O Espiritismo tem preconceito contra a umbanda?

Talvez muitos espíritas tenham, da mesma forma que muitos umbandistas tem, em relação ao Espiritismo, e da mesma forma que praticamente todo ser humano pode ter preconceitos. Ficar apontando e definindo “lados” é, definitivamente, algo que não ajuda muito no progresso humano. De qualquer forma, aproveito o ensejo para lembrar o seguinte:

Em primeiro lugar, é necessário separar o que Espiritismo do que é o “Movimento Espírita”. O primeiro é uma doutrina sólida e científica, racional, baseada no ensinamento concorde dos Espíritos, dados por toda a parte e por todos os tempos. O segundo, é o conjunto das pessoas que se consideram atraídas pelas ideias dessa Doutrina e que, contudo, nem sempre agem de acordo com seus postulados – infelizmente é o que mais acontece hoje em dia.

O Espiritismo, como Doutrina Científica, não força nada a ninguém: apresenta suas conclusões e deixa a cada um a liberdade de aceitá-las ou não. Contudo, muitas pessoas, ditas espiritualistas, mesmo tendo conhecimento da existência dessa Doutrina, escolhem não se informar a respeito dela, julgando o livro pela capa, isto é, agindo preconceituosamente a seu respeito, afirmando que se trata de mais uma religião, ou que se trata de mais uma opinião, ou que, ainda, O Livro dos Espíritos – obra básica dessa Doutrina – não passa de mais um livro, escrito por Kardec, conforme suas próprias ideias.

Quantas são as pessoas que se metem em dificuldades, no que tange ao contato com os Espíritos, e que, quando convidadas a estudar a Doutrina Espírita (que se chama assim porque pertence aos Espíritos, e não a um só homem ou grupo) preferem continuar em suas velhas concepções, resistindo a buscar novos conhecimentos?

Diz-se que a umbanda nasceu de uma cisão dentro de um centro Espírita, quando os participantes daquele grupo não aceitaram a comunicação de um “preto velho” naquele meio. Ora, se é verdade, também não são menos culpáveis do que os outros indivíduos, que insistem em considerar a base da Ciência Espírita como “letra morta e superada”.

Disso tudo, fica um aprendizado: para entender o Espiritismo, sendo ele uma ciência, nascido, aliás, como um desenvolvimento do Espiritualismo Racional, que também era uma doutrina científica que abarcava o estudo da psicologia, da metafísica e da moral, não prescinde do estudo de suas obras básicas, assim como, para entender a Física não prescinde do estudo de Isaac Newton e de Einstein. Assim como a Física apresenta seus postulados, mas muitas pessoas insistam em ignorá-la para dizer que a força gravitacional não existe, o mesmo é feito a respeito do Espiritismo, que não é uma “religião superior”, onde existem as “únicas verdades”, mas que é, sim, a única Doutrina Científica, até hoje, dedicada a estudar racionalmente as nossas relações com os Espíritos.

Aliás, quem estuda o Espiritismo sabe que ele, frente às outras religiões, vem demonstrar a verdade sobre tudo aquilo que sempre existiu mas, que nem sempre foi bem compreendido, da mesma forma que mostra os erros, frutos da inobservância da razão ou mesmo do desconhecimento de certas informações que, a seu tempo, começaram a ser ensinadas. São os demais indivíduos que, por orgulho ou interesses pessoais, muitas vezes não suportam ver um dogma desmentido, e escolhem atacar de volta à Doutrina Espirita. Reflitamos. Ao invés de escolher lados, entendamos: o Espiritismo, como ciência, pode ser estudado por todos os espiritualistas modernos, assim como o Magnetismo, ciência irmã da primeira. Mas, sem estudar e entender, tudo vai continuar na mesma: espíritas criando falsos conceitos a respeito das comunicações espíritas (espirituais) nas religiões diversas e as religiões diversas deixando de sorver conhecimentos tão libertadores, consoladores e progressistas como os do Espiritismo.




Espiritismo e a eutanásia (sacríficio) de animais terminais

Surgiu esse assunto, sempre tão presente, em um grupo do Facebook: segundo o Espiritismo, há problema em sacrificar um animal em estado terminal, isto é, em submetê-lo à eutanásia?

Adianto que não — e não se trata de opinião minha. Mas, antes de mais nada, é importante lembrar que não devemos fazê-los sofrer desnecessariamente, em nenhum caso — e isso corrobora a visão aqui apresentada.

Aqui, precisamos recuperar alguns postulados da Doutrina Espírita, obtidos, como sempre, através da análise racional e concordante dos ensinamentos dos Espíritos. Em O Livro dos Espíritos, vamos encontrar uma importante elucidação a esse respeito:

O livre-arbítrio e o sofrimento moral nos animais

595. Gozam de livre-arbítrio os animais, para a prática dos seus atos?

“Os animais não são simples máquinas, como supondes. Contudo, a liberdade de ação de que desfrutam é limitada pelas suas necessidades, e não se pode comparar à do homem. Sendo bem inferiores a este, não têm os mesmos deveres que ele. A liberdade, possuem-na restrita aos atos da vida material.”

Animais possuem certa liberdade, é claro, e nós podemos constatar que alguns deles a tem de forma superior a outros, como uma espécie de inteligência mais avançada, que, contudo, ainda está restrita aos atos da vida material. Assim, os animais estão preocupados em sobreviver, e tudo fazem para isso. Por mais difícil que seja de admitir, há mais de relação de dependência, hábito e necessidade do que de amor, neles, em relação a nós, pois o amor é algo que se desenvolve com o avanço do Espírito. Claro: não podemos julgar o ponto no qual essa capacidade espiritual começa a existir, de forma que não podemos julgar absolutamente sobre isso.

O ponto mais importante, aqui, é constatar que os animais não tem livre-arbítrio, isto é, não tem consciência, como nós temos, sobre seus atos. A partir do momento em que o livre-arbítrio se desenvolve, mesmo nos estados mais latentes, o Espírito passa a ter livre-arbítrio, isto é, passa a escolher sobre suas ações e, dessas escolhas, se felicita ou sofre pelos seus resultados. Assim, enfim, constatamos que os animais não podem fazer mal: eles matam uns aos outros, atacam o ser humano, reproduzem-se, mas tudo submetido ao instinto. Não há mal no leão que mata a zebra: há necessidade instintiva de sobreviver. Também não houve mal na orca que matou sua treinadora afogada: há curiosidade, instinto, mas não um ato refletido.

Dissemos que o animal ainda não possui livre-arbítrio. Se ainda não possui, um dia possuirá. E o que é o livre-arbítrio, senão um atributo do Espírito, princípio inteligente da Criação? Então os animais tem alma? Sim:

597. Pois que os animais possuem uma inteligência que lhes faculta certa liberdade de ação, haverá neles algum princípio independente da matéria?

“Há, e que sobrevive ao corpo.”

a) – Será esse princípio uma alma semelhante à do homem?

“É também uma alma, se quiserdes, dependendo isto do sentido que se der a esta palavra. É, porém, inferior à do homem. Há entre a alma dos animais e a do homem distância equivalente à que medeia entre a alma do homem e Deus.”

598. Após a morte, conserva a alma dos animais a sua individualidade e a consciência de si mesma?

“Conserva sua individualidade; quanto à consciência do seu eu, não. A vida inteligente lhe permanece em estado latente.”

Vemos que é um Espírito — ou uma alma, sendo o Espírito encarnado — ainda em estágio evolutivo muito distante daquele do Espírito humano terrestre: como se fosse a mesma distância, segundo os Espíritos, que nos separa de Deus. Sequer tem consciência de si mesmos. É uma distância gigantesca, mas a informação importante é: sim, eles têm Espíritos. Resta então uma questão: os animais sofrem? De que forma?

O sofrimento do animal

Nós, Espíritos em estágio humano, sofremos de duas formas: moralmente, como resultado de nossas escolhas, e materialmente, quando encarnados (o Espírito não sofre materialmente quando desencarnado, de forma que todos os relatos do tipo são resultados de uma exteriorização mental de um sofrimento moral).

A dor moral, como dissemos, nasce da constatação de um erro que cometemos. E não poderia haver erro se não tivéssemos a capacidade de escolha, pois, sem ela, estaríamos apenas respondendo a estímulos externos, através do instinto. Ora, sendo esse exatamente o caso dos animais, é racional supor que eles não possam sofrer dores morais por conta de seus atos — afinal, imagine a dor moral que um leão teria após matar, de quando em quando, um outro animal para comer!

O Espírito no estágio do animal não precisa sequer do tempo na erraticidade que o Espírito humano precisa, onde analisa seu passado, suas escolhas, suas dificuldades, etc.:

600. Sobrevivendo ao corpo em que habitou, a alma do animal vem a achar-se, depois da morte, num estado de erraticidade, como a do homem?

“Fica numa espécie de erraticidade, pois que não mais se acha unida ao corpo, mas não é um Espírito errante. O Espírito errante é um ser que pensa e obra por sua livre vontade. De idêntica faculdade não dispõe o dos animais. A consciência de si mesmo é o que constitui o principal atributo do Espírito. O do animal, depois da morte, é classificado pelos Espíritos a quem incumbe essa tarefa e utilizado quase imediatamente; não lhe é dado tempo de entrar em relação com outras criaturas.”

Vemos, no trecho destacado, uma informação importante, que desmente algumas teorias de “céu de cachorros”, “paraíso dos animais”, etc. O Espírito, nesse estado evolutivo, precisa apenas experienciar reencarnações sucessivas, onde se desenvolvem e, de forma alguma, expia suas faltas – porque não as cometem:

602. Os animais progridem, como o homem, por ato da própria vontade, ou pela força das coisas?

“Pela força das coisas, razão por que não estão sujeitos à expiação.”

Afinal, há problema em submeter um animal à eutanásia?

Racionalmente, após os conhecimentos apresentados, é fácil constatar que não, pois, como o animal ainda não tem sofrimento moral, não necessita passar por sofrimentos materiais a fim de obter um aprendizado qualquer. Isso é justamente o oposto do caso do Espírito em estágio de livre-arbítrio, pois as dores físicas, muitas vezes planejadas por ele próprio antes de encarnar, oferecem preciosos cadinhos de purificação do Espírito, que reflete sobre seus atos, suas escolhas, seus erros e acertos.

Note, porém, que de forma alguma estamos afirmando, com isso, que o Espírito precise sempre passar por uma dor para aprender alguma coisa, como é apregoado pelos defensores da doutrina da “lei de ação e reação”, onde, para esses, o Espírito sempre precisará passar por uma dor de mesmo gênero e de mesma intensidade a fim de entender que a dor que ele tenha feito outro passar, dói. Esquecem-se que o Espírito pode constatar seu erro, sofrer por isso, mas, então, com mais lucidez, planejar uma vida com oportunidades e provas — e, às vezes, expiações — onde possa enfrentar suas imperfeições e buscar se livrar delas através do aprendizado.

Conclusão

Não precisamos fazer o animal passar por dores desnecessárias — dores essas, muitas vezes, frutos dos estilos de vida e de alimentação aos quais os submetemos — pois ele não colhe frutos morais dessa dor, que é apenas física. Já o caso é outro para o Espírito humano, que jamais deve ser submetido à eutanásia, como ensinam os Espírito em O Livro dos Espíritos:

Questão 953- Quando uma pessoa vê diante de si um fim inevitável e horrível, será culpada se abreviar de alguns instantes os seus sofrimentos, apressando voluntariamente sua morte?

“É sempre culpado aquele que não aguarda o termo que Deus lhe marcou para a existência. E quem poderá estar certo de que, malgrado às aparências, esse termo tenha chegado; de que um socorro inesperado não venha no último momento?”




A cultura organizacional de um centro espírita

por Marco Milani
Texto publicado na Revista Dirigente Espírita, ed. 188 – mar/abr 2022, p. 9-11

O presente artigo reforça nossas observações recentes, a respeito do Movimento Espírita, e demonstra que não estamos sozinhos nesse caminho.

Apesar de diferentes portes e complexidades dos serviços oferecidos, todas as instituições efetivamente espíritas possuem, como característica identitária comum, a estruturação teórica de seus princípios e valores no ensino dos Espíritos organizados e apresentados por Allan Kardec. Muito mais do que a denominação formal ostentada em sua fachada e documentos, é a cultura interna pautada pelo conteúdo das obras kardequianas que torna-se o elemento central que faz com que qualquer centro espírita seja, assim, reconhecido como tal.

Historicamente, pode-se apontar a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas (SPEE), fundada em 01/04/1858, como o primeiro centro espírita do mundo e serviu de referência para a constituição de inúmeros grupos voltados para o estudo e prática do Espiritismo.

Ainda que tenha sido o modelo para formação de outros centros, a cultura organizacional da SPEE era única, pois o conjunto de práticas, rotinas, normas, necessidades, preocupações e expectativas de seus membros é algo que não se reproduz. Igualmente, cada instituição espírita, do passado ou do presente, reflete aspectos particulares de seus fundadores, mantenedores e colaboradores que lhe dá uma característica singular e sujeita a modificações com o tempo, mas sempre distinta de outras organizações.

Pode-se, então, afirmar que o centro espírita possui uma identidade comum em Kardec, compartilhada com outras instituições espíritas, e uma microcultura própria, decorrente da atuação direta de seus participantes, que o diferencia em maior ou menor grau dos demais centros.

A pluralidade microcultural é determinada, também, pela maturidade doutrinária dos dirigentes de cada casa.

Um problema crítico de identidade é gerado quando a microcultura da instituição conflita com a identidade comum que a faria ser reconhecida como espírita. Em outras palavras, quando os princípios e valores espíritas passam a ser reinterpretados e ressignificados devido à imaturidade doutrinária e/ou interesses particulares dos dirigentes, afasta-se a casa do direcionamento kardequiano e a aproxima de um contexto espiritualista, mas não espírita.

O dinamismo doutrinário, a necessidade de agregação de novos conhecimentos e a atualização conceitual costumam ser utilizados indevidamente para justificar a subversão ou abandono do ensino dos Espíritos na obra kardequiana. Opiniões isoladas de autores desencarnados passam a ser assumidas como novas verdades que se autolegitimam por terem sido reveladas por supostas comunicações mediúnicas e por médiuns infalíveis. O método do controle universal adotado por Kardec também é inutilizado ou deturpado pelos novidadeiros, desvalorizando-se os cuidados necessários para se aceitar uma informação como válida.

Não por acaso a relação entre poder e cultura nas organizações é amplamente explorada na literatura científica da área de Ciências Sociais Aplicadas. A influência exercida por líderes, principalmente carismáticos, nas instituições pode mudar e consolidar a cultura organizacional no longo prazo e fazer com que as referências doutrinárias espíritas migrem de sua base kardequiana para novos arcabouços teóricos, geralmente sincréticos e místicos.

Foi, justamente, o sincretismo com a Teosofia, Catolicismo e orientalismo, além de pitadas supersticiosas, alguns dos fatores que impactaram negativamente o desenvolvimento do Movimento Espírita Francês a partir da desencarnação de Allan Kardec. O reflexo do desvirtuamento cultural foi a disseminação do roustainguismo, por exemplo, em alguns grupos nascentes, inclusive brasileiros. Uma vez implantada a microcultura sincrética, é visível o seu impacto nocivo na questão identitária espírita.

Equivocadamente, alguns mais afoitos e distantes da análise criteriosa sob métodos sociológicos, confundem as inúmeras microculturas organizacionais com a própria identidade comum espírita, levando-os a supor que existam “vários espiritismos”. O que existe, de fato, é uma esperada heterogeneidade microcultural que não representa, por si mesma, a Doutrina Espírita, a qual é única. Assim, só há um Espiritismo, mas diferentes graus de maturidade doutrinária de seus adeptos.

Quanto mais coerente com o ensino dos Espíritos apresentados por Allan Kardec, mais próximo da identidade espírita encontra-se o profitente. O próprio codificador reconheceu e classificou os diferentes tipos de espíritas, sinalizando que não há uniformidade estrita nem que os pensamentos e atos isolados daquele que se declara adepto caracterizará, necessariamente, a doutrina.

No livro O Evangelho Segundo o Espiritismo, em seu capítulo XVII, item 4, explicita-se as características do verdadeiro espírita, porém mesmo nesse item a leitura apressada impede a real compreensão de seu significado mais profundo. Destaca-se o seguinte trecho:

“Aquele que pode ser, com razão, qualificado de espírita verdadeiro e sincero, se acha em grau superior de adiantamento moral. O Espírito, que nele domina de modo mais completo a matéria, dá-lhe uma percepção mais clara do futuro; os princípios da Doutrina lhe fazem vibrar fibras que nos outros se conservam inertes (grifo meu). Em suma: é tocado no coração, pelo que inabalável se lhe torna a fé. Um é qual músico que alguns acordes bastam para comover, ao passo que outro apenas ouve sons. Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações más.”

               Conforme se depreende, trata-se de interpretação limitada a caracterização do verdadeiro espírita apenas pela transformação moral e pelos esforços para domar as más inclinações, uma vez que essas atitudes, ainda que extremamente positivas e necessárias, podem ser feitas por qualquer ser humano, seja qual for a crença ou orientação filosófica que possua, inclusive ateus. Para ser bom, não precisa ser espírita. Por isso que a máxima é fora da caridade (não do Espiritismo) não há salvação. Existem ateus moralmente mais elevados que muitos religiosos.

Por outro lado, para ser espírita, deve-se compreender e vivenciar os princípios doutrinários e, para isso, deve-se estudar e se instruir sobre a natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal, segundo o Espiritismo. A Ciência tem, portanto, papel de destaque na produção e avanço no conhecimento sobre a realidade que nos cerca, adentrando, inclusive em propostas espiritualistas, mesmo que desagradando pesquisadores ainda presos no materialismo.

Considerando que não basta ser bom para ser um espírita verdadeiro, uma organização espírita deve, imperiosamente, ser conduzida conforme os princípios e valores doutrinários. Desvios conceituais incorporados na microcultura organizacional sob a alegação de que a única coisa que importa é se esforçar para se transformar moralmente gera espaços para sutis ou claras infiltrações antidoutrinárias.

Em síntese, o movimento espírita, composto por milhares de instituições e profitentes, expressa rica diversidade microcultural e graus de maturidade doutrinária, mas o Espiritismo é único, expressando o ensino dos Espíritos que foram validados pelo método do controle universal e marcha, lado a lado, com os avanços científicos desde que devidamente validados, superando o estágio hipotético. A cultura organizacional do verdadeiro centro espírita tem, portanto, Kardec como lastro, afasta posturas sincréticas, místicas e supersticiosas, e acolhe o convite para o diálogo baseado em fatos e na fé raciocinada para a produção e avanço do conhecimento, os quais não ocorrem por simples opinião mediúnica.




O papel do pesquisador e do médium nas comunicações com os Espíritos

Neste estudo em grupo, tratamos do artigo em questão de uma forma um tanto diferente, pois notamos que ele nos dava ensejo a um aprofundamento bastante importante a respeito da mediunidade e das diferenças existentes entre como ela era tratada no Espiritismo, como doutrina científica nascida da observação racional dos fatos e das comunicações espíritas (espirituais) e como ela é tratada hoje. Assim, abordamos os seguintes tópicos principais:

  • Qual é a influência do médium na comunicação?
  • Animismo e o medo de ser médium
  • Podemos e devemos julgar as comunicações mediúnicas? De que forma?
  • Mitos: não podemos evocar Espíritos; evocar Espíritos provoca obsessões
  • Lições aprendidas: a distância entre o “movimento espírita” atual e o Espiritismo original; a necessidade da retomada dos estudos

Baseado no artigo “Espíritos impostores — o falso Padre Ambrósio” — Revista Espírita de julho de 1858

Esperamos que, tanto o vídeo de nosso debate, quanto esta leitura, sejam de grande proveito para você!

Os escolhos da mediunidade

Reconhecemos: estudar Kardec por conta própria, nem sempre é fácil. É uma linguagem difícil e, muitas vezes, repleta de referências a neologismos e ao contexto no qual o professor Rivail estava inserido, de forma que se faz muito oportuna tal contextualização¹, em primeiro plano, quanto o emprego de pesquisas na web, durante a leitura.

“Escolho” significa, no sentido figurado, uma dificuldade. E Kardec abre o referido artigo falando sobre tais dificuldades:

Um dos escolhos apresentados pelas comunicações espíritas é o dos Espíritos impostores, que podem induzir em erro quanto a sua identidade e que, ao abrigo de um nome respeitável, tentam passar os mais grosseiros absurdos. Em muitas ocasiões esse perigo nos tem sido explicado. Entretanto, ele nada é para quem perscruta tanto a forma quanto o conteúdo da linguagem dos seres invisíveis com os quais entra em comunicação. […] Nada é mais fácil do que se premunir contra fraudes semelhantes, por menor que seja nossa boa vontade.

Kardec parece tornar bastante simples, banal mesmo, essa tarefa de identificar a comunicação de um Espírito impostor, não? Mas por que, então, hoje em dia, tantos absurdos tem sido aceitos, via comunicações mediúnicas, como se fossem a legítima expressão de um Espírito sério e honesto, conhecedor das verdades absolutas?

Acontece que o “movimento espírita” (eu chamo de movimento a fim de distinguir o Espiritismo daquilo que fazem os seus adeptos, nem sempre bem informados e conhecedores da Doutrina) anda bastante esquecido dos postulados mais básicos da Doutrina dos Espíritos. Ora, logo no início da segunda parte de O Livro dos Espíritos, nos itens 100 a 113, Kardec nos apresenta, didaticamente, uma escala geral, nomeada por ele “Escala Espírita“, onde, agrupando de uma forma mais ou menos geral, o caríssimo professor nos demonstra as características gerais dos Espíritos em suas diferentes escalas evolutivas, agrupando-os em três ordens principais: Espíritos Imperfeitos (terceira ordem), Espíritos Bons (segunda ordem) e Espíritos Puros (primeira ordem).

Constatado é, até mesmo pela observação lógica de nossa condição evolutiva, que nós nos colocamos em contato principalmente os os Espíritos das duas últimas ordens, especialmente com os da terceira, com os quais mais facilmente nos afinizamos mentalmente. Também é fato conhecido que os Espíritos se diferem de nós, encarnados, apenas por não terem a constrição do corpo físico e, pela ausência deste, terem o pensamento mais liberto, em geral, do abafamento do cérebro físico. Portanto, assim como nós, eles não mudam de opinião ou de conhecimentos simplesmente por deixarem a matéria por meio da desencarnação e, assim como nós, podem falar do que sabem, do que acreditam que sabem ou, então, podem procurar enganar, por maldade ostensiva ou por orgulho em querer dizer do que reconhecidamente não sabem.

Nós já reproduzimos a Escala Espírita em um artigo anterior, mas vamos destacar alguns detalhes importantes dessa terceira ordem de Espíritos, que é onde se concentram os problemas nas comunicações mediúnicas.

Como se comunicam os Espíritos da terceira ordem – Espíritos Imperfeitos

Décima Classe – Espíritos Impuros

São inclinados ao mal, com o que se preocupam. Dão conselhos traiçoeiros, desleais, sopram a discórdia e a desconfiança e se mascaram de todas as maneiras para melhor enganar.

Na linguagem, são triviais, grosseiros, apresentam baixeza de inclinações e não conseguem enganar por muito tempo com uma falsa sensatez.

Nona Classe – Espíritos Levianos

São ignorantes, malévolos, inconsequentes e zombeteiros. Metem-se em tudo, respondem a tudo, sem se preocupar com a verdade. Gostam de causar pequenos aborrecimentos e pequenas alegrias; de produzir discórdias; de induzir maliciosamente ao erro por mistificações e por travessuras.

Suas comunicações são quase sempre espirituosas e alegres, mas quase sempre sem profundidade.

Oitava Classe – Espíritos pseudossábios

Dispõem de conhecimentos bastante amplos, porém, creem saber mais do que realmente sabem.

É uma mistura de algumas verdades com os erros mais absurdos, através dos quais penetram a presunção, o orgulho, o ciúme e a obstinação, de que ainda não puderam despir-se.

Ora, temos, aqui, um conhecimento de base já bastante importante a respeito da forma como se expressam esses Espíritos, não? E é claro que, como bons espíritas, não pararemos aqui e buscaremos estudar O Livro dos Espíritos e as demais obras, a fim de adquirir ainda mais conhecimentos que possam auxiliar no nosso contato com os Espíritos. Afinal, não é à toa que Kardec, na introdução de O Livro dos Médiuns, começa assim:

Todos os dias a experiência nos traz a confirmação de que as dificuldades e os desenganos, com que muitos topam na prática do Espiritismo, se originam da ignorância dos princípios desta ciência, e feliz nos sentimos de haver podido comprovar que o nosso trabalho, feito com o objetivo de precaver os adeptos contra os escolhos de um noviciado, produziu frutos e que à leitura desta obra devem muitos o terem logrado evitá-los.

Natural é, entre os que se ocupam com o Espiritismo, o desejo de poderem pôr-se em comunicação com os Espíritos. Esta obra se destina a lhes achanar o caminho, levando-os a tirar proveito dos nossos longos e laboriosos estudos, porquanto muito falsa ideia formaria aquele que pensasse bastar, para se considerar perito nesta matéria, saber colocar os dedos sobre uma mesa, a fim de fazê-la mover-se, ou segurar um lápis, a fim de escrever.

Uma coisa é certa: Kardec não tinha tempo a perder com palavras vazias destinadas a enfeitar um orgulho ou uma vaidade que, conforme ficou muito bem demonstrado, ele não as tinha. Portanto, temos nós é que deixar o orgulho de lado e nos dedicar a estudar, ao invés de ficarmos achando que sabemos de tudo simplesmente por termos qualquer contato prático com os Espíritos! Dessa forma, fica muito mais fácil julgar uma comunicação espiritual ou tentar penetrar a real face do Espírito que se comunica – e Kardec, nesse mesmo artigo (do falso Pe. Ambrósio) vai dar uma lição simples e clara de como fazê-lo. Trataremos disso mais à frente.

Como lidar com Espíritos mistificadores?

Mistificar significa enganar, ludibriar. E vamos destacar duas perguntas feitas por Kardec, diretamente ao Espírito mistificador (o do falso Pe. Ambrósio, que ele havia evocado) que trazem questões importantes, tratadas a seguir.

“14. ─ Que pensas do que disseste em seu nome?

Penso como pensavam os que me escutavam.”

A questão aqui é: quem os escutava? O médium estaria o escutando, necessariamente? Em outras palavras: seria culpa daquele médium aquela falsa comunicação?

“16. ─ Por que não sustentas a impostura em nossa presença?

Porque minha linguagem é uma pedra de toque [material utilizado para avaliar a pureza de um material], com a qual não vos podeis enganar.”

Por que naquele meio (o de Kardec) aquele Espírito afirma que não conseguiria enganar?

Mas, para responder a essas perguntas, vamos avançar em nossas reflexões, o que deixará muito claras as respostas.

Animismo

Pensamos ser importante levantar, aqui, a questão do animismo, já que é algo que persegue e tira o sono de muitos médiuns e dirigentes de grupos espíritas. O animismo é o conceito no qual o médium apresenta conteúdos próprios, de seus próprios pensamentos, ao invés de apresentar puramente o pensamento do Espírito que se comunica.

É algo que, realmente, acontece muito, sendo motivo de muitos medos, como dissemos, pois criou-se a hipótese de que o médium precisa ser uma ferramenta totalmente passiva para a comunicação espiritual. Isso não deixa de ser uma verdade, quando falamos na comunicação de um Espírito através de um médium. Contudo, não deve ser transformada em ferramenta de perseguição ou autoperseguição. A importância da questão, aqui, está ligada à honestidade do médium:

  • Quando o médium age de forma totalmente honesta, buscando ser uma boa ferramenta para os Espíritos, despido de vaidade e de orgulho, sua mediunidade poderá ser desenvolvida mediante à prática e favorecida pelo estudo. Assim, em mais ou menos tempo, as comunicações dadas através dele serão cada vez mais “limpas”, expressando o pensamento original do Espírito. Não deve, portanto, o animismo, nesse caso, ser algo a se temer, pois está relacionado ao grau do desenvolvimento da mediunidade, considerando que, nos primeiros estágios, o médium comumente completará pensamentos ou os traduzirá segundo ideias próprias, que não necessariamente são contrárias às do Espírito.

  • Quando o médium age conscientemente (sob o olhar da lucidez material) expressando ideias que não são de um Espírito, isto é, quando ele não está agindo como médium, mas apenas por si próprio, em estado de vigília, mas tenta enganar, como se fosse uma comunicação mediúnica, expressando os mais terríveis disparates, este sim é um caso grave, um problema diretamente ligado à moral do médium, que precisa ser tratado com fraternidade mas com firmeza, a fim de que esse médium não ponha a harmonia do grupo em cheque. Quando age de forma isolada, nesse caso, é preciso que apenas não seja levado de forma séria, como, infelizmente, muitos espíritas tem feito.

O médium honesto deve aprender que, sempre que estiver desconcentrado ou que não se comunique nenhum Espírito, deve informar ao grupo, sem nenhum medo de ser atingido em um amor-próprio que, nesse caso em especial, jamais deveria existir. Infelizmente, os centros espíritas atuais, com as reuniões mediúnicas abertas ao público, fizeram cair sobre os ombros dos médiuns uma responsabilidade deletéria de ter que estar sempre pronto e à disposição para os fenômenos mediúnicos, o que não é lógico, já que, sendo a mediunidade uma capacidade radicada no organismo, como uma sexto sentido, também pode apresentar entraves diversos, assim como um resfriado pode tirar nossa capacidade olfativa.

Mas há um terceiro aspecto a se considerar: às vezes o animismo pode ser bem-vindo, conforme fica expresso na seguinte questão de O.L.M. (O Livro dos Médiuns):

223 – 2.ª. As comunicações escritas ou verbais também podem emanar do próprio Espírito encarnado no médium?

“A alma do médium pode comunicar-se, como a de qualquer outro. Se goza de certo grau de liberdade, recobra suas qualidades de Espírito.[…] Porque, ficai sabendo, entre os Espíritos que evocais, alguns há que estão encarnados na Terra. Eles, então, vos falam como Espíritos e não como homens. Por que não se havia de dar o mesmo com o médium?”

De tal forma, se o Espírito do próprio médium pode comunicar-se – o que acontece mais facilmente nos estados de sonambulismo e de êxtase, conforme a resposta à pergunta 223-3a deixa claro – é claro que poderá também trazer conhecimentos válidos e importantes, da mesma forma que faria um Espírito liberto da matéria.

Creio que o assunto do animismo está relativamente bem entendido pelo que foi exposto. Mas e a respeito do medo que médium pode ter de transmitir uma comunicação de baixo teor, isto é, uma comunicação frívola, de linguajar indecente ou enganosa? Cremos que a abordagem seguinte responderá bem a esse respeito.

Influência moral do médium

Levantada a questão do medo que o médium pode ter de dar lugar a uma comunicação de teor menos elevado, precisamos refletir a respeito do papel do médium nesse sentido. Kardec aborda, claro, esse questionamento em OLM, buscando identificar a ligação da moral do médium com a capacidade mediúnica. Vejamos:

226. 1.ª. O desenvolvimento da mediunidade guarda relação com o desenvolvimento moral dos médiuns?

“Não; a faculdade propriamente dita se radica no organismo; independe do moral. O mesmo não se dá, porém, com o seu uso, que pode ser bom, ou mau, conforme as qualidades do médium.”

5.ª. Nas lições ditadas, de modo geral, ao médium, sem aplicação pessoal, não figura ele como instrumento passivo, para instrução de outrem?
“Muitas vezes, os avisos e conselhos não lhe são dirigidos pessoalmente, mas a outros a quem não nos podemos dirigir, senão por intermédio dele, que, entretanto, deve tomar a parte que lhe caiba em tais avisos e conselhos, se não o cega o amor-próprio.

A questão primeira reforça o que dissemos a respeito de a faculdade mediúnica estar radicada no organismo, o que significa que tanto o bom quanto o mau podem ser médiuns de maior ou menor capacidade. Contudo – e aí está o principal objetivo da faculdade mediúnica – o bom ou o mau uso que fazemos dela é que dará os rumos de nossa moral e da vontade de utiliza-la para o progresso próprio, a serviço da humanidade, ou não.

A questão quinta diz assim: o médium, por mais que seja intrumento passivo, precisa estar sempre atento para as comunicações que intermedia, pois, por mais que sejam direcionadas a outrem, podem ter aplicação pessoal – o que reforça o pensamento anterior.

226. 6.ª. Visto que as qualidades morais do médium afastam os Espíritos imperfeitos, como é que um médium dotado de boas qualidades transmite respostas falsas, ou grosseiras?

“Conheces, porventura, todos os escaninhos da alma humana? Demais, pode a criatura ser leviana e frívola, sem que seja viciosa. Também isso se dá, porque, às vezes, ele necessita de uma lição, a fim de manter-se em guarda.”

A questão sexta aponta que, muitas vezes, uma comunicação de baixo teor pode se dar pela simpatia dos médiuns com Espíritos que pensem como ele ou que tenham as mesmas inclinações, mesmo que isso não seja visível no médium, no dia-a-dia. Também podem se dar porque ele, às vezes, precisa de uma lição para se manter em guarda, ou então, supomos, para que o grupo de estudos se mantenha em guarda, pois supomos que um bom médium ainda assim possa intermediar uma comunicação desse teor a fim de colocar à prova a atenção daquele grupo.

Tudo isso, porém, é muito válido se o grupo ou o indivíduo estão atentos e se tratam com seriedade e honestidade das comunicações. Caso contrário, tais comunicações, que acontecerão com mais frequência, levarão à queda de um ou de outro.

226. 8.ª. Será absolutamente impossível se obtenham boas comunicações por um médium imperfeito?

“Um médium imperfeito pode algumas vezes obter boas coisas, porque, se dispõe de uma bela faculdade, não é raro que os bons Espíritos se sirvam dele, à falta de outro, em circunstâncias especiais; porém, isso só acontece momentaneamente, porquanto, desde que os Espíritos encontrem um que mais lhes convenha, dão preferência a este.”

Os Espíritos se comunicam no meio simpático a eles, de preferência.

Nota. Deve-se observar que, quando os bons Espíritos veem que um médium deixa de ser bem assistido e se torna, pelas suas imperfeições, presa dos Espíritos enganadores, quase sempre fazem surgir circunstâncias que lhes desvendam os defeitos e o afastam das pessoas sérias e bem-intencionadas, cuja boa-fé poderia ser laqueada. Neste caso, quaisquer que sejam as faculdades que possua, seu afastamento não é de causar saudades.

Um médium de moral complicada mas de boas capacidades mediúnicas pode ser utlizado por bons Espíritos em situações específicas, como quando não há outro ou quando os Espíritos julgam que produzirão um bem ou que poderão evitar um mal ao fazê-lo. Fora disso, se afastam.

A nota de Kardec diz tudo: se um médium, por suas inclinações, deixa de ser bem assistido (por bons Espíritos) e se torna presa de Espíritos inferiores, é, pelos próprios bons Espíritos, afastado das pessoas sérias e bem intencionadas.

Conclusões sobre a influência moral do médium

  • Um médium de boa moral pode ser alvo de um Espírito mistificador. Isso pode se dar como um alerta, como no caso que Kardec vai abordar.
  • Um médium de moral “questionável” pode ser utilizado, se tiver uma mediunidade poderosa, por um Espírito elevado. Contudo, muito mais frequentemente será alvo de Espíritos inferiores, que acabarão por fazê-lo tombar, sobretudo quando utiliza da própria mediunidade para fins “questionáveis”.

O Falso Padre Ambrósio

Kardec, com a finalidade de estudar o problema, aborda o caso ocorrido na Spiritualiste de la Nouvelle-Orléans (clique aqui para baixar o original, em Francês), onde dois Espíritos engandores haviam se fazido passar pelo Padre Ambrósio e por Clemente XIV, tecendo um diálogo por demais frívolo e vazio.

Kardec faz, então, a evocação dos três Espíritos: O verdadeiro Padre Ambrósio, o falso Pe. Ambrósio e o falso Clemente XIV, mas, antes, declara:

Apressemo-nos, entretanto, em declarar que esse círculo não recebe apenas comunicações de tal ordem; há outras de caráter muito diverso, nas quais encontramos toda a sublimidade do pensamento e da expressão dos Espíritos superiores.

Como é possível verificar na revista original e também na tradução livre feita pela nossa colaboradora, Ariane, na segunda parte (terceira página do documento), as comunicações do verdadeiro Pe. Ambrósio são de cunho bastante mais elevado e profundo.

A conversa de Kardec com os Espíritos e nossas reflexões

Ao Espírito do verdadeiro Pe. Ambrósio:

5. ─ Como pudestes permitir coisas semelhantes em vosso nome? Por que não viestes desmascarar os impostores?

─ Porque nem sempre posso impedir que homens e Espíritos se divirtam.

6. ─ Compreendemo-lo quanto aos Espíritos. Mas, quanto às pessoas que recolheram as palavras, são gente séria; não buscavam divertimentos.

─ Uma razão a mais. Eles deviam pensar logo que tais palavras não poderiam deixar de ser a linguagem de Espíritos zombeteiros.

Nem sempre os bons Espíritos podem impedir tais situações, pois, acima de tudo, respeitam o livre-arbítrio dos demais. Além disso, podem permitir tais situações a fim de que sirva de alerta para o grupo ou indivíduo.

7. ─ Por que os Espíritos não ensinam em Nova Orleans, princípios perfeitamente idênticos aos que aqui ensinam?

─ Em breve lhes servirá a doutrina que vos é ditada. Haverá apenas uma.

8. ─ Desde que essa doutrina deverá ser ali ensinada mais tarde, parece-nos que se o fosse imediatamente aceleraria o progresso e evitaria que alguns tivessem dúvidas prejudiciais.

─ Os desígnios de Deus são sempre impenetráveis. Não há outras coisas que, à vista dos meios que ele emprega para atingir seus objetivos, parecem-vos incompreensíveis? É preciso que o homem se habitue a distinguir o verdadeiro do falso. Nem todos poderiam receber a luz de um jacto sem serem ofuscados.

O Espírito do verdadeiro Pe. Ambrósio deixa claro: a Doutrina Espírita encontrou, na França e no contexto Kardec, a base necessária para se fazer luzir com toda a força, sem ofuscar, já que as ciências estavam muito bem preparadas para receber seus ensinamentos, tratando-os racionalmente e com método científico.

Uma grande lição de Kardec

Falávamos, antes, sobre a necessidade de buscar distinguir as comunicações dos Espíritos, identificando se são honestas ou produtos de enganações e se são de Espíritos mais ou menos sábios (lembrando que uma comunicação pode ser séria e honesta, mas, ainda assim, de pouca ou nenhuma sabedoria). Vejamos, então, as seguintes perguntas e respostas trocadas entre Kardec e o verdadeiro Pe. Ambrósio:

 9. ─ Teríeis a bondade de nos dar vossa opinião pessoal relativamente à reencarnação?  

Os Espíritos são criados ignorantes e imperfeitos. Uma única encarnação não bastaria para que tudo aprendessem. É necessário que reencarnem, a fim de gozarem a felicidade que Deus lhes reserva.  

10. Dá-se a reencarnação na Terra ou somente em outros globos?  

A reencarnação se dá conforme o progresso do Espírito, em mundos mais perfeitos ou menos perfeitos.  

11. Isto não esclarece se pode ocorrer na Terra.  

Sim, pode ocorrer na Terra, e se o Espírito a pede como missão, ser-lhe-á mais meritório do que se a pedisse para avançar mais rapi­damente em mundos mais perfeitos.

Ora, Kardec estava falando sobre um assunto completamente diferente. De repente, começa a perguntar sobre reencarnação? Por que?

Simples: porque ele estava buscando sondar os conhecimentos daquele Espírito, a fim de saber se estava realmente falando com um Espírito sábio ou se falava com um Espírito enganador. Brilhante, não? É assim que deveríamos proceder, ainda hoje e sempre, mas, para isso, é preciso que estejamos atentos, que tenhamos conhecimentos e que saiamos da condição de simples espectadores passivos das comunicações espirituais.

Kardec continua, perguntando, agora, ao falso Pe. Ambrósio:

15. ─ Por que te serviste de um nome respeitável para dizer semelhantes tolices?

Aos nossos olhos os nomes nada valem. As obras são tudo. Como pelo que eu dizia, podiam ver o que eu era realmente, não liguei importância à substituição do nome.

Veja só: o Espírito enganador sabe que os “ouvintes” (sabemos que era através da psicografia a comunicação) poderiam julgar quem ele realmente era, através do que expressava. Portanto, não ligou qualquer importância por utilizar o nome do Pe. Ambrósio.

Lições aprendidas

Vivemos um Espiritismo muito distanciado do Espiritismo “de Kardec” (entre aspas, pois sabemos que o Espiritismo não pertence a ele nem saiu de sua cabeça). E isso não é bom, porque o Espiritismo “de Kardec” é aquela doutrina científica, nascida com base na observação racional dos fenômenos espíritas e na concordância universal do ensinamento dos Espíritos.

Hoje, no meio Espírita, por um lado se persegue o médium pelo “animismo”; por outro, tratam-se muitos médiuns como oráculos, como se suas opiniões — porque qualquer pensamento individual, frente à Doutrina, que não tenha passado pelo crivo da razão e da concordância universal, só pode ser tomado como opinião — de si mesmos ou dos Espíritos que se comunicam, pudessem ser tomadas como a suma expressão da verdade e da sabedoria. Acabamos de ver o quão falsa e perigosa é essa premissa.

Não devemos evocar os Espíritos?

Além disso, criaram-se vários mitos, como o que diz que não devemos evocar os Espíritos (o que só é válido em caso de falta de bons propósitos, o que constituiria, nas palavras de Kardec, uma verdadeira profanação) e como o que diz que as evocações podem resultar em obsessões espirituais. Ora, os Espíritos estão ao nosso redor o tempo todo, e se aproximam de nós segundo suas afinidades com o que somos e pensamos, nas profundidades de nossa alma. Para nos obsediar, basta que queiram se utilizar de nossa ausência de vontade e da nossa permissão e, para isso, não necessitam se comunicar conosco por via mediúnica.

Compete destacar que, se um médium ou grupo mediúnico se torna alvo de obsessão espiritual, é porque ali há um problema moral, ligado às imperfeições de cada um, sobre as quais precisam vigiar. Kardec e inúmeros outros pesquisadores se serviam de médiuns educados e equilibrados para evocar todo tipo de Espírito, sem que nunca sofressem de obsessões por fazê-lo. Apenas para reforçar: essas evocações tinham um propósito sério e eram feitas por pessoas sérias. Fossem feitas por mera curiosidade vazia ou diversão, estariam relacionadas a um problema moral e, então, temos aí o problema destacado.

Essa questão, da possibilidade e da validade ou não de se evocar os Espíritos, já foi muito bem abordada por Kardec em seu artigo “O Espiritismo sem os Espíritos”, na RE de Janeiro de 1866, sobre o qual tecemos algumas considerações importantes em artigo homônimo (clique aqui para acessá-lo).

Também, na Revista de 1858, no artigo “Obsedados e Subjugados” Kardec aborda a questão dos perigos do Espiritismo de forma mais detalhada. Sugerimos a leitura do artigo surgido de nossos estudos.

O Espiritismo precisa de defesa

Muitos afirmam que o Espiritismo não precisa de defesa e, muito mais, que ele precisa de atualização, pois estaria defasado. Começo dizendo que o Espiritismo precisa de defesa SIM. Afirmações contrárias a isso parecem sair de Espíritos contrários à propagação dessa Doutrina, Espíritos esses que, aliás, jamais leram Kardec, que saia em defesa do Espiritismo sempre que oportuno. Não se trata de uma defesa que ataca as religiões ou as crenças, mas uma defesa que aponte as imprecisões e os erros, frente ao Espiritismo, nas afirmações e nas práticas ditas espíritas.

Há muito eu ouço, no meio espírita, em diversas partes: os tempos são chegados. Por muito tempo pensei que se tratava apenas de um aviso a respeito das dificuldades que atravessamos. Contudo, hoje reflito: analisando friamente, vivemos realmente algo muito diferente do que já vivemos em outras épocas da humanidade? Ou será que os Espíritos estavam informando de que são chegados os tempos de restabelecer o que foi corrompido?

Uma coisa é fato: é tempo de começarmos a reorganizar pensamentos e retomar estudos esquecidos ou perdidos durante muito tempo. Alguns pesquisadores tem trazido informações muito importantes, com base em documentos e obras originais, até então desconhecidas, nos permitindo conhecer não apenas o Espiritismo em sua essência, mas também as ciências que lhe deram lugar ou que, junto a ele, formam um conjunto indissociável.

Paulo Henrique de Figueiredo, na obra Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo, nos traz informações a respeito do Espiritualismo Racional. Este formava as Ciências Morais da época e que deram base ao Espiritismo, sendo este, segundo pensamento do próprio professor Rivail, um desenvolvimento do primeiro; na obra Mesmer: a ciência negada do magnetismo, traz informações importantíssimas a respeito do Magnetismo, ciência essa tantas vezes citadas não só por Kardec, mas pelos próprios Espíritos. Por ser o magnetismo uma Ciência muito bem estabelecida em seu tempo, jamais teve explicações aprofundadas por Kardec, que não poderia imaginar que ela seria extinta nas décadas seguintes; e Simoni Privato, em O Legado de Allan Kardec, nos dá informações relativas não apenas a uma suposta adulteração de A Gênese, assunto esse ainda cheio de discussões controversas, atualmente, mas também dá informações importantíssimas a respeito do completo desvio que a Sociedade Espírita Parisiense, depois transformada em Sociedade Anônima e conduzida por Pierre Gaetan Leymarie, sofreu nas mãos deste senhor.

Com base nesses estudos e nos estudos de Kardec, os Espíritas honestamente interessados em ver o retorno de um trabalho sério de pesquisa, junto aos Espíritos, nos moldes de Kardec, precisam fazer a sua parte em defender a Doutrina, divulgando sem acusar e, sobretudo, instigando os grupos mediúnicos a voltar a registrar as comunicações com os Espíritos, aprofundando-se nelas e saindo da mera condição de espectadores pacientes, vivendo sob a mal compreendida frase, que se tornou lema, “o telefone toca de lá pra cá”, para voltar a realizar evocações sérias e que produzam material importante que, um dia, poderá ser analisado de forma independente, novamente (leia este sucinto artigo a respeito dessa reflexão).

Conclusão

Infelizmente, o movimento espírita está bastante distanciado de Kardec e do Espiritismo em sua real face. Passou-se a aceitar os mais diversos despautérios, alegadamente transmitidos por fontes mediúnicas, algumas bastante conhecidas, o que tem causado muito dano não só ao movimento, em si, que está a cada dia mais esvaziado, mas também à imagem do Espiritismo ante à sociedade, que aprendeu, em boa parte, a ver o Espiritismo como aquela opinião que vêm à tona sempre que acontece um desastre qualquer para dizer que, ali, foram vitimados pessoas que estavam resgatando um débito coletivo, sendo, por isso, culpados e merecedores daquele acontecimento. E esse tipo de pensamento é largamente reproduzido acerca das tragédias individuais ou coletivas, causando aversão e distanciamento.

Não bastasse isso, o Espiritismo, desde a morte de Kardec ( em 1869), passou a ser inundado por ideias roustainguistas (de Jean-Baptiste Roustaing), “doutrina” essa que se instalou no meio espírita brasileiro desde antes do início do século XX, inclusive por grande simpatia de Bezerra de Menezes às suas ideias. Embora a FEB, autointitulada “cúpula do Espiritismo no Brasil”, só tenha adotado a obrigação do estudo das obras de Roustaing a partir de 1917 (leia mais aqui), a influência roustainguista (ou rustenistas) já era forte há bastante tempo nesse meio.

Depois, vieram as influências ramatissistas, seguindo o mesmo padrão: ideias de um Espírito claramente pseudossábio (Ramatis), que acredita saber mais do que sabe e que quer se colocar com caraterísticas messiânicas, reescrevendo a verdade e colocando Kardec no lixo, contrariando a Doutrina Espírita e a própria Ciência em inúmeros pontos e, para finalizar, sem citar outros exemplos vários, veio o divinismo, também com o mesmo teor messiânico, dessa vez através de um indivíduo que se autoproclama a reencarnação de Kardec e que também produz os mais diversos tipos de ideias contrárias àquilo que já estava estabelecido pela concordância universal dos ensinamentos dos Espíritos e pela razão.

Enfim: o Movimento Espírita está esquecido de Kardec, a ponto de quase não haver Espiritismo em muitos pontos, e sim um espiritualismo religioso (no sentido da religião dogmática e cheia de rituais, hierarquias e sacerdotes). Precisamos, repito, fazer a nossa parte, ativamente, mas sem contendas, isto é, buscando os grupos e os indivíduos honestamente interessados nessa tarefa, de modo a auxiliar no trabalho de restabelecimento, pois,

o que é de base, não se supera!




O Espiritismo frente à guerra

Estamos, nesta data, vivendo um novo momento de apreensão no mundo, com uma nova guerra se iniciando entre a Rússia e a Ucrânia. Será muito oportuno, portanto, relembrar alguns importantes conceitos do Espiritismo frente a tais situações, como as guerras.

A situação de quem morre nas guerras

Em primeiro lugar, é preciso lembrar que qualquer maldade humana nasce da imperfeição inerente a Espíritos que, como praticamente todos nós, ainda estamos na terceira ordem da escala espírita. O Espírito que pratica o mal, individualmente ou em conjunto, o faz porque ainda é ignorante sobre a moral e age segundo seu livre-arbítrio já conquistado. Assim, destaco, jamais uma ação de perversidade ou maldade, praticada por alguém, nasce de uma cobrança divina de uma “dívida” passada.

Creio muito importante destacar esse pensamento, logo de início, pois muitos ainda pensam, muito erradamente, que a vítima de um crime está “resgatando débitos passados”, o que não é uma verdade. Ora, que Deus é esse que cobra dívidas através de crimes e que, com isso, faz um outro Espírito – o do criminoso – adquirir um novo débito?

Portanto, não, as pessoas que morrem vítima de um crime, seja ele isolado, como um homicídio, seja ele em grupo, desde os casos menores, mas não menos expressivos, como o caso do incêndio da boate Kiss, que rendeu um processo criminal, até os maiores, como os casos do nazismo, que matou mais de seis milhões de judeus, ou do genocídio cometido pelo revolucionário chinês Mao Tsé-Tung, cuja política matou de 50 a 80 milhões de pessoas, não morrem por estarem sendo cobradas por absolutamente nada do passado: morrem por efeito das decisões alheias, criminosas – lembrando que, é claro, o Espírito que preveja a vida sob tal condição pode escolher aí reencarnar a fim de expiar erros passados e tentar aprender e se livrar das imperfeições que o levaram a errar.

Já tratei desse assunto em outro artigo, destacando que as mortes coletivas não se dão por conta de “resgates coletivos”, mas por conta de estarmos sujeitos a tais vicissitudes, inerentes à matéria bruta que hoje ocupamos.

A “data limite”

Muitos têm, com certo medo, se referido a uma suposta “profecia” atribuída a Chico Xavier a respeito da chamada data limite, onde, a partir de determinada data, em 1969, os Espíritos elevados que cuidam do progresso terrestre dariam um “ultimato” ao ser humano terrestre: se não houvesse nenhuma guerra, dentro dos 50 anos seguintes, entraríamos em uma nova fase de evolução planetária.

Acontece, aí, que temos alguns problemas frente à Doutrina:

  1. Espíritos superiores não costumam dar previsões futuras desse gênero.
  2. Como poderiam os Espíritos superiores darem tal ultimato sabendo que o ser humano ainda é muito imperfeito e conhecendo o ia e vai no coração humano?
  3. Nós sabemos que a evolução do Espírito não respeita datas. Para o Espírito imortal, o tempo não existe, e o que não for feito hoje, nem aqui, será feito em décadas, centênios ou milênios. A urgência que existe mora em cada um, pois, cada dia perdido de desprendimento das imperfeições será um dia a mais de sofrimento nessa condição espiritual.

Outro problema é que grande parte desse assunto vem sendo discutido de segunda mão, através de outras pessoas, não tendo saído diretamente da boca de Chico Xavier. Portanto, é preciso olhar tal assunto com muito cuidado.

A guerra e o Espiritismo: O Livro dos Espíritos

Na obra citada, Kardec também aborda a temática das guerras. Vamos analisar as perguntas e as respostas:

742. Que é o que impele o homem à guerra?

“Predominância da natureza animal sobre a natureza espiritual e transbordamento das paixões. No estado de barbaria, os povos um só direito conhecem: o do mais forte. Por isso é que, para tais povos, o de guerra é um estado normal. À medida que o homem progride, menos frequente se torna a guerra, porque ele lhe evita as causas. E, quando se torna necessária, sabe fazê-la com humanidade.”

O ser humano, ainda muito imperfeito, quer imperar pela força a fim de fazer valer suas vontades egoísticas. Conforme formos progredindo, deixaremos para trás tais imperfeições e guerrearemos menos, em qualquer escala. O grande problema é que, hoje, o homem está esquecido da moral e da alma.

743. Da face da Terra, algum dia, a guerra desaparecerá?

“Sim, quando os homens compreenderem a justiça e praticarem a lei de Deus. Nessa época, todos os povos serão irmãos.”

Infelizmente, numa sociedade absurdamente materialista, estamos bastante esquecidos de praticar a Lei de Deus.

744. Que objetivou a Providência, tornando necessária a guerra?

“A liberdade e o progresso.”

Quando se fala que a Providência (Deus) tornou necessária a guerra, é importante entender que Deus jamais faria da guerra uma necessidade em si, mas, sim, que permite o livre-arbítrio ao Espírito imperfeito que, sem sombra de dúvidas, entrará em contendas e guerras de todo o gênero. Faz parte da evolução. É quase sempre preciso conhecer o mau, em seu estágio mais avançado, para que a sociedade busque o bem. Outrora, o ser humano, em generalidade, guerreava e matava por qualquer motivo mesquinho. Hoje estamos consideravelmente longe desse passado.

Também há algo importante a destacar: as guerras de escala maior são, sempre, comandadas por um ou mais indivíduos ou grupos tiranos. No fim da linha está o soldado que, muitas vezes, nada tem a ver com isso e que sequer gostaria de estar ali, mas que se vê obrigado a seguir as ordens de seus comandantes. A Justiça Divina, é claro, “leva em conta” essas diferenças, isto é, o soldado que age sob comando, sem a vontade de fazer o mal, terá, frente à sua própria consciência, muito menos sentimento de culpa do que o comandante que os envia para o assassínio.

744. a) — Se a guerra deve ter por efeito o advento da liberdade, como pode frequentemente ter por objetivo e resultado a subjugação?

“Subjugação temporária, para pressionar os povos, a fim de fazê-los progredir mais depressa.”

É o complemento do que foi dito acima. A guerra pressiona ao avanço, tanto científico quanto moral.

745. Que se deve pensar daquele que suscita a guerra para proveito seu?

“Grande culpado é esse e muitas existências lhe serão necessárias para expiar todos os assassínios de que haja sido causa, porquanto responderá por todos os homens cuja morte tenha causado para satisfazer à sua ambição.”

Pela resposta a essa questão, parece então que o Espírito que provoca a guerra para tirar proveito terá, sim, que pagar por cada um daqueles que tenham sofrido por esse motivo. Mas não é exatamente isso. É preciso ler com atenção e cuidado, e as obras de Kardec, sendo baseadas em ciência, são continuamente construídas sobre postulados anteriores.

Notemos, aqui, que a resposta espiritual fala em expiação. A expiação, sendo uma espécie de penitência, não é um castigo imposto diretamente por Deus, como uma cobrança, mas sim como um efeito da consciência que o Espírito toma sobre o mal praticado. Desde o momento em que o Espírito entende que o que sofre por estar afastado do bem, passa a sofrer moralmente por conta disso e, então, passa a planejar encarnações onde expiará suas imperfeições, para superá-las. Também não significa que o Espírito expiará individualmente por cada um dos sofrimentos ou das mortes que tenha causado, mas, sim, que passará por um longo trabalho reencarnatório, tentando se livrar do peso moral adquirido com seus erros. Hitler, com certeza, não reencarnará mais de seis milhões de vezes para morrer da mesma forma e “pagar” pela morte de cada um dos judeus (e de outras vítimas da guerra), mas, com certeza, no momento em que entender a extensão do mal que fez e o tamanho do sofrimento que ele mesmo vivencia, passará por uma longa série de encarnações sofridas, por escolha própria, a fim de buscar vencer as imperfeições exacerbadas que lhe fizeram agir de tal forma.

Conclusão

A guerra e as contendas, em menor ou maior grau, ainda são inerentes à nossa condição de Espíritos muito imperfeitos, e só deixarão de existir no dia em que praticarmos as leis de Deus, isto é, no dia em que a caridade moral, a benevolência, enfim, o bem em si estiver instalado no coração de cada um, como obrigação, bem como que cada um faça seu esforço próprio para se livrar do egoísmo e do orgulho, imperfeições que dão origem a todas as outras. E, para isso, é necessário que o homem eleve-se acima da matéria e compreenda que, como Espíritos encarnados, a única coisa que realmente importa e que levamos daqui é o progresso que tenhamos ou não realizado. E, nisso, o Espiritismo, como ciência, e a educação nas bases da pedagogia de Pestalozzi (principalmente), tem muito ainda a contribuir.

Façamos preces, sim, pelos nossos irmãos. Sabemos que o pensamento tem poder de transmissão a infinitas distâncias. Podem, quem sabe, atingir os corações mais endurecidos, como também podem fazer muito bem àqueles que são vítimas dos desmandos despóticos de todos aqueles que querem imperar pela força e pela violência. E aproveitemos para estudar, não para darmos aulas de Espiritismo, mas para nos fazermos mais úteis à sociedade através de nossa própria transformação e da propagação das ideias baseadas na preexistência da alma e de sua continuidade infinita.




Já pensou em conversar com os Espíritos?

Esta é uma reflexão honesta e aberta. Acontece que, hoje, só se pensa em doutrinar. Esquecemos, porém, que os Espíritos tem muito a nos ensinar – mesmo os mais infelizes, pois podemos analisar seu estado atual, os motivos das complicações de suas vidas e, disso, obter muitos conhecimentos importantes. Estudando Kardec, vemos que não somente ele, mas também muitos grupos distribuídos pela Europa e pela América do Norte realizavam pesquisas sérias a respeito através das comunicações mediúnicas – e não apenas esperando que “o telefone toque de lá pra cá”, mas realizando evocações com fins sérios e úteis.

Além disso, naquela época, era costume anotar-se a tudo, gerando grandes volumes de documentos a respeito dessas comunicações, que, então, podiam ser estudados de forma independente por pesquisadores externos, através da racionalidade, buscando encontrar a concordância entre elas. É praticamente o que Kardec fazia, e é o que permitiu a estruturação do Espiritismo como Doutrina Cientíifica. Hoje isso raramente é feito, senão na produção das “cartas” de parentes desencarnados (cujas comunicações poderiam ser muito melhor aproveitadas). Meu ponto é: precisaremos retomar essa metodologia, afinal, a ciência humana avançou muito, mas o Espiritismo ficou praticamente parado no tempo, sendo que muitos conceitos que hoje são aceitos não passaram por essa metodologia necessária. Se, hoje, os vários grupos de estudos ou de práticas mediúnicas espalhados por aí retomassem essa tarefa, tomando o cuidado de não se contaminarem entre si a partir da partilha de ideias não sancionadas por esse método, poderíamos voltar a ter um grande volume de produção de conteúdos que, aos poucos, poderiam ser analisados. Isso, contudo, requer pelo menos o estudo básico de O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns.

Imagine, por exemplo, as controvérsias e falta de informações a respeito das “cidades espirituais”: não podemos, claro, perguntar ao Espírito, na sessão mediúnica: “Ei, você vive numa cidade espiritual? Onde fica?”. Isso provocaria, quase sempre, uma ideia contaminada como resposta. Antes, perguntaríamos: “poderia nos dizer como foi a sua chegada no plano espiritual? O que encontrou aí? Qual é a sua ocupação, hoje? Você se cansa? [Se sim] O que você faz para descansar?”

Entende? Tem outro ponto muito positivo: além de aprendermos com tais relatos, com efeitos sobre nós mesmos, nossos pensamentos e nossas atitudes, essas comunicações também são muito úteis aos Espíritos, principalmente aqueles em estado de perturbação, que, ao ser contrangido à ligação mediúnica, se centra um tanto mais, novamente e pode, nesse momento, refletir muito sobre sua condição, mudando de vida.

Enfim, é isso. Tem que recomeçar, de alguma forma. Só não podemos esquecer de estudar Kardec para isso, a fim de evitar as dificuldades já conhecidas e tratadas com muita clareza por ele.




Em defesa da pesquisa espírita: uma crítica aos cismentos

É tempo de recuperar Kardec.

Dias atrás me envolvi numa discussão acalorada – por detrás dos teclados – que acabou por me deixar irritado e indignado. O motivo? A questão das adulterações (ou não) nas duas obras finais de Kardec – O Céu e o Inferno e A Gênese.

Aqui, não vem ao caso a discussão em si a respeito dessas adulterações serem um fato ou não. Minha crítica vai em direção ao posicionamento mal-educado e sarcástico com o qual alguns dos “partidários” da não-adulteração se portam, atacando diretamente às pessoas e ao trabalho dos pesquisadores que levantaram essas importantíssimas informações e que deram força à necessidade de investigar o passado, com o mero intuito de tirar todo e qualquer crédito ou mesmo a vontade de estudá-las com a seriedade que, defendo, merecem.

Acontece que, se, para alguns (mas não para mim) as adulterações das obras citadas ainda são motivo de dúvida, por outro lado não se pode ter dúvida alguma das adulterações que o Movimento sofreu após Kardec, com a total perca de rumo dos propósitos iniciais da Sociedade Espírita e de seus meios de comunicação – isso fica muito claro em O Legado de Allan Kardec. É fato inegável que Leymarie permitiu, por interesses materiais, que os pensamentos de Roustaing tomassem frente na Doutrina, promovendo ideais antidoutrinários e desrespeitando o imenso e dedicado trabalho de Kardec e de sua esposa, Amélie Boudet, “a doce Gabi”. A Sociedade Espírita de Paris, comandada por Leymarie, se distanciou totalmente dos propósitos de Kardec, deixando-se, esse infeliz senhor, sucumbir pela tentação da vaidade e do dinheiro. Chegou ao ponto de expulsar, de um dos apartamentos destinados por Allan Kardec a fins de caridade, um casal de idosos, por simples atraso nos pagamentos do aluguel, quando o mesmo e a Sociedade contavam com grandes somas de posses e dinheiro [Privato, 2019]. Além disso, colocou de lado os planos para a continuidade do movimento espírita que, de acordo com projeto de Kardec, deveria contar com a multiplicação dos grupos de estudos e das “investigações” espíritas, regidas sob a metodologia necessária [ibidem] – ora, como poderiam aplicar tal medotologia aqueles que se veriam desmentidos por ela, não é mesmo?

Também é fato que o Espiritismo, desde a sua chegada em solo brasileiro, foi afetado por essa linha de pensamentos, encontrando guarida até mesmo em Bezerra de Menezes, um dos primeiros presidentes da FEB, instituição essa que, até 2019, tinha, como cláusula pétrea, a orientação do estudo dos Quatro Evangelhos, de Roustaing.

Fato é, também, que o Espiritismo de hoje está completamente descaracterizado e deturpado. Os centros espíritas, que outrora eram reuniões de espíritas confessos, dedicados ao estudo das comunicações mediúnicas e de seus efeitos morais e científicos, hoje reproduzem igrejas católicas, onde o fiel assiste ao sermão (palestra), recebe a benção (passe), faz uma oração e vai embora. Médiuns, em busca de auxílio, são colocados em longos cursos, que às vezes chegam a 7 anos de duração, quase sempre com cartilhas complicadas da FEB, para, ao final disso, se ainda estiverem minimamente interessados, serem “iniciados” no grupo mediúnico da casa. Médiuns honestos passaram a ser perseguidos por “animismo”, enquanto outros são tomados como oráculos: tudo o que dizem, por via mediúnica ou de sua própria opinião, é tomado como suma expressão da verdade e da sabedoria absolutas. E, então, passamos a ouvir, a torto e a direita, as mais ultrajantes ideias, que, continuamente, tem promovido escândalos e o afastamento das pessoas que, nas mais diversas condições, se sentem motivadas a entrar em um centro espírita em busca de ouvir algo diferente daquilo que falam por aí.

O momento é sério. Chegamos, novamente, em um novo ponto crítico da sociedade, com o materialismo vicejando alegre no coração dos homens. Mas, uma vez mais, o movimento contrário começa a tomar vulto, pois, sabemos, é preciso que o homem conheça o ápice do mal para voltar a buscar o bom e o belo. E é disso que tratam essas obras. Há quem critique Figueiredo por defender a autonomia sobre a heteronomia, isto é, por defender a essência do ensinamento da Doutrina Espírita: tudo depende de nossa vontade e de nossas escolhas, e não da aceitação cega de castigos e de recompensas. Justamente ele, o primeiro pesquisador NO MUNDO a procurar as obras originais de vários filósofos e cientistas, a fim de dar contexto científico e histórico ao nascimento do Espiritismo, juntamente com o Magnetismo, ciência-irmã do Espiritismo. Ora, por não concordar com sua posição – também baseada em provas e evidências – de que houve a adulteração em O Céu e o Inferno, devemos então descartar todo o resto?

Quando eu disse que “é tempo de recuperar Kardec”, não me refiro apenas ao estudo tão importante de suas obras, que são a base da Doutrina Espírita, mas me refiro objetivamente ao “recuperar Kardec” em seu exemplo, em sua pessoa, sempre, segundo todos os registros, tão boníssima e afável, mas também tão sensata e séria frente aos estudos das ciências. Kardec recomendava sempre que, para criticar determinado assunto, era preciso dele se inteirar completamente, fato pelo qual, por diversas vezes, deixou de abordar em profundidade aquilo que não pudera ter dado a devida atenção. Quando Kardec criticou Os Quatro Evangelhos de Roustaing, ele somente o fez após ler todos os quatro volumes. E ele, com o tempo que não tinha, o fez porque percebeu se tratar de uma obra cheia de ideias importantes, ainda que inexatas ou mesmo contrárias ao ensino concordante dos Espíritos. Kardec sempre fazia isso. E o que se vê, hoje, é que muitos não desejam reproduzir os passos do exímio pesquisador. Prendem-se às questões superficiais e, com preconceito, deixam de se aprofundar no conteúdo, passando então a criticar ou a colocar tais obras no esquecimento.

Quero, antes de finalizar, dizer que li O Legado de Allan Kardec do início ao fim, com muita atenção e cuidado. Os fatos ali apresentados, a respeito da adulteração de A Gênese, a partir da 5a edição, repito, são por demais objetivos, completos e complexos para que tal opinião seja apenas o fruto de um erro de má interpretação. No mínimo – e esta é a minha posição – abre uma margem muito grande para desconfiar de que, ali, há uma mescla de conteúdos que Kardec realmente iria alterar ou inserir, combinados com conteúdos inseridos por outra parte, com claro propósito de alterar o que já estava estabelecido doutrinariamente.

Não quero, enfim, forçar ninguém a acreditar em nada. É por isso que nossos meios de comunicação, diferentemente de muitos que existem por aí, estarão sempre abertos aos comentários e à troca de ideias. Mas quero deixar a você, caro leitor, o convite à leitura das seguintes obras, a fim de que você tome sua posição pelo seu próprio raciocínio:

  • O Legado de Allan Kardec, por Simoni Privato
  • Nem céu nem inferno: As leis da alma segundo o Espiritismo – por Lucas Sampaio e Paulo Henrique de Figueiredo
  • Muita Luz, de Berthe Fropo (link para o pdf aqui).
  • Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo – por Paulo Henrique de Figueiredo
  • Sobre “o caso A Gênese” – artigo de minha autoria.
  • As adulterações nas obras de Kardec e o “CSI do Espiritismo” – artigo de minha autoria



O desastre de Petrópolis na visão do Espiritismo: resgate coletivo?

Recentemente, a região serrana do Rio de Janeiro sofreu novo abalo, resultando em algumas dezenas de mortes. Desejo, de início, expressar sentimentos meus e do Grupo para com todas as vítimas desse flagelo e para com seus entes amados.

Preciso, contudo, me posicionar frente a alguns comentários que, nesses momentos, com muita infelicidade, algumas pessoas ditas “espíritas” acabam fazendo, quase sempre apoiadas sobre supostas comunicações mediúnicas. Não quero, de forma alguma, dizer que minhas observações representam a sumidade do ensinamento da Doutrina Espírita, que ainda apenas comecei a estudar, mas quero apenas me apoiar na lógica dos fatos e no raciocínio baseado naquilo que esse mesmo estudo nos confere.

Falta caridade

Basta que ocorra um desastre qualquer, de qualquer proporção, para que alguém, dizendo trazer uma comunicação mediúnica, venha imputar aquilo a uma suposta ação do “carma”, da “lei de ação e reação”, do “resgate de dívidas passadas”, sem, antes, refletir na completa falta de caridade com que agem quando assim se pronunciam.

No desastre da Boate Kiss, infelizmente, vários meios de comunicação “espíritas” se pronunciaram, atrelando aquelas tristes mortes ao holocausto nazista, afirmando que aquelas pessoas teriam sido “soldados que matavam judeus queimados ou asfixiados por cianeto” (veja aqui um pouco mais sobre isso).

Acerca do desastre com o avião da Gol em São Paulo, no aeroporto de Congonhas, em 2007, um livro, chamado “O Voo da Esperança”, chegou a ser produzido, supostamente atribuído a um Espírito, através do médium W.F.. Essa obra, um verdadeiro desserviço ao Espiritismo, chega citar o seguinte, conforme destaque em matéria da Folha:

“É a lei da ação e reação […] A providência divina, em sua sabedoria infinita, não colocou neste avião espíritos inocentes, mas almas seriamente comprometidas com um passado de erros […]”

“Esse grupo, de mais de duzentas pessoas, comprometidas com o passado de falta de compaixão para com os semelhantes […]”

Essa obra rendeu ao menos um processo contra a editora e o médium (veja mais).

E, no caso do desastre recente de Petrópolis, já existem pessoas divulgando comunicações mediúnicas afirmando se tratar de “resgate coletivo”.

O movimento espírita está ruindo de dentro pra fora

Meus irmãos, reflitamos! São erros sobre erros, causando enorme estrago no Espiritismo, cometidos por pessoas que deixaram de se guiar pelo necessário método racional na análise das comunicações mediúnicas e que passaram a permitir que qualquer tipo de conceito, transmitido por essa via, seja tomado como verdadeiro e doutrinário! Ora, Kardec sempre chamava a atenção de todos para o fato de que os Espíritos impostores, enganadores ou pseudossábios se comunicam por toda parte, inclusive em grupos mediúnicos sérios, e que, por conta disso, não podemos aceitar a comunicação de qualquer Espírito, sob qualquer nome que se apresente, como expressão da verdade (leia mais clicando aqui)!

Você, que está lendo, consegue se colocar na posição daquela mãe, que revirava a lama em busca de sua filha, de 17 anos, ouvindo da boca de alguém que se declare espírita as palavras “sua filha morreu assim porque está pagando por erros passados”? Consegue? Pois bem! Se conseguir, é por esse motivo – pela caridade – em primeiro lugar, e pelos seguintes, que jamais devemos expressar esse tipo de pensamento!

Nem tudo é expiação de erros passados

Quem estuda Kardec – estudo esse bastante ausente, hoje em dia – sabe muito bem que as tragédias individuais podem se dar por quatro motivos principais: expiação, quando o Espírito escolhe passar por uma determinada prova, com vistas a superar uma imperfeição; prova, que é quando o Espírito passar por qualquer dificuldade, planejada ou não, e que promove aprendizado e progresso; missão, quando o Espírito escolhe executar uma tarefa a fim de promover o bem para outros; e força da natureza, quando, por exemplo, um flagelo natural inevitável acomete milhares ou milhões de pessoas em simultâneo. Portanto, como podemos nos dar o direito de apontar para uma situação como essas acima, coletivas ou individuais, para inferir, errada e impiedosamente, que ela se dá por motivo de um “resgate” de erros passados? Isso, definitivamente, não nos compete!

Pensemos o seguinte: imagine que você, como Espírito, antes de encarnar, escolhe um gênero de provas e, talvez, de expiações. Sua encarnação transcorre sob esse planejamento, até que você se muda para uma cidade qualquer, convocado por uma oportunidade de trabalho. Vive lá por algum tempo quando, por uma ação fortuita da natureza, um meteorito cai nessa cidade, matando você e outros milhares ao redor. Veja: é um flagelo inevitável da natureza, aos quais estamos sujeitos pelo simples fato de estarmos encarnados. Morreremos e reiniciaremos outra encarnação, continuando nossa evolução.

Outro exemplo: no caso da Boate Kiss, será que tudo não se deu por irresponsabilidade alheia? Pois, sabemos que tudo aconteceu por utilizarem materiais combustíveis em um ambiente fechado, com dificuldade de saída (várias saídas se encontravam trancadas) e sem um sistema de extinção de incêndios eficientes. Ou seja, houve negligência, que é o resultado de escolhas de outras pessoas. Muitos dos que estavam ali, naquele momento, foram vitimados por essa cadeia de acontecimentos – ou será que podemos supor que a banda que tocava foi intuída a utilizar os materiais de pirotecnia (fogo) de modo a cumprir com um “carma coletivo”? Isso é irracional!

Muitos não sabem, mas, geologicamente, a região serrana da Serra da Mata Atlântica, que passa por SP e pelo Rio, é muito antiga, formada pelo depósito de matéria mais leve (terra) sobre elevações rochosas. Com o passar dos milhões de anos, essa camada superficial está ficando mais frágil e, quando ocorrem as chuvas intensas, provocam deslizamentos e desastres como esses. O ser humano, sendo encarnado na mesma matéria densa, está sujeito a essas ocorrências, pois faz parte de um mundo cuja natureza é bastante instável, se renovando dia após dia. Tais flagelos não resultam de uma impiedade de Deus: são necessários, na verdade, para acelerar o nosso avanço científico e moral (vide O Livro dos Espíritos, Parte Terceira, Cap. 5 – Flagelos Destruidores – clique aqui).

Transição Planetária?

Muito se diz que tais flagelos estão se acelerando por conta da chamada “transição planetária”, onde a Terra deixará de ser um mundo de provas e expiações para um mundo de regeneração. Em essência, essa transição não deixa de ser verdadeira, mas precisamos tomar muito cuidado, uma vez mais, com a implicação do que dizemos, pois muitos imputam a tais flagelos, inclusive às pandemias, o efeito de “separar o joio do trigo”, como se eles estivessem levando daqui os Espíritos que não mais poderão fazer parte deste planeta em sua nova fase. Esse é mais um pensamento errado e impiedoso.

Precisamos relembrar que os flagelos sempre existiram. Desde antes do tempo dos faraós, o globo é assolado por tragédias imensas, o que demonstra que elas não estão ligadas à tal transição. Elas sempre ocorreram e sempre ocorrerão, nesta fase de materialidade, com o intuito de nos fazer avançar científica e moralmente. A transição se dará pela modificação de ideias, do indivíduo para a sociedade, e não pela simples separação de Espíritos que ainda tem muito a aprender e a contribuir neste planeta.

Nenhum Espírito benevolente acusa o erro dos outros em público

Nós vivemos um triste momento no meio espírita, onde Kardec está relegado ao passado, como se tivesse sido superado (tudo aquilo que é base de uma doutrina não se supera, por ser base) e seu método e toda a racionalidade que ele demonstrou ser necessária na comunicação com os Espíritos, estão esquecidos e enterrados como se fossem desnecessários. O “Movimento Espírita” atual (que quase nada tem do Espiritismo verdadeiro, e há que se separar a Doutrina daquilo que fazem seus adeptos) passou a aceitar praticamente toda e qualquer comunicação mediúnica como expressão da sabedoria e da verdade e, dessa forma, está permitindo que conceitos antidoutrinários estejam ruindo, pouco a pouco, o movimento, em suas bases.

Observemos: quando vemos, em Kardec, os casos de expiação de mesmo gênero, como no caso de Antonio B, precisamos lembrar que se trata de uma evocação, onde o próprio Espírito relata sua escolha em passar por aquilo. Fica muito claro que nunca é uma imposição externa de uma suposta lei de pecado e resgate, e fica também muito claro que nenhum Espírito minimamente benevolente se vale de uma comunicação para apontar as faltas alheias e atrelar os sofrimentos presentes como uma forma de “resgatá-las”.

Espalhe a informação e venha estudar conosco

Uma vez mais venho pedir a você, que lê este artigo, que, como Espírita, informe a todos que puderem que não nos compete apontar o dedo para afirmar que alguém passa por um sofrimento determinado para saldar “dívidas” passadas. Isso afasta as pessoas da Doutrina e, sobretudo quando parte da aceitação cega de comunicações espirituais, vem destruindo o movimento espírita de dentro para fora.

E, por fim, a respeito do papel do médium e do pesquisador nas comunicações mediúnicas, bem como do tal “animismo”, abordaremos tudo isso na próxima live, no dia 24/02/2022, sobre o artigo “Espíritos impostores – O falso padre Ambrósio”, na Revista Espírita de julho de 1858. Leiam o artigo e não deixem de apresentar suas considerações, em nosso grupo do Facebook, para que possamos enriquecer nosso estudo.

O Espiritismo carece, sim, de defesa, e é chegado o momento de fazermos a nossa parte.




Os banquetes magnéticos

No artigo em questão, conforme apresentado na Revista Espírita de junho de 1858, Kardec fala a respeito de um banquete anual, em Paris, em comemoração ao aniversário de nascimento de Mesmer.

Nesse banquete haviam dois tipos de “partidários”: aqueles que zombavam do Espiritismo, se esquecendo que a própria ciência que eles abraçavam – e destaco a palavra porque, de fato, era uma ciência estabelecida e reconhecida na época – havia, por sua vez, enfrentado o mesmo tipo de escolho que, naquela época, o Espiritismo também enfrentava e, de outro lado, aqueles que, mesmo que não professassem o Espiritismo, eram da opinião que deveria ser respeitado como uma ciência de sua importância.

O texto, em si, não vai muito além disso, em profundidade. Aproveitamo-lo apenas para destacar alguns pontos importantes:

 – O Magnetismo era uma ciência várias vezes citada por Kardec mas nunca aprofundada, pois, em seu contexto, estava plenamente estabelecida e compreendida. Jamais poderia ele imagina que ela viria a ser colocada no esquecimento, por um forte movimento materialista futuro.  

– Mesmer foi um cientista controverso por muito tempo. Por muitos, foi pintado como louco ou enganador. Atualmente, porém, está sendo resgatada sua verdadeira face: a de um sábio, bastante culto, que formulou a primeira teoria sobre o Fluido Cósmico Universal e sua influência na saúde humana.  

– “Através” de Mesmer, inúmeros pacientes se curaram das mais diversas moléstias, apenas pela vontade, num momento em que a medicina fazia sangrias e cirurgias a sangue-frio, procedimentos dos quais poucos sobreviviam.

– O Magnetismo e o Espiritismo são ciências irmãs. Uma sem a outra fica incompleta, manca.  

– Sugerimos a todos a leitura, apenas iniciada por nós, do livro “Mesmer: a ciência negada do magnetismo animal”, por Paulo Henrique de Figueiredo.




O Suicida da Samaritana

Nesse artigo, Kardec faz a evocação de um Espírito que havia cometido o suicídio do corpo apenas 6 dias antes. Conforme se pode verificar no texto original, esse homem não foi reconhecido por ninguém, tendo sido enterrado como indigente. É possível levantar várias considerações sobre esse artigo.

“O telefone só toca de lá pra cá”

A primeira dessas considerações, colocaríamos, é a respeito da própria evocação: numa época em que reina o mote “o telefone só toca de lá pra cá”, que tem um fundo de razão, mas que é repetido de forma irrefletida por tantos, nos deparamos com a base doutrinária do Espiritismo, erigida em grande parte sob evocações – ou seja, o telefone também toca daqui pra lá. Apenas que, como num telefone, quem vai atender e se vai atender é o problema da questão, sempre abordado por Kardec.

O sofrimento do suicida

É importante entender que o Espírito do suicida não sofrerá castigos divinos por um pecado cometido – não dessa forma. Qualquer Espírito sempre terá o perdão e novas chances, pois tudo parte da ignorância relativa a Espíritos em evolução.

Existem infinitas variantes entre cada caso, do que resulta que existem infinitos efeitos relacionados a cada caso, porque, essencialmente, tais efeitos estarão ligados à mentalidade geral do Espírito que comete o suicídio. Enquanto alguns se jogarão num verdadeiro inferno, por acreditarem terem cometido pecado, outros poderão até se verem aliviados, num primeiro momento – porque depois, quando realmente entender tudo, muito provavelmente lastimará a vida desperdiçada.

De qualquer forma, conforme atesta São Luis, compreendemos que o primeiro efeito para todo suicida – ou, pelo menos, para a maioria deles – haverá uma grande dificuldade para se desligar do corpo, dada a violência do ato, seu estado mental e o fato de o corpo ainda estar saturado de vitalidade. Isso, contudo, é apenas o que podemos afirmar de momento, com base no que entendemos do artigo, pois, realmente, é um assunto que requer desenvolvimento e maiores investigações.

Também é importante destacar que o Espírito não sofre nenhum tipo de dor física. É sempre sua moral, sua consciência, que externaliza e coloca em fatores externos a dor que está, na verdade, dentro de si mesmo. O suicida (como outros Espíritos), portanto, poderá afirmar sofrer de frio ou sede, quando, na verdade, ele está sofrendo moralmente, e não fisicamente. Na verdade, nós mesmos fazemos isso, com a diferença que, através dos processos psicossomáticos, podemos desenvolver danos ou doenças reais no corpo físico.

É por isso que, quando entramos em contato com qualquer Espírito em sofrimento, podemos e devemos travar conversação natural e sadia com ele, esclarecendo sobre tais pontos. É de enorme ajuda para eles entenderem que o sofrimento é moral, interno, e não externo e imposto.

O vale dos suicidas

De forma curta e grossa: não existe “o” vale dos suicidas, assim como não existe “o” inferno. É importante que o Espírita aprenda a tirar de seu imaginário esse tipo de conceito e, sobretudo, de espalhá-los para outro, pois bem sabemos que, como Espírito não muito esclarecido, nós buscamos ambientes e outros Espíritos que estejam de acordo com a nossa mentalidade que, aliás, plasmam em conjunto esses ambientes de sofrimento. Portanto, quando um Espírito sofredor fala que está “no” inferno, age como um encarnado que, numa situação muito difícil para ele, se expressa da mesma forma, com a diferença que o Espírito plasma, sozinho ou em conjunto, o seu próprio inferno.

Uma vez mais, é muito importante buscar esclarecer tais Espíritos, quando em contato com ele.

Sobretudo, é importante lembrar que não existe tão conexão fatídica entre um suicídio e o exílio do Espírito em um “vale”, como uma penalidade.

Os efeitos do suicídio sobre a encarnação seguinte

Há algo muito errado no meio espírita em geral, atualmente, e que não é doutrinário – na verdade, é algo antidoutrinário, nascido da falta de estudo da Doutrina: é fazer as deprimentes afirmações de que tal indivíduo nasceu sob tais provas ou deformações porque na vida anterior fez isto ou aquilo.

No caso em particular, sobre o suicídio, há uma terrível afirmação feita por aí: a de que o indivíduo que hoje tem problemas físicos assim o é porque estaria “resgatando” um suicídio cometido na vida anterior. Irmãos, essa afirmação é criminosa, porque:

  1. Afasta as pessoas que, sofrendo na pele ou tendo uma pessoa querida nessas situações, se sentem (com razão) ultrajadas por esse tipo de afirmação.
  2. É falaciosa, porque não se baseia na realidade: nós sabemos, sim, que para todo efeito existe uma causa, mas não nos cabe sondar as provas de cada um, tanto por imposição da caridade, que devemos praticar, quanto porque um Espírito pode escolher um corpo deformado não só como prova, a fim de tentar se livrar de uma imperfeição, mas também como missão frente a outros Espíritos ou também como oportunidade de aprendizado de outras virtudes que ainda sinta necessidade de exercitar. De qualquer forma, é sempre uma escolha consciente do Espírito, não o efeito de uma mecânica divina de pecado e castigo. Notemos, aliás, que em todas as comunicações espirituais estudadas até agora, eles sempre asseveram, mesmo para o caso do louco monomaníaco, que a prova é o resultado de uma escolha prévia e pessoal.

O suicídio não se combate pelo medo

Lembramos, enfim, que o suicídio jamais será combatido pela imposição do medo de um sofrimento, mas, sim, através do esclarecimento. Apresentemos a tais indivíduos a essência do Espiritismo. Tentemos levá-los ao seguinte raciocínio:

Dores e alegrias são passageiras, relativas à vida encarnada. A felicidade, que é o que realmente buscamos, somente será atingida após deixarmos para trás nossas imperfeições – já que, por exemplo, alguém muito preocupado, ou muito ansioso, ou muito raivoso, ou muito ciumento, ou muito orgulhoso, ou muito sensual, etc, não consegue ser realmente feliz. Para tanto, no plano espiritual, ao ficarmos cientes de nossas imperfeições, planejamos vidas com oportunidades e com dificuldades, às vezes bastante pesadas, que, ao nosso julgamento, poderão nos ajudar a vencer tais imperfeições. Portanto, desistir de uma vida, com a extinção da própria vida corpórea, não resultará em nenhum avanço, pois, não havendo aproveitado justamente a prova difícil para o aprendizado, não teremos nos aperfeiçoado e, portanto, precisaremos – por nossas próprias vontade e constatação – reiniciar uma nova vida, carregando um fardo talvez ainda maior, pela sensação de culpa causada pela desistência e, quem sabe, pelos efeitos funestos que tal ato pode causar nos Espíritos encarnados que nos cercam.

Ninguém está dizendo que é fácil. Cada um sabe onde o calo aperta e, quando aperta, dói bastante. Mas precisamos aprender a separar dores físicas de dores morais, nos colocando, ante a nós mesmos e ante ao Criador, desnudos de qualquer máscara de egoísmo ou vaidade e de todas as imperfeições que destas nascem. Precisamos buscar, em cada dura prova, como também nas fartas oportunidades que nos são apresentadas, as necessidades profundas que temos de aprendizado e, não esquecendo que jamais estamos sozinhos, confiar nos bons Espíritos, que não nos abandonam, para atravessar tais momentos difíceis.

Aqui, aliás, surge um último pensamento, sustentado pelo Espiritismo: Deus não nos dá um fardo maior do que aquele que podemos carregar. Na maioria das vezes, a vida nos apresenta oportunidades que nos permitiriam aprender de forma muito mais “leve”, mas nós, quase sempre, movidos pelo orgulho, tentamos vestir uma máscara nos nos confunda de nós mesmos e, assim, escolhemos deixar de lado o caminho reto, a fim de nos enveredarmos pelos caminhos sinuosos e tortuosos das paixões (não falando aqui em amor, mas no sentimento profundo provocado pelas sensações). É assim, por exemplo, que muitos escolhem deixar de lado o estudo do Espiritismo, que tanto pode alavancar nossa evolução, para viver a vida na preguiça.

Portanto, aproveitemos as oportunidades que a vida nos oferece para nossos aprendizado e evolução. Algumas vezes, elas são espinhosas, escolhidas por nós mesmos; de outras, são campos de relva suave e macia, cheia de ensinamentos dados pelo amor. Cabe a nós reconhecê-los.

NOTA: Esta evocação está no livro O Céu e Inferno de Allan Kardec, primeiro relato do capítulo V – Suicidas , da Segunda Parte. Vale a leitura do capítulo V inteiro com vários relatos de evocações de suicidas com muitas considerações do autor.