O Espiritismo frente à guerra

Estamos, nesta data, vivendo um novo momento de apreensão no mundo, com uma nova guerra se iniciando entre a Rússia e a Ucrânia. Será muito oportuno, portanto, relembrar alguns importantes conceitos do Espiritismo frente a tais situações, como as guerras.

A situação de quem morre nas guerras

Em primeiro lugar, é preciso lembrar que qualquer maldade humana nasce da imperfeição inerente a Espíritos que, como praticamente todos nós, ainda estamos na terceira ordem da escala espírita. O Espírito que pratica o mal, individualmente ou em conjunto, o faz porque ainda é ignorante sobre a moral e age segundo seu livre-arbítrio já conquistado. Assim, destaco, jamais uma ação de perversidade ou maldade, praticada por alguém, nasce de uma cobrança divina de uma “dívida” passada.

Creio muito importante destacar esse pensamento, logo de início, pois muitos ainda pensam, muito erradamente, que a vítima de um crime está “resgatando débitos passados”, o que não é uma verdade. Ora, que Deus é esse que cobra dívidas através de crimes e que, com isso, faz um outro Espírito – o do criminoso – adquirir um novo débito?

Portanto, não, as pessoas que morrem vítima de um crime, seja ele isolado, como um homicídio, seja ele em grupo, desde os casos menores, mas não menos expressivos, como o caso do incêndio da boate Kiss, que rendeu um processo criminal, até os maiores, como os casos do nazismo, que matou mais de seis milhões de judeus, ou do genocídio cometido pelo revolucionário chinês Mao Tsé-Tung, cuja política matou de 50 a 80 milhões de pessoas, não morrem por estarem sendo cobradas por absolutamente nada do passado: morrem por efeito das decisões alheias, criminosas – lembrando que, é claro, o Espírito que preveja a vida sob tal condição pode escolher aí reencarnar a fim de expiar erros passados e tentar aprender e se livrar das imperfeições que o levaram a errar.

Já tratei desse assunto em outro artigo, destacando que as mortes coletivas não se dão por conta de “resgates coletivos”, mas por conta de estarmos sujeitos a tais vicissitudes, inerentes à matéria bruta que hoje ocupamos.

A “data limite”

Muitos têm, com certo medo, se referido a uma suposta “profecia” atribuída a Chico Xavier a respeito da chamada data limite, onde, a partir de determinada data, em 1969, os Espíritos elevados que cuidam do progresso terrestre dariam um “ultimato” ao ser humano terrestre: se não houvesse nenhuma guerra, dentro dos 50 anos seguintes, entraríamos em uma nova fase de evolução planetária.

Acontece, aí, que temos alguns problemas frente à Doutrina:

  1. Espíritos superiores não costumam dar previsões futuras desse gênero.
  2. Como poderiam os Espíritos superiores darem tal ultimato sabendo que o ser humano ainda é muito imperfeito e conhecendo o ia e vai no coração humano?
  3. Nós sabemos que a evolução do Espírito não respeita datas. Para o Espírito imortal, o tempo não existe, e o que não for feito hoje, nem aqui, será feito em décadas, centênios ou milênios. A urgência que existe mora em cada um, pois, cada dia perdido de desprendimento das imperfeições será um dia a mais de sofrimento nessa condição espiritual.

Outro problema é que grande parte desse assunto vem sendo discutido de segunda mão, através de outras pessoas, não tendo saído diretamente da boca de Chico Xavier. Portanto, é preciso olhar tal assunto com muito cuidado.

A guerra e o Espiritismo: O Livro dos Espíritos

Na obra citada, Kardec também aborda a temática das guerras. Vamos analisar as perguntas e as respostas:

742. Que é o que impele o homem à guerra?

“Predominância da natureza animal sobre a natureza espiritual e transbordamento das paixões. No estado de barbaria, os povos um só direito conhecem: o do mais forte. Por isso é que, para tais povos, o de guerra é um estado normal. À medida que o homem progride, menos frequente se torna a guerra, porque ele lhe evita as causas. E, quando se torna necessária, sabe fazê-la com humanidade.”

O ser humano, ainda muito imperfeito, quer imperar pela força a fim de fazer valer suas vontades egoísticas. Conforme formos progredindo, deixaremos para trás tais imperfeições e guerrearemos menos, em qualquer escala. O grande problema é que, hoje, o homem está esquecido da moral e da alma.

743. Da face da Terra, algum dia, a guerra desaparecerá?

“Sim, quando os homens compreenderem a justiça e praticarem a lei de Deus. Nessa época, todos os povos serão irmãos.”

Infelizmente, numa sociedade absurdamente materialista, estamos bastante esquecidos de praticar a Lei de Deus.

744. Que objetivou a Providência, tornando necessária a guerra?

“A liberdade e o progresso.”

Quando se fala que a Providência (Deus) tornou necessária a guerra, é importante entender que Deus jamais faria da guerra uma necessidade em si, mas, sim, que permite o livre-arbítrio ao Espírito imperfeito que, sem sombra de dúvidas, entrará em contendas e guerras de todo o gênero. Faz parte da evolução. É quase sempre preciso conhecer o mau, em seu estágio mais avançado, para que a sociedade busque o bem. Outrora, o ser humano, em generalidade, guerreava e matava por qualquer motivo mesquinho. Hoje estamos consideravelmente longe desse passado.

Também há algo importante a destacar: as guerras de escala maior são, sempre, comandadas por um ou mais indivíduos ou grupos tiranos. No fim da linha está o soldado que, muitas vezes, nada tem a ver com isso e que sequer gostaria de estar ali, mas que se vê obrigado a seguir as ordens de seus comandantes. A Justiça Divina, é claro, “leva em conta” essas diferenças, isto é, o soldado que age sob comando, sem a vontade de fazer o mal, terá, frente à sua própria consciência, muito menos sentimento de culpa do que o comandante que os envia para o assassínio.

744. a) — Se a guerra deve ter por efeito o advento da liberdade, como pode frequentemente ter por objetivo e resultado a subjugação?

“Subjugação temporária, para pressionar os povos, a fim de fazê-los progredir mais depressa.”

É o complemento do que foi dito acima. A guerra pressiona ao avanço, tanto científico quanto moral.

745. Que se deve pensar daquele que suscita a guerra para proveito seu?

“Grande culpado é esse e muitas existências lhe serão necessárias para expiar todos os assassínios de que haja sido causa, porquanto responderá por todos os homens cuja morte tenha causado para satisfazer à sua ambição.”

Pela resposta a essa questão, parece então que o Espírito que provoca a guerra para tirar proveito terá, sim, que pagar por cada um daqueles que tenham sofrido por esse motivo. Mas não é exatamente isso. É preciso ler com atenção e cuidado, e as obras de Kardec, sendo baseadas em ciência, são continuamente construídas sobre postulados anteriores.

Notemos, aqui, que a resposta espiritual fala em expiação. A expiação, sendo uma espécie de penitência, não é um castigo imposto diretamente por Deus, como uma cobrança, mas sim como um efeito da consciência que o Espírito toma sobre o mal praticado. Desde o momento em que o Espírito entende que o que sofre por estar afastado do bem, passa a sofrer moralmente por conta disso e, então, passa a planejar encarnações onde expiará suas imperfeições, para superá-las. Também não significa que o Espírito expiará individualmente por cada um dos sofrimentos ou das mortes que tenha causado, mas, sim, que passará por um longo trabalho reencarnatório, tentando se livrar do peso moral adquirido com seus erros. Hitler, com certeza, não reencarnará mais de seis milhões de vezes para morrer da mesma forma e “pagar” pela morte de cada um dos judeus (e de outras vítimas da guerra), mas, com certeza, no momento em que entender a extensão do mal que fez e o tamanho do sofrimento que ele mesmo vivencia, passará por uma longa série de encarnações sofridas, por escolha própria, a fim de buscar vencer as imperfeições exacerbadas que lhe fizeram agir de tal forma.

Conclusão

A guerra e as contendas, em menor ou maior grau, ainda são inerentes à nossa condição de Espíritos muito imperfeitos, e só deixarão de existir no dia em que praticarmos as leis de Deus, isto é, no dia em que a caridade moral, a benevolência, enfim, o bem em si estiver instalado no coração de cada um, como obrigação, bem como que cada um faça seu esforço próprio para se livrar do egoísmo e do orgulho, imperfeições que dão origem a todas as outras. E, para isso, é necessário que o homem eleve-se acima da matéria e compreenda que, como Espíritos encarnados, a única coisa que realmente importa e que levamos daqui é o progresso que tenhamos ou não realizado. E, nisso, o Espiritismo, como ciência, e a educação nas bases da pedagogia de Pestalozzi (principalmente), tem muito ainda a contribuir.

Façamos preces, sim, pelos nossos irmãos. Sabemos que o pensamento tem poder de transmissão a infinitas distâncias. Podem, quem sabe, atingir os corações mais endurecidos, como também podem fazer muito bem àqueles que são vítimas dos desmandos despóticos de todos aqueles que querem imperar pela força e pela violência. E aproveitemos para estudar, não para darmos aulas de Espiritismo, mas para nos fazermos mais úteis à sociedade através de nossa própria transformação e da propagação das ideias baseadas na preexistência da alma e de sua continuidade infinita.




Já pensou em conversar com os Espíritos?

Esta é uma reflexão honesta e aberta. Acontece que, hoje, só se pensa em doutrinar. Esquecemos, porém, que os Espíritos tem muito a nos ensinar – mesmo os mais infelizes, pois podemos analisar seu estado atual, os motivos das complicações de suas vidas e, disso, obter muitos conhecimentos importantes. Estudando Kardec, vemos que não somente ele, mas também muitos grupos distribuídos pela Europa e pela América do Norte realizavam pesquisas sérias a respeito através das comunicações mediúnicas – e não apenas esperando que “o telefone toque de lá pra cá”, mas realizando evocações com fins sérios e úteis.

Além disso, naquela época, era costume anotar-se a tudo, gerando grandes volumes de documentos a respeito dessas comunicações, que, então, podiam ser estudados de forma independente por pesquisadores externos, através da racionalidade, buscando encontrar a concordância entre elas. É praticamente o que Kardec fazia, e é o que permitiu a estruturação do Espiritismo como Doutrina Cientíifica. Hoje isso raramente é feito, senão na produção das “cartas” de parentes desencarnados (cujas comunicações poderiam ser muito melhor aproveitadas). Meu ponto é: precisaremos retomar essa metodologia, afinal, a ciência humana avançou muito, mas o Espiritismo ficou praticamente parado no tempo, sendo que muitos conceitos que hoje são aceitos não passaram por essa metodologia necessária. Se, hoje, os vários grupos de estudos ou de práticas mediúnicas espalhados por aí retomassem essa tarefa, tomando o cuidado de não se contaminarem entre si a partir da partilha de ideias não sancionadas por esse método, poderíamos voltar a ter um grande volume de produção de conteúdos que, aos poucos, poderiam ser analisados. Isso, contudo, requer pelo menos o estudo básico de O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns.

Imagine, por exemplo, as controvérsias e falta de informações a respeito das “cidades espirituais”: não podemos, claro, perguntar ao Espírito, na sessão mediúnica: “Ei, você vive numa cidade espiritual? Onde fica?”. Isso provocaria, quase sempre, uma ideia contaminada como resposta. Antes, perguntaríamos: “poderia nos dizer como foi a sua chegada no plano espiritual? O que encontrou aí? Qual é a sua ocupação, hoje? Você se cansa? [Se sim] O que você faz para descansar?”

Entende? Tem outro ponto muito positivo: além de aprendermos com tais relatos, com efeitos sobre nós mesmos, nossos pensamentos e nossas atitudes, essas comunicações também são muito úteis aos Espíritos, principalmente aqueles em estado de perturbação, que, ao ser contrangido à ligação mediúnica, se centra um tanto mais, novamente e pode, nesse momento, refletir muito sobre sua condição, mudando de vida.

Enfim, é isso. Tem que recomeçar, de alguma forma. Só não podemos esquecer de estudar Kardec para isso, a fim de evitar as dificuldades já conhecidas e tratadas com muita clareza por ele.




Em defesa da pesquisa espírita: uma crítica aos cismentos

É tempo de recuperar Kardec.

Dias atrás me envolvi numa discussão acalorada – por detrás dos teclados – que acabou por me deixar irritado e indignado. O motivo? A questão das adulterações (ou não) nas duas obras finais de Kardec – O Céu e o Inferno e A Gênese.

Aqui, não vem ao caso a discussão em si a respeito dessas adulterações serem um fato ou não. Minha crítica vai em direção ao posicionamento mal-educado e sarcástico com o qual alguns dos “partidários” da não-adulteração se portam, atacando diretamente às pessoas e ao trabalho dos pesquisadores que levantaram essas importantíssimas informações e que deram força à necessidade de investigar o passado, com o mero intuito de tirar todo e qualquer crédito ou mesmo a vontade de estudá-las com a seriedade que, defendo, merecem.

Acontece que, se, para alguns (mas não para mim) as adulterações das obras citadas ainda são motivo de dúvida, por outro lado não se pode ter dúvida alguma das adulterações que o Movimento sofreu após Kardec, com a total perca de rumo dos propósitos iniciais da Sociedade Espírita e de seus meios de comunicação – isso fica muito claro em O Legado de Allan Kardec. É fato inegável que Leymarie permitiu, por interesses materiais, que os pensamentos de Roustaing tomassem frente na Doutrina, promovendo ideais antidoutrinários e desrespeitando o imenso e dedicado trabalho de Kardec e de sua esposa, Amélie Boudet, “a doce Gabi”. A Sociedade Espírita de Paris, comandada por Leymarie, se distanciou totalmente dos propósitos de Kardec, deixando-se, esse infeliz senhor, sucumbir pela tentação da vaidade e do dinheiro. Chegou ao ponto de expulsar, de um dos apartamentos destinados por Allan Kardec a fins de caridade, um casal de idosos, por simples atraso nos pagamentos do aluguel, quando o mesmo e a Sociedade contavam com grandes somas de posses e dinheiro [Privato, 2019]. Além disso, colocou de lado os planos para a continuidade do movimento espírita que, de acordo com projeto de Kardec, deveria contar com a multiplicação dos grupos de estudos e das “investigações” espíritas, regidas sob a metodologia necessária [ibidem] – ora, como poderiam aplicar tal medotologia aqueles que se veriam desmentidos por ela, não é mesmo?

Também é fato que o Espiritismo, desde a sua chegada em solo brasileiro, foi afetado por essa linha de pensamentos, encontrando guarida até mesmo em Bezerra de Menezes, um dos primeiros presidentes da FEB, instituição essa que, até 2019, tinha, como cláusula pétrea, a orientação do estudo dos Quatro Evangelhos, de Roustaing.

Fato é, também, que o Espiritismo de hoje está completamente descaracterizado e deturpado. Os centros espíritas, que outrora eram reuniões de espíritas confessos, dedicados ao estudo das comunicações mediúnicas e de seus efeitos morais e científicos, hoje reproduzem igrejas católicas, onde o fiel assiste ao sermão (palestra), recebe a benção (passe), faz uma oração e vai embora. Médiuns, em busca de auxílio, são colocados em longos cursos, que às vezes chegam a 7 anos de duração, quase sempre com cartilhas complicadas da FEB, para, ao final disso, se ainda estiverem minimamente interessados, serem “iniciados” no grupo mediúnico da casa. Médiuns honestos passaram a ser perseguidos por “animismo”, enquanto outros são tomados como oráculos: tudo o que dizem, por via mediúnica ou de sua própria opinião, é tomado como suma expressão da verdade e da sabedoria absolutas. E, então, passamos a ouvir, a torto e a direita, as mais ultrajantes ideias, que, continuamente, tem promovido escândalos e o afastamento das pessoas que, nas mais diversas condições, se sentem motivadas a entrar em um centro espírita em busca de ouvir algo diferente daquilo que falam por aí.

O momento é sério. Chegamos, novamente, em um novo ponto crítico da sociedade, com o materialismo vicejando alegre no coração dos homens. Mas, uma vez mais, o movimento contrário começa a tomar vulto, pois, sabemos, é preciso que o homem conheça o ápice do mal para voltar a buscar o bom e o belo. E é disso que tratam essas obras. Há quem critique Figueiredo por defender a autonomia sobre a heteronomia, isto é, por defender a essência do ensinamento da Doutrina Espírita: tudo depende de nossa vontade e de nossas escolhas, e não da aceitação cega de castigos e de recompensas. Justamente ele, o primeiro pesquisador NO MUNDO a procurar as obras originais de vários filósofos e cientistas, a fim de dar contexto científico e histórico ao nascimento do Espiritismo, juntamente com o Magnetismo, ciência-irmã do Espiritismo. Ora, por não concordar com sua posição – também baseada em provas e evidências – de que houve a adulteração em O Céu e o Inferno, devemos então descartar todo o resto?

Quando eu disse que “é tempo de recuperar Kardec”, não me refiro apenas ao estudo tão importante de suas obras, que são a base da Doutrina Espírita, mas me refiro objetivamente ao “recuperar Kardec” em seu exemplo, em sua pessoa, sempre, segundo todos os registros, tão boníssima e afável, mas também tão sensata e séria frente aos estudos das ciências. Kardec recomendava sempre que, para criticar determinado assunto, era preciso dele se inteirar completamente, fato pelo qual, por diversas vezes, deixou de abordar em profundidade aquilo que não pudera ter dado a devida atenção. Quando Kardec criticou Os Quatro Evangelhos de Roustaing, ele somente o fez após ler todos os quatro volumes. E ele, com o tempo que não tinha, o fez porque percebeu se tratar de uma obra cheia de ideias importantes, ainda que inexatas ou mesmo contrárias ao ensino concordante dos Espíritos. Kardec sempre fazia isso. E o que se vê, hoje, é que muitos não desejam reproduzir os passos do exímio pesquisador. Prendem-se às questões superficiais e, com preconceito, deixam de se aprofundar no conteúdo, passando então a criticar ou a colocar tais obras no esquecimento.

Quero, antes de finalizar, dizer que li O Legado de Allan Kardec do início ao fim, com muita atenção e cuidado. Os fatos ali apresentados, a respeito da adulteração de A Gênese, a partir da 5a edição, repito, são por demais objetivos, completos e complexos para que tal opinião seja apenas o fruto de um erro de má interpretação. No mínimo – e esta é a minha posição – abre uma margem muito grande para desconfiar de que, ali, há uma mescla de conteúdos que Kardec realmente iria alterar ou inserir, combinados com conteúdos inseridos por outra parte, com claro propósito de alterar o que já estava estabelecido doutrinariamente.

Não quero, enfim, forçar ninguém a acreditar em nada. É por isso que nossos meios de comunicação, diferentemente de muitos que existem por aí, estarão sempre abertos aos comentários e à troca de ideias. Mas quero deixar a você, caro leitor, o convite à leitura das seguintes obras, a fim de que você tome sua posição pelo seu próprio raciocínio:

  • O Legado de Allan Kardec, por Simoni Privato
  • Nem céu nem inferno: As leis da alma segundo o Espiritismo – por Lucas Sampaio e Paulo Henrique de Figueiredo
  • Muita Luz, de Berthe Fropo (link para o pdf aqui).
  • Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo – por Paulo Henrique de Figueiredo
  • Sobre “o caso A Gênese” – artigo de minha autoria.
  • As adulterações nas obras de Kardec e o “CSI do Espiritismo” – artigo de minha autoria



O desastre de Petrópolis na visão do Espiritismo: resgate coletivo?

Recentemente, a região serrana do Rio de Janeiro sofreu novo abalo, resultando em algumas dezenas de mortes. Desejo, de início, expressar sentimentos meus e do Grupo para com todas as vítimas desse flagelo e para com seus entes amados.

Preciso, contudo, me posicionar frente a alguns comentários que, nesses momentos, com muita infelicidade, algumas pessoas ditas “espíritas” acabam fazendo, quase sempre apoiadas sobre supostas comunicações mediúnicas. Não quero, de forma alguma, dizer que minhas observações representam a sumidade do ensinamento da Doutrina Espírita, que ainda apenas comecei a estudar, mas quero apenas me apoiar na lógica dos fatos e no raciocínio baseado naquilo que esse mesmo estudo nos confere.

Falta caridade

Basta que ocorra um desastre qualquer, de qualquer proporção, para que alguém, dizendo trazer uma comunicação mediúnica, venha imputar aquilo a uma suposta ação do “carma”, da “lei de ação e reação”, do “resgate de dívidas passadas”, sem, antes, refletir na completa falta de caridade com que agem quando assim se pronunciam.

No desastre da Boate Kiss, infelizmente, vários meios de comunicação “espíritas” se pronunciaram, atrelando aquelas tristes mortes ao holocausto nazista, afirmando que aquelas pessoas teriam sido “soldados que matavam judeus queimados ou asfixiados por cianeto” (veja aqui um pouco mais sobre isso).

Acerca do desastre com o avião da Gol em São Paulo, no aeroporto de Congonhas, em 2007, um livro, chamado “O Voo da Esperança”, chegou a ser produzido, supostamente atribuído a um Espírito, através do médium W.F.. Essa obra, um verdadeiro desserviço ao Espiritismo, chega citar o seguinte, conforme destaque em matéria da Folha:

“É a lei da ação e reação […] A providência divina, em sua sabedoria infinita, não colocou neste avião espíritos inocentes, mas almas seriamente comprometidas com um passado de erros […]”

“Esse grupo, de mais de duzentas pessoas, comprometidas com o passado de falta de compaixão para com os semelhantes […]”

Essa obra rendeu ao menos um processo contra a editora e o médium (veja mais).

E, no caso do desastre recente de Petrópolis, já existem pessoas divulgando comunicações mediúnicas afirmando se tratar de “resgate coletivo”.

O movimento espírita está ruindo de dentro pra fora

Meus irmãos, reflitamos! São erros sobre erros, causando enorme estrago no Espiritismo, cometidos por pessoas que deixaram de se guiar pelo necessário método racional na análise das comunicações mediúnicas e que passaram a permitir que qualquer tipo de conceito, transmitido por essa via, seja tomado como verdadeiro e doutrinário! Ora, Kardec sempre chamava a atenção de todos para o fato de que os Espíritos impostores, enganadores ou pseudossábios se comunicam por toda parte, inclusive em grupos mediúnicos sérios, e que, por conta disso, não podemos aceitar a comunicação de qualquer Espírito, sob qualquer nome que se apresente, como expressão da verdade (leia mais clicando aqui)!

Você, que está lendo, consegue se colocar na posição daquela mãe, que revirava a lama em busca de sua filha, de 17 anos, ouvindo da boca de alguém que se declare espírita as palavras “sua filha morreu assim porque está pagando por erros passados”? Consegue? Pois bem! Se conseguir, é por esse motivo – pela caridade – em primeiro lugar, e pelos seguintes, que jamais devemos expressar esse tipo de pensamento!

Nem tudo é expiação de erros passados

Quem estuda Kardec – estudo esse bastante ausente, hoje em dia – sabe muito bem que as tragédias individuais podem se dar por quatro motivos principais: expiação, quando o Espírito escolhe passar por uma determinada prova, com vistas a superar uma imperfeição; prova, que é quando o Espírito passar por qualquer dificuldade, planejada ou não, e que promove aprendizado e progresso; missão, quando o Espírito escolhe executar uma tarefa a fim de promover o bem para outros; e força da natureza, quando, por exemplo, um flagelo natural inevitável acomete milhares ou milhões de pessoas em simultâneo. Portanto, como podemos nos dar o direito de apontar para uma situação como essas acima, coletivas ou individuais, para inferir, errada e impiedosamente, que ela se dá por motivo de um “resgate” de erros passados? Isso, definitivamente, não nos compete!

Pensemos o seguinte: imagine que você, como Espírito, antes de encarnar, escolhe um gênero de provas e, talvez, de expiações. Sua encarnação transcorre sob esse planejamento, até que você se muda para uma cidade qualquer, convocado por uma oportunidade de trabalho. Vive lá por algum tempo quando, por uma ação fortuita da natureza, um meteorito cai nessa cidade, matando você e outros milhares ao redor. Veja: é um flagelo inevitável da natureza, aos quais estamos sujeitos pelo simples fato de estarmos encarnados. Morreremos e reiniciaremos outra encarnação, continuando nossa evolução.

Outro exemplo: no caso da Boate Kiss, será que tudo não se deu por irresponsabilidade alheia? Pois, sabemos que tudo aconteceu por utilizarem materiais combustíveis em um ambiente fechado, com dificuldade de saída (várias saídas se encontravam trancadas) e sem um sistema de extinção de incêndios eficientes. Ou seja, houve negligência, que é o resultado de escolhas de outras pessoas. Muitos dos que estavam ali, naquele momento, foram vitimados por essa cadeia de acontecimentos – ou será que podemos supor que a banda que tocava foi intuída a utilizar os materiais de pirotecnia (fogo) de modo a cumprir com um “carma coletivo”? Isso é irracional!

Muitos não sabem, mas, geologicamente, a região serrana da Serra da Mata Atlântica, que passa por SP e pelo Rio, é muito antiga, formada pelo depósito de matéria mais leve (terra) sobre elevações rochosas. Com o passar dos milhões de anos, essa camada superficial está ficando mais frágil e, quando ocorrem as chuvas intensas, provocam deslizamentos e desastres como esses. O ser humano, sendo encarnado na mesma matéria densa, está sujeito a essas ocorrências, pois faz parte de um mundo cuja natureza é bastante instável, se renovando dia após dia. Tais flagelos não resultam de uma impiedade de Deus: são necessários, na verdade, para acelerar o nosso avanço científico e moral (vide O Livro dos Espíritos, Parte Terceira, Cap. 5 – Flagelos Destruidores – clique aqui).

Transição Planetária?

Muito se diz que tais flagelos estão se acelerando por conta da chamada “transição planetária”, onde a Terra deixará de ser um mundo de provas e expiações para um mundo de regeneração. Em essência, essa transição não deixa de ser verdadeira, mas precisamos tomar muito cuidado, uma vez mais, com a implicação do que dizemos, pois muitos imputam a tais flagelos, inclusive às pandemias, o efeito de “separar o joio do trigo”, como se eles estivessem levando daqui os Espíritos que não mais poderão fazer parte deste planeta em sua nova fase. Esse é mais um pensamento errado e impiedoso.

Precisamos relembrar que os flagelos sempre existiram. Desde antes do tempo dos faraós, o globo é assolado por tragédias imensas, o que demonstra que elas não estão ligadas à tal transição. Elas sempre ocorreram e sempre ocorrerão, nesta fase de materialidade, com o intuito de nos fazer avançar científica e moralmente. A transição se dará pela modificação de ideias, do indivíduo para a sociedade, e não pela simples separação de Espíritos que ainda tem muito a aprender e a contribuir neste planeta.

Nenhum Espírito benevolente acusa o erro dos outros em público

Nós vivemos um triste momento no meio espírita, onde Kardec está relegado ao passado, como se tivesse sido superado (tudo aquilo que é base de uma doutrina não se supera, por ser base) e seu método e toda a racionalidade que ele demonstrou ser necessária na comunicação com os Espíritos, estão esquecidos e enterrados como se fossem desnecessários. O “Movimento Espírita” atual (que quase nada tem do Espiritismo verdadeiro, e há que se separar a Doutrina daquilo que fazem seus adeptos) passou a aceitar praticamente toda e qualquer comunicação mediúnica como expressão da sabedoria e da verdade e, dessa forma, está permitindo que conceitos antidoutrinários estejam ruindo, pouco a pouco, o movimento, em suas bases.

Observemos: quando vemos, em Kardec, os casos de expiação de mesmo gênero, como no caso de Antonio B, precisamos lembrar que se trata de uma evocação, onde o próprio Espírito relata sua escolha em passar por aquilo. Fica muito claro que nunca é uma imposição externa de uma suposta lei de pecado e resgate, e fica também muito claro que nenhum Espírito minimamente benevolente se vale de uma comunicação para apontar as faltas alheias e atrelar os sofrimentos presentes como uma forma de “resgatá-las”.

Espalhe a informação e venha estudar conosco

Uma vez mais venho pedir a você, que lê este artigo, que, como Espírita, informe a todos que puderem que não nos compete apontar o dedo para afirmar que alguém passa por um sofrimento determinado para saldar “dívidas” passadas. Isso afasta as pessoas da Doutrina e, sobretudo quando parte da aceitação cega de comunicações espirituais, vem destruindo o movimento espírita de dentro para fora.

E, por fim, a respeito do papel do médium e do pesquisador nas comunicações mediúnicas, bem como do tal “animismo”, abordaremos tudo isso na próxima live, no dia 24/02/2022, sobre o artigo “Espíritos impostores – O falso padre Ambrósio”, na Revista Espírita de julho de 1858. Leiam o artigo e não deixem de apresentar suas considerações, em nosso grupo do Facebook, para que possamos enriquecer nosso estudo.

O Espiritismo carece, sim, de defesa, e é chegado o momento de fazermos a nossa parte.




Os banquetes magnéticos

No artigo em questão, conforme apresentado na Revista Espírita de junho de 1858, Kardec fala a respeito de um banquete anual, em Paris, em comemoração ao aniversário de nascimento de Mesmer.

Nesse banquete haviam dois tipos de “partidários”: aqueles que zombavam do Espiritismo, se esquecendo que a própria ciência que eles abraçavam – e destaco a palavra porque, de fato, era uma ciência estabelecida e reconhecida na época – havia, por sua vez, enfrentado o mesmo tipo de escolho que, naquela época, o Espiritismo também enfrentava e, de outro lado, aqueles que, mesmo que não professassem o Espiritismo, eram da opinião que deveria ser respeitado como uma ciência de sua importância.

O texto, em si, não vai muito além disso, em profundidade. Aproveitamo-lo apenas para destacar alguns pontos importantes:

 – O Magnetismo era uma ciência várias vezes citada por Kardec mas nunca aprofundada, pois, em seu contexto, estava plenamente estabelecida e compreendida. Jamais poderia ele imagina que ela viria a ser colocada no esquecimento, por um forte movimento materialista futuro.  

– Mesmer foi um cientista controverso por muito tempo. Por muitos, foi pintado como louco ou enganador. Atualmente, porém, está sendo resgatada sua verdadeira face: a de um sábio, bastante culto, que formulou a primeira teoria sobre o Fluido Cósmico Universal e sua influência na saúde humana.  

– “Através” de Mesmer, inúmeros pacientes se curaram das mais diversas moléstias, apenas pela vontade, num momento em que a medicina fazia sangrias e cirurgias a sangue-frio, procedimentos dos quais poucos sobreviviam.

– O Magnetismo e o Espiritismo são ciências irmãs. Uma sem a outra fica incompleta, manca.  

– Sugerimos a todos a leitura, apenas iniciada por nós, do livro “Mesmer: a ciência negada do magnetismo animal”, por Paulo Henrique de Figueiredo.




O Suicida da Samaritana

Nesse artigo, Kardec faz a evocação de um Espírito que havia cometido o suicídio do corpo apenas 6 dias antes. Conforme se pode verificar no texto original, esse homem não foi reconhecido por ninguém, tendo sido enterrado como indigente. É possível levantar várias considerações sobre esse artigo.

“O telefone só toca de lá pra cá”

A primeira dessas considerações, colocaríamos, é a respeito da própria evocação: numa época em que reina o mote “o telefone só toca de lá pra cá”, que tem um fundo de razão, mas que é repetido de forma irrefletida por tantos, nos deparamos com a base doutrinária do Espiritismo, erigida em grande parte sob evocações – ou seja, o telefone também toca daqui pra lá. Apenas que, como num telefone, quem vai atender e se vai atender é o problema da questão, sempre abordado por Kardec.

O sofrimento do suicida

É importante entender que o Espírito do suicida não sofrerá castigos divinos por um pecado cometido – não dessa forma. Qualquer Espírito sempre terá o perdão e novas chances, pois tudo parte da ignorância relativa a Espíritos em evolução.

Existem infinitas variantes entre cada caso, do que resulta que existem infinitos efeitos relacionados a cada caso, porque, essencialmente, tais efeitos estarão ligados à mentalidade geral do Espírito que comete o suicídio. Enquanto alguns se jogarão num verdadeiro inferno, por acreditarem terem cometido pecado, outros poderão até se verem aliviados, num primeiro momento – porque depois, quando realmente entender tudo, muito provavelmente lastimará a vida desperdiçada.

De qualquer forma, conforme atesta São Luis, compreendemos que o primeiro efeito para todo suicida – ou, pelo menos, para a maioria deles – haverá uma grande dificuldade para se desligar do corpo, dada a violência do ato, seu estado mental e o fato de o corpo ainda estar saturado de vitalidade. Isso, contudo, é apenas o que podemos afirmar de momento, com base no que entendemos do artigo, pois, realmente, é um assunto que requer desenvolvimento e maiores investigações.

Também é importante destacar que o Espírito não sofre nenhum tipo de dor física. É sempre sua moral, sua consciência, que externaliza e coloca em fatores externos a dor que está, na verdade, dentro de si mesmo. O suicida (como outros Espíritos), portanto, poderá afirmar sofrer de frio ou sede, quando, na verdade, ele está sofrendo moralmente, e não fisicamente. Na verdade, nós mesmos fazemos isso, com a diferença que, através dos processos psicossomáticos, podemos desenvolver danos ou doenças reais no corpo físico.

É por isso que, quando entramos em contato com qualquer Espírito em sofrimento, podemos e devemos travar conversação natural e sadia com ele, esclarecendo sobre tais pontos. É de enorme ajuda para eles entenderem que o sofrimento é moral, interno, e não externo e imposto.

O vale dos suicidas

De forma curta e grossa: não existe “o” vale dos suicidas, assim como não existe “o” inferno. É importante que o Espírita aprenda a tirar de seu imaginário esse tipo de conceito e, sobretudo, de espalhá-los para outro, pois bem sabemos que, como Espírito não muito esclarecido, nós buscamos ambientes e outros Espíritos que estejam de acordo com a nossa mentalidade que, aliás, plasmam em conjunto esses ambientes de sofrimento. Portanto, quando um Espírito sofredor fala que está “no” inferno, age como um encarnado que, numa situação muito difícil para ele, se expressa da mesma forma, com a diferença que o Espírito plasma, sozinho ou em conjunto, o seu próprio inferno.

Uma vez mais, é muito importante buscar esclarecer tais Espíritos, quando em contato com ele.

Sobretudo, é importante lembrar que não existe tão conexão fatídica entre um suicídio e o exílio do Espírito em um “vale”, como uma penalidade.

Os efeitos do suicídio sobre a encarnação seguinte

Há algo muito errado no meio espírita em geral, atualmente, e que não é doutrinário – na verdade, é algo antidoutrinário, nascido da falta de estudo da Doutrina: é fazer as deprimentes afirmações de que tal indivíduo nasceu sob tais provas ou deformações porque na vida anterior fez isto ou aquilo.

No caso em particular, sobre o suicídio, há uma terrível afirmação feita por aí: a de que o indivíduo que hoje tem problemas físicos assim o é porque estaria “resgatando” um suicídio cometido na vida anterior. Irmãos, essa afirmação é criminosa, porque:

  1. Afasta as pessoas que, sofrendo na pele ou tendo uma pessoa querida nessas situações, se sentem (com razão) ultrajadas por esse tipo de afirmação.
  2. É falaciosa, porque não se baseia na realidade: nós sabemos, sim, que para todo efeito existe uma causa, mas não nos cabe sondar as provas de cada um, tanto por imposição da caridade, que devemos praticar, quanto porque um Espírito pode escolher um corpo deformado não só como prova, a fim de tentar se livrar de uma imperfeição, mas também como missão frente a outros Espíritos ou também como oportunidade de aprendizado de outras virtudes que ainda sinta necessidade de exercitar. De qualquer forma, é sempre uma escolha consciente do Espírito, não o efeito de uma mecânica divina de pecado e castigo. Notemos, aliás, que em todas as comunicações espirituais estudadas até agora, eles sempre asseveram, mesmo para o caso do louco monomaníaco, que a prova é o resultado de uma escolha prévia e pessoal.

O suicídio não se combate pelo medo

Lembramos, enfim, que o suicídio jamais será combatido pela imposição do medo de um sofrimento, mas, sim, através do esclarecimento. Apresentemos a tais indivíduos a essência do Espiritismo. Tentemos levá-los ao seguinte raciocínio:

Dores e alegrias são passageiras, relativas à vida encarnada. A felicidade, que é o que realmente buscamos, somente será atingida após deixarmos para trás nossas imperfeições – já que, por exemplo, alguém muito preocupado, ou muito ansioso, ou muito raivoso, ou muito ciumento, ou muito orgulhoso, ou muito sensual, etc, não consegue ser realmente feliz. Para tanto, no plano espiritual, ao ficarmos cientes de nossas imperfeições, planejamos vidas com oportunidades e com dificuldades, às vezes bastante pesadas, que, ao nosso julgamento, poderão nos ajudar a vencer tais imperfeições. Portanto, desistir de uma vida, com a extinção da própria vida corpórea, não resultará em nenhum avanço, pois, não havendo aproveitado justamente a prova difícil para o aprendizado, não teremos nos aperfeiçoado e, portanto, precisaremos – por nossas próprias vontade e constatação – reiniciar uma nova vida, carregando um fardo talvez ainda maior, pela sensação de culpa causada pela desistência e, quem sabe, pelos efeitos funestos que tal ato pode causar nos Espíritos encarnados que nos cercam.

Ninguém está dizendo que é fácil. Cada um sabe onde o calo aperta e, quando aperta, dói bastante. Mas precisamos aprender a separar dores físicas de dores morais, nos colocando, ante a nós mesmos e ante ao Criador, desnudos de qualquer máscara de egoísmo ou vaidade e de todas as imperfeições que destas nascem. Precisamos buscar, em cada dura prova, como também nas fartas oportunidades que nos são apresentadas, as necessidades profundas que temos de aprendizado e, não esquecendo que jamais estamos sozinhos, confiar nos bons Espíritos, que não nos abandonam, para atravessar tais momentos difíceis.

Aqui, aliás, surge um último pensamento, sustentado pelo Espiritismo: Deus não nos dá um fardo maior do que aquele que podemos carregar. Na maioria das vezes, a vida nos apresenta oportunidades que nos permitiriam aprender de forma muito mais “leve”, mas nós, quase sempre, movidos pelo orgulho, tentamos vestir uma máscara nos nos confunda de nós mesmos e, assim, escolhemos deixar de lado o caminho reto, a fim de nos enveredarmos pelos caminhos sinuosos e tortuosos das paixões (não falando aqui em amor, mas no sentimento profundo provocado pelas sensações). É assim, por exemplo, que muitos escolhem deixar de lado o estudo do Espiritismo, que tanto pode alavancar nossa evolução, para viver a vida na preguiça.

Portanto, aproveitemos as oportunidades que a vida nos oferece para nossos aprendizado e evolução. Algumas vezes, elas são espinhosas, escolhidas por nós mesmos; de outras, são campos de relva suave e macia, cheia de ensinamentos dados pelo amor. Cabe a nós reconhecê-los.

NOTA: Esta evocação está no livro O Céu e Inferno de Allan Kardec, primeiro relato do capítulo V – Suicidas , da Segunda Parte. Vale a leitura do capítulo V inteiro com vários relatos de evocações de suicidas com muitas considerações do autor.




O caminho é sinuoso, longo, pedregoso e cheio de espinhos, mas temos que trilhá-lo

Prezados amigos, irmãos que a esta iniciativa se afeiçoam,

Convidamos uma vez mais a cada um de vocês à participação ativa em nosso grupo e à disseminação das ideias essenciais do Espiritismo que, aos poucos, começam a ser redescobertas e entendidas. É do interesse e da responsabilidade de todos nós a restauração, pacífica e paciente, mas persistente e firme, das verdades originais desta Doutrina nascida da observação racional dos ensinamentos espíritas dados por toda a parte e por todos os tempos! Não mais um Espiritismo adulterado, após a morte de Kardec, a fim de dar espaço às ideias retardantes de pecado, queda e castigo, de carma, de resgates, mas a Doutrina em sua essência, baseada na constatação do livre-arbítrio, da escolha das provas e das expiações, enfim, a Doutrina que nos evidencia que nosso passo se dá em direção sempre do aprendizado e do progresso espiritual, fazendo parte dessa jornada os erros e tropeços de cada um, a mesma Doutrina que nos mostrou, em sua essência, não uma alma criada pura e que se desviou pelo pecado, um Espírito criado simples e ignorante e que, conforme vai avançando em suas experiências, através de erros e acertos, de alegrias e de sofrimentos, vai se depurando de suas imperfeições e de sua materialidade em direção à felicidade verdadeira dos Espíritos superiores, já desgarrados dessas mesmas imperfeições e materialidade através da aquisição de melhores hábitos e valores morais.

Natural, contudo, que tais ideias libertadoras e renovadoras encontrem resistência tanto na ignorância orgulhosa, fechada à reforma das ideias, quanto no conhecimento interessado em manter sob suas rédeas a classe de fiéis às velhas doutrinas. Mesmo dentro do Espiritismo as tais ideias de queda, pecado e resgate estão profundamente enraizadas, já que as adulterações vêm desde poucos meses ou anos após a morte do digno professor Rivail.

Não será à base de guerras e disputas, contudo, que desvendaremos esse caminho cheio de sarças e espinhos, mas à base da compreensão lúcida e da palavra firme mas amistosa. Guardemo-nos de perder tempo com esses que compõem as classes acima destacadas, porque uns e outros não tem o menor interesse em modificar suas ideias frente à verdade irrefutável. Para esses, apenas o tempo surtirá efeito. Invistamos nosso tempo, contudo, na classe de todos aqueles aos quais essas ideias não apenas agradem, mas aos quais sejam substanciais: os que já não veem gosto na vida, os que pensam em dela desistir, os que não compreendem um Deus vingativo, os que, enfim, não entendem os motivos das dificuldades do dia-a-dia, ou ainda àqueles que, de boa vontade, desejam estudar o Espiritismo em sua essência, a fim de transmitir, a todos que puderem, as ideias reformadoras e consoladoras dessa Doutrina em sua originalidade.

Levantemos as mangas, portanto, queridos irmãos. A inação não faz bem a ninguém. Façamos a nossa parte. Eu, autor deste texto, estou aqui, hoje, por um Espírito muito amado que me estendeu a mão no momento mais difícil da minha vida e por outro, encarnado, que insistiu em, diariamente e sem agradecimentos quaisquer, divulgar uma reflexão espírita em um grupo de WhatsApp que estava e ainda está esquecido do motivo de terem formado uma família no centro espírita que, por conta da pandemia, agora se encontra fechado.

Basta um gesto, muitas vezes, para mudar uma vida, uma opinião, e, daí em diante, iniciar um movimento. Avante, prezados, e que Deus nos ilumine a todos para que, nesse processo, não nos deixemos contaminar jamais pelo personalismo, pela vaidade, pelo egoísmo e pelo orgulho.

O caminho é sinuoso, longo, pedregoso e cheio de espinhos, mas temos que trilhá-lo e limpá-lo para as próximas gerações, das quais provavelmente voltaremos a fazer parte.




ANOMALIAS E DEFORMIDADES SOB A ÓTICA ESPÍRITA

Anomalias e deformidades diversas. Cretinismo, deficiências mentais, físicas, intelectuais. Ao questionar o porque de tais complicações físicas, no meio espírita, quantas vezes já não ouvimos: “é porque fulano está resgatando uma dívida passada”. E por quanto tempo nos confortamos com essa maldosa e caluniosa afirmação, feita de forma genérica?! Mas hoje não mais.

Após a constatação irrefutável das alterações das duas obras finais – e fundamentais – de Allan Kardec, O Céu e o Inferno e A Gênese[1], pudemos verificar que tais conceitos nunca fizeram parte da Doutrina dos Espíritos, sendo ela originalmente e essencialmente baseada no livre-arbítrio, ou seja, na capacidade de escolha de cada um. Contudo, tais ideias ainda enfrentam grande resistências, pois muitos são aqueles que vem de uma criação, inclusive espírita, que afirma os conceitos de queda, pecado, castigo, resgate, carma, etc.

O artigo de mesmo título, apresentado no Blog Letra Espírita, acerta em muitos pontos, mas traz também esse tipo de conceito (da dívida e do resgate), em certo ponto, quando se utiliza de uma afirmação de Suely C. Schubert (“O Espírito enfermo, endividado“) e também quando se utiliza de um texto de O Céu e o Inferno, baseado na 4a edição, adulterada.

Ação e Reação – o que é isso?

Uma coisa é identificar, como Kardec constatou na lei das reencarnações sucessivas, que todo efeito tem uma causa, e que, quase sempre, essa causa se encontra nas vidas anteriores. Outra coisa, muito distinta, é afirmar que toda ação moralmente negativa terá uma reação com a finalidade de castigar a ação original a fim de reparar um suposto pecado. Isso, no âmbito da Doutrina Espírita, é uma falácia. Ação e reação é uma lei material, da física, e não uma lei moral. Tanto é que não existe tal lei dentre aquelas apresentadas em O Livro dos Espíritos.

Resgate?

Infelizmente, muitos espíritas e espiritualistas modernos insistem em pregar na cabeça das pessoas que suas dores, dificuldades e tragédias atuais são “resgates” de dívidas passadas, esquecendo-se de que, se por um lado o Espírito pode se impor um sofrimento com a finalidade de vencer as imperfeições que o fizeram cair anteriormente, por outro também podem se impor duras provas que não tem nada a ver com erros passados, mas apenas como oportunidades riquíssimas para aprendizado de virtudes e para vencer aspectos relacionados a imperfeições que nada tem a ver, diretamente, com o gênero de provas escolhidas. Assim, um Espírito pode escolher a cegueira apenas para poder lidar com a necessidade de depender do auxílio de outros, e não porque tenha cegado alguém em vidas anteriores. Aliás, os porquês NÃO NOS CABE SONDAR: cabe-nos apenas sermos caridosos e auxiliar no caminho de todos.

Dívidas?

Precisamos compreender que o Espírito “endividado” não está endividado com Deus nem com qualquer lei, mas, sim, perante a si mesmo, e por acreditar-se assim (isso é muito importante). Por conta de todos termos as Leis divinas em nossas consciências – fato que nos faz Espíritos portadores do livre-arbítrio – desque não estejamos em negação, nossa própria consciência nos acusa dos erros cometidos, sobre os quais nos culpamos, bem como nos indica as imperfeições que nos causam dor moral. É assim que um Espírito que, na encarnação anterior, tenha animado um homem rico e egoísta, muitas vezes escolhe a pobreza na próxima encarnação, a fim de não se enveredar pelo caminho difícil e tão cheio de responsabilidades que as riquezas terrenas trazem.

Eu disse “acreditar-se assim” (endividado) pois, quando o Espírito realmente entende que o que houve foi um erro, natural de sua ignorância e de suas imperfeições, e que essas imperfeições e ignorância o fazem sofrer, deixa de se acreditar pecador e merecedor de castigo para se entender Espírito em evolução, buscando, então, novas provas e expiações que lhe deem oportunidade de aprender e se livrar de suas imperfeições, desenvolvendo melhores virtudes. Outrossim, também entende que todos são passíveis de erros e, então, para de se colocar na condição de cobrador e vingador. Isso é substancial, e é para isso que, essencialmente, o Espiritismo veio.

Não estamos dizendo, com isso, que não existem consequências físicas que o Espírito perturbado faça aparecerem sobre seu corpo, já que sabemos das relações psicossomáticas que guardamos com nosso corpo. Mas estamos afirmando, com base no estudo do Espiritismo em sua originalidade, que NÃO PODEMOS olhar para um indivíduo com deficiências quaisquer e afirmar que isso se dá por que ele é um Espírito “endividado”, tanto quanto NÃO PODEMOS (porque seria um erro tanto factual quanto moral) dizer a uma mãe que perdeu seu filho queimado num incêndio que “isso aconteceu porque seu filho deve ter sido um soldado no tempo de X que queimava pessoas”. Isso é terrível, causa revolta e afasta as pessoas do Espiritismo, fato sobre o qual responderemos – frente à nossa própria consciência.

Baseando-se em um erro, produz-se outro erro

Por fim, quero destacar que o artigo em questão comete o erro – provavelmente involuntário, por ausência de informação – de basear-se na versão adulterada de O Céu e o Inferno, posto que já está devidamente e inegavelmente provado que a 4a edição da obra, trazendo profundas mudanças no pensamento original, não foi encomendada senão após a morte de Kardec, sem falar que o estudo comparativo cuidadoso dessas mudanças indicam que o conteúdo foi modificado justamente de inserir os conceitos de pecado e castigo que nunca estiveram na Doutrina dos Espíritos e que, embora Kardec possa ter apresentado algum pensamento anterior no sentido dessa crença, na obra original, da primeira à terceira edição (que são as mesmas) concluia justamente no sentido oposto.

Veja, nesse sentido, as diferenças entre o original e o que consta na 4a edição:

[ORIGINAL]
“Os deficientes mentais são seres punidos na Terra pelo mau uso que fizeram de faculdades poderosas. Eles têm a alma encarcerada num corpo cujos órgãos são incapazes de expressar seus pensamentos. Esse mutismo intelectual e físico é uma das mais cruéis punições na Terra. Muitas vezes ela é escolhida pelos espíritos arrependidos que querem EXPIAR suas faltas”

[4a Edição]
“Os cretinos são seres punidos na terra pelo mau uso que fizeram de poderosas faculdades; sua alma está aprisionada num corpo cujos órgãos impotentes não podem expressar seus pensamentos; esse mutismo moral e físico é uma das mais cruéis punições terrestres; frequentemente ela é escolhida pelos Espíritos arrependidos que querem RESGATAR suas faltas”

Notem que o sentido muda totalmente quando se fala em “resgatar” e quando se fala em “expiar”. Como diz Paulo Henrique de Figueiredo,

“Para explicar as leis da alma segundo o Espiritismo, enquanto cristianismo redivivo, restaurando a verdadeira mensagem da autonomia, como o fez Jesus, Allan Kardec vai ressignificar termos como punição, arrependimento, expiação, reparação, eternidade das penas. A diferença entre punição e expiação é o ponto primordial para se compreender a teoria moral do Espiritismo. Pois, enquanto a punição é uma resposta natural a qualquer pensamento ou ato que vai de encontro à lei moral presente na consciência, a expiação se dá por um esforço consciente, voluntário e eficaz para superar a própria imperfeição, por meio da escolha das provas. As religiões ancestrais invertem o significado desses fenômenos, confundindo dogmaticamente castigo com expiação, como se fossem uma só coisa. Além disso, consideram que a punição é uma escolha deliberada de Deus e não uma consequência natural.”

Figueiredo. Nem céu nem inferno: As leis da alma segundo o Espiritismo

Também há algo muito, mas MUITO importante em praticamente TODAS as comunicações desse tipo, por parte dos Espíritos: a palavra ESCOLHA. Sim, existem provas, existem expiações e existem punições, até das mais severas, mas são sempre ESCOLHAS do Espírito. Veja que, mais à frente, na mesma mensagem, o Espírito repete:

“[…] Alguns revoltam-se contra seu suplício voluntário, lamentando tê-lo escolhido e sentindo um desejo furioso de voltar a uma outra vida, desejo que os faz esquecer a resignação com a vida presente e o remorso da vida passada que guardam na consciência”. (O Céu e o Inferno, 3a Edição)


[1] Consultar as obras O Legado de Allan Kardec, de Simoni Privato, e Nem céu nem inferno: As leis da alma segundo o Espiritismo, por Lucas Sampaio e Paulo Henrique de Figueiredo




“Tenho como saber quem eu fui em outras vidas? Como posso saber o que vim resgatar nessa minha jornada?”

Não é necessário.

O véu do esquecimento tem sua razão de ser e, muitas vezes, saber da outra vida traz mais atrapalhação do que solução. É algo que jamais uma pessoa séria fará, mas, infelizmente, existem os indivíduos mais interessados em ganhos e que, de forma irresponsável, se lançam a esse tipo de “trabalho”.

Ao observar a si próprio com um olhar bastante crítico e honesto, verificando nossas próprias imperfeições, podemos facilmente identificar aquilo que nos coloca em dificuldades frente às situações da vida, entendendo, então, que essas situações difíceis são justamente oportunidades, muitas vezes planejadas por nós mesmos, a fim de vencermos essas imperfeições e avançarmos em direção à felicidade verdadeira.

Por fim, destaco que, segundo a Doutrina Espírita, não existe “resgate”, não existe pagamento de dívidas, não existe, nesse sentido, o “carma”: o Espírito, consciente e livre, escolhe provas e expiações (e oportunidades) com a finalidade exposta acima – vencer imperfeições e adquirir virtudes – não sendo nunca, jamais, as dificuldades da vida o resultado de uma mecânica divina, conceito este ligado ao dogma da queda pelo pecado. O único Espírito que não escolhe suas provas é o Espírito em estado de negação, que ainda assim reencarna, mas que apenas vive uma vida que, por si só, frente aos conteúdos desse indivíduo, trará dificuldades e dores morais, que um dia o farão sair da negação e voltar a buscar enfrentar essas imperfeições através das escolhas conscientes.

Portanto, ao enfrentar uma prova difícil, não pense “estou pagando por algo ou resgatando algo do passado”, mas sim “é uma difícil mas importante oportunidade de aprendizado. Vou tirar dela o máximo possível”. E, para tanto, entender o Espiritismo a fundo é substancial!




Espiritismo e karma (ou carma), castigo, pecado e punição

Convidamos ao leitor a assistir com muita atenção a esse estudo em grupo, com a participação de Paulo Henrique de Figueiredo. É uma grande modificação na nossa forma de pensar, ainda tão arraigada nos velhos conceitos da heteronomia (a culpa é do outro). Karma (ou carma), ação e reação, resgate de débitos, todos são temas que jamais fizeram parte do Espiritismo. Está na hora de entendermos isso!