Magia negra, feitiços, banhos de sal grosso e ervas, amuletos, wicca: tudo isso existe?

Raras são as crenças e mesmo as superstições que, atravessando os milênios, não tem algum fundo de verdade. Na verdade, Allan Kardec sempre se esforçou em mostrar que a verdade sempre esteve na história da humanidade, transmitida por todos os tempos, mas que apenas ficou abafada pelos erros característicos da ignorância humana e também pelos dogmas propositadamente criados para controlar as consciências.

Em “Instruções práticas sobre as manifestações espíritas”, Kardec assim define:

MAGIA, MAGO — do gr. mageia, conhecimento profundo da natureza; de onde magos, sábio, cientista formado em magia; sacerdote, sábio e filósofo entre os antigos Persas. Originalmente a magia era a ciência dos sábios; todos os que conheciam a astrologia, que se gabavam de predizer o futuro, que faziam coisas extraordinárias e incompreensíveis para o vulgo eram magos ou sábios que, mais tarde, foram chamados magos. O abuso e o charlatanismo desacreditaram a magia; mas todos os fenômenos que hoje reproduzimos pelo magnetismo, pelo sonambulismo e pelo espiritismo provam que a magia não era uma arte puramente quimérica e que, entre muitos absurdos, havia certamente muita coisa verdadeira. A vulgarização desses fenômenos tem por efeito destruir o prestígio dos que outrora operavam sob o manto do segredo e abusavam da credulidade, atribuindo-se um pretenso poder sobrenatural. Graças a essa vulgarização hoje sabemos que nada existe de sobrenatural e que certas coisas só parecem derrogar as leis da natureza porque não lhes conhecemos as causas.

A magia no Egito antigo

Um dos maiores exemplos disso eram os egípcios, profundos conhecedores da mediunidade e de muitas das verdades que o Espiritismo hoje professa. Contudo, esse conhecimento era reservado aos iniciados — os sacerdotes, em geral — e, para o público, era passada a imagem mística de deuses terríveis e vingativos e de um falso poder sobre-humano atribuídos aos sacerdotes e faraós. A mesma estrutura foi copiada por outras religiões que se seguiram.

A RELIGIÃO E A MAGIA NO EGITO ANTIGO – História das Artes Visuais 1

Os egípcios praticavam, também, os diversos rituais de magia (heka) que, longe da acepção negativa que o ocidente faz da palavra, era uma dos dons concedidos pelo deus (em letra minúscula pois a crença deles não era exatamente como a nossa, num Deus único, soberano, etc):

Bem atendidos são os homens, o gado do deus. Ele fez o céu e a terra por sua causa, repeliu o monstro da água e fez o sopro da vida (para) seu nariz. Brilha no céu por sua causa e fez para eles as plantas, o gado, as aves e os peixes, (tudo) para alimentá-los. (porém) matou seus inimigos e destruiu até seus próprios filhos quando intentaram
rebelar-se. Fez a luz do dia por sua causa e navega (no céu) para que o vejam. Erigiu […] seu santuário entre eles, e quando choram ele ouve. Fez para eles governantes ainda no ovo, guias para erguer as costas do fraco. Fez para eles a magia [heka] como arma para desviar o golpe do que acontece (de ruim), velando por eles dia e noite. Matou os
traidores que se encontravam entre eles como um homem bate em seu filho por causa de seu irmão, pois o deus conhece cada nome.

(ARAÚJO, 2000, p. 291. Grifos nossos)((ARAÚJO, Emanuel. Escrito para a Eternidade: a literatura no Egito faraônico.
Brasília: UnB, 2000.)).

A magia entre os Druidas

Tanto os egípcios, quanto praticamente todos os povos, tiveram as suas práticas de magia. O mesmo se deu entre os Druidas, pessoas encarregadas das tarefas de aconselhamento e ensino e de orientações jurídicas e filosóficas na sociedade celta. Em geral, pode-se dizer que eram sacerdotes e sábios. Existiam desde antes de Cristo, há mais de 3000 anos.

Um dos magos mais lendários de todos, Merlin, teria sido também um Druida.

Quem foram os druidas? | Super

Tidos como bruxos e feiticeiros, cheios de rituais que incluiriam até sacrifícios humanos (o que até hoje não foi comprovado) — razão pela qual foram exterminados em grande parte pelos romanos — os druidas eram, na verdade, uma classe sacerdotal que vivia entre a natureza e que dela colhia os elementos necessários aos seus rituais, dentre eles a cura.

A magia pelos milênios

As ideias de magia ou de curandeirismo, como dissemos, permearam, talvez, todos os povos, em todas as épocas. Temos, no Brasil, os curandeiros, feiticeiros e pajés, dentre os povos indígenas e, mais recentemente, os benzedeiros, bem como a Wicca, nascida na Europa, e outras inúmeras denominações que, envoltas em dogmas, rituais e crenças particulares tem, no fundo, a crença no poder da reza ou da oração (ou das fórmulas) e da natureza para a cura das doenças — e acreditam, algumas delas, para promover um feitiço maléfico contra outrem. Os wiccanos, por exemplo, indo (até certo ponto) na direção do Magnetismo de Mesmer, que apresentaremos a seguir, acreditam que a magia é a lei da natureza ainda incompreendida ou ignorada pela ciência contemporânea((Valiente, Doreen (1973). An ABC of Witchcraft Past and Present. [S.l.]: Hale. 231 páginas)), e, como tal, não a veem como sendo sobrenatural, mas sendo uma parte dos “super poderes que residem no natural”.

O Magnetismo de Mesmer

Diria Kardec que “fé inabalável só o é a que pode encarar frente a frente a razão, em todas as épocas da Humanidade“. Cuidemos, pois, de fazer uma aproximação com a ciência que já existe a respeito dessas crenças.

De forma muito resumida, Franz Anton Mesmer foi um médico, cientista e estudioso que, com base em experiências racionais, postulou a teoria conhecida como Magnetismo Animal((FIGUEIREDO, Paulo Henrique de. Mesmer – A Ciência Negada do Magnetismo Animal. FEAL, 2022)).

Mesmer entrou em conflito a ciência de seu tempo, que, para explicar tudo o que não podia analisar pelos aparelhos e pelos sentidos humanos, criou a teoria dos fluidos (para os cientistas de então, a eletricidade seria um fluido, assim como o magnetismo e até mesmo a vida). Para ele — o que depois foi confirmado pelo Espiritismo e pela ciência atual — havia o Fluido Cósmico Universal, que dava origem a tudo. Cada estado diferente da matéria, mesmo aquilo que era intangível e imperceptível, seria apenas uma constituição diferente desse fluido original, vibrando em uma frequência diferente (é exatamente o que explica a Física moderna, mais de 200 anos após a teoria de Mesmer).

Segundo a teoria de Mesmer — e a ciência espírita — o ser humano é capaz, pela vontade, de interagir sobre aquilo que ficou conhecido como fluido perispiritual, que constitui a ligação entre o Espírito e a matéria.

O perispírito

O perispírito, conforme conclui Kardec, se liga ao corpo molécula por molécula((KARDEC, Allan. A Gênese. 2a Edição. FEAL, 2018)) (na verdade, célula a célula, mas naquele tempo não havia esse conhecimento orgânico) e, pela ação do pensamento, através dessa ligação intrínseca, lhe influencia positiva ou negativamente, podendo obter curas ou criar doenças. É o princípio das doenças psicossomáticas e, no fundo, do efeito placebo, para os quais a ciência moderna não consegue encontrar uma explicação definitiva justamente por ignorar as ciências do Magnetismo e do Espiritismo, tachadas por elas de supersticiosas.

Cabe destacar que o perispírito é uma teoria apoiada não só sobre tudo aquilo que grandes pensadores sempre conceberam, incluindo Sócrates e Platão — e o próprio Mesmer — mas também sobre a razão e a observação dos fenômenos e das comunicações espíritas, tal como apresentado aqui. Diria Kardec, em O Livro dos Médiuns:

Numerosas observações e fatos irrecusáveis, de que mais tarde falaremos, levaram à consequência de que há no homem três componentes: 1.º, a alma, ou Espírito, princípio inteligente, onde tem sua sede o senso moral; 2.º, o corpo, invólucro grosseiro, material, de que ele se revestiu temporariamente, em cumprimento de certos desígnios providenciais; 3.º, o perispírito, envoltório fluídico, semimaterial, que serve de ligação entre a alma e o corpo.

[…]

O perispírito não constitui uma dessas hipóteses de que a ciência costuma valer-se para a explicação de um fato. Sua existência não foi apenas revelada pelos Espíritos, resulta de observações, como teremos ocasião de demonstrar. Por ora e por nos não anteciparmos, no tocante aos fatos que havemos de relatar, limitar-nos-emos a dizer que, quer durante a sua união com o corpo, quer depois de separar-se deste, a alma nunca está desligada do seu perispírito.

Em A Gênese, conclui Kardec:

O Espiritismo experimental estudou as propriedades dos fluidos espirituais e sua ação
sobre a matéria. Tem demonstrado a existência do perispírito, sobre o qual havia suspeitas desde a Antiguidade, sendo denominado por São Paulo Corpo Espiritual, ou seja, o corpo fluídico da alma após a destruição do corpo tangível. Sabemos atualmente que esse envoltório é inseparável da alma; que é um dos elementos constitutivos do ser humano; que é o veículo de transmissão do pensamento e que, durante a vida do corpo, serve de ligação entre o Espírito e a matéria. O perispírito realiza um papel tão importante no organismo e em muitas afecções, que se liga tanto à Fisiologia quanto à Psicologia

O perispírito não é, portanto, uma teoria, nem mesmo uma hipótese, para o Espiritismo. Segue Kardec, na mesma obra, afirmando que…

Como meio de elaboração, o Espiritismo procede da mesma maneira que as Ciências
positivas, ou seja, aplica o método experimental. Quando se apresentam fatos novos que não podem ser explicados por meio das leis conhecidas, ele os observa, compara-os, analisa-os e, remontando dos efeitos para as causas, chega à lei que os rege; depois deduz suas consequências e procura suas aplicações úteis. Não estabelece nenhuma teoria preconcebida. Assim, não apresenta como hipótese nem a existência, nem intervenção dos Espíritos, nem mesmo o perispírito, a reencarnação ou qualquer outro princípio da doutrina. Conclui pela existência dos Espíritos quando esta se tornou evidente pela observação dos fatos, e tem procedido da mesma maneira em relação aos outros princípios. Não foram, portanto, os fatos que vieram posteriormente confirmar a teoria, mas a teoria que veio em seguida para explicar e resumir os fatos. É, pois, rigorosamente exato dizer que o Espiritismo é uma Ciência de observação, e não o produto da imaginação.

Curas, passes, magia negra e feitiçaria

Aqui, porém, é necessário fazer uma observação importantíssima, baseada nas duas ciências citadas: não sendo o magnetismo animal uma transferência de fluidos, mas, sim, uma ação da vontade sobre os fluidos perispirituais, é indispensável que a outra ponta partilhe da vontade e da aceitação para que essa interação prolongada se cumpra.

Quando Mesmer e muitos de seus discípulos curavam, essa ação se dava através de incontáveis horas de aproximação com o paciente, da simpatização de ideias e, figurativamente, de energias e, então, o tratamento, quase sempre por meio de passes, se iniciava por prolongadas horas, podendo ser realizado com periodicidade, de modo a alcançar o resultado. O paciente, nesse estágio, se colocava totalmente à disposição e em favor da cura que, não raro, se produzia de forma notável. Depois, o Espiritismo veio demonstrar que a essas curas estão, quase sempre, associados Espíritos bondosos que auxiliam no processo.

The Mesmer Hangover – a major source of stigma for magnetic therapy...  since 1784!
Nota: essa imagem é apenas uma ilustração da imposição de mãos.

É claro que toda essa teoria de Mesmer não deixou de criar inimigos mordazes, mas isso é tema para uma leitura dedicada do leitor((FIGUEIREDO, Paulo Henrique de. Ibidem)).

Da mesma forma que se acontece com a cura, os rituais de magia negra e feitiçaria (que, na verdade, são a ação da vontade — embora maléfica — sobre o fluido perispiritual, com ou sem a participação de Espíritos inferiores) depende inexoravelmente da aceitação da contraparte para que a influência se cumpra. Veja que, de qualquer forma, não é um fluido que se transfere de um para outro, mas o efeito da ação mental de um sobre o outro. É por isso que, simplória e acertadamente, o dito “se não acreditar, não pega” é exato.

Ritual de magia negra com velas e runas | Foto Premium

Vou além: sabe aquela ideia de que palavras de ódio são um jato de energia negativa que atinge o outro? Também é mito. O outro só se contamina com o mau estado se ele permitir, e o que acontece não é que ele deixa entrar uma energia, mas sim que ele próprio cria a “má energia”.

Vemos, portanto, que, no que tange à “magia negra”, começar por dissolver a superstição é o primeiro bem que se faz. A criatura que nem sequer acredita nisso já se coloca um pé distante dessa influência. Contudo, resta dizer que a vibração, aqui, entra com muita propriedade: o indivíduo que, mentalmente, se afasta do bem, seja pela ação ostensiva no mal, seja pelo cultivo das paixões e imperfeições, coloca seu perispírito (sendo matéria, mas em estado quintessenciado) em estado vibratório suscetível de ser influenciado pelos pensamentos de outros Espíritos em mesma sintonia, encarnados ou desencarnados. Portanto, se o indivíduo estiver nesse estado, não receberá um influxo de magia como se fosse algo tangível, mas, pela ação do pensamento de outrem, poderá se influenciar. Aliás, nem é necessário recorrer à magia para isso: as pessoas se influenciam, positiva ou negativamente, dia após dia.

Tudo é energia?

Essa afirmação é extremamente comum: somos energia. Contudo, antes de prosseguir, temos que dizer: nem tudo é energia.

SOMOS ENERGIA! | Revista Statto

Nem Deus, nem os Espíritos são energia. Energia é algo físico. Deus é outra coisa, e Espírito é ainda outra coisa. Se fossem energia, seriam matéria e, portanto, estariam sujeitos às transformações da matéria, inclusive à desagregação e, portanto, teriam um fim. Mas sabemos que o Espírito é imortal e que Deus, além de imortal, não tem também um começo.

É por isso que nada que é material tem influência sobre o Espírito, a não ser que ele acredite nisso. Pelo mesmo princípio, nada que é espiritual tem ação direta sobre a matéria. Não fosse assim, seria muito fácil um mal Espírito promover uma ação maléfica material sobre um encarnado, inclusive lhe criando doenças e instalando “chips” de controle. Frisamos: tudo isso não passa de superstição, e é nesse sentido, aqui tão bem entendido, que, em O Livro dos Espíritos, consta o seguinte:

Pode um homem mau, com o auxílio de um mau Espírito que lhe seja dedicado, fazer mal ao seu próximo?

551. Pode um homem mau, com o auxílio de um mau Espírito que lhe seja dedicado, fazer mal ao seu próximo?

“Não; Deus não o permitiria.”

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, 1860

Em “Deus não o permitiria” está encerrada toda a explicação feita até aqui: um homem mau, com ou sem a ajuda de um mau espírito, não consegue fazer o mal contra outrem, através de magias, feitiços ou conjurações. “É da lei de Deus”.

Diríamos, porém: “mas um homem pode fazer um mal a outrem por meios diretos, físicos mesmo”. Isso parece lógico… Mas, se pensarmos de forma mais profunda, mesmo esse mal feito fisicamente, como, por exemplo, uma ferida por uma arma ou mesmo a morte, somente pode representar o mal para sua vítima se essa se permitir atingir. Ora, o outro pratica uma ação, afastada do bem, por ignorância de que está fazendo o mal para si mesmo. Por mais que me doa, é da minha escolha me deixar ser atingido por essa ação, me permitindo demorar sobre pensamentos de raiva, angústia, revolta, vingança, etc., que é quando eu mesmo faço o mal para mim. Veja que pensamento libertador!

Quer um exemplo prático? Pensemos em Jesus: do nosso ponto de vista, fizemos muito mal a ele. Do ponto de vista dele, contudo, nada do que fizemos o atingiu, e ele não sofreu nenhum mal, senão dores físicas, pois seu grau de elevação espiritual não lhe deixava mais suscetível a qualquer coisa que o fizessem. Eis a nossa meta.

Banhos de descarga, sal grosso, ervas e amuletos

Banho de sal grosso afasta más energias? Saiba como usar

Chegando a este ponto, supomos que já está bastante claro o princípio da ação “energética” entre os seres encarnados e o princípio da inexistência de uma ação energética entre Espíritos e encarnados, e vice-versa. Ficou evidenciado que nenhuma ação Espiritual, seja de um Espírito encarnado ou desencarnado, pode afetar diretamente outro indivíduo encarnado (e resta descartar que a ação entre Espíritos desencarnados é sempre moral e depende da aceitação do outro). Portanto, recomendar quaisquer artifícios materiais para atrair ou repelir essas influências é quase de todo uma perda de tempo, já que o que se quer é que a parte afetada racionalmente se coloque em atitude firme contra as influências do pensamento estranho, o que se dá apenas com a transformação moral ativa do indivíduo.

Mas e o efeito placebo? É claro que não o descartamos. Uma pessoa pode, sim, acreditando no poder de um amuleto ou de uma erva, ou ainda de uma limpeza corporal, ou do ambiente, assumir uma atitude diferente, mais positiva e ativa e, daí então, afastar as influências anteriores. Contudo, vejamos, aqui é a vontade dessa pessoa, e não a suposta força desses elementos, que promoveu a modificação de seu estado. Contudo, há um lado muito negativo nesse aspecto: sendo motivada por crenças supersticiosas e não científicas, muitas vezes a pessoa pode se esquecer do principal, que a própria modificação, outorgando o efeito desejado à ação desses elementos e, assim, prolongando seu próprio sofrimento.

E, é ainda mais claro, não estamos descartando os efeitos físicos que a matéria tem sobre a matéria; é, aliás, o princípio de tudo o que dissemos acima.

Para finalizar, podemos recorrer até à tão mencionada ação do mentor de André Luiz, no romance Nosso Lar, que vai à floresta, na Terra, e lá supostamente colhe elementos extraídos das árvores para tratar do corpo do indivíduo encarnado. Sabemos do princípio das curas espirituais, mas é importante lembrar que, para que essa ação seja possível — desde a colheita dos princípios naturais, até a aplicação ao enfermo, é necessária a existência de um médium que, mesmo sem consciência, possa fornecer algum fluido perispiritual específico para essa tarefa. Quem sabe, seguindo nessa teoria, isso não se deu através da própria filha de André Luiz, que demonstrava ter uma mediunidade latente?

E a prece ou a oração, funcionam?

Depende, porque a oração ou a prece deve ter o intuito honesto do indivíduo que reconhece suas imperfeições, suas faltas e roga o auxílio para vencer essas dificuldades. É esse o propósito da prece. Por ela, o indivíduo eleva seus pensamentos, muda sua sintonia e se coloca em contato com os Espíritos superiores — desde que sua intenção seja honesta e verdadeira.

Contudo, se a oração é feita “de boca pra fora”, uma repetição maquinal de fórmulas “sagradas” e se, sobretudo, ela transfere a responsabilidade a outrem, seja a Deus, seja a um Espírito de qualquer ordem, ela será ineficaz, já que a pessoa não está atenta e compromissada com sua própria modificação. Nem Deus, nem qualquer Espírito fazem nada por nós, senão nos inspirar e nos direcionar para as situações, os conteúdos e os conhecimentos que poderão nos auxiliar. Ou seja, nos levam até a porta, muitas vezes, mas abri-la e entrar é algo que depende de nós, exclusivamente.

Vejamos um exemplo:

“[…] Agora apelo ao Círculo de Segurança da 13ª dimensão para que sele, proteja e aumente completamente o escudo de Miguel Arcanjo, assim como para que remova qualquer coisa que não seja de natureza Crística e que exista atualmente dentro deste campo.

Agora apelo aos Mestres Ascensionados e a nossos assistentes Crísticos para que removam e dissolvam completamente, todos e cada um dos implantes e suas energias semeadas, parasitas, armas espirituais e dispositivos de limitação auto impostos, tanto conhecidos como desconhecidos. Uma vez completado isso, apelo pela completa restauração e reparação do campo de energia original, infundido com a energia dourada de Cristo.”

Esse é um trecho da tão conhecida “oração dos 21 dias de São Miguel Arcanjo para a libertação espiritual”. Analise esse trecho e, se desejar, o restante dela. Compare com tudo o que expusemos até aqui. Ela é repleta de conceitos falsos e é baseada no conceito heterônomo: faça por mim.

Portanto, repetimos, para frisar e finalizar: encarnados ou desencarnados, tudo, absolutamente tudo, do mal à cura, depende única e exclusivamente da ação da nossa vontade. Sem ela, nada se faz.




Podcasts de Espiritismo

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A CRÍTICA AO TRABALHO MEDIÚNICO

Um bom médium deve sempre estar pronto para a crítica à sua obra, já que ela não lhe pertence, jamais se magoando nem se sentindo humilhado quando uma ideia qualquer tiver vindo de um espírito imperfeito e não puder ser aceita como doutrinária.

Essa crítica e esse julgamento, quando se trata de um bom médium, não deve nem precisa se estender ao médium em si. Contudo, se no grupo mediúnico há o indivíduo invigilante, quase sempre movido por hábitos de vaidade e orgulho, que frequentemente lhes promovem quadros de obsessão e fascinação, deve ser aconselhado em particular, com firmeza, mas com benevolência. Se a razão lhe falar mais alto, entenderá e buscará modificar seu quadro; se não, frequentemente se afastará. “Neste caso, quaisquer que sejam as faculdades que possua, seu afastamento não é de causar saudades.”, diria Kardec [RE, julho de 1858]

O papel do médium é transmitir o conteúdo, inclusive de espíritos inferiores, e o papel de um bom espírita deveria ser o de julgar, com base no estudo e na razão, as comunicações mediúnicas e aprender inclusive com aquelas que forem provenientes de espíritos inferiores, não por aceitá-las cegamente, mas por entender as ideias, as dificuldades, as ilusões, as reflexões sobre a vida anterior, etc. E isso, prezado leitor, se aplica, também, ao querido Chico Xavier, a Divaldo, a Sueli Caldas e todos os médiuns, pois nenhum conta com a graça divina de ser “blindado” contra Espíritos imperfeitos — muito pelo contrário, como creio que está claro pela própria finalidade da mediunidade.

Criou-se uma distorção absurda, não somente no Movimento Espírita, mas também em todo o movimento espiritualista, com trabalhos mediúnicos, desde que se esqueceu desse princípio e que se passou a tratar dos Médiuns como oráculos infalíveis. Importa lembrar que essa ideia foi justamente aquela inculcada por Roustaing, o maior inimigo do Espiritismo e que, infelizmente, permeou e dominou o Movimento Espírita desde sua chegada às terras brasileiras, antes de 1900, tendo encontrado largo apoio para disseminação na FEB, autointitulada órgão máximo de representação do Espiritismo no Brasil (em contrário daquilo que o próprio Kardec recomendou e planejava dar início, se não tivesse morrido tão cedo, conforme apresentado em Constituição Transitória do Espiritismo — RE — dezembro de 1869).

O senhor Roustaing, um dos “judas do Espiritismo”, não era médium. Porém, por uma boa médium, sra. Emilie Collignon, que inclusive se comunicava com Kardec, começou a obter comunicações atribuídas aos quatro evangelistas, que vinham dizer que Roustaing seria o novo profeta, produzindo aquilo que ficou conhecido como Os Quatro Evangelhos, que até hoje influenciam negativamente, com diversos conceitos, o Movimento Espírita no Brasil, principalmente.

Tudo isso que estou apontando foi justamente o que Kardec apontou a Roustaing. A própria médium chegou a afirmar, para Kardec, que não concordava com aquelas comunicações, mas sempre que estava junto a Roustaing, elas eram obtidas. Após Kardec chamar a atenção de Roustaing para a obsessão de que era vítima, tentando fazer um bem a ele, este se revoltou, por vaidade e orgulho… E, então o estrago foi feito.

Após a morte do prof. Rivail (Kardec), um rico (bastante rico) seguidor de Roustaing, Jean Guérin, se aproximou de Leymarie, o “continuador” do Espiritismo que, por interesses menos elevados, se vendeu e, dentre tantos crimes contra o Espiritismo, passou a veicular, na Revista Espírita, conteúdos provenientes dessa ideologia, ainda que contrárias à Doutrina. Isso provocou revolta nos verdadeiros seguidores de Kardec, dentre eles Berthe Fropo, amiga íntima do casal, Camille Flamarion, Leon Denis e Gabriel Delanne. Fropo chegou a publicar:

Apelo a todos os espíritas, meus irmãos. Esse homem [Leymarie] pode permanecer na direção do espiritismo? já que ele não é mais espírita? Ele, que não tem nenhuma crença, que tem somente interesses, que renegou a doutrina que devia defender e proteger, envileceu-a em si mesmo ao preferir outra. Agora quer fazer que a doutrina entre na fase teológica, para estabelecê-la como religião, e fazer que nossa bela filosofia seja rebaixada mediante congressos, cerimônias e, mais tarde, por dogmas, e tudo isso por amor ao dinheiro, para comprazer às ideias do Sr. Guérin, o milionário. Converteu-se em roustainguista, preconizou as ideias subversivas sobre a natureza de Jesus e, atualmente, coloca para estudo até a própria não existência do Cristo.

Em nome de nosso mestre venerado, não podemos deixar nossa doutrina de vida nas mãos de um homem sem crença, sem convicção, e que a renegou. Suplico a todos os espíritas que têm ações da Sociedade Anônima fundada pela Sra. Allan Kardec que se reúnam em assembleia geral; eles têm o direito como acionistas. Se são espíritas sinceros, pessoas honradas, grandes corações que desejam a felicidade de toda a nossa humanidade mediante a propagação da doutrina em toda a sua pureza, devem considerar que é para eles um direito e sobretudo um dever, e que, se não o cumprem, seja por temor, seja por inércia, isso seria um covarde abandono de nossa querida filosofia, que, estai persuadidos, encontra-se em perigo, e em grande perigo. Como é possível respeitar o espiritismo quando se vê, para representá-lo e fazê-lo avançar, pessoas sem moralidade, sem crença e sem lealdade?

A Revista de Allan Kardec não é mais que uma abominável rapsódia; com o pretexto de ecletismo, são inseridas nela as ideias mais subversivas, e perverte-se o juízo daqueles irmãos nossos que, como não têm instrução suficiente para fazer justiça a todas essas ridículas concepções, são confundidos e tornam-se de uma credulidade que pode ser perigosa para seu repouso.

Estudemos o ensinamento de nosso querido mestre Allan Kardec, aceitemos o que essa elevada inteligência compendiou durante trinta anos de um trabalho tenaz, e sobretudo saibamos compreendê-lo e aplicá-lo em nós para nos tornarmos melhores, justos, leais e fraternos, dedicados à doutrina consoladora que os Espíritos nos revelaram.

Jesus, que tão bem nos ensinou o amor, a caridade e a fraternidade, expulsou, no entanto, em um momento de indignação, os vendedores do templo, e as correias das quais ele se serviu ainda não estão gastas. Utilizei as de nossa época; Deus e os bons Espíritos julgar-me-ão.

Considero ter cumprido a missão da qual me encarregaram. Corresponde aos espíritas acionistas atuarem agora e salvarem a Villa Ségur, que, de acordo com a ideia do mestre, estava destinada a uma casa de refúgio para os idosos espíritas; ele desejava construir ali, além disso, um edifício suficientemente vasto para estabelecer nele um lugar de reunião, o museu e a biblioteca espíritas

Fropo, Beacoup de lumière

Kardec, por defender os princípios básicos e necessários da ciência Espírita, também foi chamado ortodoxo, orgulhoso, pedante, vaidoso, etc. Justamente ele, que demonstrava sempre que nem sequer iniciou os estudos do Espiritismo e que, tendo apenas se dedicado a esse estudo de forma metodológica, científica e organizada, sendo muitas vezes contrariado, em suas ideias, pela força da razão, pelos próprios Espíritos, sempre destacou que tudo pertencia aos Espíritos e não às ideias particulares de ninguém, muito menos dele.

Eis os fatos que muitos custam a aceitar, mas que já são bem conhecidos e que estão relatados em O Legado de Allan Kardec, de Simoni Privato, e Ponto Final, de Wilson Garcia.

Referências

  • O Legado de Allan Kardec, de Simoni Privato
  • Ponto Final, de Wilson Garcia
  • Beacoup de lumière, de Berthe Fropo
  • Revista Espírita de 1858



Colônia espiritual “Rancho Alegre” para animais

Muito se tem falado nesse tema. Muitos ensinam que os animais, depois da morte, vão para uma linda colônia espiritual, chamada Rancho Alegre, onde os animais ficariam juntos, em deleite das belezas naturais de lugares no mundo dos Espíritos. Parece bonito, mas é importante lembrar que o Espiritismo não pode ser feito sobre ideias que não tenham sido validadas pela metodologia científica necessária, porque, do contrário, falsas ideias podem gerar enganos, erros e apegos em nossas mentes.

Imagem: animais de várias espécies convivendo juntos numa espécie de paraíso, frequentemente utilizada para falar da ideia da suposta colônia espiritual Rancho Alegre

O que diz a ciência espírita

Kardec, em O Livro dos Espíritos, apresenta importantes conceitos sobre os animais:

597. Pois que os animais possuem uma inteligência que lhes faculta certa liberdade de ação, haverá neles algum princípio independente da matéria?

“Há, e que sobrevive ao corpo.”

a) – Será esse princípio uma alma semelhante à do homem?

“É também uma alma, se quiserdes, dependendo isto do sentido que se der a esta palavra. É, porém, inferior à do homem. Há entre a alma dos animais e a do homem distância equivalente à que medeia entre a alma do homem e Deus.”

598. Após a morte, conserva a alma dos animais a sua individualidade e a consciência de si mesma?

“Conserva sua individualidade; quanto à consciência do seu eu, não. A vida inteligente lhe permanece em estado latente.”

599. À alma dos bichos é dado escolher o animal em que encarne?

“Não, pois que não possui livre-arbítrio.”

Os animais, tem, portanto, uma alma, ou Espírito. Contudo, esse Espírito, apesar de não ser uma máquina, ainda não tem consciência de seu próprio “eu”. Não tem, portanto, livre-arbítrio, pois este vem com a consciência das leis de Deus:

621. Onde está escrita a lei de Deus?

“Na consciência.”

É quando o homem adquire a consciência que, com ela, adquire o livre-arbítrio. Antes, ele é imperado pelos instintos: a fome o chama a comer, o medo o chama a se proteger, a raiva serve para se defender. Ao adquirir o livre-arbítrio, passa a ter a livre escolha, de onde nascem erros e acertos. Dos erros, pode nascer um aprendizado ou uma paixão, que é quando o indivíduo escolhe utilizar o instinto para fortalecer um mau hábito que lhe cause algum tipo de regozijo. Disso, nasce uma imperfeição, que custará para ser vencida através das encarnações.

Animais não tem sofrimento moral, nem necessidade de refletir sobre eles

O animal, porém, não está nesse patamar evolutivo, ainda. Quando o leão mata a zebra, não está cometendo um mal, mas, sim, um bem, pois está agindo segundo as leis de Deus. O animal, portanto, não tem culpa, não tem arrependimento, enfim, não tem sofrimento moral (embora alguns animais aprendam, no contato com o ser humano, a esboçar reações similares). Vem daí que o Espírito vivendo a fase do animal não necessita do período entre as vidas para aprender e refletir, pois seu aprendizado, por enquanto, se dá diretamente no contato com a matéria, vivendo sob o instinto e sob alguma capacidade de vontade que, contudo, não representa o livre-arbítrio, o que coloca abaixo a ideia de uma colônia espiritual Rancho Alegre.

600. Sobrevivendo ao corpo em que habitou, a alma do animal vem a achar-se, depois da morte, num estado de erraticidade, como a do homem?

“Fica numa espécie de erraticidade, pois que não mais se acha unida ao corpo, mas não é um Espírito errante. O Espírito errante é um ser que pensa e obra por sua livre vontade. De idêntica faculdade não dispõe o dos animais. A consciência de si mesmo é o que constitui o principal atributo do Espírito. O do animal, depois da morte, é classificado pelos Espíritos a quem incumbe essa tarefa e utilizado quase imediatamente; não lhe é dado tempo de entrar em relação com outras criaturas.”

Já para o Espírito humano, o período de erraticidade, entre uma encarnação e outra, é necessário ao seu adiantamento e ao seu aprendizado:

227. De que modo se instruem os Espíritos errantes? Certo não o fazem do mesmo modo que nós outros?

“Estudam o seu passado e procuram meios de elevar-se. Veem, observam o que ocorre nos lugares aonde vão; ouvem os discursos dos homens esclarecidos e os conselhos dos Espíritos mais elevados, e tudo isso lhes incute ideias que antes não tinham.”

Precisamos retornar a Kardec

Portanto, amigos, reflitamos sobre a doutrina esquecida pelo Movimento Espírita brasileiro. Os livros de Kardec não nasceram por sua autoria, mas pelo estudo dedicado, organizado e metodológico da universalidade dos ensinamentos dos Espíritos. Na Doutrina Espírita, existe uma construção, onde cada ponto está firmemente estabelecido sobre outro, anteriormente estabelecido, pelo mesmo processo. É necessário, portanto, tomar muito cuidado com os “novidadeiros” do Espiritismo, falando, quase sempre, de suas próprias opiniões. Não é demais lembrar que aquilo que as pessoas veem em estado de sono ou de sonambulismo (desdobramento) não represente, sempre, a verdade, podendo estar alterado por ideias e crenças pessoais.

Kardec sempre destacou a necessidade de a tudo julgar, frente à razão e à ciência, coisa que o Movimento Espírita não tem feito. Esse mesmo Movimento, esquecido voluntariamente disso, passou a aceitar as comunicações espirituais e as opiniões de médiuns em destaque como se fossem algo inquestionável… O que é um enorme erro, já que o papel de qualquer médium é transmitir a comunicação, cabendo aos demais julgá-la em questão de sua aceitação ou não, e não cabendo ao médium melindrar-se por isso.

Este artigo, enfim, é praticamente um grito, um rogo: estudemos Kardec, estudemos a suas obras, pois a base da ciência espírita, essa mesma base da fé raciocinada, aquela que, segundo o professor, “… só é aquela que pode encarar frente a frente a razão, em todas as épocas da Humanidade”, está fundamentada ali. Em suma: não, os animais não vão para a Colônia Espiritual Rancho Alegre, pois não precisam disso. Em verdade, nem nós, Espíritos mais evoluídos, precisamos: é um mito que, quando morrer, nossos Espíritos irão para quaisquer colônias esperituais, tomar sopinha e descansar, porque o Espírito não precisa de nada disso.




O difícil trabalho de desobsessão

Kardec assim define a obsessão:

A obsessão é a ação persistente que um malvado Espírito exerce sobre um indivíduo. Apresenta caracteres muito distintos, desde a simples influência moral sem marcas externas sensíveis até a perturbação completa do organismo e das faculdades mentais. Oblitera todas as faculdades mediúnicas. Na mediunidade auditiva e psicográfica, ela se traduz pela obstinação de um Espírito em se manifestar com a exclusão dos demais.

A obsessão é quase sempre o fato de uma vingança exercida por um Espírito e que o mais frequente tem origem nas relações que o obsedado tenha tido com aquele em uma existência anterior. 

Nos casos de obsessão grave, o obsidiado é envolvido e impregnado por um fluido pernicioso que neutraliza a ação dos fluidos salutares e os repulsa. É desse fluido que se torna necessário se desembaraçar; ora, um mau fluido não pode ser repelido por outro mau fluido. Por uma ação idêntica à do médium curador, no caso de doenças, é necessário expulsar o fluido mau com a ajuda de um fluido melhor. 

Essa é a ação mecânica, mas que nem sempre é suficiente. É preciso também, e sobretudo, atuar sobre o ser inteligente, ao qual é preciso ter o direito de falar com autoridade, e essa autoridade só é dada pela superioridade moral; quanto maior ela for, maior será a autoridade.

Allan Kardec, A Gênese, 1868

A obsessão se dá de Espírito para Espírito, mesmo de encarnado para encarnado e tem, na sua raiz, sempre uma falta de capacidade inicial de lutar contra uma influência perniciosa. Vemos isso nas relações doentias de casais, quando um exerce um domínio pernicioso que não é combatido pelo outro. Quando se dá de Espírito para encarnado, na origem, identifica-se a falta de capacidade, do encarnado, de identificar a influência perniciosa sobre suas próprias imperfeições e paixões (sentimentos), levando-o, lenta e progressivamente, a entrar em estados diversos como os de prazer, inquietação, melancolia, etc. Isso quer dizer que, muitas vezes, o próprio encarnado aceita voluntariamente, embora inconscientemente, a influência que o instiga ao cultivo das imperfeições ou dos hábitos que o agradam.

Existe também a possibilidade menos frequente de haver uma auto-obsessão, onde o próprio indivíduo se prenda a certos pensamentos ou a certas questões, sem a participação de outros Espíritos. Vamos tratar de cada uma dessas possibilidades a seguir.

Importa dizer, antes de mais nada, que a obsessão precisa ser combatida, o quanto antes, pela vontade do encarnado, em primeiro lugar. Acontece que, se a obsessão estiver avançada, essa vontade pode estar obliterada, o que é muito comum nos casos identificados como depressivos. É aí que é necessário haver uma intervenção, de pessoas próximas, que possam auxiliar, com persistência benevolente, a soerguer essa vontade inexistente ou apagada. Por esse motivo, cremos importante destacar o estado de subjugação e os de possessão, definidos assim por Kardec:

Subjugação

É uma ligação moral que paralisa a vontade de quem a sofre e que impele a pessoa às mais desarrazoadas atitudes, frequentemente as mais contrárias ao seu próprio interesse. [RE, out/1858]

A subjugação pode ser moral ou corporal. No primeiro caso, o subjugado é constrangido a tomar resoluções muitas vezes absurdas e comprometedoras que, por uma espécie de ilusão, ele julga sensatas: é um tipo de fascinação. No segundo caso, o Espírito atua sobre os órgãos materiais e provoca movimentos involuntários. Traduz-se, no médium escrevente, por uma necessidade incessante de escrever, ainda nos momentos menos oportunos. Vimos alguns que, à falta de pena ou lápis, simulavam escrever com o dedo, onde quer que se encontrassem, mesmo nas ruas, nas portas, nas paredes. [O Livro dos Médiuns]

Possessão 

Dava-se outrora o nome de possessão ao império exercido por maus Espíritos, quando a influência deles ia até à aberração das faculdades da vítima. A possessão seria, para nós, sinônimo da subjugação. [O Livro dos Médiuns]

Na possessão, em lugar de agir exteriormente, o Espírito livre se substitui, por assim dizer, ao Espírito encarnado; faz eleição de domicílio em seu corpo sem que, contudo, este o deixe definitivamente, o que não pode ter lugar senão com a morte. A possessão é, pois, sempre temporária e intermitente porque um Espírito desencarnado não pode tomar definitivamente o lugar e a dignidade de um Espírito encarnado, atentando que a união molecular do perispírito e do corpo só pode se operar no momento da concepção.

O Espírito, na posse momentânea do corpo, serve-se dele como do seu próprio; fala por sua boca, vê pelos seus olhos, atua com seus braços como se tivesse feito de sua vivência. Não é mais como na mediunidade psicofônica, na qual o Espírito encarnado fala transmitindo o pensamento de um Espírito desencarnado. É este último ele próprio que fala e que atua e se o tiver conhecido em vida, reconhecê-lo-á pela sua linguagem, sua voz, pelos seus gestos e até pela expressão de sua fisionomia.

A obsessão é sempre uma ocorrência de um Espírito malfeitor. A possessão pode ser a atuação de um bom Espírito que quer falar e, para causar maior impressão em seu ouvinte, toma emprestado o corpo de um encarnado, que lhe empresta voluntariamente como se emprestasse sua veste. Isso se faz sem nenhuma perturbação nem mal-estar, e durante esse tempo o Espírito se encontra em liberdade, como no estado de emancipação, e, mais frequentemente ele se coloca ao lado de seu substituto para escutá-lo.

Quando o Espírito possessor é mau, as coisas se passam diferentemente. Ele não toma emprestado o corpo, mas se apodera se o titular não possuir força moral a lhe resistir. Ele o faz por maldade para com o dito, a quem tortura e martiriza de todas as maneiras, até querer fazer com que pereça, seja pelo estrangulamento, seja colocando-o no fogo, seja em outros lugares perigosos. Servindo-se dos membros e dos órgãos do desditoso paciente, insulta, difama e maltrata os que o cercam; libera-se a essas excentricidades e a atos que tenham todas as características de loucura furiosa. [A Gênese]

Vemos, assim, a extensão do mal ao qual se pode chegar com uma influência não combatida. Chegamos ao ponto importante: como combater uma obsessão.

Combatendo uma obsessão

Seja por iniciativa própria, seja com a ajuda de alguém, o combate a uma obsessão deve abranger todos os envolvidos. Quando se trata de uma auto-obsessão, esse será o único alvo; a abordagem será outra quando houver a relação entre uns e outros indivíduos. No caso da obsessão de encarnado para encarnado, o trabalho poderá ser muito auxiliado pela psicologia humana, mas também pela abordagem junto ao obsessor encarnado que, por sua vez, quase sempre, também está sofrendo um quadro de obsessão. Dependendo da gravidade desse quadro, de encarnado para encarnado, a interrupção da influência, mesmo por meios legais, poderá ser necessária.

O quadro mais frequente, porém, é o da obsessão de Espíritos imperfeitos sobre encarnados. Como vimos, quase sempre ela se dá por ação de vingança. Outras vezes, se dá simplesmente pela vontade que um ou mais Espíritos imperfeitos têm de atrair para a infelicidade de que compartilham aqueles a quem invejam. Outra possibilidade que muito deve importar aos trabalhadores da Doutrina Espírita é a dos Espíritos que, inimigos dessa ciência, fazem de tudo para atrapalhar a sua propagação, criando verdadeiros planos malignos para atacá-la em suas bases, como foi o caso envolvendo o sr. Roustaing, na época de Kardec, e o sr. Leymarie, que, após a morte de Kardec, cedeu às paixões da fama e do dinheiro e, assim, destruiu e deturpou os caminhos anteriormente traçados pelo patrono da Doutrina Espírita, lançando, sobre esta, grande mancha que somente hoje começa a se apagar.

O trabalho de combate à obsessão espiritual, como dizíamos, deve abordar os dois lados da relação. Do lado dos Espíritos, um bom grupo espírita, suficientemente instruído e cuidadoso, poderá ser de grande auxílio, através do trabalho de desobsessão, que consiste em procurar fazer os Espíritos obsessores entenderem a perda de tempo e a inutilidade de fazerem o que fazem. Para isso, porém, os trabalhadores do grupo precisam oferecer aquilo que Kardec chamava de ascendente moral, isto é, precisam ser honestos e empenhados no trabalho de correção das próprias imperfeições, pois, muito comumente, os Espíritos obsessores apontarão para qualquer vestígio de desonestidade ou de demagogia, que é quando se diz uma coisa e se faz outra. O Espírito obsessor, por exemplo, quando convidado a deixar de agir por ciúmes, poderá se voltar e dizer: “quem é você para me dizer isso, se agiu assim ontem, com sua esposa?”. É claro, não esperamos que os encarnados sejam perfeitos, mas é necessário que sejam honestos e empenhados. Nessa situação, poderia o indivíduo replicar: “sim, eu infelizmente cedi a esse mau hábito, ontem, mas você deve ter visto que eu sofri com seus resultados. É por isso que, se tem me acompanhado, deve ter visto que estou tentando vencê-lo”.

Durante o contato mediúnico, o Espírito, que muitas vezes está tresloucado num pensamento fixo, sofre uma espécie de “choque”, que não consiste em nada energético, mas, sim, na contenção de seus pensamentos, durante a ligação perispiritual com o médium. Assim, torna-se mais fácil raciocinar e refletir.

O trabalho junto a um obsessor pode demandar persistência e cuidado, por diversas sessões, que poderão envolver a evocação do Espírito envolvido. Mas também é necessário abordar o encarnado, que precisa despertar, em si, a vontade de querer se libertar desse jugo. Para isso, será necessário levá-lo a raciocinar, também, para que, pela razão, tome essa decisão.

Na Revista Espírita de outubro de 1858, Kardec apresenta um caso do tipo, bem-sucedido, afinal:

Empreguei toda a minha força de vontade para chamar os bons Espíritos por seu intermédio; toda a minha retórica para lhe provar que era vítima de Espíritos detestáveis; que aquilo que escrevia não tinha senso, além de ser profundamente imoral. Para essa obra de caridade juntei-me a um colega, o Sr. T… e pouco a pouco conseguimos que escrevesse coisas sensatas. Ele tomou aversão àquele mau gênio, repelindo-o por vontade própria cada vez que tentava manifestar-se, e lentamente os bons Espíritos triunfaram.

Para modificar suas ideias, ele seguiu o conselho dos Espíritos, de entregar-se a um trabalho rude, que lhe não deixasse tempo para ouvir as sugestões más.

O efeito sobre o Espírito também foi positivo:

O próprio Dillois acabou confessando-se vencido e manifestou o desejo de progredir em nova existência. Confessou o mal que tinha tentado fazer e deu provas de arrependimento. A luta foi longa e penosa e ofereceu ao observador particularidades realmente curiosas. Hoje o Sr. F. sente-se livre e feliz. É como se tivesse deposto um fardo. Recuperou a alegria e agradece-nos o serviço que lhe prestamos.

É interessante notar que, nesse caso apresentado, o trabalho de Kardec foi ainda mais ativo com relação ao encarnado, porque, adquirindo essa vontade ativa e benevolente, este oferecerá o “ascendente moral” sobre esses Espíritos, que deixarão de perturbá-lo quando verificarem essa força, além de adquirir a simpatia dos bons Espíritos.

Portanto, instruir-se ao máximo na Doutrina Espírita, tirando dela todas as consequências morais e racionais que nos impulsionam no caminho da “reforma íntima”, trabalhe sobre os próprios pensamentos e ações, medos e vontades, a fim de que, a cada dia mais, tudo esteja sob as leis divinas, é o melhor caminho para se manter livre das obsessões, pois, mesmo que o Espírito obsessor não se convença da necessidade de se reformar, poderá não mais encontrar abertura para influencia o encarnado.

Recomendamos a leitura aprofundada e complementar de O Livro dos Médiuns, parte segunda, Cap. XXIII, onde Kardec aborda o tema em extensão.




Criança é incendiada e morre em ritual para evocar espíritos malignos em Minas

Do jornal O Tempo:

Durante a seita, foram jogadas ervas e álcool no corpo da criança. Depois, o líder espiritual ateou fogo no corpo dela com o uso de uma vela. A menina teve quase 100% do corpo queimado. Os avós da criança, uma tia e a mãe dela estavam no ritual quando ocorreu o crime. Os familiares ficaram com queimaduras por tentarem apagar o fogo do corpo de Maria Fernanda. 

Infelizmente, esse é mais um dos casos que acreditávamos ter ficado no passado da bestialidade humana, mas que ainda hoje se reproduzem, e até mesmo em solo brasileiro. Muito longe de tal ato estar atrelado ao Espiritismo, está diametralmente oposto a ele, pois, do estudo da Doutrina, depreende-se que os Espíritos não requerem nenhum tipo de ritual, e a abordagem do caso seria totalmente diferente.

Na internet circulam informações que a criança estava doente e que o falso líder espiritual teria prometido uma cura durante o ritual, mas essa informação não foi confirmada pela Polícia Civil ainda

Entendo, com isso, que o caso em questão foi uma espécie de exorcismo, prática esta condenada pelos próprios Espíritos:

477. As fórmulas de exorcismo têm alguma eficácia sobre os maus Espíritos?

“Não. Estes últimos riem e se obstinam, quando veem alguém tomar isso a sério.”

O Livro dos Espíritos

Não demoremos em lembrar, para concluir, que a superstição e o misticismo tem um lado muito tenebroso, que é o de incutir no homem o medo das coisas naturais, para ele inexplicáveis. Pela ação dessas crenças, matam-se gatos, corujas e outros animais, acreditando-se em “mau agouro” e, infelizmente, até mesmo crianças, em rituais irracionais e absurdos.

Infelizmente, é mais um caso para manchar a reputação dos espiritualistas, mas também para motivá-los a estudar o Espiritismo a fim de conquistarem, nessa ciência, o conhecimento importante para se afastarem desse tipo de situação escabrosa.




A morte do filho de Cristiano Ronaldo: reflexões

Morreu, durante o parto, um dos bebês que a esposa de Cristiano Ronaldo estava esperando. Mais uma situação oportuna não somente para analisar friamente, mas para levar, ao mundo, a visão filosófica da Doutrina que abraçamos.

Em primeiro lugar, é necessário afastar os absurdos. Há quem diga que isso se deu por conta da ação do “carma”, que, já sabemos, não existe. Então, como pode Deus permitir tal desgraça a uma alma que sequer deu os primeiros passos na escola da Terra?

De um lado, há a opinião do materialismo: não há Deus, não há Espírito, não há vida após a morte; há apenas a carne, e nós somos seres que vivemos do pó ao pó. Não cabe, aqui, uma digressão filosófica nesse sentido, já que essa visão está totalmente afastada de nossas ideias. Cabe apenas questionar: se assim fosse, seríamos meras máquinas, para as quais o bem e o mal nada representam, e onde o pior dos assassinos poderia ser igualado com o melhor dos humanitários. O bem, na verdade, não seria nada mais que uma ilusão e a vida na Terra não valeria absolutamente para nada.

Nos encontrando na linha daqueles que reconhecem a existência de Deus e da continuidade da vida após a morte, precisamos fazer uma distinção entre aqueles que pressupõem na reencarnação a explicação para tudo e aqueles que creem que a alma seja criada no instante do nascimento ou da fecundação. Na última hipótese, a criança que morre antes de seus primeiros passos seria muito sortuda, pois, não tendo feito bem nem mal, não pôde errar, ao passo que aquele que viveu até a velhice, tendo quase sempre cometido vários erros, talvez não tenha encontrado tempo para corrigi-los quando ainda vivo. Perguntamos que Deus seria esse que não daria mais chances ao indivíduo arrependido.

Não, nossas posições não se enquadram entre nenhuma dessas anteriores, senão naquela da doutrina da reencarnação, única na qual encontra razão e lógica que explique a tudo de forma clara e sensata. Então, diremos: o indivíduo que morre ainda enquanto criança é um Espírito, que apenas desfrutaria de mais uma encarnação com vistas a evoluir. Não tendo vingado o bebê, nascerá novamente em outras condições, continuando sua jornada evolutiva. Não há, para ele, nem vantagem nem desvantagem.

Resta saber se sua morte tem algo de útil ou mesmo de necessário. Em O Livro dos Espíritos, constam as seguintes perguntas e respostas:

345. É definitiva a união do Espírito com o corpo desde o momento da concepção? Durante esta primeira fase, poderia o Espírito renunciar a habitar o corpo que lhe está destinado?

“É definitiva a união, no sentido de que outro Espírito não poderia substituir o que está designado para aquele corpo. Mas como os laços que ao corpo o prendem são ainda muito fracos, facilmente se rompem. Podem romper-se por vontade do Espírito, se este recua diante da prova que escolheu. Em tal caso, porém, a criança não vinga.”

346. Que faz o Espírito se o corpo que ele escolheu morre antes de se verificar o nascimento?

“Escolhe outro.”

a) – Qual a utilidade dessas mortes prematuras?

“Dão-lhes causa, as mais das vezes, as imperfeições da matéria.”

347. Que utilidade encontrará um Espírito na sua encarnação em um corpo que morre poucos dias depois de nascido?

“O ser não tem então consciência plena da sua existência; a importância da morte é quase nenhuma. Frequentemente é, como já dissemos, uma prova para os pais.”

É muito claro: estamos encarnados e, portanto, estamos sujeitos às leis da matéria. Ao mesmo tempo, a morte prematura é uma prova (e não um castigo, em nenhuma hipótese) para os pais, que podem adquirir uma experiência muito importante ao passar por essa experiência.




Aniversário de 165 anos da publicação de O Livro dos Espíritos

Hoje é aniversário da publicação de O Livro dos Espíritos.

Muitos ainda acham que se trata de um livro ditado por um Espírito; outros ainda acham que se trata de uma obra criada por Allan Kardec. Poucos sabem, contudo, que a primeira versão de OLE foi, em grande parte, obtida através de um estudo sistematizado e racional de inúmeras comunicação, obtidas de forma mais ou menos sistemática e organizada, por outros estudiosos das comunicações mediúnicas – muitos deles espiritualistas racionais – antes mesmo de Kardec sequer sonhar em conversar com os Espíritos dos mortos.

Depois da primeira versão, onde Kardec buscou um sentido racional e concordante para o conteúdo apresentado, veio a segunda edição, quase três anos depois, e com praticamente o dobro do volume de perguntas, melhor organizada e distribuída. Essa segunda edição nasceu, sobretudo, após o estudo metodológico nascido de tudo aquilo (e mais um pouco) que é apresentado na Revista Espírita, entre 1858 e 1860, sendo que, com essa publicação, o objetivo de obter informações mediúnicas de todo o canto da Europa (e do mundo) foi muito bem atendido w reforçado.

Portanto, não, O Livro dos Espíritos não é uma obra religiosa ou filosófica, produzida por um indivíduo ou grupo: é, na verdade, uma obra produzida através de um método científico observacional e racional, e que nunca aceitou qualquer palavra dos Espíritos como uma revelação inquestionável. Aliás, sobre isso, Kardec afirma, na Revista Espírita (sobre a qual sempre recomendamos o estudo, por mostrar a face mais real possível da ciência espírita) de novembro de 1858:

“Repetiremos, pois, o que já dissemos a respeito, isto é, que quando a doutrina da reencarnação nos foi ensinada pelos Espíritos, ela estava tão longe de nosso pensamento, que havíamos construído um sistema completamente diferente sobre os antecedentes da alma, sistema aliás partilhado por muitas pessoas. Sobre este ponto, a doutrina dos Espíritos nos surpreendeu. Diremos mais: ela nos contrariou, porque derrubou as nossas próprias ideias. Como se vê, estava longe de ser um reflexo delas.

Isto não é tudo. Nós não cedemos ao primeiro choque. Combatemos; defendemos a nossa opinião; levantamos objeções e só nos rendemos ante a evidência e quando notamos a insuficiência de nosso sistema para resolver todas as questões relativas a esse problema”

Há mais de 50 anos, dizia Herculano Pires:

Precisamos meditar para buscarmos a forma que nos falta de oferecer ao mundo a solução espiritual do problema social. De fazermos, enfim, que o espiritismo cumpra a sua missão histórica, vencendo a crise que o reduz, no momento, a uma luz bruxuleante em meio de densas trevas, a uma espécie de simples refúgio individual para as decepções e para as aflições humanas. Pois o seu destino, como assinalou sir Oliver Lodge, não é apenas o de consolar corações desalentados, mas o de rasgar para o mundo as perspectivas de uma nova era. Se a fé dogmática determinou o fanatismo religioso da Idade Média, com suas fogueiras sinistras, a fé raciocinada criará o positivismo religioso do terceiro milênio, com as piras da fraternidade acesas em todos os quadrantes do planeta. Porque, como já o dissera Kardec, a tarefa do espiritismo é a de elevar a Terra na escala dos mundos, transferindo-a da categoria expiatória para a de mundo regenerador. (PIRES, 1971)

O que é que nós (não) estamos fazendo? Por que é que a filosofia espírita ainda não é amplamente (re)conhecida? Nessa busca por um norte, respondo, como uma vez me respondeu minha avó, em Espírito: “pelo menos estude”.




Em defesa de Allan Kardec: sobre as adulterações

Estou me afastando totalmente da discussão a respeito de provas e evidências das adulterações em suas obras. É minha opinião de que se tornaram uma enorme perda de tempo. Explico:

De início, ao meu ver, provas e evidências da adulteração foram muito contundentes((Fatos detalhadamente apresentados em “O Legado de Allan Kardec”, de Simoni Privato, e “Nem céu, nem inferno”, de Paulo Henrique de Figueiredo e Lucas Sampaio.)).

Depois, surgiram evidências que poderiam indicar que não ocorreram adulterações e que tudo foi fruto do trabalho do próprio Kardec, segundo a interpretação de alguns, e isso levado por indícios e evidências de que ele, Kardec, tinha a clara intenção de publicar novas edições, com alterações, de O Céu e o Inferno e de A Gênese. Eu destaco que, a meu ver, até o momento, todas as evidências apontam que Kardec, ao menos em A Gênese, teria iniciado um trabalho nesse sentido, trabalho esse que nunca foi concluído e que deu espaço, justamente, a quem quer que teria a intenção de causar estragos da única forma possível em uma Doutrina inatacável: adulterando-se seus postulados, em sua origem.

Há quem discorde, claro. Mas tem um grande porém, nesse assunto, que não consigo ignorar: a questão justamente ligada à ciência espírita e a Allan Kardec como o probo, perspicaz, paciente, cuidadoso e honesto cientista que foi. De duas, uma: ou ele escreveu coisas muito importantes e sérias sob uma ansiedade que ele nunca teve, tendo depois retrocedido em suas opiniões — o que demonstraria uma grave falha em seu método e representaria um grande perigo para toda a Doutrina Espírita — ou ele foi muito cuidadoso, até o fim, e só concluiu o que deveria ser concluído, após anos de pesquisa e sob a orientação dos Espíritos superiores, como ele sempre buscou fazer.

Ora, ele mesmo disse, anos antes da publicação dessas obras, que certos assuntos doutrinários precisavam ainda aguardar alguns anos e que ele não publicaria nada muito cedo, sem que o desenvolvimento da Doutrina desse lugar a isso. O Céu e o Inferno e A Gênese foram, justamente, essa conclusão. Não vejo como, portanto, principalmente na primeira obra, fazer mudanças que, em certos pontos, alteram completamente o entendimento da ideia e que, em A Gênese, fazem o conceito ou postulado doutrinário ficarem incompletos ou mal entendidos. Mas não é só: Kardec foi muito austero nessas duas obras, justamente no que tange aos pontos mais sensíveis, e que davam motivo a temer nos adversários do Espiritismo, e foi justamente nesses pontos onde houveram as “alterações”.

Vamos a alguns exemplos:

Em A Gênese, capítulo III, item 19, a partir da 5.ª edição, o texto encontra-se assim:

“O homem que só pelo instinto agisse constantemente poderia ser muito bom, mas conservaria adormecida a sua inteligência. Seria qual criança que não deixasse as andadeiras e não soubesse utilizar-se de seus membros. Aquele que não domina as suas paixões pode ser muito inteligente, porém, ao mesmo tempo, muito mau. O instinto se aniquila por si mesmo; as paixões somente pelo esforço da vontade podem domar-se.

Contudo, na 4.ª edição, hoje recuperada e traduzia para o português pela editora FEAL, existe o seguinte complemento:

Todos os homens passam pelas paixões. Os que as superaram, e não são, por natureza, orgulhosos, ambiciosos, egoístas, rancorosos, vingativos, cruéis, coléricos, sensuais, e fazem o bem sem esforços, sem premeditação e, por assim dizer, involuntariamente, é porque progrediram na sequência de suas existências anteriores, tendo se livrado desse incômodo peso. É injusto dizer que eles têm menos mérito quando fazem o bem, em comparação com os que lutam contra suas tendências. Acontece que eles já alcançaram a vitória, enquanto os outros ainda não. Mas, quando alcançarem, serão como os outros. Farão o bem sem pensar nele, como crianças que leem correntemente sem ter necessidade de soletrar. É como se fossem dois doentes: um curado e cheio de força enquanto o outro está ainda em convalescença e hesita caminhar; ou como dois corredores, um dos quais está mais próximo da chegada que o outro.

Kardec, A Gênese, 4.ª edição — Editora FEAL

Ora, parece crível que Kardec tirasse essa conclusão tão importante, profunda e libertadora desse postulado?

Um pouco mais adiante, no capítulo XVIII, “Os tempos são chegados”, o seguinte trecho foi suprimido (removido) a partir da 5.ª edição da obra. Leia com atenção:

Dizer que a humanidade está madura para a regeneração não significa que todos os indivíduos estejam no mesmo degrau, mas muitos têm, por intuição, o germe das ideias novas que as circunstâncias farão desabrochar. Então, eles se mostrarão mais avançados do que se possa supor e seguirão com empenho a iniciativa da maioria. Há, entretanto, os que são essencialmente refratários a essas ideias, mesmo entre os mais inteligentes, e que certamente não as aceitarão, pelo menos nesta existência; em alguns casos, de boa-fé, por convicção; outros por interesse. São aqueles cujos interesses materiais estão ligados à atual conjuntura e que não estão adiantados o suficiente para deles abrir mão, pois o bem geral importa menos que seu bem pessoal — ficam apreensivos ao menor movimento reformador. A verdade é para eles uma questão secundária, ou, melhor dizendo, a verdade para certas pessoas está inteiramente naquilo que não lhes causa nenhum transtorno. Todas as ideias progressivas são, de seu ponto de vista, ideias subversivas e, por isso, dedicam a elas um ódio implacável e lhe fazem uma guerra obstinada. São inteligentes o suficiente para ver no Espiritismo um auxiliar das ideias progressistas e dos elementos da transformação que temem e, por não se sentirem à sua altura, eles se esforçam por destruí-lo. Caso o julgassem sem valor e sem importância, não se preocupariam com ele. Nós já o dissemos em outro lugar: “Quanto mais uma ideia é grandiosa, mais encontra adversários, e pode-se medir sua importância pela violência dos ataques dos quais seja objeto”.

Kardec, A Gênese, 4.ª edição — Editora FEAL

Se a supressão desse trecho não parece algo realizado justamente por um adversário da Doutrina, não sei o que mais pareceria.

Já em O Céu e o Inferno, a partir da 4.ª edição, temos, dentre outras coisas, a supressão de importantes postulados, como estes (cap. VIII):

Pelos exemplos que o Espiritismo coloca diante de nossos olhos, ensina-nos que a alma no mundo invisível sofre por todo o mal que fez, assim como por todo o bem que poderia ter feito e não fez durante sua vida terrestre. Que a alma não é condenada a uma penalidade absoluta, uniforme e por um tempo determinado, mas que sofre as consequências naturais de todas as suas más ações, até que se tenha melhorado pelos esforços da sua própria vontade. Ela carrega em si mesma seu próprio castigo, e isso onde quer se encontre, para o que não há necessidade de um lugar circunscrito. O Inferno, então, está onde quer que existam almas sofredoras, como o Céu está em toda parte onde existam almas felizes, o que não impede que umas e outras se agrupem, por afinidade de posição, ao redor de certos pontos.

O Céu e o Inferno, Cap. IV, item 6.º, parágrafo suprimido na adulteração, p. 85

Sendo todos os espíritos perfectíveis, em virtude da lei do progresso, trazem em si os elementos de sua felicidade ou de sua infelicidade futura e os meios de adquirir uma e de evitar a outra trabalhando em seu próprio adiantamento.

Allan Kardec, O Céu e o Inferno, 3.ª edição — Editora FEAL

Constatamos, então, uma grande perda, pela supressão desses postulados. Há diversos outros pontos, que, de acordo com certo entendimento, podem até ser ressignificados sob uma possível autoria de Allan Kardec, mas o fato é que existem, também nessa obra, alterações estranhas e que não fazem sentido. Basta comparar o capítulo “As penas futuras segundo o Espiritismo“, de O Céu e o Inferno, completamente desfigurado na “alteração”.

Tem mais: admitir que as todas as alterações existentes nessas obras foram realizadas por Kardec, significa dizer que ele teria realizado um erro grotesco, e não apenas uma vez, mas duas: não ter obtido a permissão necessária, do governo, para a impressão de novas edições dessas obras. Nunca conheci esse Kardec descuidado e afoito que têm apresentado por aí.

Conhecendo um pouquinho da face extremamente séria, conscienciosa e cuidadosa do professor Rivail quanto a essa ciência (como com as outras), não posso admitir as teorias das alterações por seu próprio punho, sobretudo das supressões, e, do ponto de vista científico, tudo o que vi até agora, sem contar as conclusões forçadas sob cadeias de lógica com alguns problemas, no máximo, indica uma intenção de editar uma nova edição, o que nunca foi concluído e que, justamente, deu lugar às adulterações posteriores à sua morte, através da alteração do tipos móveis((peças utilizadas para realizar impressões prévias, naquele tempo. Essas impressões eram analisadas e corrigidas, através da alteração dos tipos (letras, pontuações, etc.) e, quando se verificava que a obra estava finalizada, eram utilizadas para a impressão da matriz, sendo esta utilizada para a impressão em larga escala)) existentes.

Aliás, de posse dos manuscritos de Kardec, disponibilizados pelo CDOR, da FEAL, foi possível identificar que:

Algumas cartas manuscritas demonstram que, em fevereiro de 1868, Kardec estava interessado em acrescentar trechos em A Gênese, pois era de seu costume, depois de um tempo do lançamento, revisar suas obras. Para isso, pediu conselhos aos espíritos para organizar esse trabalho.

Alguns amigos espirituais deram orientações para uma revisão da obra, com a expressa indicação para não alterar em nada as questões doutrinárias, como se percebe pelos seguintes trechos desta comunicação:

Minha opinião é que não há absolutamente nada de doutrina a ser retirado; tudo aí é útil e satisfatório sob todos os aspectos” e

É necessário deixar intactas todas as teorias que aparecem pela primeira vez aos olhos do público”.

No caso, além da demonstração jurídica da adulteração de A Gênese, também esta comunicação reforça o fato em razão das alterações doutrinárias identificadas na obra, com a supressão de diversos trechos em que Kardec critica a moral heterônoma do fanatismo religioso, dentre outras manipulações.

Ainda nesta comunicação, o espírito sugeriu também que ele trabalhasse sem pressa e sem dedicar muito tempo:

Sobretudo, não se apresse demais. (…) Comece a trabalhar imediatamente, mas não de forma exagerada. Não se apresse”.

https://espirito.org.br/autonomia/ncni-conselhos-sobre-a-genese/

Ora, o que observamos nas alterações de A Gênese, senão pressa e descuido?

Essa recomendação era justificada porque Kardec, em meio a sua difícil condição de saúde, tinha questões prioritárias para se preocupar, como a Revista Espírita e o projeto para a continuidade do Espiritismo através da fase de direção coletiva.

Essa é minha conclusão. Contudo, podemos até chegar a dizer que essas questões de adulteração ou não são um mero “detalhe”, um “tropeço” mesmo, que será superado quando a ciência for restaurada em sua essência. Ora, essa essência segue inalterada e está disponível para o nosso estudo. Basta estudá-la, de forma honesta, pois o homem honesto e humilde se rende frente aos resultados da investigação científica. Mas, finalizo, esse estudo precisa ser contextualizado, e um dos maiores pesquisadores desse contexto, Paulo Henrique de Figueiredo, está sendo colocado para baixo do tapete, por muitos, apenas porque ele compartilha da opinião da adulteração. E essa atitude, definitivamente, não é ciência.




As cisões e a busca por unidade no movimento espírita

Este é um artigo sucinto, trazendo uma reflexão, creio eu, importante.

É de longa data o assunto em questão: a busca por uma unificação do Movimento Espírita. Sabemos que, principalmente no Brasil, desde o início do movimento espírita, existem as cisões, ou seja, as divisões em grupos de ideologias. Há, inclusive, dentro do movimento, as cisões políticas, algo que jamais deveria existir, já que o Espiritismo visa, antes de tudo, a transformação do indivíduo, pela própria vontade e pela razão, e não por força maior, ou seja, uma modificação social através da modificação individual. A política (vista pelo viés simplista, conforme o que é feito geralmente), por outro lado, visa essa transformação de cima para baixo, por força de lei.

Devemos observar: isso, é claro, não significa dizer que o espírita não pode se envolver com a política. Muito pelo contrário: deveria. Mas com quais olhos? Certamente, não os da vaidade e do orgulho das opiniões, mas baseado na Doutrina Espírita. Imaginemos o que poderia fazer, com a força política, pessoas bem compenetradas da essência científica, moral e filosófica do Espiritismo, da transformação pela base, da pedagogia da autonomia, desde a escola infantil e, enfim, aqueles que entendam, profundamente, o bem e seu poder de transformação social, respeitando, porém, SEMPRE (desde que o ato não implique o mal direto para outros e respeitando as leis vigentes) o livre-arbítrio de cada um, que é um princípio fundamental do Espiritismo? Ora, o grande problema, sempre, tem sido as opiniões reservadas, quando, de um lado, alguns pensam que resolverão tudo com as armas e, do outro, alguns acham que resolverão tudo à base da força, tomando de uns para dar aos outros.

Mas voltemos ao ponto fundamental: havendo as cisões sob uma mesma bandeira, é natural, então, nascerem as diversas propostas de unificação, inspiradas mesmo naquela célebre e justa recomendação do Espírito de Verdade, em O Evangelho Segundo o Espiritismo — “Espíritas!, amai-vos, eis o primeiro ensinamento. Instruí-vos, eis o segundo”. Como, então, alcançar esse objetivo?

Ora, reconhecendo-nos Espíritos em diferentes graus de evolução, com diferentes formas de entendimento, com diferentes conhecimentos e diferentes formas de ver o mundo — enfim, cada um, em si, um verdadeiro universo — é claro que não podemos supor que uma unificação signifique uma igualação de ideias. Isso seria impossível. Também seria impossível e mesmo errôneo supor que essa unificação seria a irmanação de todos os espíritas sob uma mesma entidade reguladora, tal qual se tem tentado fazer desde há muito, pois o Espiritismo não pode estar encerrado sob hierarquias, entidades ou mesmo pessoas. O próprio Kardec, que tão conscienciosamente conduziu os primeiros anos da formação da Doutrina, sabia disso: depois de sua morte, quem assumiria o seu posto? Quem tomaria esse direito? Não. Desde o início, Kardec propôs as diretrizes daquilo que muito bem conduziria o Espiritismo após sua morte, que, em resumo, seria:

1. Como princípio básico de uma ciência, o Espiritismo jamais estaria fechado ao questionamento, desde que este nasça do propósito honesto do indivíduo que não aceita a nada sem raciocinar, nem à curiosidade, desde que esta nasça do princípio investigativo da busca pelo conhecimento; porém, desde o momento em que o indivíduo não se renda à lógica dos fatos e das evidências, fartamente sustentados pela razão e pelo método científico, não pode ser considerado a sério e, gastar tempo com este, significaria perder tempo com aquele que, apresentando-se uma maçã, dirá que se trata de um limão, simplesmente por desejar cultivar o orgulho, e não a humildade.

2. Do ponto de vista da organização doutrinária, Kardec, junto a seus colaboradores, propôs, conforme apresentado na Revista Espírita de dezembro de 1868 (cerca de apenas quatro meses antes de sua morte) a “Constituição transitória do Espiritismo” (leia clicando aqui) que, em resumo, recomendava que o Espiritismo passasse a se constituir não mais sob nenhuma figura ou entidade centralizadora, mas através de inúmeros grupos de estudos e pesquisa, constituídos pelo mundo, e coordenados, mas não regulados, por um comitê central, que, segundo Kardec…

… será, pois, a cabeça, o verdadeiro chefe do Espiritismo, chefe coletivo que nada pode sem o assentimento da maioria e, em certos casos, sem o de um congresso ou assembleia geral. Suficientemente numeroso para se esclarecer pela discussão, não o será bastante para que aí haja confusão.

[…]

É claro que aqui se trata de uma autoridade moral, no que concerne à interpretação e à aplicação dos princípios da doutrina, e não de um poder disciplinar qualquer. Essa autoridade será, em matéria de Espiritismo, o que é a de uma Academia em matéria de ciência.

O brilhantismo, a racionalidade, a genialidade mesmo do Professor Rivail é, realmente, digna de um Espírito que se preparou para a missão que tinha à frente. A unidade do Espiritismo, portanto, não estaria representada pela força deste ou daquele indivíduo, ou grupo, desta ou daquela entidade: estaria no todo, nos princípios básicos da ciência e da doutrina espíritas. Não caberia a ninguém, individualmente, dar regras, aceitar ou rejeitar a adoção de novos princípios e mesmo de novos adeptos.

Ora, se isso chegou a ser publicado, de seu próprio punho, quando ainda estava em vida, perguntamos: o que é que aconteceu com o movimento espírita para chegarmos no cenário atual, onde as dissidências se dão, por toda parte, basicamente pelo desrespeito aos princípios básicos da Doutrina e dessa organização sabiamente proposta por Allan Kardec, pouco antes de sua morte? Bem, são quatro os pontos principais:

  1. Desvios doutrinários após sua morte, por aqueles que deveriam ter dado continuidade em seu trabalho. Isso se deu por interesses pessoais, como o dinheiro, a fama (vaidade) e o orgulho. Os Espíritos contrários ao bem, por serem ignorantes dele, encontraram nas imperfeições humanas a brecha necessária para a realizarem a única coisa que poderiam contra uma doutrina tão fortemente estabelecida. Assim, obtiveram, por Pierre Leymarie ou por outros ((Leymarie não se encontrava à frente da Sociedade Anônima, que substituiu a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, senão a partir de 1872, ano no qual foi lançada a edição adulterada de O Céu e o Inferno)): as adulterações de O Céu e o Inferno e A Gênese((Fatos detalhadamente apresentados em “O Legado de Allan Kardec”, de Simoni Privato, e “Nem céu, nem inferno”, de Paulo Henrique de Figueiredo e Lucas Sampaio.)), as duas obras finais de Kardec que encerravam os princípios doutrinários de mais de 15 anos de aprendizados e investigações; os fatos que mancharam e ensombrearam a Doutrina Espírita, como o “Processo dos Espíritas“, a frequente veiculação de ideias antidoutrinárias, na Revista Espírita, dentre outros((Fatos largamente detalhados nas obras supracitadas e também em “Muita Luz” (Beacoup de Lumiere), de Berthe Fropo. O PDF pode ser facilmente encontrado no Google.)).
  2. As guerras que se seguiram poucas décadas depois e que lançaram o mundo no materialismo, quer pelas dificuldades e desgraças do povo, quer pelas lutas armadas.
  3. Os interesses pessoais ou a incapacidade de compreensão da verdadeira essência do Espiritismo por parte daqueles que tomaram as rédeas do movimento espírita nascente no Brasil e que encontraram, em Roustaing, uma teoria mais próxima de seus propósitos ou de suas capacidades de compreensão. Estes, ligados à política — vejam só, uma vez mais a política — e/ou à imprensa e com capacidade de penetração, fizeram essas ideias se propagarem a fartamente pelo país.
  4. O desinteresse pelos estudos dos adeptos do Espiritismo que, se houvessem se dedicado a essa necessidade, teriam encontrado isto mesmo que acabamos de apresentar.

Eu diria que, de todos, o quarto e último tópico é o mais sério de todos, pois quaisquer tropeços, conscientes ou não, seriam muitas vezes corrigidos por um estudo dedicado dos conteúdos doutrinários existentes ou pela investigação científica junto aos Espíritos, assim como Kardec fazia.

Constatamos, enfim, que as cisões existentes no movimento Espírita se dão muito menos por ideologia doutrinária, e muito mais por ausência ou presença dos princípios científicos necessários, seguindo os passos de Allan Kardec. De um lado, estão aqueles que compreendem a necessidade do método, do princípio da concordância universal dos ensinamentos dos Espíritos, do não aceitar uma opinião isolada, seja de quem for, como se fosse a expressão da verdade e da sabedoria e, por isso, parte da Doutrina e da importância, da utilidade e da necessidade das evocações espíritas, com todos os devidos cuidados sempre destacados por Kardec; do outro, estão aqueles que pensam que Kardec está superado pelo tempo, que os Espíritos têm que ser deixados em paz e que cabe a este ou aquele a tarefa de profeta da revelação.

A unidade, então, no Espiritismo, não é impossível. Contudo, como fica claro, para ela existir, é necessário respeitar a constituição, o método e os postulados dessa ciência. As divergências de opinião e de interpretações sempre existirão, mas, desde que se cumpra os princípios básicos dessa ciência, elas serão progressivamente superadas ou afastadas.

De tudo, tiramos o seguinte: a unidade não deve ser procurada naquele que insiste em dizer que a maçã é um limão, mas sim naquele que, mesmo supondo que seja um limão, frente à razão, entenda e concorde: sim, é uma maçã. Em outras palavras: o Espiritismo é uma ciência muito bem estabelecida e fundamentada. Procuremos a unidade, baseados nesta ciência, em todos aqueles que queiram estudá-la e pesquisá-la como necessário, sem a pretensão de unir a todos sob uma mesma entidade ou um só líder, mas espalhando, pelos quatro cantos do mundo, a necessidade da formação de grupos de estudos aplicados sobre essa ciência. Com o tempo, quando estivermos prontos, isso dará espaço à retomada dos estudos, instigados pelos próprios Espíritos, dos princípios novos da Doutrina, com a coordenação de um comitê central ou mais.

Não se enganem: não procuramos números, mas qualidade. Os verdadeiros espalhadores dessa Doutrina não serão a maioria, em princípio, mas serão aqueles que auxiliarão no processo de retomada da essência do Espiritismo, divulgando-a a todos que puderem. Embora poucos, eles se encontram por toda a parte, muitas vezes esperando um pequeno empurrão para retomar a caminhada. Quanto àqueles que insistem no espiritismo sem os Espíritos, ou no espiritismo à Roustaing, entendamos que eles praticam uma nova religião, e não a Doutrina Espírita. Como diria Kardec, deixemo-los, pois a razão prevalecerá, e as opiniões divergentes serão abafadas pelo tempo e pela ciência, como sempre aconteceu na história da humanidade.

Em “espíritas, amai-vos”, temos a necessidade do respeito e da compreensão que somente podem nascer da humildade que surge da exploração científica e da razão, que leva o indivíduo ao aperfeiçoamento; em “instruí-vos”, temos reforçada a necessidade de estudar a Doutrina, de modo que possamos parar de ser comandados cegamente pelas opiniões.