Hoje, não: o poder da vontade

Todos nós passamos pelo processo evolutivo através das encarnações. Todos, sem exceção. Durante esse processo, por conta das nossas escolhas, podemos desenvolver bons hábitos ou maus hábitos. Os primeiros se tornam virtudes, que nos aproximam da felicidade, ao passo que os segundos se tornam imperfeições, que nos afastam da felicidade e, portanto, prolongam nossos sofrimentos.

“Todos os homens passam pelas paixões. Os que as superaram, e não são, por natureza, orgulhosos, ambiciosos, egoístas, rancorosos, vingativos, cruéis, coléricos, sensuais, e fazem o bem sem esforços, sem premeditação e, por assim dizer, involuntariamente, é porque progrediram na sequência de suas existências anteriores, tendo se livrado desse incômodo peso. É injusto dizer que eles têm menos mérito quando fazem o bem, em comparação com os que lutam contra suas tendências. Acontece que eles já alcançaram a vitória, enquanto os outros ainda não. Mas, quando alcançarem, serão como os outros. Farão o bem sem pensar nele, como crianças que leem correntemente sem ter necessidade de soletrar. É como se fossem dois doentes: um curado e cheio de força enquanto o outro está ainda em convalescença e hesita caminhar; ou como dois corredores, um dos quais está mais próximo da chegada que o outro.”

KARDEC, Allan. A Gênese. 4.ª edição (original), FEAL

Os maus hábitos são de dois tipos: os morais e os materiais (que, no fundo, tem sempre algo moral, isto é, da vontade do Espírito). Os maus hábitos morais são aqueles facilmente reconhecidos como avareza, ciúmes, vaidade, egoísmo, orgulho, etc., sendo que os dois últimos podem ser entendido como os pais de todos os outros. Já os maus hábitos materiais são aqueles como os vícios em entorpecentes ou no exagero de certos instintos animais, como a glutonice, o vício no sexo, etc.

Uns e outros são muito difíceis de combater, ora instalados. Muitas vezes, requerem múltiplas encarnações e, nada raro, encontramos a nós mesmos na condição daquele que entende onde erra e o sofrimento que isso lhe causa, mas que diz: “é mais forte do que eu”. Comumente, nessa condição, que já é o começo de algo muito importante, pelo simples reconhecimento, vamos buscar diversas formas externas de lidar com esses maus hábitos, sejam eles religiosos ou filosóficos, sejam eles medicinais. Buscamos as internações, as drogas que visam combater certos aspectos, as religiões que comumente classificarão como pecado ou que dirão que precisamos mudar com pressa, pois “Jesus nos espera”. Nada disso, porém, consegue mudar aquilo que vai no fundo de nossas almas, senão com raras exceções. É que, em tudo isso, falta uma chave fundamental: a vontade.

Vejamos: todos os artifícios exteriores podem, claro, ajudar muito no processo das superações. A prece ou a oração, os medicamentos, as práticas exteriores, enfim, tudo é uma ferramenta, mas aqui estou para dizer que nada vai mudar, a não ser que o indivíduo adquira a vontade firme de vencer. E isso é um processo, muito grandemente auxiliado pela razão. O Espiritismo, quando nos demonstra que alegria e tristeza, prazer e dor são condições puramente materiais e passageiras, mas que a verdadeira felicidade está em nos livrarmos das condições que nos forçam a continuar encarnando em condições tão brutas como esta, vivendo sob o fruto de nossas próprias imperfeições, nos diz: todos alcançarão os céus, mas depende apenas de cada um quando isso se dará.

Ao entender esse aspecto, podemos começar a enxergar a vida de outra forma. Cada situação difícil e cada oportunidade se tornam dispositivos de aprendizado. Passamos a encarar as dificuldades com outros olhos e passamos a estar mais atentos para as oportunidades às quais os bons Espíritos nos conduzem, desde que tenhamos a vontade.

Ainda assim, vencer parece algo muito distante e difícil. Muitos dirão: a carne é fraca. Bem, realmente não podemos supor que, da noite para o dia, venceremos um mau hábito fundamente enraizados em nossa mente. Esse é o primeiro entendimento fundamental. É preciso adotar a razão e a vontade para desenvolver melhores hábitos, sendo quem deles é o hábito de aprender a dizer “hoje, não”. Aprendamos a projetar nosso futuro: por que desejamos nos livrar de uma imperfeição ou mais? Porque desejamos não necessitar passar por mais vidas na mesma condição. Quem sabe a transformação possa ser tão grande que, ao fim desta encarnação, possamos conquistar a possibilidade de encarnar em mundos um pouco mais felizes? Ainda mais: quem saiba a transformação possa ainda que, lentamente, se dar de forma tão profunda que possamos, dia após dia, encontrarmos uma felicidade crescente em nosso coração, ante à constatação de que aprendemos a lidar um pouquinho melhor com as dificuldades e os maus hábitos?

Isso já deve ser o suficiente para nos provocar firmes propósitos de mudança, na esperança concreta de um amanhã melhor para nós mesmos.

Portanto, ao lutarmos com nossas imperfeições, aprendamos a vigiar os pensamentos, afastando, isto é, nem pensando, naquilo que nos leva aos processos de tropeço. E, se hoje não fomos fortes o suficiente e tropeçamos, não digamos: “não consigo, não sou forte”, mas sim “não sou perfeito e ainda não consegui superar”, analisando onde se deu o erro e continuando firme no propósito da mudança. Só não podemos tomar esse princípio como desculpa.

Prezado leitor, saiba e jamais se esqueça: se você já percebe uma imperfeição, esse é o começo da sua mudança. Reforce a sua vontade e saiba que, através dela, jamais estará abandonado. Os próprios Espíritos amigos te conduzirão às oportunidades que caberão a você aceitar ou não. É um bom livro que chega oportunamente, é uma palavra de um amigo, é um artigo como este, pensado para mexer contigo. Fique atento às más sugestões, porém, que continuarão vindo dos Espíritos habituados à perturbação, e galgue sua força no estudo e na prece, buscando sempre se reformar. As outras coisas, como ações no bem, estudo do evangelho, acompanhamento psicológico, são, sim, muito importantes, mas depende de você, e apenas de você, desejar alcançar a felicidade.

Lembre-se, afinal, que Jesus, pregado à cruz, ouvindo o arrependimento e os rogos de perdão do ladrão pregado na cruz ao lado, lhe replicou: “hoje mesmo estará comigo no paraíso”. “Estar com Jesus no paraíso” significa dizer que o ladrão, tendo se arrependido e encontrado a vontade de se modificar, entrou em nova fase de aprendizado. Não foi Jesus quem o salvou, mas ele próprio. Pense nisso.

Recomendamos assistir o estudo abaixo. Fala profundamente sobre isso:




Pode uma pessoa morrer antes do tempo ou é sempre o destino, ou a fatalidade?

É um falso conceito, embora generalizado, dizer que em tudo há um planejamento. Fosse assim, não teríamos livre arbítrio.

Quando se diz que até uma folha que cai está sob a vontade de Deus, significa dizer que tudo está sob suas Leis, que são perfeitas. Não há, porém, o efeito direto da vontade de Deus que determine que, naquele momento, a folha vai cair ou não vai cair.

Pois bem: nós, como Espíritos, antes de entrar no reino da consciência e da escolha, somos guiados unicamente pelo instinto. É ele que nos guia, por exemplo, quando somos animais: a fome nos leva a buscar alimento, a raiva nos ajuda a matar o animal que servirá de alimento e o medo nos afasta das condições de perigo. Quando somos um animal fora do topo da cadeia, muitas vezes somos mortos para servir de alimento a outro animal (veja: não há mal nisso, mas bem, pois estamos seguindo a Lei de Deus). Depois de morto, o Espírito do animal, que ainda não tem consciência de si mesmo e capacidade de escolha e, por isso mesmo, não sofre moralmente, é muito rapidamente reutilizado em outro animal que nasce.

Depois de entrarmos no reino do livre-arbítrio, passamos progressivamente a escolher nossas vidas, planejando-a em termos gerais. Se fui muito apegado ao ciúmes, que me causa dificuldades e sofrimentos, a partir do momento que entendemos isso, escolhemos um gênero de vida que nos proverá possibilidades de lidar com essa imperfeição. Desse planejamento participam Espíritos amigos que, durante a vida, nos ajudam, nos influenciando, inspirando e muitas vezes nos conduzindo às situações que poderão ser úteis a nós mesmos.

Tudo isso foi necessário para destacar: somos Espíritos vivendo encarnações na matéria densa. Estamos, portanto, sujeitos às leis espirituais e às leis da matéria. As últimas nos fazem estar expostos às condições da matéria, como, por exemplo, uma chuva torrencial que cause uma comoção numa montanha, que venha abaixo sobre as casas, um vulcão que explode, um terremoto que gere um tsunami devastador ou, ainda, um cometa que atinja o planeta e o destrua por completo. A ideia de “carma coletivo”, portanto, é FALSA (na verdade, a ideia de carma, como conhecemos, é falsa).

De outro ponto de vista, estamos sujeitos também às escolhas de outros Espíritos encarnados. Veja: Deus e os Espíritos superiores respeitam o livre-arbítrio e o tempo dos homens. É por isso não há uma interrupção divina de uma guerra, nem de um crime em menor escala. É claro que os bons Espíritos tentam dissuadir as más escolhas, através de suas influências, mas, no fim, o homem é quem escolhe ouvir a elas (ou à própria consciência) ou não. Do outro lado, uma pessoa que se esteja conduzindo para uma situação em que se torne vítima, pode, também, tentar ser inspirada, se possível, a se desviar disso. Quantos não são os indivíduos que escapam de acidentes e crimes por conta de um sonho ou de um pensamento insistente, ou mesmo através de um evento que lhe cause um atrapalhamento?

É claro que isso não consiste uma concessão a pessoas especiais. Todos nós temos os bons Espíritos que nos amam, sem exceção, mas, muitas vezes, estamos muito afastados de suas influências ou nos fazemos surdos às suas sugestões.

Mais uma constatação lógica que fazemos é que, quando uma pessoa morre por um crime, JAMAIS está “pagando” por algo do passado (mas ela pode, claro, ter sido vítima de sua própria imprecaução, quando, por exemplo, se mete em um ambiente criminoso ou perigoso por sua própria vontade).

Chegamos, enfim, à constatação: o gênero e a época da morte pode, sim, estar planejado antes da encarnação do Espírito, mas o curso da vida pode, é claro, mudar esse planejamento. Não há um destino pré-determinado, pois, se houvesse, seríamos meras marionetes no teatro da vida. Nós podemos mudar nossos planejamento – e frequentemente fazemos. Podemos inclusive criar uma doença, por nossas ações, que nos mate antes do planejado, e também podemos nos livrar de uma doença ou condição que iria nos levar ainda jovens, se uma série de condições permitirem (e NÃO faz parte dessas condições aquilo que chamam de “merecimento”).

Pense naquela pessoa que atravessa a rua sem olhar: não é um Espírito que a impele a tal ato, mas sua própria imprecaução, um mau hábito. Por esse mau hábito, poderá, a qualquer momento, encontrar um carro vindo em alta velocidade ou um motorista olhando para outro lado, e poderá acidentar-se e morrer. Pense também no paraquedista que se lança de um avião, colocando sua vida na dependência de um paraquedas. O instinto lhe diz para ter medo de fazê-lo, mas sua vontade, fruto da escolha, falseia esse instinto, e ele, assim mesmo, se lança. Se o paraquedas falha e ele morre, não foi Deus quem quis assim, nem um Espírito quem estragou o paraquedas, mas as próprias leis da matéria.

Cremos que ficou claro esse pensamento, mas encerramos destacando o que Kardec apresenta em Instruções práticas sobre as manifestações espíritas:

FATALIDADE — do lat. fatalitas, de fatum, destino. Destino inevitável. Doutrina que supõe sejam todos os acontecimentos da vida e, por extensão, todos os nossos atos, predestinados e submetidos a uma lei à qual não nos podemos subtrair. Há duas espécies de fatalidade: uma proveniente de causas exteriores, que nos podem atingir e reagem sobre nós; poderíamos chamá-la reativa, exterior, fatalidade eventual; a outra, que se origina em nós mesmos, determina todas as nossas ações; é a fatalidade pessoal. No sentido absoluto do vocábulo, a fatalidade transforma o homem numa máquina, sem iniciativa nem livre-arbítrio e, consequentemente, sem responsabilidade. É a negação de toda moral.

Segundo a doutrina espírita, escolhendo sua nova existência, pratica o Espírito um ato de liberdade. Os acontecimentos da vida são a consequência da escolha e estão em relação com a posição social da existência. Se o Espírito deve renascer em condição servil, o meio no qual se achar criará os acontecimentos muito diversos dos que se lhe apresentariam se tivesse de ser rico e poderoso. Mas, seja qual for essa condição, conserva ele o livre-arbítrio em todos os atos de sua vontade, e não será fatalmente arrastado a fazer isto ou aquilo, nem a sofrer este ou aquele acidente. Pelo gênero de luta escolhido, tem ele possibilidade de ser levado a certos atos ou encontrar certos obstáculos, mas não está dito que isto devesse acontecer infalivelmente, ou que não o possa evitar por sua prudência e por sua vontade. É para isso que Deus lhe dá a capacidade de raciocínio. Dáse o mesmo que se fosse um homem que, para chegar a um objetivo, tivesse três caminhos à escolha: pela montanha, pela planície ou pelo mar. No primeiro, a possibilidade de encontrar pedras e precipícios; na segunda pântanos; na terceira, tempestades. Mas não está dito que será esmagado por uma pedra, que se atolará no brejo ou que naufragará aqui e não ali. A própria escolha do caminho não é fatal, no sentido absoluto do vocábulo: por instinto o homem tomará aquele no qual deverá encontrar a prova escolhida. Se tiver que lutar contra as ondas, seu instinto não o levará a tomar o caminho das montanhas.

Conforme o gênero de provas escolhido pelo Espírito, acha-se o homem exposto a certas vicissitudes. Em consequência dessas mesmas vicissitudes, é ele submetido a arrastamentos aos quais deve subtrair-se. Aquele que comete um crime não é fatalmente levado a cometê-lo: escolheu um caminho de luta que a isso pode excitá-lo; se ceder à tentação, é pela fraqueza de sua vontade. Assim, o livre-arbítrio existe para o Espírito no estado errante, na escolha que faz das provas a que deve submeter-se, e existe na condição de encarnado nos atos da vida corpórea. Só o instante da morte é fatal: porque o gênero de morte é ainda uma consequência da natureza das provas escolhidas.




Jesus já foi tão imperfeito como nós?

Ora, claro! Jesus não foi demagogo nem hipócrita ao nos chamar de “irmãos”. Ele demonstrou que era como nós, Espírito em evolução.

Esse é um postulado fundamental da ciência dos Espíritos: todos nós, sem exceção, fomos criados simples e ignorantes e, daí, seguimos o rumo da evolução. Quando e onde, só Deus o sabe. Sendo Deus a soberana justiça e o Amor em essência, não poderia criar criaturas privilegiadas, plenas e evoluídas, enquanto criaria outras para sofrerem. Esse é um dogma bastante antigo ensinado principalmente pela Igreja Romana, no qual não entraremos, dada a extensão de sua discussão.

Tudo o que está aqui exposto está fartamente postulado nas obras de Kardec, com muita clareza e racionalidade, sendo possível encontrar já em O Livro dos Espíritos as bases necessárias.

O fato que aqui destacamos é que ninguém evolui em linha reta para Deus. Esse é um falso conceito. A evolução de qualquer Espírito passa pelos mesmos passos, do passando por todos os reinos, inclusive o do animal, para, depois, ao adentrar o reino da consciência, adquirir o livre-arbítrio, isto é, a capacidade de escolher.

Contudo, como pode o Espírito escolher frente a uma situação que nunca enfrentou antes? É impossível. Ele age, obtendo um resultado que pode ser um erro ou um acerto. Então, da próxima vez que enfrentar a mesma situação, já tendo algum conhecimento do resultado segundo sua forma de agir, poderá escolher agir da mesma forma novamente, ou poderá tentar agir de outra forma, o que poderá lhe fazer acertar ou errar novamente.

Enquanto o Espírito está tentando, está progredindo. O erro que nasce da tentativa não é um pecado, mas apenas um erro. Ele não está cometendo o mal, mas o bem, pois não tinha base de julgamento próprio de como agir. É quanto ele passa a escolher agir errado, por motivos quaisquer, que o erro passa a se tornar um hábito e, então, se transforma em um imperfeição.

Kardec, em A Gênese (capítulo III), conclui:

“Aquele que não domina as suas paixões pode ser muito inteligente, porém, ao mesmo tempo, muito mau. O instinto se aniquila por si mesmo; as paixões somente pelo esforço da vontade podem domar-se”.

Contudo, esse capítulo termina aqui, na 5.ª edição dessa obra, que, hoje sabemos, tem fortes indícios de ter sido adulterada. Tomando a 4.ª edição, temos o seguinte encerramento, IMPORTANTÍSSIMO:

Todos os homens passam pelas paixões. Os que as superaram, e não são, por natureza, orgulhosos, ambiciosos, egoístas, rancorosos, vingativos, cruéis, coléricos, sensuais, e fazem o bem sem esforços, sem premeditação e, por assim dizer, involuntariamente, é porque progrediram na sequência de suas existências anteriores, tendo se livrado desse incômodo peso. É injusto dizer que eles têm menos mérito quando fazem o bem, em comparação com os que lutam contra suas tendências. Acontece que eles já alcançaram a vitória, enquanto os outros ainda não. Mas, quando alcançarem, serão como os outros. Farão o bem sem pensar nele, como crianças que leem correntemente sem ter necessidade de soletrar. É como se fossem dois doentes: um curado e cheio de força enquanto o outro está ainda em convalescença e hesita caminhar; ou como dois corredores, um dos quais está mais próximo da chegada que o outro.

Portanto, Jesus também passou pelo mesmo caminho, inclusive errando e acertando. Ele apenas é um Espírito que já percorreu toda a escala, enquanto nós ainda estamos no início dela, fazendo esforços para sair da terceira ordem da classificação da Escala Espirita. Hoje, se um Espírito no início da sua vida pudesse nos avaliar, pensaríamos que somos semideuses e julgaria como maravilhosos os parcos feitos que podemos realizar.

Longe de esse pensamento rebaixar Jesus, ele o eleva e, ao mesmo tempo, nos dá esperanças, pois demonstra que um Espírito que já trilhou todo esse caminho da evolução, por um livre gesto de bondade e caridade, voltou para nos ensinar. Um dia nós estaremos agindo com ele, mas não esqueçamos que, desde já, nós podemos também fazer a diferença na vida das pessoas, sem esperar nada em troca.




O Espírito retrograda ou “involui”?

Não, o Espírito nunca retrograda. Avança sempre, às vezes para, mas nunca volta para trás. Se volta na aparência, como no caso em que não se encaixa mais na evolução moral de uma população e vai encarnar em outra civilização mais atrasada, é porque ainda não avançou moralmente, em verdade.

Deus nos cria simples e ignorantes. Durante os primeiros passos da nossa evolução, não temos consciência, mas apenas instinto, que é da Lei de Deus e, portanto, é o bem, por definição. O leão que mata a zebra não comete o mal, mas o bem, pois está atendendo ao instinto.

Mais à frente, quando adentramos o reino da consciência, conquistamos o livre-arbítrio, isto é, a capacidade da escolha. Com ela, passamos a TENTAR e, da tentativa, nascem os erros e acertos. Aquele erra tentando, não está fazendo o mal, mas o bem, pois está seguindo conforme as leis de Deus. O mal consiste apenas quando o indivíduo passa a errar por vontade, cultivando, assim, imperfeições. Ao criar uma imperfeição, o Espírito passará a sofrer por conta dela, por mais ou menos tempo, até que perceba o mal que faz a si mesmo, se arrependa e deseje, honestamente, vencer essa imperfeição, através das expiações.

É por isso que, nas obras de Kardec, por mais de uma vez os Espíritos utilizaram a expressão “será duplamente punido”: não quer dizer que Deus o punirá mais ou menos — porque Deus não pune — mas sim que, após adquirir uma imperfeição, o Espírito gastará um bom tempo tentando se livrar dela.




O Espiritualismo Racional e o Tratado de Filosofia de Paul Janet

Durante o século dezenove, o que chamamos de ciências humanas foram estabelecidas a partir de um pressuposto espiritualista para sua constituição. Enquanto isso, nas ciências naturais, como Física e Química, predominavam o materialismo. Essa condição é muito diferente do que estamos habituados atualmente, quando a universidade é quase completamente orientada pelo pensamento materialista.

[originalmente publicado em https://espirito.org.br/autonomia/livros-tratado-de-filosofia-paul-janet/]

Essa corrente de pensamento era conhecida como Espiritualismo racional. Pois era completamente independente das religiões formais e seus dogmas. A base fundamental era a psicologia, ciência da alma, que tinha como diretriz: “O ser humano é uma alma encarnada”.

Como está extensamente explicado no livro Autonomia, a história jamais contada do Espiritismo, Allan Kardec fez da psicologia a base conceitual para desenvolver a Doutrina Espírita. Seu jornal de publicação mensal era a Revista Espírita, jornal de estudos psicológicos.

O Espiritualismo racional foi ensinado, desde 1830, na Universidade de Paris, também na Escola Normal, onde os professores se formavam, e também nos Liceus, na educação dos jovens. Para estes, haviam manuais, como o de Paul Janet. Esse manual foi traduzido para diversos idiomas e adotado em muitos países, inclusive no Brasil.

Esse manual é de fundamental importância para se compreender a base conceitual dos estudos de Kardec, principalmente quanto à moral espírita.

A primeira divisão das ciências, apresentada no Tratado de philosophia, de Paul Janet, obra em dois volumes, que podem ser baixados por aqui, conforme a estrutura vigente na Universidade Sorbonne, no século 19, era entre:

  • a) As ciências exatas ou matemáticas.
  • b) As ciências naturais, que estudam os objetos do mundo físico (física, química, biologia etc.).
  • c) As ciências morais, que estudam o mundo moral, o qual compreende as ações e pensamentos do gênero humano.

As ciências morais, por sua vez, eram divididas em quatro grupos:

1) As ciências filosóficas, divididas em duas classes: psicológicas (psicologia, lógica, moral, estética) e metafísicas (teodiceia, psicologia racional, cosmologia racional).

2) As ciências históricas (história, arqueologia, epigrafa, numismática, geografa) estudam os acontecimentos e o desenvolvimento humano no tempo.

3) As ciências filológicas (filologia, etimologia, paleografa etc.), que têm como objeto a linguagem e a expressão simbólica humana.

4) As ciências sociais e políticas (política, jurisprudência, economia política), que estudam a vida social do ser humano ( JANET, 1885, p. 15-17).

As três últimas classes das ciências morais (históricas, filológicas e sociais) tratam dos fatos ou fenômenos morais que são exteriores ao ser humano, visto a partir do ponto de vista objetivo. Mas, considerando espírito humano “o conjunto das faculdades intelectuais e morais do homem, tais quais se manifestam interiormente em cada um de nós”, tudo o que concerne ao eu, princípio interior consciente de si mesmo, é o ponto de vista subjetivo, ou “estudo da própria alma” (JANET, 1885, p. 17). Daí um grupo de ciências chamadas ciências psicológicas. Elas adotam a metodologia da introspecção e foram um desenvolvimento da escola científica iniciada por Maine de Biran. Todavia, para sustentar o estudo psicológico pelo olhar espiritualista, as bases conceituais desse paradigma precisaram se tornar objeto de pesquisa, compreendendo uma ciência do homem (espírito humano) e uma ciência das causas primeiras, ou metafísica. Esses são os objetos das ciências filosóficas.

Veja mais detalhes na obra Autonomia, a história jamais contada do Espiritismo.




Cesare (ou César) Lombroso e o Espiritismo

[Originalmente publicado em Guia-Heu por Marinei Ferreira de Rezendehttp://www.guia.heu.nom.br/Lombroso.htm]

Cesare Lombroso foi um professor universitário e criminologista italiano, nascido a 6 de novembro de 1835, em Verona. Tornou-se mundialmente famoso por seus estudos e teorias no campo da caracterologia, ou a relação entre características físicas e mentais.

Cesare Lombroso nasceu em 6 novembro de 1835 e desencarnou em 19 de outubro de 1909. Cientista universalmente conhecido pelos importantes trabalhos realizados no campo jurídico, desde muito cedo dedicou-se às letras. Aos doze anos de idade, escreveu a obra intitulada “Grandeza e Decadência de Roma”, que teve grande repercussão nos meios intelectuais de então.

Sobre a obra de Mazolo, grande psicólogo italiano, escreveu um artigo, que foi publicado num dos jornais italianos. Mazolo leu esse artigo e convidou Lombroso para ir à sua casa, pois desejava conhecer o novo escritor. Diante do menino, que contava apenas catorze anos, ficou surpreendido, dada a sua inteligência precoce.

Lombroso converteu-se ao Espiritismo depois de haver realizado experiências sobre a mediunidade de Eusápia Paladino, que lhe fora apresentada pelo professor Chiaia, de Nápoles. Em uma das sessões com esta médium, assistiu à materialização do Espírito de sua própria mãe. Daí por diante, Lombroso não teve dúvidas quanto à sobrevivência e a comunicabilidade dos Espíritos.

A médium Eusápia

Escreveu várias obras, tanto no campo da Medicina, quanto no da Filosofia.
Dentre elas, destacam-se a notável monografia “Antropologia Criminal”, “L’Uomo di Gênio”, “L’Uomo Delinqüente”, além de outras sobre psicologia e psiquiatria. Sobre o Espiritismo, não podemos deixar de citar a “Pesquisa Sobre os Fenômenos Hipnóticos e Espíritas”, através da qual relata todas as experiências realizadas, não só com Eusápia_Paladino, como também com outros médiuns de efeitos físicos, como Elizabeth D’Esperance e Politi.


Foi lenta e árdua, porém, contínua e segura, a marcha de Lombroso rumo ao Espiritismo. De início, ridicularizava as manifestações psíquicas. Motejava dos médiuns e das “mesas girantes”. Chegava mesmo a insultar os Espíritas. Entretanto, certa feita, através de uma carta do seu amigo Ercole Chiaia, chegou ao seu conhecimento a figura de uma mulher Napolitana, analfabeta, de classe humilde, robusta e que se chamava Eusápia Paladino.

Como céptico recusou-se a assistir sessões, tendo como Médium a grande Médium Eusápia Paladino. Mas seu amigo Chiaia tanto insistiu, que Lombroso fez absoluta questão de impor as condições. Os demais participantes das reuniões, inclusive a Médium, aceitaram todas as condições impostas por Lombroso. Assim, Em março de 1891, na presença de Lombroso, sob fiscalização rigorosa, estando a Médium segura por duas pessoas, desenrolaram-se fenômenos…

  • de transportes de objetos,
  • de materializações parciais,
  • de tiptologia, (mensagem transcendental obtida por meio de pancadas),
  • de vozes diretas
  • e outros da mesma estirpe.

Depois de tudo o que presenciou, induvidosamente, Lombroso rendeu-se à Verdade e confessou: “Estou muito envergonhado e desgostoso por haver combatido com tanta persistência a possibilidade dos fatos chamados espiríticos; mas os fatos existem e eu deles me orgulho de ser escravo”.

Lombroso desencarnou serenamente nos braços de sua talentosa filha Dra. Gina no dia 19 de outubro de 1909, em Turim, aos 74 anos de idade.

Em meio a suas pesquisas sobre a mediunidade inicia primeiro tentativas para estudar o fenômeno sob o aspecto positivista de comprovação factual – tal como noutras partes fizeram outros cientistas da época, vários deles imbuídos dos ideais positivistas – e ao final conclui pela comprovação científica da doutrina e fenômenos estudados. Torna-se então um defensor da Espiritismo na Itália de seu tempo, como o fizeram várias correntes do movimento positivista da época.

Suas obras abrangem diversas áreas como: antropologia, sociologia criminal, psicologia, criminologia, filosofia e medicina.

Os estudos por ele realizados ficaram conhecidos como antropologia criminal.

Os trabalhos de Lombroso com a Médium Eusápia Paladino foram se sucedendo e foram progredindo. Sob a ectoplasmia desprendida por Eusápia, Lombroso, sempre vigilante, obteve revelações maravilhosas. Aludidas revelações venceram a desconfiança científica de Lombroso e não deixaram também de iluminar a sua Consciência Moral. Em uma determinada sessão, robusteceu-se, ainda mais, a plena convicção de Lombroso, ante a materialização do Espírito de sua mãe. Eusápia prometeu uma surpresa a Lombroso e esta concretizou-se através da materialização do Espírito de sua própria mãe. Sim, meus amigos, o Espírito da mãe de Lombroso materializou-se e aproximando do seu filho lhe disse: “Cesare, fio mio” e depois retirando, por um momento, o véu que lhe cobria a face, deu-lhe um beijo. E Lombroso confessa que, no instante, em que ocorria a materialização do Espírito da sua mãe, Eusápia tinha as mãos presas por duas pessoas e que também a estatura de Eusápia era bem mais alta do que a do Espírito materializado da sua mãe. Eis aí, meus amigos, a Verdade através de um depoimento de um Homem de Ciência, de um Sábio. Será que alguém poderá contestá-la, cremos que não…

Nascido no dia 18 de novembro, de uma abastada família de Verona e formou-se em Medicina na Universidade de Pavia, graduou-se em 1858. Um ano depois de graduar-se em medicina obtém o diploma de cirurgia em Gênova. Aprimorou seus conhecimentos em Viena e em Pádua, onde aperfeiçoa seus conhecimentos, alinhando-se com o pensamento positivista.

Aos vinte anos, demonstra a sua linha de interesses com um estudo sobre a loucura Lombroso já delineia os assuntos que vão torná-lo famoso: o contraste entre o gênio do homem e as teorias sobre a natureza degenerativa. Como oficial-médico escreve, em 1859, “Memória sobre as Feridas e as Amputações por Armas de Fogo”, ainda hoje considerado um dos trabalhos mais originais. A seguir é atraído, na Calábria, pelos problemas antropológicos e étnicos da região. Estas observações desenvolvem-se num curso, que inicia em Pavia, de psiquiatria no ano de 1862, ele passa a analisar as possíveis influências do meio sobre a mente, ideias que num primeiro momento alcançam sucesso e, depois, desconfiança. Inicia um curso de psiquiatria e no ano seguinte transforma-o em curso de “clínica das doenças mentais e de antropologia”. Suas frequentes visitas ao hospital de doentes mentais, onde assiste gratuitamente pacientes, permitem-lhe aprofundar o estudo das relações entre gênio e neurose. “As ideias dos maiores pensadores arrebentam de improviso, desenrolam-se involuntariamente como os atos compulsivos dos maníacos”, escreveu. No Congresso Internacional de Antropologia realizado em Milão, várias críticas foram levantadas contra a posição de Lombroso, mas foi reconhecido o seu pioneirismo na terapia com os doentes mentais: abrandamento racional do tratamento, introdução de trabalho manual, conversações com gente de fora, diversões coletivas, diários escritos e impressos pelos próprios pacientes. Era um método novo, hoje empregado pela psicoterapia.

Em 1864, Lombroso ficou conhecido pelo livro “Gênio e Loucura”. Psiquiatra e diretor do manicômio de Pádua nos anos de 1871 a 1876, coleta dados suficientes para suas teorias. Do exame de centenas de doentes mentais e criminosos, ele chega à conclusão de que o criminoso é formado por alguma tendência básica inerente ao seu destino, e que as “sementes de uma natureza criminal” podem ser muitas vezes identificadas na criança. Acreditava ainda, que o meio social, aliado às influências astrais, preparasse para a ação criminosa indivíduos cuja natureza fosse anti-social. As ideias defendidas por Lombroso acerca do “criminoso nato” preconizavam que, pela análise de determinadas características somáticas seria possível antever aqueles indivíduos que se voltariam para o crime. Muitas outras mudanças benéficas adotadas por legisladores criminais de todo o mundo derivaram dos estudos iniciados pioneiramente por Lombroso. A principal ideia de Lombroso foi parcialmente inspirada pelos estudos genéticos e evolutivos no final do século IX e propõe que certos criminosos têm evidências físicas de um atavismo (reaparição de características que foram apresentadas somente em ascendentes distantes) de tipo hereditário, reminiscente de estágios mais primitivos da evolução humana.

Estas anomalias, denominadas de estigmas por Lombroso, poderiam ser expressadas em termos de formas anormais ou dimensões do crânio e mandíbula, assimetrias na face etc., mas também de outras partes do corpo. Posteriormente, estas associações foram consideradas altamente inconsistentes ou completamente inexistentes, e as teorias baseadas na causa ambiental da criminalidade se tornaram dominantes.

Em 1882, em seu opúsculo “Estudo sobre o Hipnotismo”, ele ridicularizava as manifestações espíritas, mas, convidado pelo prof. Morselli a estudar melhor o assunto, participou de sessões com a médium Eusápia Palladino, convencendo-se da veracidade incontestável dos fatos. Durante muitos anos, negou os fenômenos psíquicos e espirituais como charlatanice e credulidade simplória.

Em 15 de julho de 1891 foi publicada uma carta onde declarou sua rendição aos fatos espirituais: Estou muito envergonhado e desgostoso por haver combatido com tanta persistência a possibilidade dos fatos chamados espiríticos; digo fatos, porque continuo ainda contrário à teoria. Mas os fatos existem, e deles me orgulho de ser escravo.

Quando vai a Moscou, é em 1897, como participante do Congresso Psiquiátrico, conhece Tolstói, que sabia muito bem das suas ideias acerca do gênio e da loucura.

Torna-se então um defensor do Espiritismo na Itália de seu tempo, como o fizeram várias correntes do movimento positivista da época.
Lombroso, sempre fiel ao método experimental, legou aos espíritas um excelente acervo de esclarecimentos sobre a mediunidade e o vasto campo fenomenológico. Homem profundamente honesto defendeu a veracidade do Espiritismo até a sua morte, noticiada com destaque em todo mundo, no dia 19 de outubro de 1909.

Era o final da missão, que no seu caso, iniciada pelo avesso, da posição de ridículo para a de defensor sincero, haveria de fortalecer o movimento espírita pela sua própria inclusão em meio a seus pesquisadores e defensores.

Deus tem muitos caminhos para os homens. Para Lombroso, o caminho foi refazer o próprio caminho, ou seja, sedimentar aquilo que ele, por desconhecimento da realidade agredira, ao formular conceitos equivocados sobre o Espiritismo, retratando-se intimamente e publicamente a posteriori através do imenso trabalho que realizou.

Lombroso foi um dos maiores médicos criminalistas do século passado.




Magia negra, feitiços, banhos de sal grosso e ervas, amuletos, wicca: tudo isso existe?

Raras são as crenças e mesmo as superstições que, atravessando os milênios, não tem algum fundo de verdade. Na verdade, Allan Kardec sempre se esforçou em mostrar que a verdade sempre esteve na história da humanidade, transmitida por todos os tempos, mas que apenas ficou abafada pelos erros característicos da ignorância humana e também pelos dogmas propositadamente criados para controlar as consciências.

Em “Instruções práticas sobre as manifestações espíritas”, Kardec assim define:

MAGIA, MAGO — do gr. mageia, conhecimento profundo da natureza; de onde magos, sábio, cientista formado em magia; sacerdote, sábio e filósofo entre os antigos Persas. Originalmente a magia era a ciência dos sábios; todos os que conheciam a astrologia, que se gabavam de predizer o futuro, que faziam coisas extraordinárias e incompreensíveis para o vulgo eram magos ou sábios que, mais tarde, foram chamados magos. O abuso e o charlatanismo desacreditaram a magia; mas todos os fenômenos que hoje reproduzimos pelo magnetismo, pelo sonambulismo e pelo espiritismo provam que a magia não era uma arte puramente quimérica e que, entre muitos absurdos, havia certamente muita coisa verdadeira. A vulgarização desses fenômenos tem por efeito destruir o prestígio dos que outrora operavam sob o manto do segredo e abusavam da credulidade, atribuindo-se um pretenso poder sobrenatural. Graças a essa vulgarização hoje sabemos que nada existe de sobrenatural e que certas coisas só parecem derrogar as leis da natureza porque não lhes conhecemos as causas.

A magia no Egito antigo

Um dos maiores exemplos disso eram os egípcios, profundos conhecedores da mediunidade e de muitas das verdades que o Espiritismo hoje professa. Contudo, esse conhecimento era reservado aos iniciados — os sacerdotes, em geral — e, para o público, era passada a imagem mística de deuses terríveis e vingativos e de um falso poder sobre-humano atribuídos aos sacerdotes e faraós. A mesma estrutura foi copiada por outras religiões que se seguiram.

A RELIGIÃO E A MAGIA NO EGITO ANTIGO – História das Artes Visuais 1

Os egípcios praticavam, também, os diversos rituais de magia (heka) que, longe da acepção negativa que o ocidente faz da palavra, era uma dos dons concedidos pelo deus (em letra minúscula pois a crença deles não era exatamente como a nossa, num Deus único, soberano, etc):

Bem atendidos são os homens, o gado do deus. Ele fez o céu e a terra por sua causa, repeliu o monstro da água e fez o sopro da vida (para) seu nariz. Brilha no céu por sua causa e fez para eles as plantas, o gado, as aves e os peixes, (tudo) para alimentá-los. (porém) matou seus inimigos e destruiu até seus próprios filhos quando intentaram
rebelar-se. Fez a luz do dia por sua causa e navega (no céu) para que o vejam. Erigiu […] seu santuário entre eles, e quando choram ele ouve. Fez para eles governantes ainda no ovo, guias para erguer as costas do fraco. Fez para eles a magia [heka] como arma para desviar o golpe do que acontece (de ruim), velando por eles dia e noite. Matou os
traidores que se encontravam entre eles como um homem bate em seu filho por causa de seu irmão, pois o deus conhece cada nome.

(ARAÚJO, 2000, p. 291. Grifos nossos)((ARAÚJO, Emanuel. Escrito para a Eternidade: a literatura no Egito faraônico.
Brasília: UnB, 2000.)).

A magia entre os Druidas

Tanto os egípcios, quanto praticamente todos os povos, tiveram as suas práticas de magia. O mesmo se deu entre os Druidas, pessoas encarregadas das tarefas de aconselhamento e ensino e de orientações jurídicas e filosóficas na sociedade celta. Em geral, pode-se dizer que eram sacerdotes e sábios. Existiam desde antes de Cristo, há mais de 3000 anos.

Um dos magos mais lendários de todos, Merlin, teria sido também um Druida.

Quem foram os druidas? | Super

Tidos como bruxos e feiticeiros, cheios de rituais que incluiriam até sacrifícios humanos (o que até hoje não foi comprovado) — razão pela qual foram exterminados em grande parte pelos romanos — os druidas eram, na verdade, uma classe sacerdotal que vivia entre a natureza e que dela colhia os elementos necessários aos seus rituais, dentre eles a cura.

A magia pelos milênios

As ideias de magia ou de curandeirismo, como dissemos, permearam, talvez, todos os povos, em todas as épocas. Temos, no Brasil, os curandeiros, feiticeiros e pajés, dentre os povos indígenas e, mais recentemente, os benzedeiros, bem como a Wicca, nascida na Europa, e outras inúmeras denominações que, envoltas em dogmas, rituais e crenças particulares tem, no fundo, a crença no poder da reza ou da oração (ou das fórmulas) e da natureza para a cura das doenças — e acreditam, algumas delas, para promover um feitiço maléfico contra outrem. Os wiccanos, por exemplo, indo (até certo ponto) na direção do Magnetismo de Mesmer, que apresentaremos a seguir, acreditam que a magia é a lei da natureza ainda incompreendida ou ignorada pela ciência contemporânea((Valiente, Doreen (1973). An ABC of Witchcraft Past and Present. [S.l.]: Hale. 231 páginas)), e, como tal, não a veem como sendo sobrenatural, mas sendo uma parte dos “super poderes que residem no natural”.

O Magnetismo de Mesmer

Diria Kardec que “fé inabalável só o é a que pode encarar frente a frente a razão, em todas as épocas da Humanidade“. Cuidemos, pois, de fazer uma aproximação com a ciência que já existe a respeito dessas crenças.

De forma muito resumida, Franz Anton Mesmer foi um médico, cientista e estudioso que, com base em experiências racionais, postulou a teoria conhecida como Magnetismo Animal((FIGUEIREDO, Paulo Henrique de. Mesmer – A Ciência Negada do Magnetismo Animal. FEAL, 2022)).

Mesmer entrou em conflito a ciência de seu tempo, que, para explicar tudo o que não podia analisar pelos aparelhos e pelos sentidos humanos, criou a teoria dos fluidos (para os cientistas de então, a eletricidade seria um fluido, assim como o magnetismo e até mesmo a vida). Para ele — o que depois foi confirmado pelo Espiritismo e pela ciência atual — havia o Fluido Cósmico Universal, que dava origem a tudo. Cada estado diferente da matéria, mesmo aquilo que era intangível e imperceptível, seria apenas uma constituição diferente desse fluido original, vibrando em uma frequência diferente (é exatamente o que explica a Física moderna, mais de 200 anos após a teoria de Mesmer).

Segundo a teoria de Mesmer — e a ciência espírita — o ser humano é capaz, pela vontade, de interagir sobre aquilo que ficou conhecido como fluido perispiritual, que constitui a ligação entre o Espírito e a matéria.

O perispírito

O perispírito, conforme conclui Kardec, se liga ao corpo molécula por molécula((KARDEC, Allan. A Gênese. 2a Edição. FEAL, 2018)) (na verdade, célula a célula, mas naquele tempo não havia esse conhecimento orgânico) e, pela ação do pensamento, através dessa ligação intrínseca, lhe influencia positiva ou negativamente, podendo obter curas ou criar doenças. É o princípio das doenças psicossomáticas e, no fundo, do efeito placebo, para os quais a ciência moderna não consegue encontrar uma explicação definitiva justamente por ignorar as ciências do Magnetismo e do Espiritismo, tachadas por elas de supersticiosas.

Cabe destacar que o perispírito é uma teoria apoiada não só sobre tudo aquilo que grandes pensadores sempre conceberam, incluindo Sócrates e Platão — e o próprio Mesmer — mas também sobre a razão e a observação dos fenômenos e das comunicações espíritas, tal como apresentado aqui. Diria Kardec, em O Livro dos Médiuns:

Numerosas observações e fatos irrecusáveis, de que mais tarde falaremos, levaram à consequência de que há no homem três componentes: 1.º, a alma, ou Espírito, princípio inteligente, onde tem sua sede o senso moral; 2.º, o corpo, invólucro grosseiro, material, de que ele se revestiu temporariamente, em cumprimento de certos desígnios providenciais; 3.º, o perispírito, envoltório fluídico, semimaterial, que serve de ligação entre a alma e o corpo.

[…]

O perispírito não constitui uma dessas hipóteses de que a ciência costuma valer-se para a explicação de um fato. Sua existência não foi apenas revelada pelos Espíritos, resulta de observações, como teremos ocasião de demonstrar. Por ora e por nos não anteciparmos, no tocante aos fatos que havemos de relatar, limitar-nos-emos a dizer que, quer durante a sua união com o corpo, quer depois de separar-se deste, a alma nunca está desligada do seu perispírito.

Em A Gênese, conclui Kardec:

O Espiritismo experimental estudou as propriedades dos fluidos espirituais e sua ação
sobre a matéria. Tem demonstrado a existência do perispírito, sobre o qual havia suspeitas desde a Antiguidade, sendo denominado por São Paulo Corpo Espiritual, ou seja, o corpo fluídico da alma após a destruição do corpo tangível. Sabemos atualmente que esse envoltório é inseparável da alma; que é um dos elementos constitutivos do ser humano; que é o veículo de transmissão do pensamento e que, durante a vida do corpo, serve de ligação entre o Espírito e a matéria. O perispírito realiza um papel tão importante no organismo e em muitas afecções, que se liga tanto à Fisiologia quanto à Psicologia

O perispírito não é, portanto, uma teoria, nem mesmo uma hipótese, para o Espiritismo. Segue Kardec, na mesma obra, afirmando que…

Como meio de elaboração, o Espiritismo procede da mesma maneira que as Ciências
positivas, ou seja, aplica o método experimental. Quando se apresentam fatos novos que não podem ser explicados por meio das leis conhecidas, ele os observa, compara-os, analisa-os e, remontando dos efeitos para as causas, chega à lei que os rege; depois deduz suas consequências e procura suas aplicações úteis. Não estabelece nenhuma teoria preconcebida. Assim, não apresenta como hipótese nem a existência, nem intervenção dos Espíritos, nem mesmo o perispírito, a reencarnação ou qualquer outro princípio da doutrina. Conclui pela existência dos Espíritos quando esta se tornou evidente pela observação dos fatos, e tem procedido da mesma maneira em relação aos outros princípios. Não foram, portanto, os fatos que vieram posteriormente confirmar a teoria, mas a teoria que veio em seguida para explicar e resumir os fatos. É, pois, rigorosamente exato dizer que o Espiritismo é uma Ciência de observação, e não o produto da imaginação.

Curas, passes, magia negra e feitiçaria

Aqui, porém, é necessário fazer uma observação importantíssima, baseada nas duas ciências citadas: não sendo o magnetismo animal uma transferência de fluidos, mas, sim, uma ação da vontade sobre os fluidos perispirituais, é indispensável que a outra ponta partilhe da vontade e da aceitação para que essa interação prolongada se cumpra.

Quando Mesmer e muitos de seus discípulos curavam, essa ação se dava através de incontáveis horas de aproximação com o paciente, da simpatização de ideias e, figurativamente, de energias e, então, o tratamento, quase sempre por meio de passes, se iniciava por prolongadas horas, podendo ser realizado com periodicidade, de modo a alcançar o resultado. O paciente, nesse estágio, se colocava totalmente à disposição e em favor da cura que, não raro, se produzia de forma notável. Depois, o Espiritismo veio demonstrar que a essas curas estão, quase sempre, associados Espíritos bondosos que auxiliam no processo.

The Mesmer Hangover – a major source of stigma for magnetic therapy...  since 1784!
Nota: essa imagem é apenas uma ilustração da imposição de mãos.

É claro que toda essa teoria de Mesmer não deixou de criar inimigos mordazes, mas isso é tema para uma leitura dedicada do leitor((FIGUEIREDO, Paulo Henrique de. Ibidem)).

Da mesma forma que se acontece com a cura, os rituais de magia negra e feitiçaria (que, na verdade, são a ação da vontade — embora maléfica — sobre o fluido perispiritual, com ou sem a participação de Espíritos inferiores) depende inexoravelmente da aceitação da contraparte para que a influência se cumpra. Veja que, de qualquer forma, não é um fluido que se transfere de um para outro, mas o efeito da ação mental de um sobre o outro. É por isso que, simplória e acertadamente, o dito “se não acreditar, não pega” é exato.

Ritual de magia negra com velas e runas | Foto Premium

Vou além: sabe aquela ideia de que palavras de ódio são um jato de energia negativa que atinge o outro? Também é mito. O outro só se contamina com o mau estado se ele permitir, e o que acontece não é que ele deixa entrar uma energia, mas sim que ele próprio cria a “má energia”.

Vemos, portanto, que, no que tange à “magia negra”, começar por dissolver a superstição é o primeiro bem que se faz. A criatura que nem sequer acredita nisso já se coloca um pé distante dessa influência. Contudo, resta dizer que a vibração, aqui, entra com muita propriedade: o indivíduo que, mentalmente, se afasta do bem, seja pela ação ostensiva no mal, seja pelo cultivo das paixões e imperfeições, coloca seu perispírito (sendo matéria, mas em estado quintessenciado) em estado vibratório suscetível de ser influenciado pelos pensamentos de outros Espíritos em mesma sintonia, encarnados ou desencarnados. Portanto, se o indivíduo estiver nesse estado, não receberá um influxo de magia como se fosse algo tangível, mas, pela ação do pensamento de outrem, poderá se influenciar. Aliás, nem é necessário recorrer à magia para isso: as pessoas se influenciam, positiva ou negativamente, dia após dia.

Tudo é energia?

Essa afirmação é extremamente comum: somos energia. Contudo, antes de prosseguir, temos que dizer: nem tudo é energia.

SOMOS ENERGIA! | Revista Statto

Nem Deus, nem os Espíritos são energia. Energia é algo físico. Deus é outra coisa, e Espírito é ainda outra coisa. Se fossem energia, seriam matéria e, portanto, estariam sujeitos às transformações da matéria, inclusive à desagregação e, portanto, teriam um fim. Mas sabemos que o Espírito é imortal e que Deus, além de imortal, não tem também um começo.

É por isso que nada que é material tem influência sobre o Espírito, a não ser que ele acredite nisso. Pelo mesmo princípio, nada que é espiritual tem ação direta sobre a matéria. Não fosse assim, seria muito fácil um mal Espírito promover uma ação maléfica material sobre um encarnado, inclusive lhe criando doenças e instalando “chips” de controle. Frisamos: tudo isso não passa de superstição, e é nesse sentido, aqui tão bem entendido, que, em O Livro dos Espíritos, consta o seguinte:

Pode um homem mau, com o auxílio de um mau Espírito que lhe seja dedicado, fazer mal ao seu próximo?

551. Pode um homem mau, com o auxílio de um mau Espírito que lhe seja dedicado, fazer mal ao seu próximo?

“Não; Deus não o permitiria.”

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, 1860

Em “Deus não o permitiria” está encerrada toda a explicação feita até aqui: um homem mau, com ou sem a ajuda de um mau espírito, não consegue fazer o mal contra outrem, através de magias, feitiços ou conjurações. “É da lei de Deus”.

Diríamos, porém: “mas um homem pode fazer um mal a outrem por meios diretos, físicos mesmo”. Isso parece lógico… Mas, se pensarmos de forma mais profunda, mesmo esse mal feito fisicamente, como, por exemplo, uma ferida por uma arma ou mesmo a morte, somente pode representar o mal para sua vítima se essa se permitir atingir. Ora, o outro pratica uma ação, afastada do bem, por ignorância de que está fazendo o mal para si mesmo. Por mais que me doa, é da minha escolha me deixar ser atingido por essa ação, me permitindo demorar sobre pensamentos de raiva, angústia, revolta, vingança, etc., que é quando eu mesmo faço o mal para mim. Veja que pensamento libertador!

Quer um exemplo prático? Pensemos em Jesus: do nosso ponto de vista, fizemos muito mal a ele. Do ponto de vista dele, contudo, nada do que fizemos o atingiu, e ele não sofreu nenhum mal, senão dores físicas, pois seu grau de elevação espiritual não lhe deixava mais suscetível a qualquer coisa que o fizessem. Eis a nossa meta.

Banhos de descarga, sal grosso, ervas e amuletos

Banho de sal grosso afasta más energias? Saiba como usar

Chegando a este ponto, supomos que já está bastante claro o princípio da ação “energética” entre os seres encarnados e o princípio da inexistência de uma ação energética entre Espíritos e encarnados, e vice-versa. Ficou evidenciado que nenhuma ação Espiritual, seja de um Espírito encarnado ou desencarnado, pode afetar diretamente outro indivíduo encarnado (e resta descartar que a ação entre Espíritos desencarnados é sempre moral e depende da aceitação do outro). Portanto, recomendar quaisquer artifícios materiais para atrair ou repelir essas influências é quase de todo uma perda de tempo, já que o que se quer é que a parte afetada racionalmente se coloque em atitude firme contra as influências do pensamento estranho, o que se dá apenas com a transformação moral ativa do indivíduo.

Mas e o efeito placebo? É claro que não o descartamos. Uma pessoa pode, sim, acreditando no poder de um amuleto ou de uma erva, ou ainda de uma limpeza corporal, ou do ambiente, assumir uma atitude diferente, mais positiva e ativa e, daí então, afastar as influências anteriores. Contudo, vejamos, aqui é a vontade dessa pessoa, e não a suposta força desses elementos, que promoveu a modificação de seu estado. Contudo, há um lado muito negativo nesse aspecto: sendo motivada por crenças supersticiosas e não científicas, muitas vezes a pessoa pode se esquecer do principal, que a própria modificação, outorgando o efeito desejado à ação desses elementos e, assim, prolongando seu próprio sofrimento.

E, é ainda mais claro, não estamos descartando os efeitos físicos que a matéria tem sobre a matéria; é, aliás, o princípio de tudo o que dissemos acima.

Para finalizar, podemos recorrer até à tão mencionada ação do mentor de André Luiz, no romance Nosso Lar, que vai à floresta, na Terra, e lá supostamente colhe elementos extraídos das árvores para tratar do corpo do indivíduo encarnado. Sabemos do princípio das curas espirituais, mas é importante lembrar que, para que essa ação seja possível — desde a colheita dos princípios naturais, até a aplicação ao enfermo, é necessária a existência de um médium que, mesmo sem consciência, possa fornecer algum fluido perispiritual específico para essa tarefa. Quem sabe, seguindo nessa teoria, isso não se deu através da própria filha de André Luiz, que demonstrava ter uma mediunidade latente?

E a prece ou a oração, funcionam?

Depende, porque a oração ou a prece deve ter o intuito honesto do indivíduo que reconhece suas imperfeições, suas faltas e roga o auxílio para vencer essas dificuldades. É esse o propósito da prece. Por ela, o indivíduo eleva seus pensamentos, muda sua sintonia e se coloca em contato com os Espíritos superiores — desde que sua intenção seja honesta e verdadeira.

Contudo, se a oração é feita “de boca pra fora”, uma repetição maquinal de fórmulas “sagradas” e se, sobretudo, ela transfere a responsabilidade a outrem, seja a Deus, seja a um Espírito de qualquer ordem, ela será ineficaz, já que a pessoa não está atenta e compromissada com sua própria modificação. Nem Deus, nem qualquer Espírito fazem nada por nós, senão nos inspirar e nos direcionar para as situações, os conteúdos e os conhecimentos que poderão nos auxiliar. Ou seja, nos levam até a porta, muitas vezes, mas abri-la e entrar é algo que depende de nós, exclusivamente.

Vejamos um exemplo:

“[…] Agora apelo ao Círculo de Segurança da 13ª dimensão para que sele, proteja e aumente completamente o escudo de Miguel Arcanjo, assim como para que remova qualquer coisa que não seja de natureza Crística e que exista atualmente dentro deste campo.

Agora apelo aos Mestres Ascensionados e a nossos assistentes Crísticos para que removam e dissolvam completamente, todos e cada um dos implantes e suas energias semeadas, parasitas, armas espirituais e dispositivos de limitação auto impostos, tanto conhecidos como desconhecidos. Uma vez completado isso, apelo pela completa restauração e reparação do campo de energia original, infundido com a energia dourada de Cristo.”

Esse é um trecho da tão conhecida “oração dos 21 dias de São Miguel Arcanjo para a libertação espiritual”. Analise esse trecho e, se desejar, o restante dela. Compare com tudo o que expusemos até aqui. Ela é repleta de conceitos falsos e é baseada no conceito heterônomo: faça por mim.

Portanto, repetimos, para frisar e finalizar: encarnados ou desencarnados, tudo, absolutamente tudo, do mal à cura, depende única e exclusivamente da ação da nossa vontade. Sem ela, nada se faz.




Podcasts de Espiritismo

Para quem ainda não soube, estreamos nas principais plataformas de Podcasts, dentre elas o Spotify, o Deezer, o Amazon Music e o Google Podcasts. Vamos passar a disponibilizar os principais e mais interessantes conteúdos já abordados ou a abordar, no estudo da Revista Espírita, assim como os artigos mais interessantes aqui do nosso site, incluindo os assuntos gerais, os estudos aprofundados e os artigos de opinião.

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A CRÍTICA AO TRABALHO MEDIÚNICO

Um bom médium deve sempre estar pronto para a crítica à sua obra, já que ela não lhe pertence, jamais se magoando nem se sentindo humilhado quando uma ideia qualquer tiver vindo de um espírito imperfeito e não puder ser aceita como doutrinária.

Essa crítica e esse julgamento, quando se trata de um bom médium, não deve nem precisa se estender ao médium em si. Contudo, se no grupo mediúnico há o indivíduo invigilante, quase sempre movido por hábitos de vaidade e orgulho, que frequentemente lhes promovem quadros de obsessão e fascinação, deve ser aconselhado em particular, com firmeza, mas com benevolência. Se a razão lhe falar mais alto, entenderá e buscará modificar seu quadro; se não, frequentemente se afastará. “Neste caso, quaisquer que sejam as faculdades que possua, seu afastamento não é de causar saudades.”, diria Kardec [RE, julho de 1858]

O papel do médium é transmitir o conteúdo, inclusive de espíritos inferiores, e o papel de um bom espírita deveria ser o de julgar, com base no estudo e na razão, as comunicações mediúnicas e aprender inclusive com aquelas que forem provenientes de espíritos inferiores, não por aceitá-las cegamente, mas por entender as ideias, as dificuldades, as ilusões, as reflexões sobre a vida anterior, etc. E isso, prezado leitor, se aplica, também, ao querido Chico Xavier, a Divaldo, a Sueli Caldas e todos os médiuns, pois nenhum conta com a graça divina de ser “blindado” contra Espíritos imperfeitos — muito pelo contrário, como creio que está claro pela própria finalidade da mediunidade.

Criou-se uma distorção absurda, não somente no Movimento Espírita, mas também em todo o movimento espiritualista, com trabalhos mediúnicos, desde que se esqueceu desse princípio e que se passou a tratar dos Médiuns como oráculos infalíveis. Importa lembrar que essa ideia foi justamente aquela inculcada por Roustaing, o maior inimigo do Espiritismo e que, infelizmente, permeou e dominou o Movimento Espírita desde sua chegada às terras brasileiras, antes de 1900, tendo encontrado largo apoio para disseminação na FEB, autointitulada órgão máximo de representação do Espiritismo no Brasil (em contrário daquilo que o próprio Kardec recomendou e planejava dar início, se não tivesse morrido tão cedo, conforme apresentado em Constituição Transitória do Espiritismo — RE — dezembro de 1869).

O senhor Roustaing, um dos “judas do Espiritismo”, não era médium. Porém, por uma boa médium, sra. Emilie Collignon, que inclusive se comunicava com Kardec, começou a obter comunicações atribuídas aos quatro evangelistas, que vinham dizer que Roustaing seria o novo profeta, produzindo aquilo que ficou conhecido como Os Quatro Evangelhos, que até hoje influenciam negativamente, com diversos conceitos, o Movimento Espírita no Brasil, principalmente.

Tudo isso que estou apontando foi justamente o que Kardec apontou a Roustaing. A própria médium chegou a afirmar, para Kardec, que não concordava com aquelas comunicações, mas sempre que estava junto a Roustaing, elas eram obtidas. Após Kardec chamar a atenção de Roustaing para a obsessão de que era vítima, tentando fazer um bem a ele, este se revoltou, por vaidade e orgulho… E, então o estrago foi feito.

Após a morte do prof. Rivail (Kardec), um rico (bastante rico) seguidor de Roustaing, Jean Guérin, se aproximou de Leymarie, o “continuador” do Espiritismo que, por interesses menos elevados, se vendeu e, dentre tantos crimes contra o Espiritismo, passou a veicular, na Revista Espírita, conteúdos provenientes dessa ideologia, ainda que contrárias à Doutrina. Isso provocou revolta nos verdadeiros seguidores de Kardec, dentre eles Berthe Fropo, amiga íntima do casal, Camille Flamarion, Leon Denis e Gabriel Delanne. Fropo chegou a publicar:

Apelo a todos os espíritas, meus irmãos. Esse homem [Leymarie] pode permanecer na direção do espiritismo? já que ele não é mais espírita? Ele, que não tem nenhuma crença, que tem somente interesses, que renegou a doutrina que devia defender e proteger, envileceu-a em si mesmo ao preferir outra. Agora quer fazer que a doutrina entre na fase teológica, para estabelecê-la como religião, e fazer que nossa bela filosofia seja rebaixada mediante congressos, cerimônias e, mais tarde, por dogmas, e tudo isso por amor ao dinheiro, para comprazer às ideias do Sr. Guérin, o milionário. Converteu-se em roustainguista, preconizou as ideias subversivas sobre a natureza de Jesus e, atualmente, coloca para estudo até a própria não existência do Cristo.

Em nome de nosso mestre venerado, não podemos deixar nossa doutrina de vida nas mãos de um homem sem crença, sem convicção, e que a renegou. Suplico a todos os espíritas que têm ações da Sociedade Anônima fundada pela Sra. Allan Kardec que se reúnam em assembleia geral; eles têm o direito como acionistas. Se são espíritas sinceros, pessoas honradas, grandes corações que desejam a felicidade de toda a nossa humanidade mediante a propagação da doutrina em toda a sua pureza, devem considerar que é para eles um direito e sobretudo um dever, e que, se não o cumprem, seja por temor, seja por inércia, isso seria um covarde abandono de nossa querida filosofia, que, estai persuadidos, encontra-se em perigo, e em grande perigo. Como é possível respeitar o espiritismo quando se vê, para representá-lo e fazê-lo avançar, pessoas sem moralidade, sem crença e sem lealdade?

A Revista de Allan Kardec não é mais que uma abominável rapsódia; com o pretexto de ecletismo, são inseridas nela as ideias mais subversivas, e perverte-se o juízo daqueles irmãos nossos que, como não têm instrução suficiente para fazer justiça a todas essas ridículas concepções, são confundidos e tornam-se de uma credulidade que pode ser perigosa para seu repouso.

Estudemos o ensinamento de nosso querido mestre Allan Kardec, aceitemos o que essa elevada inteligência compendiou durante trinta anos de um trabalho tenaz, e sobretudo saibamos compreendê-lo e aplicá-lo em nós para nos tornarmos melhores, justos, leais e fraternos, dedicados à doutrina consoladora que os Espíritos nos revelaram.

Jesus, que tão bem nos ensinou o amor, a caridade e a fraternidade, expulsou, no entanto, em um momento de indignação, os vendedores do templo, e as correias das quais ele se serviu ainda não estão gastas. Utilizei as de nossa época; Deus e os bons Espíritos julgar-me-ão.

Considero ter cumprido a missão da qual me encarregaram. Corresponde aos espíritas acionistas atuarem agora e salvarem a Villa Ségur, que, de acordo com a ideia do mestre, estava destinada a uma casa de refúgio para os idosos espíritas; ele desejava construir ali, além disso, um edifício suficientemente vasto para estabelecer nele um lugar de reunião, o museu e a biblioteca espíritas

Fropo, Beacoup de lumière

Kardec, por defender os princípios básicos e necessários da ciência Espírita, também foi chamado ortodoxo, orgulhoso, pedante, vaidoso, etc. Justamente ele, que demonstrava sempre que nem sequer iniciou os estudos do Espiritismo e que, tendo apenas se dedicado a esse estudo de forma metodológica, científica e organizada, sendo muitas vezes contrariado, em suas ideias, pela força da razão, pelos próprios Espíritos, sempre destacou que tudo pertencia aos Espíritos e não às ideias particulares de ninguém, muito menos dele.

Eis os fatos que muitos custam a aceitar, mas que já são bem conhecidos e que estão relatados em O Legado de Allan Kardec, de Simoni Privato, e Ponto Final, de Wilson Garcia.

Referências

  • O Legado de Allan Kardec, de Simoni Privato
  • Ponto Final, de Wilson Garcia
  • Beacoup de lumière, de Berthe Fropo
  • Revista Espírita de 1858



Colônia espiritual “Rancho Alegre” para animais

Muito se tem falado nesse tema. Muitos ensinam que os animais, depois da morte, vão para uma linda colônia espiritual, chamada Rancho Alegre, onde os animais ficariam juntos, em deleite das belezas naturais de lugares no mundo dos Espíritos. Parece bonito, mas é importante lembrar que o Espiritismo não pode ser feito sobre ideias que não tenham sido validadas pela metodologia científica necessária, porque, do contrário, falsas ideias podem gerar enganos, erros e apegos em nossas mentes.

Imagem: animais de várias espécies convivendo juntos numa espécie de paraíso, frequentemente utilizada para falar da ideia da suposta colônia espiritual Rancho Alegre

O que diz a ciência espírita

Kardec, em O Livro dos Espíritos, apresenta importantes conceitos sobre os animais:

597. Pois que os animais possuem uma inteligência que lhes faculta certa liberdade de ação, haverá neles algum princípio independente da matéria?

“Há, e que sobrevive ao corpo.”

a) – Será esse princípio uma alma semelhante à do homem?

“É também uma alma, se quiserdes, dependendo isto do sentido que se der a esta palavra. É, porém, inferior à do homem. Há entre a alma dos animais e a do homem distância equivalente à que medeia entre a alma do homem e Deus.”

598. Após a morte, conserva a alma dos animais a sua individualidade e a consciência de si mesma?

“Conserva sua individualidade; quanto à consciência do seu eu, não. A vida inteligente lhe permanece em estado latente.”

599. À alma dos bichos é dado escolher o animal em que encarne?

“Não, pois que não possui livre-arbítrio.”

Os animais, tem, portanto, uma alma, ou Espírito. Contudo, esse Espírito, apesar de não ser uma máquina, ainda não tem consciência de seu próprio “eu”. Não tem, portanto, livre-arbítrio, pois este vem com a consciência das leis de Deus:

621. Onde está escrita a lei de Deus?

“Na consciência.”

É quando o homem adquire a consciência que, com ela, adquire o livre-arbítrio. Antes, ele é imperado pelos instintos: a fome o chama a comer, o medo o chama a se proteger, a raiva serve para se defender. Ao adquirir o livre-arbítrio, passa a ter a livre escolha, de onde nascem erros e acertos. Dos erros, pode nascer um aprendizado ou uma paixão, que é quando o indivíduo escolhe utilizar o instinto para fortalecer um mau hábito que lhe cause algum tipo de regozijo. Disso, nasce uma imperfeição, que custará para ser vencida através das encarnações.

Animais não tem sofrimento moral, nem necessidade de refletir sobre eles

O animal, porém, não está nesse patamar evolutivo, ainda. Quando o leão mata a zebra, não está cometendo um mal, mas, sim, um bem, pois está agindo segundo as leis de Deus. O animal, portanto, não tem culpa, não tem arrependimento, enfim, não tem sofrimento moral (embora alguns animais aprendam, no contato com o ser humano, a esboçar reações similares). Vem daí que o Espírito vivendo a fase do animal não necessita do período entre as vidas para aprender e refletir, pois seu aprendizado, por enquanto, se dá diretamente no contato com a matéria, vivendo sob o instinto e sob alguma capacidade de vontade que, contudo, não representa o livre-arbítrio, o que coloca abaixo a ideia de uma colônia espiritual Rancho Alegre.

600. Sobrevivendo ao corpo em que habitou, a alma do animal vem a achar-se, depois da morte, num estado de erraticidade, como a do homem?

“Fica numa espécie de erraticidade, pois que não mais se acha unida ao corpo, mas não é um Espírito errante. O Espírito errante é um ser que pensa e obra por sua livre vontade. De idêntica faculdade não dispõe o dos animais. A consciência de si mesmo é o que constitui o principal atributo do Espírito. O do animal, depois da morte, é classificado pelos Espíritos a quem incumbe essa tarefa e utilizado quase imediatamente; não lhe é dado tempo de entrar em relação com outras criaturas.”

Já para o Espírito humano, o período de erraticidade, entre uma encarnação e outra, é necessário ao seu adiantamento e ao seu aprendizado:

227. De que modo se instruem os Espíritos errantes? Certo não o fazem do mesmo modo que nós outros?

“Estudam o seu passado e procuram meios de elevar-se. Veem, observam o que ocorre nos lugares aonde vão; ouvem os discursos dos homens esclarecidos e os conselhos dos Espíritos mais elevados, e tudo isso lhes incute ideias que antes não tinham.”

Precisamos retornar a Kardec

Portanto, amigos, reflitamos sobre a doutrina esquecida pelo Movimento Espírita brasileiro. Os livros de Kardec não nasceram por sua autoria, mas pelo estudo dedicado, organizado e metodológico da universalidade dos ensinamentos dos Espíritos. Na Doutrina Espírita, existe uma construção, onde cada ponto está firmemente estabelecido sobre outro, anteriormente estabelecido, pelo mesmo processo. É necessário, portanto, tomar muito cuidado com os “novidadeiros” do Espiritismo, falando, quase sempre, de suas próprias opiniões. Não é demais lembrar que aquilo que as pessoas veem em estado de sono ou de sonambulismo (desdobramento) não represente, sempre, a verdade, podendo estar alterado por ideias e crenças pessoais.

Kardec sempre destacou a necessidade de a tudo julgar, frente à razão e à ciência, coisa que o Movimento Espírita não tem feito. Esse mesmo Movimento, esquecido voluntariamente disso, passou a aceitar as comunicações espirituais e as opiniões de médiuns em destaque como se fossem algo inquestionável… O que é um enorme erro, já que o papel de qualquer médium é transmitir a comunicação, cabendo aos demais julgá-la em questão de sua aceitação ou não, e não cabendo ao médium melindrar-se por isso.

Este artigo, enfim, é praticamente um grito, um rogo: estudemos Kardec, estudemos a suas obras, pois a base da ciência espírita, essa mesma base da fé raciocinada, aquela que, segundo o professor, “… só é aquela que pode encarar frente a frente a razão, em todas as épocas da Humanidade”, está fundamentada ali. Em suma: não, os animais não vão para a Colônia Espiritual Rancho Alegre, pois não precisam disso. Em verdade, nem nós, Espíritos mais evoluídos, precisamos: é um mito que, quando morrer, nossos Espíritos irão para quaisquer colônias esperituais, tomar sopinha e descansar, porque o Espírito não precisa de nada disso.