implica que na existência em que tivesse feito menos mal ele fosse melhor. Para começar, o mal pode mudar de forma sem ser um mal maior ou menor. A posição de Nero, como imperador, tendo-o posto em evidência, permitiu que seus atos fossem mais notados. Numa existência obscura ele pode ter cometido atos igualmente repreensíveis, posto que em menor escala, e que passaram despercebidos. Como soberano, ele pôde mandar incendiar uma cidade. Como uma pessoa comum, pôde queimar uma casa e fazer perecer a família. Um assassino vulgar que mata alguns viajantes para despojá-los, se estivesse no trono seria um tirano sanguinário, fazendo em grande escala o que a posição só lhe permite fazer em escala reduzida.

Considerando a questão sob outro ponto de vista, diremos que um homem pode fazer mais mal numa existência que na precedente, mostrar vícios que não tinha, sem que isto implique uma degeneração moral. Muitas vezes são as ocasiões que faltam para fazer o mal. Quando o princípio existe em estado latente, vem a ocasião e os maus instintos se desvelam.

A vida ordinária nos oferece numerosos exemplos dessa ordem: Um homem que era tido como bom, de repente revela vícios que ninguém suspeitava, e que causam admiração. É simplesmente porque soube dissimular, ou porque uma causa provocou o desenvolvimento de um mau germe. É bem certo que aquele em quem os bons sentimentos estão fortemente arraigados não tem nem mesmo o pensamento do mal. Quando tal pensamento existe, é que o germe existe. Frequentemente apenas falta a execução.

Depois, como dissemos, o mal, posto que sob diferentes formas, não deixa de ser o mal. O mesmo princípio vicioso pode ser a fonte de uma porção de atos diversos, provenientes de uma mesma causa. O orgulho, por exemplo, pode fazer cometer um grande número de faltas, às quais se está exposto, enquanto o princípio radical não for extirpado. Um homem pode, pois, numa existência, ter defeitos que não teria manifestado numa outra e que não são senão consequências várias de um mesmo princípio vicioso.

Para nós, Nero é um monstro, porque cometeu atrocidades. Mas é crível que esses homens pérfidos, hipócritas, verdadeiras víboras que semeiam o veneno da calúnia, despojam as famílias pela astúcia e pelo abuso de confiança, que cobrem suas torpezas com a máscara da virtude para chegarem com mais segurança a seus fins e receberem elogios quando só merecem a execração, é crível, dizíamos nós, que eles sejam melhores do que Nero? Certamente não. Serem reencarnados num Nero, para eles não seria uma regressão, mas uma ocasião para se mostrarem sob nova face. Nessa condição, eles exibirão os vícios que ocultavam. Ousarão fazer pela força o que faziam pela astúcia, eis toda a diferença. Mas essa nova prova não lhes tornará o castigo senão mais terrível se, em vez de aproveitar os meios que lhes são dados para reparar, deles se servem para o mal. Entretanto, cada existência, por pior que seja, é uma ocasião de progresso para o Espírito. Ele desenvolve a inteligência e adquire experiência e conhecimentos que mais tarde o ajudarão a progredir moralmente.




O Pensamento do Fundador do Espiritismo, Allan Kardec, nos dias atuais

Allan Kardec tem um papel ainda e, para sempre, muito importante no Espiritismo. Vejamos:

“Requer nossa reflexão para que possamos compreender cada vez mais e melhor o papel que a Filosofia Espírita desempenha em nossos dias e como interpretaremos seus postulados e propostas diante da realidade que nos é apresentada pelos tempos em que vivemos, acompanhados pelo progresso tecnológico e pelo avanço intelectual e moral que caracterizam este século.

Desde a fundação do Espiritismo, com a publicação de “O Livro dos Espíritos” em 18 de abril de 1857, e como uma clara expressão do pensamento lógico e racional de seu sistematizador, ficou registrado que: “O Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática, consiste nas relações que podem ser estabelecidas com os Espíritos; como doutrina filosófica, abrange todas as consequências morais que decorrem de tais relações.”

Dessa forma, respaldado pela experiência desenvolvida por Allan Kardec na classificação, avaliação e caracterização do fenômeno mediúnico como eixo principal e meio eficaz para desenvolver e precisar os princípios e as bases teóricas espíritas, a Filosofia Espírita é estabelecida como uma Doutrina de caráter científico, filosófico e moral.

A publicação sistemática e contínua de suas obras básicas e complementares permitiu que a difusão do ensinamento espírita aumentasse; nelas lemos: “A força do Espiritismo reside em sua filosofia, no apelo que faz à razão e ao bom senso”; “O Espiritismo, sob pena de suicídio, não pode fechar as portas a nenhum progresso”; “O Espiritismo, avançando com o progresso, nunca será ultrapassado, pois se novas descobertas demonstrarem que ele está errado em algum ponto, ele se modificará nesse ponto e se uma nova verdade se revelar, ele a aceitará.”

A clara expressão do pensamento kardecista nessas linhas nos apresenta uma Doutrina Evolutiva, nos coloca diante de uma Filosofia aberta, dinâmica, racional, coerente e, acima de tudo, prática. Ela nos incentiva, como adeptos, a abraçar uma proposta de livre pensamento e humanismo, na qual, através de seu estudo contínuo e de uma compreensão profunda, resultado de reflexões demoradas e experimentações conscientes e sérias, somos conduzidos à identificação clara e lógica de nosso ser como Espíritos imortais. Estamos vinculados à reencarnação presente neste mundo como resultado de inúmeras jornadas evolutivas que já experimentamos e que constituem nossa situação atual. Somos Espíritos conscientes e responsáveis por todo esse acervo espiritual de acertos e erros, conquistas e fracassos que temos vivenciado e que são essenciais para nossa evolução, progresso e compreensão mais profunda de nossa verdadeira situação espiritual.

Assim, encontramos nas exortações kardecistas, que formam a base e o ponto de partida da Filosofia Espiritista, um excelente guia, um plano experimental e racional que pode facilitar muito nossa visão e compreensão consciente das grandes Verdades Universais.

No entanto, é necessário, para preservar e atualizar o entendimento do “Legado Kardeciano”, a contextualização de cada um de seus conceitos, pontos de vista e ideias fundamentais. Esses princípios derivam dos fundamentos científicos, filosóficos e éticos que caracterizaram a segunda metade do século XIX na França.

O conjunto dos ensinamentos espíritas, bem como a precisa exposição de seus princípios e fundamentos, mantém sua indiscutível atualidade diante dos avanços tecnológicos, das descobertas científicas e das propostas de integração humanista e solidária de filosofias e religiões. No entanto, alguns pensamentos, procedimentos e concepções encontrados nas obras espíritas também refletem a visão pessoal e os pontos de vista expressos por seu fundador e pelos Espíritos desencarnados que o assessoraram em seu trabalho. Esses aspectos precisam ser valorizados, analisados, comparados e contextualizados, seguindo a própria exortação do Espiritismo, em benefício da própria Doutrina Espírita. Isso garante que ela continue sendo a expressão clara, lógica e racional dos princípios e postulados que se baseiam na manifestação objetiva e real das Leis Naturais, que regulam o funcionamento do Universo e a estabilidade de nossas individualidades.

É dever de todo estudioso espírita, de todo adepto comprometido com a fidelidade e preservação da Filosofia Espírita, adotar uma postura aberta, dialética, livre de dogmas e preconceitos, afastada de posições sectárias e movimentos radicais paralelos em seus pensamentos e concepções. Isso permite o estudo, a promoção e a divulgação das doutrinas espíritas conforme foram manifestadas em suas obras fundacionais, mas de acordo com a necessária evolução e atualização conceitual e na linguagem expressiva da Doutrina, que os tempos atuais demandam. Dessa forma, a Doutrina fica livre de ambiguidades e interpretações prejudiciais que poderiam afetar sua interpretação adequada e sua disseminação indispensável.

O pensamento do fundador do Espiritismo deve ser exposto exatamente como foi expresso, refletido, estudado, analisado, valorizado e adaptado aos tempos atuais, pois, dada a inegável atualidade desse pensamento, requer um estudo mais aprofundado e assimilação por parte dos adeptos espíritas. Deve ser considerado como uma orientação para a introdução ao conhecimento da Ciência Espírita, buscando aprofundamentos, mas nunca como a expressão de verdades definitivas ou revelações inquestionáveis.

A garantia para a preservação do Pensamento Espírita para as novas gerações está em nossas mãos e depende em grande parte da atitude que cada um de nós assume em relação a ele, com responsabilidade individual.

Walter Pérez


O texto acima foi submetido por Walter Pérez, do grupo CEEAK — Centro de Estudios Espiritas Allan Kardec — de Cuba. A ele, nada podemos acrescentar. Encerra a clareza transmitida pelo pensamento e pela atitude racional e científica de Kardec, responsável pelo nascimento da Doutrina Espírita e necessária para o seu desenvolvimento. Poderíamos apenas destacar que o título de “fundador” do Espiritismo cabe à parte da ciência espírita desenvolvida “do lado de cá”, mas não caberia ao Espiritismo como ciência da Natureza, que existe da eternidade e abarca a tudo o que possamos compreender.




Análise criteriosa das comunicações e psicografias mediúnicas

Kardec, no artigo “Exames das comunicações mediúnicas que nos enviam”, da Revista Espírita de maio de 1863, demonstra o cuidado e a seriedade que a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas tinha com as comunicações mediúnicas que a ela eram enviadas. É uma verdadeira aula de seriedade frente à ciência espírita, por isso reproduzimo-la na íntegra:

“Muitas comunicações nos foram enviadas por diferentes grupos, já pedindo conselho e julgamento de suas tendências, já, como umas poucas, na esperança de publicação na Revista. Todas nos foram mandadas com a faculdade de dispormos das mesmas como melhor entendêssemos para o bem da causa. Fizemos o seu exame e classificação, e não fiquem admirados da impossibilidade de publicá-las todas, quando souberem que além das já publicadas, há mais de três mil e seiscentas que, por si sós, teriam absorvido cinco anos completos da Revista, sem contar um certo número de manuscritos mais ou menos volumosos dos quais falaremos adiante. A súmula desse exame nos fornecerá tema para algumas reflexões, que cada um poderá aproveitar.

Entre elas encontramos algumas notoriamente más, no fundo e na forma, evidente produto de Espíritos ignorantes, obsessores ou mistificadores e que juram pelos nomes mais ou menos pomposos com que as assinam. Publicá-las teria sido dar armas à crítica. Uma circunstância digna de nota é que a quase totalidade das comunicações dessa categoria emana de indivíduos isolados e não de grupos. Só a fascinação poderia levá-los a ser tomados a sério, e impedir se visse o lado ridículo. Como se sabe, o isolamento favorece a fascinação, ao passo que as reuniões encontram controle na pluralidade de opiniões.

Reconhecemos, contudo, com prazer, que as comunicações dessa natureza formam, na massa, uma pequena minoria. A maioria das outras encerra bons pensamentos e excelentes conselhos, mas não se negue que todas sejam boas para publicação, pelos motivos que vamos expor.

Os bons Espíritos ensinam mais ou menos a mesma coisa por toda parte, porque em toda parte há os mesmos vícios a reformar e as mesmas virtudes a pregar, e aí está um dos caracteres distintivos do Espiritismo, pois geralmente a diferença está apenas na maior ou menor correção e elegância de estilo.

Para apreciar as comunicações com vistas à publicidade, não se pode analisá-las de seu ponto de vista, mas do ponto de vista público. Compreendemos a satisfação que se experimenta ao obter algo de bom, sobretudo quando se começa, mas além de que certas pessoas podem ter ilusões relativamente ao mérito intrínseco, não se pensa que há centenas de outros lugares onde se obtêm coisas semelhantes, e o que é de poderoso interesse individual pode ser banalidade para a massa.

Além disto, é preciso considerar que de algum tempo para cá as comunicações adquiriram, sob todos os aspectos, proporções e qualidades que deixam muito para trás as que eram obtidas há alguns anos. Aquilo que então era admirado, parece pálido e mesquinho ao lado do que se obtém hoje. Na maioria dos centros realmente sérios, o ensino dos Espíritos cresceu com a compreensão do Espiritismo. Considerando-se que por toda parte são recebidas instruções mais ou menos idênticas, sua publicação poderá interessar apenas sob a condição de apresentar qualidades especiais, tanto na forma quanto no alcance instrutivo. Seria, pois, ilusão crer que toda mensagem deve encontrar leitores numerosos e entusiastas. Outrora, a menor conversa espírita era novidade e atraía a atenção. Hoje, que os espíritas e os médiuns são incontáveis, o que era uma raridade é um fato quase banal e habitual, e que foi distanciado pela amplidão e pelo alcance das comunicações atuais, assim como os deveres escolares o são pelo trabalho do adulto.

Temos sob nossas vistas a coleção de um jornal publicado no princípio das manifestações, sob o título de La Table Parlante, título característico da época. Diz-se que o jornal tinha de 1.500 a 1.800 assinantes, cifra enorme para aquela época. Ele continha uma porção de pequenas conversas familiares e fatos mediúnicos que então tinham o enorme atrativo da curiosidade. Aí procuramos inutilmente algo para reproduzir em nossa Revista. Tudo quanto tivéssemos escolhido, hoje seria pueril, sem interesse. Se esse jornal não tivesse desaparecido, por circunstâncias que não vêm ao caso, só poderia ter vivido com a condição de acompanhar o progresso da Ciência, e se reaparecesse agora nas mesmas condições, não teria cinquenta assinantes. Os espíritas são imensamente mais numerosos do que então, é verdade, mas são mais esclarecidos, e querem ensinamentos mais substanciais.

Se as comunicações emanassem de um único centro, sem dúvida os leitores multiplicar-se-iam em razão do número de adeptos, mas não se deve perder de vista que os focos que as produzem se contam por milhares, e que por toda parte onde são obtidas coisas superiores, não pode haver interesse pelo que é fraco e medíocre.

O que dizemos não é para desencorajar de fazer publicações. Longe disso. Mas para mostrar a necessidade de escolha rigorosa, condição sine qua non do sucesso. Elevando os seus ensinamentos, os Espíritos no-los tornaram mais difíceis e mesmo exigentes. As publicações locais podem ter uma imensa utilidade, sob um duplo aspecto, o de espalhar nas massas o ensino dado na intimidade, depois o de mostrar a concordância que existe nesse ensino sobre diversos pontos. Aplaudiremos isto sempre, e os encorajaremos todas as vezes que elas forem feitas em boas condições.

Para começar, convém descartar tudo quanto, sendo de interesse privado, só interessa a quem isso diz respeito, e depois, tudo quanto é vulgar no estilo e nas ideias, ou pueril pelo assunto.

Uma coisa pode ser excelente em si mesma e muito boa para servir de instrução pessoal, mas o que deve ser entregue ao público exige condições especiais. Infelizmente o homem é inclinado a supor que tudo o que lhe agrada deve agradar aos outros. O mais hábil pode enganar-se. O essencial é enganar-se o menos possível. Há Espíritos que se comprazem em alimentar essa ilusão em certos médiuns, por isso nunca seria demais recomendar a eles que não confiem em seu próprio julgamento. É nisto que os grupos são úteis, pela multiplicidade de opiniões que podem ser colhidas. Aquele que, neste caso, recusasse a opinião da maioria, julgando-se mais esclarecido que todos, provaria sobejamente a má influência sob a qual se acha.

Aplicando estes princípios de ecletismo às comunicações que nos enviaram, diremos que em 3.600, há mais de 3.000 que são de uma moralidade irreprochável, e excelentes como fundo, mas que desse número não há 300 para publicidade, e apenas cem de um mérito inconteste. Considerando-se que essas comunicações vieram de muitos pontos diferentes, inferimos que a proporção deve ser mais ou menos geral. Por aí pode-se julgar da necessidade de não publicar inconsideradamente tudo quanto vem dos Espíritos, se quisermos atingir o objetivo a que nos propomos, tanto do ponto de vista material quanto do efeito moral e da opinião que os indiferentes possam fazer do Espiritismo.

Resta-nos dizer algumas palavras sobre os manuscritos ou trabalhos de fôlego que nos mandaram, entre os quais, de trinta, encontramos cinco ou seis de real valor.

No mundo invisível, como na Terra, não faltam escritores, mas os bons são raros. Tal Espírito é apto a ditar uma boa comunicação isolada; a dar excelente conselho particular, mas é incapaz de um trabalho de conjunto completo, que suporte um exame, sejam quais forem suas pretensões. Por outro lado, o nome com o qual ele se compraz em disfarçar-se, não é uma garantia. Quanto mais alto o nome, mais obriga. Ora, é mais fácil tomar um nome do que justificá-lo. Eis por que, ao lado de alguns bons pensamentos, encontram-se, por vezes, ideias excêntricas e os traços menos equívocos da mais profunda ignorância. É nestas espécies de trabalhos mediúnicos que temos notado mais sinais de obsessão, dos quais um dos mais frequentes é a injunção da parte do Espírito de fazê-los imprimir, e mais de um pensa equivocadamente que tal recomendação basta para encontrar um editor interessado no negócio.

É sobretudo em semelhante caso que um exame escrupuloso se torna necessário, se não nos quisermos expor a aprender às nossas custas. Além do mais, é o melhor meio de afastar os Espíritos presunçosos e pseudossábios, que invariavelmente se retiram, quando não encontram instrumentos dóceis a quem façam aceitar suas palavras como artigos de fé. A intromissão desses Espíritos nas comunicações é ─ e isto é um fato conhecido ─ o maior escolho do Espiritismo. Todas as precauções são poucas para evitar as publicações lamentáveis. Em tais casos, mais vale pecar por excesso de prudência, no interesse da causa.

Em resumo, publicando comunicações dignas de interesse, faz-se uma coisa útil. Publicando as que são fracas, insignificantes ou más, faz-se mais mal do que bem.

Uma consideração não menos importante é a da oportunidade. Umas há cuja publicação é intempestiva, e por isso prejudicial. Cada coisa deve vir a seu tempo. Várias delas que nos são dirigidas estão neste caso e, posto que muito boas, devem ser adiadas. Quanto às outras, acharão seu lugar conforme as circunstâncias e o seu objetivo.”




Caridade e Espiritismo:

Quando se quer fazer o bem, a ação, sem dúvidas, é indispensável, sem esquecer que o que conta é realmente a intenção. Não porque Deus esteja anotando as intenções, mas porque é ela que conta para o aprendizado ou para o apego do indivíduo. Mas não podemos esquecer que o ideal é saber o que se faz, para não fazer errado. Vamos falar sobre Caridade e Espiritismo.

Falando em Movimento Espírita, temos, infelizmente, a prática de alguns que se colocam a julgar. De um lado, alguns que se limitam ao acúmulo do saber para si mesmos, criticam aqueles que se concentram na prática. De outro lado, alguns, que se limitam à ação, sem vontade de buscar o conhecimento, colocam-se a julgar aqueles que buscam o conhecimento, como se o saber não fosse útil. Estou aqui para mostra que ambos os extremos estão errados.

O inferno está cheio de boas intenções

Há um ditado popular que diz: “o inferno está cheio de boas intenções”. Isso significa: querendo fazer o bem, mas não sabendo o que se faz, pode-se produzir o mal. Evidente, é claro, que não há condenação senão pela própria consciência e que o indivíduo que erra querendo fazer o bem sentirá sofrimento moral muito menor do que aquele que erra querendo fazer o mal. Mas o fato que destaco é que, para fazer o bem, o ideal é que se saiba o que se faz, e é por isso que o entendimento do Espiritismo é tão importante para a compreensão real do que seja a caridade.

Há algum tempo, um grupo de jovens se reuniu para satisfazer o sonho de um amigo: pular de bungee jump, que consiste em se prender a cordas e pular de um lugar alto. Conseguiram as cordas, amarraram o amigo que, então, saltou de um precipício, para se estatelar no chão e morrer. O problema? Eles não conheciam a ciência do que estavam fazendo e não calcularam bem o tamanho da corda. Penso na culpa que cada um deles deve carregar ainda hoje.

Acumular saber sem nada fazer

Existem também os indivíduos que se concentram em acumular conhecimentos. Mas esses conhecimentos eles não aplicam nem a si mesmos, nem ao bem dos demais: eles apenas os guardam para si, de modo que, sempre que possível, possam provar que sabem mais que os outros. É o cúmulo do orgulho e do egoísmo, mas, um dia, esse conhecimento lhe será útil para agir, quando se arrepender de seus desvios.

Relato: idosa, pobre e com oito crianças para cuidar

Como relato pessoal, posso contar de um centro espírita que frequentei por muitos anos. Desde que me lembro, a prática ali é voltada ao bem, mas conforme as ideias que moldam o movimento espírita atual, como se fosse uma religião: frequentar a reunião da “casa espírita” semanalmente, ouvir a palestra, tomar um passe e ir embora. Uma vez por mês há uma reunião mediúnica para assistência de Espíritos sofredores. Fora dali, não se fala em Espiritismo e muito menos se o pratica. O Centro está esvaziado, porque não há maior interesse. Com muito esforço e superando enormes dificuldades, os participantes da casa promovem mensalmente um ato de entrega de cestas básicas para famílias necessitadas. E é isso. Essas famílias não participam de atividades da casa e não conhecem a real beleza do Espiritismo. Saindo dali, elas vão em outras instituições e igrejas buscar mais itens necessários.

Certa vez, quando por acaso eu estava presente nesse dia de entrega de cestas-básicas, notamos uma senhora que já comparecia ali há mais de dois anos. Ela estava extremamente triste. Sua situação: com quase 70 anos, perdeu dois de seus filhos em acidentes diferentes. Esses filhos a deixaram com um total de oito crianças, que ela buscava sustentar catando lixo e contando com alguma ajuda que obtinha daqui e dali.

Revoltada com Deus

Nesse dia, essa senhora estava desesperada e revoltada com Deus. Não conseguia aceitar essa situação. Se perguntava: “que Deus é esse que permite tais coisas?”. Notando isso, minha mãe e eu começamos a conversar especialmente com ela. Conseguimos fazê-la compreender que essas coisas acontecem, como parte das provas. Que talvez tenha sido algo escolhido previamente ou não, mas que, de qualquer maneira, ela estava tendo um papel tão importante na vida dessas crianças, ensinando-as o exemplo do amor, da dedicação e, sobretudo, lhes dando valores morais tão importantes. Eu lhe disse: “esses Espíritos agradecerão demais o seu empenho”, o que lhe fez brotar um novo brilho no olhar.

Além disso, organizamo-nos de diversas maneiras e conseguimos doações diversas, inclusive colchões, pois as crianças dormiam no chão.

Desse dia em diante, vimos uma nova energia dominar seu Espírito. Uma nova determinação para enfrentar essas dificuldades lhe dominou o ser. Ela deixou de lado a revolta, porque algo claro e simples lhe atendeu ao raciocínio.

A face real do Espiritismo

Esse “algo”, claro e simples, é o Espiritismo em sua essência. Não esse “espiritismo” com “e” minúsculo, afastado dos estudos científicos de Kardec e preso aos mais diversos erros nascidos da aceitação cega das opiniões dos Espíritos, quase sempre em romances mediúnicos. Não: o Espiritismo, doutrina filosófica, desenvolvida pelo método científico. “O Espiritismo não é obra que marche na sombra. Ele é conhecido; seus princípios são formulados com clareza, precisão e sem ambiguidades” (Revista Espírita, Março de 1863).

Outros poderiam erradamente dizer que essa senhora estaria “quitando” débitos de vidas passadas, o que é falso ((Ainda que ela possa ter tido ligações passadas com esses Espíritos e que, sentindo-se em débito por algo, tenha escolhido ajudá-los nesta vida, não se trata de “quitar” algo, mas sim de aprender auxiliando.)) ou, ainda, que essas crianças nasceram naquele meio para quitar suas dívidas. Esquecem-se ou desconhecem que o Espírito também escolhe tais situações para aprendizado, e não apenas para expiações (sendo as escolhas dos Espíritos que buscam se desapegar de uma imperfeição adquirida). Além disso, não refletem no que tais palavras podem fazer com uma mente já perturbada.

A questão aqui não é dizer que um faz mais que outro ou que um seja melhor que o outro. O ponto é: o Movimento Espírita, sem o conhecimento do Espiritismo, se tornou manco, incompleto, incapaz de dar a verdadeira face do Consolador Prometido. Sem o conhecimento, a caridade se torna mero assistencialismo. Quem sabe, se naquela oportunidade dada por Deus, não tivéssemos dado atenção àquela senhora ou não tivéssemos condição de dizer algo melhor, ela poderia ter continuado revoltada ou se amargurado mais ainda, para, quem sabe, tomar atitudes lastimáveis, abalada por nossas palavras?

Fora da Caridade não há salvação

Quando Kardec estipulou esse estandarte do Espiritismo, “fora da caridade não há salvação”, ela fazia um contrapeso à frase da Igreja Católica, que dizia que “fora da Igreja não há salvação”. Mas não apenas isso: ele definia exatamente o princípio de caridade pelo Espiritismo, como meio de salvação, sendo o esforço próprio em fazer o bem ou voltar para ele.

O que é a caridade para o Espiritismo? É o dever moral. É a ação pelo bem, que não espera recompensas. E fazer o bem é desejar ser útil ao próximo, auxiliando e sendo auxiliando, aprendendo e ensinando. Ora, como ser realmente útil, sem saber o que se faz? Poderíamos, desejando ser úteis, amarrar cordas nas pernas do outros, para empurrá-la de um barranco, sem medir o tamanho dessa corda.

Sempre tenho destacado, porque eu mesmo passei por isso, como aquela senhora também passou e como muitos outros também passaram: nos momentos mais difíceis de nossa vida, nos mais avassaladores, nossa consciência busca respostas racionais para o que passamos. E a fé, como bem dizia Kardec, quando não pode encarar a razão, esmorece. Muitos se afastam da religião e de qualquer espiritualidade quando isso acontece.

Repito o que disse Kardec sobre o Espiritismo: “seus princípios são formulados com clareza, precisão e sem ambiguidades“. Foi o conhecimento desses princípios, adquiridos apenas após trinta e três anos vivendo no Movimento Espírita, que me permitiram dar palavras claras, simples e racionais àquela senhora. Foi esse conhecimento que me permitiu sair de uma depressão, por um trabalho longo e ininterrupto de estudo.

Conclusão

O que pretendo demonstrar, enfim, é que o Espiritismo é uma doutrina científica que nos dá o conhecimento para errar muito menos, fazendo o bem com mais assertividade e transmitindo menos ideias erradas. Hoje, olho para trás e vejo incontáveis exemplos de pessoas que se afastaram do Movimento Espírita por conta das falsas ideias que dominam esse meio, que se tornou uma religião como todas as outras.

Aquecer um ser que passa frio; dar-lhe alimento para não sucumbir pela fome; água para matar-lhe a sede: todas são ações de caridade necessárias e inadiáveis. Mas e sobre auxiliá-lo a mudar suas disposições interiores pelo entendimento, coisa que o Espiritismo consegue com clareza inigualável? E sobre acolhê-lo, ouvindo suas queixas, suas dores, para então dar-lhe uma ideia de uma filosofia que permite ver a vida de outra maneira, clara e racional, além de simples? Afinal, a muitos que estão nessas condições, falta a vontade, muitas vezes justamente por crerem que estão assim por castigo.

A ideia original do Espiritismo é muito mais clara, racional e clemente. Ela reflete a bondade da justiça divina. A caridade, segundo o Espiritismo, é algo simples e profundo: consiste fazer o bem sem esperar retorno. Afastarmo-nos desse conhecimento tem nos tornado pouco úteis ou até mesmo danosos em nossas falas e em nossas ações, mesmo quando aspiramos fazer o bem.




Kardecismo: um termo impróprio

Muitos adeptos do movimento espírita utilizam o termo “kardecismo” ou “kardecista” para se referirem à sua “religião” ou “crença”. Em apenas uma frase, já temos três erros, com os quais podemos começar.

Espiritismo é ciência

Em primeiro lugar, é importante destacar que o Espiritismo é uma ciência. Como tal, é uno. Poderia ter ramificações de áreas de estudos, como a Física tem a Física Quântica, a Mecânica, a Ótica, etc. Mas a Física é uma só, como o Espiritismo é um só. Falar em “kardecismo” seria como deixar de falar em Física para falar em newtonismo ou einsteinismo, o que seria um erro, já que Newton e Einstein foram pesquisadores que, com método científico, estudaram a Física e geraram suas teorias científicas. Allan Kardec fez o mesmo.

Dizer “kardecismo” é dar uma personalidade à ciência espírita, reduzindo-a à expressão das ideias de Kardec, o que é falso. Kardec foi o pesquisador responsável por centralizar os estudos, sim, e são suas obras que formam a Doutrina Espírita como é conhecida. Mas é necessário lembrar que suas obras são fruto de um trabalho coletivo e colaborativo. Kardec nunca se deu o direito de dominar a verdade.

Os outros erros seriam tratar o Espiritismo como religião, o que não procede, ou como crença, o que seria rebaixá-lo do nível de ciência e transformá-lo em mera crendice. É necessário distinguir aquilo que nasce da crença cega naquilo que alguém diz, da “crença” nascida do raciocínio científico. São coisas diferentes.

Movimento Espírita se tornou religião

Infelizmente, importa destacar que aquilo que se tornou o Movimento Espírita se tornou crendice e religião. Para grande parte dos espíritas modernos, Kardec tem o mesmo peso que Jesus nas religiões presas ao Velho Testamento: fala-se em seu nome, para dar credibilidade, mas conhece-se apenas a superfície, preferindo-se ficar com as distorções.

Conclusão

Ao ser questionado sobre minha religião, não diga ser espírita, kardecista, etc. Se você tem uma religião, diga sua religião e diga que, além disso, estuda o Espiritismo. Se você não tem religião e estuda a ciência espírita, diga: “não tenho religião: estudo a ciência espirita”.