O tapa de Will Smith: reflexões

Para quem não viu, ontem, na noite da premiação do Óscar 2022, Will Smith, ao subir ao palco, deu uma grande bofetada no rosto do apresentador, Chris Rock. Acontece que, pouco antes, este havia feito uma piada, associando a esposa de Will, que sofre de perca de cabelos por conta de uma doença, com a protagonista de um filme antigo, onde a protagonista tem os cabelos raspados.

Will se levantou, foi em direção a Chris, se “armou”, como podemos ver no comportamento físico e lhe desferiu um grande tapa no rosto. Não, não parece ter se tratado de encenação, como podemos ver no vídeo ao lado e, mesmo que fosse, a reflexão permaneceria, como poderíamos fazer a respeito de um filme.

E o que é que isso tem a ver com nosso assunto, aqui? Bem, na verdade, muito, assim como acontece com muitos dos acontecimentos cotidianos. Vejamos:

Em primeiro lugar, podemos justificar a ação de Will?

Bem, não estamos aqui para julgar ninguém, mas apenas para analisar ações que possam nos dar balisa para reflexões oportunas. Podemos, à primeira vista, colocar em cena a questão da defesa: Will estaria apenas defendendo a imagem e a honra de sua esposa, o que justificaria o ato.

Fosse há pouco mais de um século, o caso daria um belo duelo: haveria um desafio de onde, provavelmente, apenas um deles sairia vivo. Aliás, o “tapa na cara” vem justamente desse hábito passado: o desafiador, atingido em sua honra, com a mão ou com uma luva, batia no rosto do ofensor, desafiando-o para um duelo de armas.

757. Pode-se considerar o duelo como um caso de legítima defesa?

“Não; é um assassínio e um costume absurdo, digno dos bárbaros. Com uma civilização mais adiantada e mais moral, o homem compreenderá que o duelo é tão ridículo quanto os combates que outrora se consideravam como o juízo de Deus.”

O Livro dos Espíritos

Duelar, seja como for, é algo que torna o homem ridículo. Desperdiçam-se vidas e desenrolam-se sofrimentos em matéria de disputas banais que tem, aliás, quase sempre, a honra como ponto central da contenda.

759. Que valor tem o que se chama ponto de honra, em matéria de duelo?

“Orgulho e vaidade: dupla chaga da humanidade.”

Os dois trechos acima foram extraídos de O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec. Claro, não estamos aqui falando de um duelo até a morte — coisa que, de formas diferentes, ainda acontece — mas podemos recorrer ao Livro dos Espíritos, em matéria da opinião concordante dos Espíritos a esse respeito. Se você não sabe do que se trata o Espiritismo, que é uma ciência cuja teoria nasceu da observação racional e metodológica das manifestações e das comunicações espirituais, clique aqui para acessar uma dissertação de mestrado sobre o assunto.

Lembrando: não estamos aqui tomando essa obra como um código sagrado, mas, sim, trazendo-a para dar suporte, através da Doutrina dos Espíritos, à nossa reflexão. E vemos, afinal, aquilo que racionalmente se torna escancarado aos nossos olhos, mas que raramente queremos admitir: por trás de tudo está o orgulho ferido e a vaidade ameaçada. Afinal, no caso em questão, a resposta poderia ter sido superior: Will poderia ter aproveitado o ensejo para dar diversas lições morais sobre as questões ali envolvidas. Mas existem mais dos aspectos encerrados na questão; vamos a eles:

As paixões

No passado, lá no século XIX, era muito comum e claro o uso do termo paixão para designar o forte apego humano a um objeto, tema, pessoa ou sentimento. Assim, um homem apaixonado, naquela época, seria um homem desvairado no apego a determinada questão.

Hoje, é mais comum estar a palavra emoção associada a esse contexto. Contudo, entendendo o significado da primeira, julgo que a segunda não representa tão bem o grau elevado de apego, quanto a primeira. Por exemplo: um homem pode estar sentindo a emoção da raiva, mas essa emoção pode estar em diversos graus, sendo que, em até certo limite, essa emoção, que emana do instinto, é útil e benéfica (e.g.: quando sentimos raiva ao tentar abrir uma tampa rosqueada que não se solta: a raiva nos dá ainda mais força para abri-la, porém, se incontida, muitas vezes nos machuca no processo). Por outro lado, ao dizer que o homem está vivenciando a paixão da raiva, entende-se muito bem que ele esta num grau de apego muito elevado a essa emoção que, apesar de emanar do instinto, que é sempre útil e equilibrado, chegou num estado de loucura e incontenção.

E, então, segue, na mesma sequência, um complemento de Kardec à pergunta anterior, em OLE:

[759] a) — Mas não há casos em que a honra se acha verdadeiramente empenhada e em que uma recusa seria covardia?

“Isso depende dos usos e costumes. Cada país e cada século tem a esse respeito um modo de ver diferente. Quando os homens forem melhores e estiverem mais adiantados em moral, compreenderão que o verdadeiro ponto de honra está acima das paixões terrenas e que não é matando, nem se deixando matar, que repararão agravos.”

É “bonito” ver que os próprios Espíritos, quando superiores, não nos julgam com desprezo. Eles denotam, sempre, que tudo está de acordo com a nossa evolução, isto é, com o nosso tempo e os costumes de cada povo. Um exemplo simples: antigamente, os samurais japoneses tiravam a própria vida, com uma adaga, ao se reconhecerem culpados e sem honra.

Mas o ponto principal está no final do parágrafo: “o verdadeiro ponto de honra está acima das paixões terrenas e que não é matando, nem se deixando matar, que repararão agravos”. É em superando as paixões que encontraremos o verdadeiro ponto de honra, o verdadeiro sentimento, a verdadeira caridade. É através dessa superação que avançaremos para um novo estágio de sociedade, mas isso somente se faz pela vontade e pela escolha individual. Como, então, chegar a esse novo estado das coisas terrenas?

Kardec, em A Gênese (capítulo III), conclui: “Aquele que não domina as suas paixões pode ser muito inteligente, porém, ao mesmo tempo, muito mau. O instinto se aniquila por si mesmo; as paixões somente pelo esforço da vontade podem domar-se.“. Contudo, esse capítulo termina aqui, na 5a edição dessa obra, que, hoje sabemos, tem fortes indícios de ter sido adulterada. Tomando a 4a edição, temos o seguinte encerramento:

Todos os homens passam pelas paixões. Os que as superaram, e não são, por natureza, orgulhosos, ambiciosos, egoístas, rancorosos, vingativos, cruéis, coléricos, sensuais, e fazem o bem sem esforços, sem premeditação e, por assim dizer, involuntariamente, é porque progrediram na sequência de suas existências anteriores, tendo se livrado desse incômodo peso. É injusto dizer que eles têm menos mérito quando fazem o bem, em comparação com os que lutam contra suas tendências. Acontece que eles já alcançaram a vitória, enquanto os outros ainda não. Mas, quando alcançarem, serão como os outros. Farão o bem sem pensar nele, como crianças que leem correntemente sem ter necessidade de soletrar. É como se fossem dois doentes: um curado e cheio de força enquanto o outro está ainda em convalescença e hesita caminhar; ou como dois corredores, um dos quais está mais próximo da chegada que o outro.

Muito importante esse encerramento original. Vai justamente mostrar o ponto central: domamos as paixões através de nossa vontade, no esforço realizado através de muitas encarnações, frente às provas e as expiações.

Portanto, aqui, tomando o caso de Will como exemplo, poderíamos dizer: foi um ímpeto de paixões que o levou a agir daquela forma. Provavelmente, agora se arrependa, em alguma parte, pelo que fez. E se tivesse uma arma e, num ímpeto, houvesse tomado a vida de Chris Rock? Bem, talvez, em algum momento, passasse a sentir uma culpa enorme. Essa culpa poderia lhe travar a jornada, por se achar sob um peso enorme do remorso e, principalmente, se acreditar que pecou e merece castigo. Como retomar a caminhada? Entendendo, afinal, que cometeu um erro, justamente por não saber lidar com as paixões. Perguntamos, enfim: que importa mais: castigar-se ou procurar formas de exercitar o aprendizado da contenção dessas paixões? Já que o segundo caso permite aprendizado e evolução, enquanto o primeiro paralisa, ficamos com a segunda opção. Há, então, uma última reflexão:

Quem foi que motivou todo esse desentendimento?

Bem, sabemos, pelo estudo do Espiritismo, que estamos o tempo todo cercados por uma “nuvem de testemunhas”, como diria Kardec. Espíritos estão o tempo todo por toda parte e, por ser um planeta ainda muito atrasado, é natural supor que existam em maioria os Espíritos imperfeitos.

Na Revista Espírita de Outubro de 1858, no artigo “O mal do medo”, Kardec cita um ensinamento de São Luís:

Os Espíritos malévolos gostam de se divertir. Cuidado com eles! Aquele que julga dizer uma frase agradável às pessoas que o cercam e que diverte uma sociedade com piadas e atos, por vezes se engana, e mesmo muitas vezes, quando pensa que tudo isso vem de si próprio. Os Espíritos levianos que o cercam, com ele de tal modo se identificam, que pouco a pouco o enganam a respeito de seus pensamentos, enganando também àqueles que o ouvem. Nesse caso, pensais estar tratando com um homem de espírito, que no entanto não passa de um ignorante. Pensai bem, e compreendereis o que eu vos digo.

Não que estejamos, aqui, afirmando que o apresentador seja um ignorante em qualquer aspecto. Apenas destacamos o trecho pois, muitas vezes, entre gracejos que alegram o público, somos alimentados mentalmente por Espíritos que visam nada mais que se divertir. Quando não estamos atentos a isso e não nos vigiamos, podemos levar muito longe essa identificação, até que, à custa de nossa infelicidade, caímos em ciladas como estas. Ora, seria demais supor que, fôssemos videntes, veríamos uma multidão de Espíritos inferiores, ao lado do ator, se matando de rir após ver a bofetada provocada pela péssima sugestão que possam ter dado, mentalmente, ao apresentador?

E isso tira a responsabilidade desse apresentador? Muito longe disso. Se vamos a um bar e cedemos às más sugestões de “amigos” levianos que nos incitem a uma briga, a culpa é deles ou é nossa? Cremos já estar bem respondida a questão.

É assim, enfim, que tiramos, da teoria espírita, lições diversas para o dia-a-dia, como, aliás, Kardec frequentemente fazia na Revista Espírita. Rogamos que essa teoria possa se espalhar mais e mais, a fim de influenciar positivamente a sociedade que, talvez mais do que nunca, procura tantas respostas para as questões morais e sociais da humanidade.

https://youtube.com/watch?v=u8NtoM5IiCk



Efeitos do suicídio, segundo o Espiritismo

Muito temos falado sobre o suicídio segundo o Espiritismo e, talvez, nem sempre nossas posições tenham sido absolutamente claras e concisas. Em razão disso, cremos necessário realizar nova abordagem, de forma sucinta e clara.

por Paulo Degering R. Jr.

Leia até o fim

O suicida, desde que tenha consciência do que faz, terá algum sofrimento moral ao constatar a perda de tempo que foi interromper a própria vida. Disse “desde que tenha consciência do que faz” porque, algumas vezes, não há essa consciência. Outrossim, quase sempre terá uma dificuldade maior de se desprender do corpo, que, longe de estar enfraquecido, encontrava-se na plenitude de suas forças.

Kardec assim se expressou, em O Livro dos Espíritos:

Não é geral este efeito; mas, em caso algum, o suicida fica isento das consequências da sua falta de coragem e, cedo ou tarde, expia, de um modo ou de outro, a culpa em que incorreu. Assim é que certos Espíritos, que foram muito desgraçados na Terra, disseram ter-se suicidado na existência precedente e submetido voluntariamente a novas provas, para tentarem suportá-las com mais resignação.

Note a palavra destacada: voluntariamente. O suicida pode, em uma nova encarnação, escolher provas rudes a fim de tentar vencê-las, aprendendo a suportar as vicissitudes com maior resignação.

Mas aí vão te dizer: leia o livro “Memórias de um suicida”

O livro “Memórias de um suicida”

Nesse livro, de forma muito resumida, um Espírito fala de seus extremos padecimentos após a morte. Foi nele que foi criada a imagem do “vale dos suicidas”, algo como um “local” onde os Espíritos suicidas ficariam “purgando” suas faltas.

Acontece que Espíritos não buscam locais. Espíritos buscam Espíritos ou situações, de acordo com suas crenças e suas ideias — conscientemente ou não. Os Espíritos — todos eles — se atraem por afinidade e por sentimentos, como, por exemplo, pelo amor ou pelo ódio, mas também pela mesma sintonia de pensamentos. Espíritos que se julguem culpados, muitas vezes, se jogam num verdadeiro inferno mental, numa situação que é muitas vezes partilhada por outros Espíritos em situação semelhante, que, então, juntos, podem formar verdadeiras paisagens de sofrimento, através da ação mental sobre a matéria fluídica.

Então Yvonne do Amaral Pereira errou ou mentiu?

Não necessariamente. Em se tratando de Espíritos, sabemos que são como nós — com as mesmas virtudes e imperfeições. Assim, podem falar com sabedoria real, ou com falsas ideias, nas quais acreditam. Muitas vezes podem até mesmo enganar. Não sabemos quem foi esse Espírito que psicografou através de Yvonne. Provavelmente era um Espírito sofredor, com as ideias bastante limitadas sobre o mundo espiritual. O que sabemos é que, sem sombra de dúvidas, não podemos desrespeitar o princípio básico da ciência espírita: o da concordância universal do ensinamento dos Espíritos. Diria Kardec, em A Gênese, logo nas primeiras linhas:

Generalidade e concordância no ensino, esse o caráter essencial da doutrina, a condição mesma da sua existência, donde resulta que todo princípio que ainda não haja recebido a consagração do controle da generalidade não pode ser considerado parte integrante dessa mesma doutrina. Será uma simples opinião isolada, da qual não pode o Espiritismo assumir a responsabilidade.

Essa coletividade concordante da opinião dos Espíritos, passada, ao demais, pelo critério da lógica, é que constitui a força da doutrina espírita e lhe assegura a perpetuidade.

Os problemas dos falsos conceitos no Movimento Espírita

No meio espírita é lugar-comum, hoje em dia, ouvir afirmações do tipo “o suicida vai para o vale dos suicidas”, ou “o suicida encontrará enorme sofrimento, pois ficará preso ao corpo e sentirá os vermes o roendo” ou, ainda, “o suicida, na próxima encarnação, virá com um corpo defeituoso, para ‘resgatar’ suas faltas”. Nada disso reflete a realidade do suicídio segundo o Espiritismo, de forma genérica.

O movimento espírita atual passou a adotar diversos falsos conceitos e meias verdades, obtidas através de relatos individuais e isolados de alguns Espíritos, como se fosse a verdade inquestionável sobre todas as situações. Diria uma colega nossa: os espíritas modernos passaram a colocar todo um universo de possibilidades variáveis em “caixinhas”. Por exemplo: se matou? Vai para a “caixinha” do vale dos suicidas. Queimou uma pessoa? Vai para a “caixinha” de “morte em incêndio na próxima vida”. Tudo isso, como regra geral, não é uma verdade.

Infelizmente, muitos de nós — eu inclusive — por falta de estudos prévios e, muitas vezes, de bom grado, querendo auxiliar, soltamos essas frases que, muitas vezes, causam revolta e afastamento das pessoas que vem buscar, justamente no Espiritismo, uma resposta diferente daquilo que tanto se diz por aí.

Acontece que, no último ano, após o início dos nossos estudos sobre a Revista Espírita, muitos conceitos se aclararam, outros foram substituídos e outros tantos foram esquecidos. Kardec, já nas primeiras edições da RE, em 1858, faz evocações de pelo menos três espíritos suicidas, analisando seus casos individuais. Outros que foram feitos em outras ocasiões constam também em números posteriores, bem como no livro O Céu e o Inferno (da Editora FEAL, correspondente ao original, não adulterado). E, analisando essas comunicações, fica uma lição muito grande, que tentaremos explicar objetivamente a seguir.

Importa, antes, lembrar que o Espiritismo, como Doutrina Científica, não vem frear o homem pela imposição do medo, pois o freio das paixões por esse tipo de dispositivo é apenas temporário e sem grandes resultados. Não: o Espiritismo vem apresentar a verdade baseada na análise dos fatos, através do estudo racional e concordante das comunicações dos Espíritos dadas por todas as partes e por todos os tempos. Ao estudar o Espiritismo, não é mais pelo medo que somos guiados, mas pela razão, e é apenas quando o Espírito entra no estado da razão que ele realmente toma decisões melhores e mais claras.

Pois, bem: quanto ao assunto do suicídio, repetimos que, pautados nesses estudos, os resultados inicialmente destacados não podem ser tomados como regra geral. Sim, existem Espíritos em enorme perturbação que acreditam estar sendo roídos pelos vermes, pois sua mente ficou parada sobre a visão do corpo dilacerado. Existem também aqueles que se veem em locais infernais, por acreditarem que assim devem ser e por se lançarem em situações mentais infernais, onde, sozinhos ou em grupo, criam verdadeiros cenários diabólicos ou purgatoriais. Além destes, existem aqueles que acreditam piamente que a morte é o encerrar da vida e, então, entram em sono mais ou menos prolongado, como também existem aqueles raros que, depois do ato fatídico, momentaneamente se veem libertos da dor física, crendo-se, então, livres da dor moral, que ainda não sabem distinguir da primeira.

Portanto, a situação de cada um, após a morte por suicídio, vai variar muito, de caso a caso e conforme o — grau de consciência sobre aquilo que fazem. É por isso que um Espírito que tira a vida num ímpeto de desespero quase sempre tem um grau de culpa — perante a própria consciência — muito menor do que aquele que, conhecendo o Espiritismo e a doutrina da escolha das provas e expiações, após tirar a vida do próprio corpo, cai em profunda sensação de culpa e em pesadas lamentações, pois se arrepende de ter desistido das provas oportunas para seu próprio adiantamento. Além disso, importa dizer que, quase sempre, esses atos causam dor naqueles que nos amam, o que aumenta a amargura do Espírito ao avaliar a extensão dos resultados de seu ato.

O que buscamos dizer, afinal, é que o Espírito não sofre materialmente, de forma alguma. Pode acreditar que sofre e, mentalmente, criar uma falsa sensação de dor física, mas, na verdade, o sofrimento é moral e condizente com o grau de consciência e de culpa que tem, perante a si próprio, quanto ao mal realizado contra si próprio. Diríamos que, sendo o suicídio o abandono das provas escolhidas por si próprio, quase sempre acompanhará um sofrimento moral menor ou maior, mas nunca representará um termo nas oportunidades concedidas por Deus para nossa evolução, nem tampouco ocasionará, via-de-regra, um sofrimento expiatório na próxima encarnação. Uma vez mais, depende da mentalidade, das crenças e do conhecimento de cada um.

Mas, afinal, adianta se matar?

Sabemos que, quase sempre, o suicídio é uma tentativa de fuga para uma dor ou desespero com os quais não se sabe lidar. Veja, porém: o fato de aquela situação estar acontecendo é justamente uma oportunidade importante de aprendizado, de modo a lidar com essas situações. Se não sabemos lidar, é porque ainda temos imperfeições adquiridas ou paixões, isto é, emoções com as quais ainda não sabemos completamente lidar. Chegar ao ato extremo de tirar a vida do corpo apenas prolongará esse estado de ignorância ou de imperfeição, com um consequente sofrimento moral, já que não vencemos a prova, isto é, não adquirimos experiência e força para superá-la.

Onde, então, encontrar forças? Ora, estamos encarnados por um motivo: para aprender e para desapegar de possíveis imperfeições criadas por nós mesmos. No mundo dos Espíritos — o Espaço — o tempo não existe, de modo que o Espírito que tenha desenvolvido imperfeições fica incessantemente ocupado delas, seja em uma ilusão de prazeres, seja em uma autoperseguição causada por remorso. Assim, se tivermos desenvolvido uma imperfeição qualquer, essa imperfeição será, para nós, motivo de inquietações que parecem intermináveis — eis a explicação do porquê certos Espíritos, em estado de sofrimento, dizerem que tal situação lhes parece não ter fim.

Bem, dizia eu do motivo da encarnação, que, longe da falsa ideia de ser um castigo, é, pelo contrário, uma bênção divina, pois oferece oportunidade de aprendizado comum e de desapego às imperfeições adquiridas. Aqui, é possível nos colocar em contato com pessoas de todo tipo, exercitar diversas atividades, etc., tudo o que nos leva a sair, ou, pelo menos, quebrar o ciclo, dessas situações de sofrimento moral. Qual é, porém, o primeiro e maior erro que aquele que sofre moralmente costuma fazer — induzido também por Espíritos imperfeitos? Isolar-se. Aí está o primeiro passo para a queda, pois o isolamento causará justamente esse cenário de autoperseguição interminável. Não cometa esse erro, e busque ajudar quem o cometa, se possível traçando o raciocínio acima.

Ante uma prova difícil, quem disse que precisamos atravessá-la sozinha? Muitas vezes, esse pensamento de enfrentamento solitário é também originado de falsas ideias ou mesmo de um certo orgulho, que se transforma numa carapaça, por medo de se expor. Decerto não sairemos à rua contando de nossas dificuldades para qualquer um que passe, mas, com certeza, havendo o propósito de buscar auxílio, você o encontrará, talvez não no primeiro psicólogo, talvez não no primeiro amigo, talvez não no primeiro grupo de atividades qualquer, mas você o encontrará, porque você não está sozinho: ao seu lado, te conduzindo para o bem, existe um bom Espírito, mais elevado que você — seu anjo da guarda ou Espírito protetor. O importante é não se isolar, nem se isolar em si mesmo. Busque. Busque um grupo de atividades de caridade, busque um grupo de caminhada matinal, busque, sobretudo, ser útil, e isso te fará gravitar para situações e pessoas que poderão, lenta e progressivamente, auxiliar na sua construção.

Cabe a cada um de nós a vontade por se modificar ou não, por aprender ou não, mas esse trabalho é muito favorecido pelo desenvolvimento da razão — eis o motivo de tanto defendermos o estudo do Espiritismo. Através de nossa modificação, nos tornaremos mais fortes e avançaremos vários degraus em uma só vida e, quem sabe, amanhã não necessitemos de voltar para este mesmo gênero de situação dolorida, talvez conquistado a felicidade de poder viver em mundos melhores ou que, se aqui reencarnarmos, estejamos muito mais fortalecidos e preparados.

Não estou, aqui, falando da boca para fora: falo daquilo que eu mesmo vivi e aprendi. Passei por uma inquietação do tipo, passei pelo isolamento, passei pela autoperseguição. Me permiti, porém, ser influenciado por bons Espíritos, e isso me moveu a várias situações que, lenta e progressivamente, me trouxeram até aqui. Uma dessas situações foi muito interessante: resolvi visitar um asilo próximo de minha casa, onde tive contato com vários idosos que muito me ensinaram sobre a perseverança; fui acolhido com muito carinho por um grupo católico de orações, cuja dirigente era médium e, provavelmente, não sabia; mas o mais interessante, é que, na prateleira dessa instituição, onde havia o predomínio do catolicismo, estavam, na estante da sala comum, dispostos alguns exemplares da Revista Espírita, que eu cheguei a pegar em mãos, cheguei a folhear, por cima, mas acabei não lendo naquele momento. Somente vim conhecer a Revista cerca de um ano depois. Avalie por si mesmo os caminhos pelos quais os bons Espíritos nos conduzem, nos deixando a liberdade de seguir adiante ou não, abrir a porta ou mantê-la fechada.

Lembre-se, afinal: ninguém pode nos fazer o mal, senão nós mesmos. Interromper a própria vida é perda de tempo, que gera culpa e remorso e não interrompe o sofrimento moral causado pelas imperfeições que ainda possam existir em nós((Lembrando que ignorância e imperfeição são coisas diferentes. A imperfeição é adquirida pelo hábito em repetir um erro; já a ignorância pode conduzir ao erro, mas, desde que o superemos, é apenas um erro)).

E se alguém próximo a você está pensando em se matar, leve a ele esse tipo de pensamento. Se alguém já tirou a própria vida, nas suas preces por essa pessoa, converse com esse Espírito, de modo que ele possa deixar a sensação de impotência ante a culpa, se levantar e retomar o caminho evolutivo.

Estudemos, justamente, a fim de tirar, da cabeça das pessoas e do movimento Espírita, as falsas ideias que mais atrapalham do que ajudam. Um Espírito que não quer sair de dentro do caixão, o faz porque acredita que somente o próprio Jesus virá pegá-lo pela mão, no dia do juízo final. Não façamos como esses aprisionadores de consciências, não criemos falsas concepções no pensamento das pessoas. A matéria e as sensações, depois da morte, não são nada. Tudo o que importa é o pensamento, a vontade e a razão. E, por fim, não tomemos a opinião de Espíritos isolados como se fossem a pura verdade — independentemente do médium que a tenha possibilitado.

Recomendamos os vídeos seguintes:




Espiritismo e o mundo de regeneração: como chegaremos a ele?

Hoje estive “filosofando” sobre esse assunto, e cheguei nas seguintes ideias que, destaco, são baseadas na minha forma de ver o tema e no conhecimento que tenho do Espiritismo – o que pode não refletir a mais completa realidade. A seguir, estão expostas as minhas considerações:

Reflitamos: a modificação não vem de cima para baixo, como imposição, mas de baixo para cima, do indivíduo para a sociedade, como escolha. Portanto, o planeta não será transformando senão pela mudança dos seus habitantes. E quando falamos em regeneração, o que é um Espírito que se regenera, deixando de passar por provas e expiações? No meu entendimento, é o Espírito que passa a olhar para dentro de si mesmo, deixando de planejar vidas que visem apenas trazer “sofrimentos reparadores”, para planejar vidas que lhes dêem mais oportunidades de aprendizado para abafar suas imperfeições. E de que forma isso se dá? Apenas pela vontade, alimentada pela razão. Portanto, como entendo, é justamente o conhecimento reforçado pelo Espiritismo que vai nos possibilitar conquistar um novo “ambiente” terrestre.

Enquanto os Espíritos continuarem agrilhoados às velhas concepções aprisionantes da consciência, continuarão errando e, por uma errada concepção de pecado e castigo, continuarão buscando expiar os erros, através do sofrimento material, apenas, aplicando muitas vezes a si mesmo a “lei de Talião” – olho por olho, dente por dente. Contudo, à medida que entendam que o que realmente precisam é se fortalecerem pelo aprendizado e pela razão, em contato com conhecimentos valorosos, para assim lidarem com suas imperfeições, passarão a planejar, ao meu ver, com mais sabedoria suas vidas.

Afinal, o que é que causa mais sofrimento: uma dor física, que termina com a morte, ou uma dor moral, que se estende enquanto o fator que a originou não for resolvido? Não é como agimos aqui? Quando cometemos um erro, muitas vezes queremos ser castigados a fim de aliviar nossa consciência, de forma a querer deixar de lado o verdadeiro problema, que é nossa imperfeição e o sofrimento moral que dela se origina, pelos erros. O indivíduo mais maduro, porém, sabe que o castigo não resolve, e busca encarar de frente seus próprios problemas, que o fizeram errar.

Por exemplo: naquele caso do Assassino Lemaire (RE – Março de 1858) ele sabia que tinha que lidar com suas imperfeições. De que forma pensou em fazer isso? Planejou nascer em meio ao crime, mas malogrou em sua tentativa, pois o ambiente foi mais forte que ele, que ainda não tinha a vontade e a razão muito fortalecidas. Ao falhar em sua tentativa, foi mais um a espalahar a criminalidade, aliando outros Espíritos às suas intenções. E se – e se! – ele, mais consciente, tivesse planejado uma vida diferente? E se, em vez de se colocar sob o ambiente do crime, para lutar com suas paixões, ele tivesse escolhido uma família firme e bondosa, que lhe desse uma educação melhor e lhe colocasse em contato com conteúdos que pudessem lhe ajudar a reforçar a vontade de vencer suas imperfeições, através da razão? Talvez ele tivesse conseguido vencer muitas de suas imperfeições, além de não ser mais um a avolumar a criminalidade.

Não seria isso, como um entendimento geral, gerando decisões melhores, ótimo para o planeta? Não causaria uma enorme mudança à sociedade? Penso que sim. Mas isso requer, em primeiro plano, que o Espírito SE enfrente: que ele se coloque sob a ótica crítica e que enfrente seus próprios “demônios”. Ora, numa sociedade que insiste em acreditar, porque é mais fácil, na imposição de castigos divinos, vemos o quão longe ainda estamos dessa nova era neste planeta… O que não nos impede de, em nós, fazermos um esforço hercúleo para domar nossas paixões, desenvolver nossas virtudes e buscarmos nos elevarmos, no bem, a fim de que possamos conquistar a possibilidade de encarnar em mundos mais felizes.

Quem sabe….

Finalizo com Kardec, em A Gênese (4a edição, original – o trecho foi suprimido na 5a edição, que muitos dizem não ter sido adulterada):

Dizer que a humanidade está madura para a regeneração não significa que todos os indivíduos estejam no mesmo degrau, mas muitos têm, por intuição, o germe das ideias novas que as circunstâncias farão desabrochar. Então, eles se mostrarão mais avançados do que se possa supor e seguirão com empenho a iniciativa da maioria. Há, entretanto, os que são essencialmente refratários a essas ideias, mesmo entre os mais inteligentes, e que certamente não as aceitarão, pelo menos nesta existência; em alguns casos, de boa-fé, por convicção; outros por interesse. São aqueles cujos interesses materiais estão ligados à atual conjuntura e que não estão adiantados o suficiente para deles abrir mão, pois o bem geral importa menos que seu bem pessoal – ficam apreensivos ao menor movimento reformador. A verdade é para eles uma questão secundária, ou, melhor dizendo, a verdade para certas pessoas está inteiramente naquilo que não lhes causa nenhum transtorno. Todas as ideias progressivas são, de seu ponto de vista, ideias subversivas, e por isso dedicam a elas um ódio implacável e lhe fazem uma guerra obstinada. São inteligentes o suficiente para ver no Espiritismo um auxiliar das ideias progressistas e dos elementos da transformação que temem e, por não se sentirem à sua altura, eles se esforçam por destruí-lo. Caso o julgassem sem valor e sem importância, não se preocupariam com ele. Nós já o dissemos em outro lugar: “Quanto mais uma ideia é grandiosa, mais encontra adversários, e pode-se medir sua importância pela violência dos ataques dos quais seja objeto”.

Kardec, A Gênese, 4a Edição – FEAL




Contradições na linguagem dos Espíritos

Esse artigo tece um complemento importante ao artigo “Espíritos impostores – O falso padre Ambrósio”, de Julho de 1858, o qual nos serviu de base para o artigo chamado “O papel do pesquisador e do médium nas comunicações com os Espíritos“. Clique aqui para ler.

Nessa edição, Kardec inicia abordando o problema de certas contradições nas comunicações espíritas: “À primeira vista essas contradições parecem realmente uma das principais pedras de tropeço da Ciência Espírita

Lembrando que o Espiritismo é uma ciência, e não uma religião, por alguns fatores:

  • Ele é um desenvolvimento do Espiritualismo Racional[1]
  • Ele é, objetivamente, uma ciência positiva – expressão sempre usada por Kardec – no sentido de um conhecimento formado a partir dos métodos de observação e experimentação dos fatos.
  • Ele somente pode ser visto como religião do ponto de vista da religião natural, conforme abordada pelo ER, e o aspecto “moral” vem justamente sob essa mesma origem!

Kardec destaca que toda ciência, em seu início, tem suas contradições, que somente vão sumindo conforme essa ciência se desenvolve e se passa a entender aquilo que, antes, não se entendia.

“Aliás, os Espíritos sempre nos disseram que não nos inquietássemos com essas pequenas divergências e que em pouco tempo todos seriam levados à unidade de crença. Com efeito, esta predição se realiza diariamente, à medida que mais e mais penetramos nas causas desses fenômenos misteriosos e que os fatos são mais bem observados. Já as dissidências manifestadas na origem tendem evidentemente a um enfraquecimento. Pode-se mesmo dizer que atualmente não passam de opiniões pessoais isoladas[2].”

Embora o Espiritismo esteja na Natureza e tenha sido conhecido e praticado desde a mais alta Antiguidade, é um fato que em nenhuma outra época foi tão universalmente espalhado quanto em nossos dias.

[…]

Estava reservado ao nosso século, no qual o progresso recebe um impulso incessante, trazer à plena luz uma ciência que, por assim dizer, apenas existia em estado latente. Só há alguns anos é que os fenômenos foram observados seriamente[3]. Na verdade o Espiritismo é uma ciência nova, que se implanta pouco a pouco no espírito das massas, esperando ocupar uma posição oficial.
Em princípio esta ciência pareceu muito simples. Para as criaturas superficiais não passava da arte de mover as mesas. Uma observação mais atenta, entretanto, revelou que era, por suas ramificações e por suas consequências, muito mais complexa do que se imaginava. As mesas girantes são como a maçã de Newton, que na sua queda encerra o sistema do mundo
.

Kardec aponta que, para cada nova descoberta, múltiplas hipóteses surgem, não necessariamente erradas, pois cada um vê segundo suas concepções e seus conhecimentos e raciocínio. A unidade somente pode surgir, numa ciência, quando ela avança através do método científico: se uma hipótese se demonstrar incorreta, pela evidência, ela deve ser abandonada em favor da verdade

De que lado está a verdade?

É o que cabe ao futuro[4] demonstrar. Mas a tendência geral não poderia oscilar. Evidentemente, um princípio domina e reúne pouco a pouco os sistemas prematuros. Uma observação menos exclusiva unirá todos a uma origem comum e em breve veremos que em definitivo a divergência será mais acessória que fundamental.

As várias teorias espíritas têm, pois, duas fontes: umas nasceram do cérebro humano; outras foram dadas pelos Espíritos. As primeiras emanam de homens que, confiando demasiado nas próprias luzes, creem possuir a chave daquilo que buscam, quando o mais das vezes apenas encontraram uma gazua [chave falsa]. Isto nada tem de surpreendente, mas que, entre os Espíritos, uns dissessem uma coisa e outros dissessem outra, era menos concebível. No entanto, agora isto é perfeitamente explicável.

A princípio, fez-se uma ideia absolutamente falsa da natureza dos Espíritos. Eles foram imaginados como seres à parte, de natureza excepcional, nada possuindo em comum com a matéria e devendo saber tudo. […] À notícia das recentes manifestações, a primeira ideia que em geral veio à mente da maior parte das criaturas foi de que isto era um meio de penetrar todas as coisas ocultas; um novo modo de adivinhação menos sujeito à dúvida que os processos vulgares.

Lembrando que Kardec analisou com profundidade e atenção todas as manifestações e comunicações com as quais teve contato, de onde obteve a Escala Espírita, da qual um simples estudo que a muitos poderia salvar das dificuldades nas quais se metem.

Baseado no estudo feito com muita racionalidade e bom-senso a respeito das comunicações dos diferentes Espíritos, Kardec continua o longo artigo dando exemplos simples de como se expressam os Espíritos das diferentes ordens e classificações. Toda a contradição nasce da inobservância desse ponto fundamental, além da insistência em se obter respostas que não podem ser dadas, a cujas perguntas respondem os Espíritos inferiores, sem escrúpulos quaisquer.

Kardec dá o exemplo da possibilidade de “um dia” o homem chegar à Lua e, lá encontrar seus habitantes: como poderiam esses conhecerem a humanidade através do relato de alguns poucos.

As causas das contradições da linguagem dos Espíritos podem, pois, ser assim resumidas:

1º. ─ O grau de ignorância ou de saber dos Espíritos aos quais nos dirigimos;

2º. ─ O embuste dos Espíritos inferiores que podem, por malícia, ignorância ou malevolência, tomando um nome de empréstimo, dizer coisas contrárias às que alhures foram ditas pelo Espírito cujo nome usurparam;

3º. ─ As falhas pessoais do médium, que podem influir sobre as comunicações e alterar ou deformar o pensamento do Espírito;

4º. ─ A insistência por obter uma resposta que um Espírito se recusa a dar, e que é dada por um Espírito inferior;

5º. ─ A própria vontade do Espírito, que fala conforme o momento, o lugar e as pessoas e pode julgar conveniente nem tudo dizer a toda gente;

6º. ─ A insuficiência da linguagem humana para exprimir as coisas do mundo incorpóreo;

7º. ─ A interpretação que cada um pode dar a uma palavra ou a uma explicação, de acordo com as suas ideias, os seus preconceitos ou o ponto de vista sob o qual encara o assunto.

São muitas as dificuldades, das quais não se triunfa senão por um estudo longo e assíduo. Também nunca dissemos que a Ciência espírita é fácil. O observador sério, que tudo aprofunda maduramente, com paciência e perseverança, apreende uma porção de nuanças delicadas que escapam ao observador superficial. É por tais detalhes íntimos que ele se inicia nos segredos desta ciência. A experiência ensina a conhecer os Espíritos, como nos ensina a conhecer os homens.


1 – Desde 1832, na Universidade Sorbonne, Paris, a escola do espiritualismo racional se estabeleceu como filosofia oficial, estruturando as ciências humanas, que na França chamam de ciências morais. Morais porque o objeto de seu estudo são os fatos derivados da ação humana; ciências como historia, direito, filosofia, letras, entre outras. Diferindo das ciências naturais, que se dedicam aos fenômenos da natureza.

Entre as ciências morais, havia o grupo das ciências filosóficas, com a proposta de compreender o ser humano, por meio das seguintes disciplinas, divididas em duas classes: psicológicas (psicologia, lógica, moral, estética) e metafísicas (teodiceia, psicologia racional, cosmología racional). (FIGUEIREDO, 2019)

2 – O mesmo que acontece hoje em dia. Apenas pelo método científico honesto essas contradições, que se instalaram largamente no movimento espírita, poderão ser dissipadas

3 – A confiança dos pesquisadores do século XIX no poder da ciência para descrever a realidade propiciou a investigação, por intermédio da observação dos fenômenos mediúnicos, do espiritualismo moderno (o estudo das obras de Paulo Henrique de Figueiredo complementam largamente esse tema). Muitos estudiosos e livres- pensadores, com base na observação das mesas girantes, dançantes e falantes passaram a considerar a possibilidade de investigar cientificamente a sobrevivência post-mortem do ser humano (PIMENTEL, 2014 – clique para ler).

Kardec tem o primeiro contato com o Espiritismo em 1854, quando um amigo seu, o magnetizador Auguste Fortier relata que o “fluido magnético”, empregado por um magnetizador, agora estava fazendo as mesas se moverem. Kardec recebe a notícia com desinteresse, já que supunha que o fluido magnético ou elétrico poderia explicar o fenômeno.

Meses depois, o Sr. Fortier buscava-o novamente, para, desta vez, dizer que as mesas não apenas se moviam, mas respondiam de forma inteligente às perguntas dos assistentes. Kardec, cético, ainda via nisso um “conto para fazer-nos dormir em pé”.

Cerca de um ano depois, em 1855, outro amigo, Sr. Carlotti, fala pela primeira vez da intervenção dos Espíritos nas sessões. O depoimento entusiasmado desse amigo aumentou a desconfiança de Kardec. Foi depois de algum tempo, no mesmo ano, que o Sr. Pâtier, homem instruído, grave, calma e friamente convenceu Rivail a assistir uma sessão mediúnica.

“Utilizando de sua vasta erudição, como professor, escritor e membro de diversas sociedades científicas, ele realizou uma ampla abordagem da causa dos fenômenos psíquicos surgidos a partir das mesas girantes. Kardec propôs uma abordagem empírica e racional para o assunto, até então, considerado metafísico, na qual foram produzidas várias discussões pertinentes sobre aspectos epistemológicos e metodológicos de exploração dos fenômenos mediúnicos” (Ibidem)

4. Vejamos a humildade de Kardec, que nunca disse: “a verdade está comigo”.




Reencarnação compulsória

Assunto recorrente esse. Não basta muito esforço para encontrar tal afirmativa: um Espírito renitente, ou seja, que resiste a avançar, poderia ser “forçado” a uma reencarnação compulsória, compreendendo-se, nesse conceito, que os Espíritos superiores o forçariam a encarar provas e expiações “para seu próprio bem”.

Bem, meus irmãos, “calma lá”! É preciso ter muito cuidado com as afirmações que fazemos por aí, muitas vezes baseadas em conceitos que tem um fundo de verdade, mas que se tornam genericamente aplicados como “lei” — e aqui já abordamos diversos desses casos.

Primeiramente, precisamos recuperar o que aprendemos com o estudo do Espiritismo — aquela ciência que muitos resistem em estudar e que formou, através dos estudos de Kardec, a Doutrina Espírita ou Espiritismo: em primeiro lugar, o Espiritismo tem como fundamento a doutrina da escolha das provas, isto é, afirma que, desde que tenhamos capacidade, nós sempre escolhemos nossas provas e nossas expiações. Não custa lembrar: prova é uma oportunidade de enfrentar uma situação, para aprender com essa situação e vencer uma imperfeição; já a expiação acontece quando o Espírito se impõe um sofrimento qualquer a fim de enfrentar, na própria pele, um mal que impôs a outrem.

Dissemos: “se impõe”, porque ninguém, nem nenhum Espírito, nem mesmo Deus, impõem castigos a ninguém. Quando, no contexto de Kardec, se diz “Deus quis”, “Deus permitiu”, “Deus puniu”, quer dizer que tudo isso se dá como efeito da Criação. Ora, como somos suas criaturas, seres inteligentes e capazes do livre-arbítrio, quando nos impomos uma provação qualquer significa que, indiretamente, Deus o permite, assim como permite que o mal – ou, antes, a ausência do bem – exista.

Bem, apresentamos o conceito de provas e expiações, que visam trazer um aprendizado ao Espírito. Contudo, sabemos que apenas aprendemos algo quando entendemos realmente que erramos, o que nos traz a culpa, o remorso e a vontade de reparar – o que pode se dar ou não com as vítimas de nossos erros. Também relembramos que a escolha das provas e expiações é um princípio primordial, conforme ensinado pelos Espíritos. Aliás, isso está exposto claramente em O Livro dos Espíritos:

258. Quando na erraticidade, antes de começar nova existência corporal, tem o Espírito consciência e previsão do que lhe sucederá no curso da vida terrena?

“Ele próprio escolhe o gênero de provas por que há de passar, e nisso consiste o seu livre-arbítrio.”

a) – Não é Deus, então, que lhe impõe as tribulações da vida, como castigo?

“Nada ocorre sem a permissão de Deus, porquanto foi Deus que estabeleceu todas as leis que regem o universo. Ide agora perguntar por que decretou ele esta lei e não aquela! Dando ao Espírito a liberdade de escolher, Deus lhe deixa a inteira responsabilidade de seus atos e das consequências que estes tiverem. Nada lhe estorva o futuro; abertos se lhe acham, assim, o caminho do bem, como o do mal. Se vier a sucumbir, restar-lhe-á a consolação de que nem tudo se lhe acabou, e que a bondade divina lhe concede a liberdade de recomeçar o que foi mal feito. Ademais, cumpre se distinga o que é obra da vontade de Deus do que o é da do homem. Se um perigo vos ameaça, não fostes vós quem o criou e sim Deus. Vosso, porém, foi o desejo de a ele vos expordes, por haverdes visto nisso um meio de progredirdes, e Deus o permitiu.”

Onde fica, então, a tal da “reencarnação forçada”?

Vamos ver, na questão 262, o que segue:

262. Como pode o Espírito, que, em sua origem, é simples, ignorante e carecido de experiência, escolher uma existência com conhecimento de causa e ser responsável por essa escolha?

“Deus lhe supre a inexperiência, traçando-lhe o caminho que deve seguir, como fazeis com a criancinha. Pouco a pouco, porém, à medida que o seu livre-arbítrio se desenvolve, deixa-o senhor de proceder à escolha, e só então é que muitas vezes lhe acontece extraviar-se, tomando o mau caminho, por desatender os conselhos dos Espíritos bons. A isso é que se pode chamar a queda do homem.”

a) – Quando o Espírito goza do livre-arbítrio, a escolha da existência corporal dependerá sempre exclusivamente de sua vontade, ou essa existência lhe pode ser imposta ((Reencarnação compulsória)), como expiação, pela vontade de Deus?

“Deus sabe esperar, não apressa a expiação. Todavia, pode impor certa existência a um Espírito, quando este, pela sua inferioridade ou má vontade, não se mostra apto a compreender o que lhe seria mais benéfico, e quando vê que tal existência servirá para a purificação e o progresso do Espírito, ao mesmo tempo que lhe sirva de expiação.”

Ora, Deus então impõe a expiação? Não é bem isso. O que acontece é que quando o Espírito está em negação ou resistência, ele não consegue ver o bem que lhe proporcionaria o enfrentamento de suas imperfeições através das provas e das expiações. Não pode, portanto, escolher lucidamente…. Mas continua reencarnando. Vejamos, ainda em OLE:

167. Qual o fim objetivado com a reencarnação?

“Expiação, melhoria progressiva da humanidade. Sem isto, onde a justiça?”

Entendemos facilmente que a encarnação é uma necessidade para o avanço do Espírito e que, quando ainda é simples e ignorante, o que facilmente lhe dá o estado de resistência, pode facilmente resistir a enfrentar suas próprias imperfeições. É aí, portanto, que a mecânica da Lei Divina supre sua inexperiência: através de uma encarnação “forçada”, isto é, uma encarnação “comum”, mas sem escolhas de provas e expiações, o Espírito enfrentará a escola da vida material, que o colocará, de uma forma ou de outra, frente às suas imperfeições, de acordo com a forma como escolher agir na matéria. Assim, poderá escolher – no fundo, sempre há a escolha, a partir do momento em que o Espírito entra na idade da consciência – continuar cedendo às paixões, prática da qual colherá resultados amargos (e nisso consiste as expiações involuntárias), até que, um dia, esse sofrimento moral lhe motive a dizer: “chega! Cansei de agir assim! Cansei de sofrer por ser imperfeito! Preciso me livrar dessas imperfeições!”. É nesse momento que, então, esse Espírito volta a escolher provas e expiações.

Lembramos, para terminar, que o conhecimento trazido pelo Espiritismo é de substancial importância para alavancar o processo de evolução do Espírito, pois, no momento em que, pela ciência, isto é, pela razão, ele entende que tem que ter vontade firme para vencer suas imperfeições, pode avançar em anos o que não avançou em sucessivas encarnações.




O Espírito batedor de Bergzabern – III

Nesse artigo, Kardec conclui o caso de Bergzabern, contando mais alguns fatos bastante notáveis a respeito da menina, Filipina Soënger. Cabe a cada um a leitura, pelo interesse geral em tais fenômenos, mas o triste é saber que a menina acabou sendo internada:

“Preocupado com os fatos que acabamos de relatar, o governo do Palatinato propôs a Sänger internar sua filha numa casa de saúde em Frankenthal, o que foi aceito. Estamos informados de que em sua nova residência, a presença de Filipina deu lugar aos prodígios de Bergzabern e que os médicos de Frankenthal, bem como os de nossa cidade, não lhes podem determinar a causa. Além disso, estamos informados de que só os médicos têm acesso à menina.”




Curiosidades: fotografia de pensamentos e de Espíritos

A obra Pensamento e Vontade, de Ernesto Bozzano, nos trás um complemento bastante oportuno sobre esse assunto:

“Ao empregar neste momento, em acepção genérica, o termo fotografia do pensamento, direi que as primeiras tentativas deste gênero remontam ao ano de 1896, quando o comandante Darget e mais um seu amigo, persuadidos de que o pensamento era uma força exteriorizável, resolveram concentrar o próprio pensamento em determinada imagem, a fim de projetá-lo sobre uma placa fotográfica.

A 27 de Maio de 1896, ele, Darget, fixou em chapa sensibilizada a imagem muito nítida de uma garrafa, na qual pensara com tanta intensidade, que lhe acarretou forte dor de cabeça.”

“Esta experiência foi repetida a 5 de Junho do mesmo ano, com pleno êxito […]

Mas, no dia seguinte, ao fazermos à revelação em papel, o que mais nos impressionou foi uma figura de mulher, com uma cabeleira característica. Tratava-se, incontestavelmente, de um Espírito que pretendera fotografar-se.

[…]

Somente passados alguns dias, no curso de uma sessão em casa do conhecido escritor Sr. Leon Denis, é que tiveram a manifestação de uma personalidade que se denominou Sofia e declarou ter sido ela quem, auxiliada por outros Espíritos, realizara o fenômeno.

[…]

Aliás, a sua identidade foi estabelecida, como mercadora de legumes em Amiens, falecida pouco tempo antes. A Revista Científica e Moral do Espiritismo reproduziram essa escotografia, na qual o rosto da manifestada está bem visível, acima da garrafa”

Sir William Crookes também foi um grande estudioso dos fenômenos espíritas, tendo conseguido obter fotografias de espíritos.

Florence Cook, que à época tinha apenas 15 anos de idade, sozinha na casa de Crookes e com a família e amigos dele como testemunhas, materializou o espírito de Katie King, que caminhou na casa, conversou, permitiu ser pesada e medida, e ainda segurou em seus braços o bebê da família. As sessões eram feitas no escuro, pois assim as materializações apresentavam-se melhor, apesar de ocasionalmente ter sido usada luz vermelha para obtenção de fotografias“.

O relatório de Crookes, publicado em 1874, afirmava que Florence Cook, bem como os médiuns Kate Fox e Daniel Dunglas Home, produziam genuínos fenômenos espirituais. A publicação deste causou grande alvoroço, e o seu testemunho sobre Katie King foi considerado o ponto mais polêmico no relatório. Crookes quase perdeu a sua posição de membro da Royal Society, não mais se envolvendo em investigações espíritas.

Tivemos no Brasil um dos mais espetaculares médiuns que o mundo conheceu: Carmine Mirabelli, cujo nome foi mais tarde mudado para Carlos ou Carlo Mirabelli. Por ele, algumas fotos de fenômenos de materializações também foram obtidas.




Considerações sobre a fotografia espontânea

Kardec observa: “[…] Geralmente o perispírito é invisível, entretanto, em certas circunstâncias, condensa-se e, combinando-se com outros fluidos, torna-se perceptível à vista e por vezes até mesmo tangível. É o que se vê nas aparições”.

“Sejam quais forem a sutileza e a imponderabilidade do perispírito, não deixa de ser uma espécie de matéria, cujas propriedades físicas ainda nos são desconhecidas. Uma vez que é matéria, pode agir sobre a matéria. Essa ação é patente nos fenômenos magnéticos.”

Por uma ação de leis materiais desconhecidas, o perispírito do Sr. Badet ficou impresso sobre a matéria do vidro, embora invisível, até que uma ação fortuita de outra força, talvez atmosférica (ou, quem sabe, espiritual?), a tenha vindo revelar.

Kardec cita, a título de comparação, o daguerreótipo, desenvolvido em 1837 por Louis Jacques Mandé Daguerre: antes de Daguerre, não haviam imagens daguerreotipadas, embora ele não tenha inventado nem a luz, nem as placas de cobre, nem a prata, nem os cloretos.

É preciso que o ser humano cumpra a sua evolução, adquira e desenvolva a ciência, para que, então, novas descobertas espirituais possam ser atingidas. Lembramos que é uma época em que uma simples combustão causada por uma garrafa com água, que vira um lente, era causa de espanto e admiração




Curiosidade: o processo dos espíritas

O artigo “uma nova descoberta fotográfica”, da Revista Espírita de Julho de 1858, abriu margem para relembrar esse fato bastante conhecido no meio espírita.

Recebeu tal nome o triste caso do processo instaurado contra o sr. Pierre-Gaëtan Leymarie e os srs. Buguet e Firman, em 1875, após estes passarem a publicar, na Revista Espírita, supostas fotografias espirituais.

Para alguns, o processo se baseou em falsas acusações de que esse senhor estava publicando fotografias fraudulentas de Espíritos desencarnados (ver “Processo dos Espíritas”, por Marina Leymarie).

Para outros, a fraude foi real e bem documentada. Cita Simoni Privato, em sua obra O Legado de Allan Kardec, que Leymarie não tomou os devidos cuidados que o próprio mestre teria cuidado, de forma que se sujeitou a apoiar práticas nitidamente controversas, dentre elas a promoção, na R.E., das sessões mediúnicas pagas que o médium Alfred Henry Firman realizava, duas vezes por semana.

Cita Simoni Privato, em O Legado de Allan Kardec:

“Ao tomar conhecimento de que o fotógrafo Édouard Buguet estava obtendo, em Paris, fotografias de Espíritos, Leymarie, juntamente com um grupo de pessoas, investigou esses fenômenos no final de 1873. Naquela ocasião, Leymarie era o único administrador e o representante de todos os membros da Sociedade Anônima, além de secretário-gerente e redator da Revista Espírita.”

“Leymarie começou a anunciar, na Revista Espírita, o trabalho fotográfico de Buguet. Apresentou o fotógrafo como “um artista sem pretensões, pleno de amabilidade, que aprecia muito sua faculdade pelo que esta é, ou seja, um ato puro e simples de mediunidade”. Informou também as condições que os interessados deveriam cumprir para realizar as experiências com Buguet e o preço do serviço. Em suma, Leymarie apoiava e incentivava publicamente, na Revista Espírita, a prática mediúnica remunerada”.




Uma nova descoberta fotográfica

Nesse artigo, Kardec traz um caso muito peculiar: após a morte de um homem, o Sr. Badet, que tinha por hábito ficar observando a rua, de sua janela, algumas pessoas passaram a notar sua imagem impressa no vidro – um fenômeno até então desconhecido.

Apresentando o fato à família, esta prontamente destruiu aquela vidraça, encerrando, porventura, uma possibilidade de estudos bastante oportuna.

Kardec, vendo a oportunidade de aprendizado pelo próprio Espírito, faz sua evocação. Este dá algumas informações importantes:

  • O fenômeno foi verdadeiro, mas involuntário. Produziu-se através de agentes físicos que até então eram desconhecidos – e cremos que ainda são – que, atuando sobre o perispírito, imprimiu sua imagem na vidraça.
  • Respondendo à indagação de Kardec sobre a possibilidade de revelar os fatores que produziram tal fenômeno, ele responde: “Eu gostaria, mas isto é tarefa de outros Espíritos e do trabalho humano
  • Enquanto os assistentes discutiam sobre algumas hipóteses, o próprio Espírito do Sr. Badet comunicou-se espontaneamente:

  “E não levais em conta a eletricidade e a galvanoplastia, que agem também sobre o perispírito?”

-O fato da destruição do vidro, pela família, arranca de Kardec a seguinte expressão, com a qual termina o artigo:

Tão curioso monumento teria facilitado as pesquisas e as observações para o adequado estudo da questão. Talvez tivessem visto nessa imagem uma arte do diabo. Em todo caso, se de alguma sorte o diabo está metido nisso, é seguramente na destruição do vidro, porque ele é inimigo do progresso.

Imaginamos o quão indignado Kardec se sentia ante a tais acontecimentos.