As ilusões de um Espírito apegado às riquezas

Extraído da obra “Instruções psicofônicas”, de Chico Xavier.

O irmão “F” nome pelo qual passaremos a designar o companheiro, cuja mensagem vamos transcrever, foi na Terra grande banqueiro. Certamente não foi um criminoso, na acepção comum do termo, mas, pelo conteúdo espiritual de suas manifestações, parece haver sido um desses homens “nem frios, nem quentes”, do símbolo evangélico, que, trazendo a mente amornada na ideia do ouro, durante a existência na carne, ficou por ela dominado em seus primeiros tempos, além da morte.

“[…] Conturbado e aflito, senti necessidade da confissão. Afinal, eu era um católico que relaxara a própria fé. Sem que ninguém me escutasse os apelos, pedi a presença de um padre. Avancei para o confessionário e pus-me de joelhos, mas, em poucos momentos, o confessionário convertia-se para mim num guichê de banco. Sobressaltado, ergui meus olhos para o altar. O altar, porém, transformara-se em cofre forte. Intentei consolar-me com a visão do missal, mas o livro do culto, de repente, surgiu metamorfoseado num velho livro de minha propriedade, em que eu lançava, às ocultas, as minhas notas de rendimento real. Diligenciei isolar-me. Temia a loucura completa. Ainda assim, levantei meu olhar para a imagem da Virgem Maria. Naturalmente, ela teria pena de mim, contudo, ante a minha atenção, a imagem reduziu-se a uma joia de alto preço… Fez-se toda de ouro, de ouro puro…

[…]

Demandei uma caixa d’água que me era familiar no alto do bairro de Santo Antônio. A água, ali, corria em jorros. Podia debruçar-me… Podia beber como se eu fora um animal e, prostrado, não mais de joelhos, mas de rastros, imploraria a graça de Deus. Achei a água corrente, a água límpida visitada pela luz do sol e estireime no chão… Mas, no momento preciso em que meus lábios sequiosos tocaram o líquido puro, apenas o ouro, o ouro apareceu… Reconheci haver descido à condição de um alienado mental. Lembrei-me, então, de velho amigo… Cícero Pereira… Cícero era espírita e, por esse motivo, tornou-se para mim alguém que eu supunha, em minha triste cegueira, haver deixado na retaguarda da loucura. Bastou a recordação para que a voz dele se me fizesse ouvida. Acudia-me ao chamado. Amparou-me. Conversou comigo […]

Um ótimo exemplo de que não se pode tomar cegamente as comunicações de um Espírito como se fossem a expressão da verdade. Imaginem se esse Espírito, sendo levado a uma reunião de auxílio espiritual, contasse apenas a parte da ilusão em questão e as pessoas desavisadas saíssem afirmando que, no mundo dos Espíritos, existe ouro…




Onde fica o umbral? E Nosso Lar? Esses lugares existem?

O umbral e “Nosso Lar” existem? Onde fica? Resposta curta: não existem como as pessoas acreditam, por falta de conhecimento do Espiritismo. Mas, como isto é um grupo de estudos, você não deve simplesmente aceitar esta resposta, sem raciocinar, da mesma forma que não deve aceitar as ideias isoladas de quaisquer Espíritos, seja pelo médium que for.

Por que é que muitos Espíritos, antes do Espiritismo ou sob outras religiões, dizem que, depois da morte, se constataram no Inferno? Por que é que, na época dos romanos, os Espíritos diziam estar no Tártaro? Por que é que os Espíritos que conheceram o Espiritismo (esse distorcido) dizem que se constataram no umbral ou no vale dos suicidas, e não no inferno? É muito claro que isso se deve às suas próprias concepções, porque, se um ou outro fossem uma realidade, haveria, sempre, uma uniformidade nas ideias apresentadas pelos Espíritos, em todo o tempo e por toda a parte.

Portanto, é fácil notar que se tratam de concepções do imaginário. São uma abominação? É claro que não: fazem parte da nossa evolução. Contudo, o Espiritismo não veio para continuar essas ideias, de uma maneira mais agradável: veio para apresentar a realidade, ajudando o ser humano a se desfazer dessas concepções limitantes e que atrasam o seu passo. Ora, é fato que o Espiritismo tem esse propósito de alavancar o progresso, como toda ciência, pois, se não fosse assim e sendo o Espírito imortal, poderia Deus, em suas Leis, deixar que cada um chegue ao progresso através das infinitas encarnações, aprendendo por tentativa e erro, apenas, e sem nenhum suporte. Mas Ele, sendo todo bondade, nos confere as ferramentas, sendo a maior delas a inteligência e a razão; cabe a nós utilizá-las ou não, segundo nossa vontade.

O papel do médium

O papel do médium é não interferir na comunicação de um Espírito e, através dele, podem se comunicar qualquer tipo de Espíritos, dependendo da circunstância e do propósito, seja do médium, seja dos Espíritos superiores. Já o papel do estudioso é analisar e julgar essas comunicações, com base na ciência já adquirida e no crivo da razão((Leia o artigo “O papel do pesquisador e do médium nas comunicações com os Espíritos“)).

Após a morte de Kardec e com todo o desvio que o Movimento Espírita tomou, principalmente com a verdadeira plantação de joio que foram as ideias de Roustaing, os espíritas, afastados dos estudos, deixaram de raciocinar e começaram a permitir que diversas ideias, sem base doutrinária, passassem a inundar o imaginário dos adeptos da Doutrina. Assim, conceitos fantásticos e supersticiosos começaram a transformar lenta e progressivamente o Movimento que, hoje, se apresenta como uma religião, repleta de dogmas e falsos conceitos.

O que existe no Espiritismo

Ora, prezado leitor, está lá em O Livro dos Espíritos a seguinte conclusão, apresentada na pergunta 1012 de O Livro dos Espíritos:

1012((Nota dos Revisores: Note-se que, na numeração dos itens do livro, Kardec salteou o n.° 1011. Apesar do lapso evidente, o texto foi mantido assim nas quatorze edições que se seguiram até a desencarnação de Allan Kardec. Para evitar confusões, a presente edição não procurou “acertar” a numeração.)). Haverá no universo lugares circunscritos para as penas e gozos dos Espíritos, segundo seu merecimento? 

“Já respondemos a essa pergunta. As penas e os gozos são inerentes ao grau de perfeição dos Espíritos. Cada um tira de si mesmo o princípio de sua felicidade ou de sua desgraça. E como eles estão por toda parte, nenhum lugar circunscrito ou fechado existe especialmente destinado a uma ou outra coisa. Quanto aos encarnados, esses são mais ou menos felizes ou desgraçados, conforme seja mais ou menos adiantado o mundo em que habitam.”

a) — De acordo, então, com o que vindes de dizer, o inferno e o paraíso não existem, tais como o homem os imagina?

“São simples alegorias: por toda parte há Espíritos ditosos e desditosos. Entretanto, conforme também já dissemos, os Espíritos de uma mesma ordem se reúnem por simpatia; mas podem reunir-se onde queiram, quando são perfeitos.”

A localização absoluta das regiões das penas e das recompensas só na imaginação do homem existe. Provém da sua tendência a materializar e circunscrever as coisas, cuja essência infinita não lhe é possível compreender.

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1860

Está muito claro que os lugares, no mundo dos Espíritos, não existem por si. São meras alegorias e, principalmente, estados de consciência. O Espírito feliz está “no céu”, enquanto o Espírito infeliz e sofredor está “no inferno” de sua própria consciência.

Notemos, porém, um detalhe importante, na pergunta 1012-a: “Entretanto, conforme também já dissemos, os Espíritos de uma mesma ordem se reúnem por simpatia“. Isto quer dizer que, conforme suas ideias e seus estados de evolução, os Espíritos podem se reunir. Ora, sabendo que os Espíritos menos evoluídos se prendem aos conceitos da matéria e sabendo que, pela ação da vontade, o Espírito pode atuar sobre a matéria fluídica, proveniente do Fluido Cósmico Universal, é fácil conceber que, em conjunto, os Espíritos sofredores reunidos possam criar verdadeiras paisagens infernais ou purgatoriais, que, contudo, existem apenas enquanto esses Espíritos as plasmarem, isto é, não são lugares que os precedem, mas que existem apenas como criações desses agrupamentos de inteligências.

Também não podemos esquecer que nós, mentalmente, somos capazes de criar verdadeiras ilusões, em razão de nossas ideias, crença, medos, etc. Portanto, é fácil entender quando um Espírito sofredor se diz machucado, com fome, sede ou mesmo cansado.

Importante: os Espíritos, no Espiritismo, foram categóricos a esse respeito: não existem lugares circunscritos. Por outro lado, sobre outros conceitos, eles disseram: “calma. Isso não pode ser entendido ainda. Aguarde o desenvolvimento da Doutrina”. Isso demonstra que é falsa a ideia de que tais conceitos não puderam ser ensinados naquele tempo (o que nem sequer faz sentido).

Não paremos por aqui, porém. Em julho de 1858, no artigo “O tambor de Berezina“, Kardec faz as seguintes perguntas, após realizar uma série de indagações tentando compreender o estado moral e racional daquele Espírito, que foi um soldado em sua última encarnação:

28. ─ Vês outros Espíritos ao teu redor? ─ Sim, muitos.

29. ─ Como sabes que são Espíritos? ─ Entre nós, vemo-nos tais quais somos.

30. ─ Com que aparência os vês? ─ Como se podem ver Espíritos, mas não pelos olhos.

31. ─ E tu, sob que forma aqui estás? ─ Sob a que tinha quando vivo, isto é, como tambor.

32. ─ E vês os outros Espíritos com as formas que tinham em vida? ─ Não. Nós não tomamos uma aparência senão quando somos evocados. Fora disso vemo-nos sem forma.

A última resposta foi bastante interessante, mas, até o momento, era apenas a opinião de um Espírito. Digno de nota, a metodologia de Kardec, sondando os assuntos de interesse, ao invés de fazer perguntas diretas que poderiam ser respondidas de forma enviesada. Então, em setembro do mesmo ano, no artigo “Palestras de além-túmulo — Senhora Schwabenhaus. Letargia Extática“, Kardec faz as seguintes perguntas, obtendo as seguintes respostas. Notem bem:

29. ─ Sob que forma estais entre nós? ─ Sob minha última forma feminina.

30. ─ Vós nos vedes tão distintamente quanto se estivésseis viva? ─ Sim.

31. ─ Desde que aqui vos encontrais com a forma que tínheis na Terra, é pelos olhos que nos vedes? ─ Não, o Espírito não tem olhos. Só me encontro sob minha última forma para satisfazer às leis que regem os Espíritos quando evocados e obrigados a retomar aquilo a que chamais perispírito.

Vejamos, então: já são dois os Espíritos, de elevações diferentes, além daquele que respondeu às perguntas de OLE, dizendo a mesma coisa: para o Espírito liberto da matéria, não há forma, como a que compreendemos. Eles assumem o perispírito, atendendo a uma lei naturalapenas quando precisam agir materialmente, quando, por exemplo, se aproximam de nós para se comunicar (com materialmente quero dizer: eles precisam assumir o perispírito para poder se colocar em comunicação conosco, o que, antes de tudo, se dá através dessa “roupagem”).

O ensinamento geral e a razão

Kardec sempre destacou, como método indispensável à formação da ciência espírita, o duplo controle da razão e do ensinamento geral dos Espíritos. Mas não é só: o ensinamento, destaca Kardec, quando deve ser espalhado, é dado simultaneamente sobre vários pontos do globo. Os conceitos ora apresentados, contudo, não se estabeleceram dessa forma: eles foram trazidos por um Espírito ou médium, em uma época, e, com o passar do tempo, começaram a ser admitidos por outros indivíduos, que passaram a reproduzí-los. É como se fosse uma pirâmide invertida, no tempo: atualmente, a partir de uma construção de teorias ilusórias do passado, uma série de outras foram desenvolvidas, em contrário à própria Doutrina Espírita e recuperando diversos conceitos das velhas religiões.

“Mas eu vi em viagem astral”

Para o estudioso da Doutrina, é muito claro que as ideias do indivíduo tem papel fundamental naquilo que vê e conforme sua mente física interpreta essas “visões”.

Kardec, em A Gênese, cap. XIV, destaca que:

27. ​A visão espiritual é necessariamente incompleta e imperfeita entre os Espíritos encarnados e, por consequência, sujeita a aberrações. Tendo sede na própria alma, o estado desta deve influir sobre as percepções. Conforme o grau de seu desenvolvimento, as circunstâncias e o estado moral do indivíduo, ela pode dar, seja no sono, seja no estado de vigília: 1.º) a percepção de certos fatos materiais reais, como o conhecimento de ocorrências que se passam ao longe, os detalhes descritivos de uma localidade, as causas de uma doença e os remédios convenientes; 2.º) a percepção de coisas igualmente reais do mundo espiritual, como a visão dos Espíritos; 3.º) imagens fantásticas criadas pela imaginação, análogas às criações fluídicas do pensamento (veja acima, no 14). Essas criações estão sempre em relação com as disposições morais do Espírito que as cria. É assim que o pensamento de pessoas fortemente imbuídas e preocupadas com certas crenças religiosas lhes apresenta o inferno, suas caldeiras, suas torturas e seus demônios, do modo que elas mesmas imaginam: é por vezes toda uma epopeia; os pagãos vendo o Olimpo e o Tártaro, como os cristãos veem o inferno e o paraíso. Se, ao despertar ou sair do êxtase, essas pessoas conservam uma lembrança precisa de suas visões, consideram-nas como realidade e confirmação de sua crença, embora sejam apenas o produto dos próprios pensamentos. É preciso fazer uma distinção muito rigorosa das visões estáticas antes de aceitá-las. Nesse sentido, o remédio para a excessiva credulidade é o estudo das leis que regem o mundo espiritual.

28. ​Os sonhos propriamente ditos apresentam as três naturezas de visões descritas anteriormente. Às duas primeiras pertencem os sonhos de previsão, pressentimentos e advertências. Na terceira, isto é, nas criações fluídicas do pensamento pode-se encontrar a causa de certas imagens fantásticas, que nada têm de real em relação à vida material, mas que têm, para o Espírito, uma realidade tal que o corpo sofre um impacto, como se tem visto cabelos embranquecerem sob a impressão de um sonho. Essas criações podem ser provocadas por crenças exaltadas, lembranças, gostos, desejos, paixões, medo, remorsos, preocupações habituais, necessidades do corpo ou mal-estar relativo às funções do organismo; enfim, por outros Espíritos, com objetivo benévolo ou malévolo, conforme sua natureza.

Quer dizer, prezado leitor, que, conforme a ciência espírita, os lugares, no mundo dos Espíritos, não passam de falsos conceitos. Infelizmente, caídos na curiosidade novidadeira e ausentes desses alicerces, os Espíritas passaram a admitir os frutos das ideias isoladas de certos Espíritos como se fossem a plena verdade.

Resta afirmar, portanto, que não existe umbral, não existe vale dos suicidas e não existem colônias espirituais como acreditamos: existem Espíritos que se reúnem, segundo suas ideias, e que, quanto mais distraídos do propósito do intervalo entre as encarnações, que deveria ser o de refletir e aprender, reforçando sua vontade para vencer suas imperfeições na próxima encarnação, criam cenários “materiais”, replicando os hábitos terrestres, o que constitui, para eles, um verdadeiro atraso em direção à felicidade.

Ensinar os falsos conceitos de umbral, vale dos suicidas, hospitais espirituais, etc., que são a representação externa do sofrimento moral, é deixar de ensinar o que realmente importa: a análise dos próprios erros e acertos, a compreensão de que tudo depende da própria vontade e a necessária ação para a própria evolução. Para um Espírito que sofre, e para nós mesmos, digamos: qualquer sofrimento ou necessidade fisiológica, no mundo espiritual, são sensações FALSAS, uma espécie de repercussão moral((ver O Livro dos Espíritos, segunda parte, cap. VI, item 257)) . Ora, é conclusão de Kardec que a morte do corpo provoca a saída do Espírito, se desligando, o perispírito, célula a célula((ver A Gênese, cap. XI)). Desde que todas as células estão mortas e o perispírito “solto” (o que não vai levar mais do que 24 horas após a morte cerebral) não existe nenhuma repercussão do corpo para o Espírito, senão por uma externalização de um sofrimento moral!

Portanto, você não vai passar “pelo umbral”, mas terá, sim, que enfrentar sua própria consciência, uma hora ou outra, e sua consciência, dependendo de como estiver e dos conceitos que carregar, poderá lhe indicar muito claramente o caminho de reajuste, ou então poderá lhe fixar em estados de perda de tempo. O céu ou o inferno estará em sua própria consciência. Portanto, cuide de aprender o Espiritismo e tirar, dele, as consequências morais em reforço à sua própria vontade. Assim alcançará, mais cedo, a felicidade almejada, que não é viver numa casinha aconchegante numa colônia espiritual onde os Espíritos se preocupam em trabalhar para ganhar dinheiro em troca, mas, sim, a possibilidade de agir no bem, através do espaço infinito, fazendo a sua parte na criação divina.

E não se engane: o Espírito se transporta pelo pensamento, onde quer que ele projete esse pensamento. Não precisa de ônibus voador.

Onde está a chave para entender tudo isso, então?

Está em A Gênese, de Allan Kardec. Leia com atenção:

14. Os Espíritos agem sobre os fluidos espirituais, não os manipulando como os homens manipulam os gases, mas com a ajuda do pensamento e da vontade, que são para o Espírito o que a mão é para o homem. Pelo pensamento, eles imprimem no fluido essa ou aquela direção; eles os aglomeram, combinam ou dispersam e formam conjuntos com uma aparência, uma forma, uma cor determinada; mudam suas propriedades, como um químico muda as de um gás ou de outros corpos, combinando-os segundo certas leis. É a grande oficina ou laboratório da vida espiritual.

Algumas vezes, essas transformações são o resultado de uma intenção, mas frequentemente são o produto de um pensamento inconsciente, pois basta o Espírito pensar numa coisa para que ela seja feita.

É assim, por exemplo, que um Espírito se apresenta à vista de um encarnado, dotado da vista espiritual, sob a aparência que tinha quando estava vivo, na época em que o conheceu, embora já tenha tido várias outras encarnações. Ele se apresenta com as vestes, os sinais externos, enfermidades, cicatrizes, membros amputados, etc. que tinha; um decapitado se apresentará sem a cabeça. Não digo que tenham conservado tais aparências; não, certamente, porque, como Espírito, ele não é coxo nem maneta, nem caolho nem decapitado. Mas seu pensamento, se reportando à época em que era assim, seu perispírito toma instantaneamente essa aparência, a qual muda também instantaneamente. Se ele havia sido uma vez negro e outra vez branco, ele se apresentará como negro ou como branco, de acordo com qual das duas encarnações ele seja evocado e para onde vá seu pensamento.

Por um efeito análogo, o pensamento do Espírito cria fluidicamente os objetos que estava habituado a utilizar. Um avaro manejará ouro; um militar terá suas armas e seu uniforme; um fumante, seu cachimbo; um trabalhador, sua charrua e seus bois; uma velha mulher, sua roca. Esses objetos fluídicos são tão reais para o Espírito quanto seriam no estado material para o homem encarnado. Mas, pelo fato de serem criados pelo pensamento, sua existência é tão efêmera quanto ele [o pensamento].

É muito fácil compreender, portanto, aquilo que dissemos: “por que existe? Porque acreditam”. Precisamos reconhecer, portanto, a necessidade de compreender e de separar o que á falso do que é verdadeiro, porque, a partir do momento em que alguém diga que, no mundo dos Espíritos, existem bichos-papões comedores de criancinhas, ou Espíritos que vampirizam o fluido perispiritual dos encarnados (o que não pode acontecer, conhecendo o princípio das leis universais que regem matéria e Espírito), e que as pessoas passem a, irrefletidamente, acreditar, sem raciocinar, nesses conceitos, elas próprias, depois de morrerem, a depender de seu estado de consciência, fabricarão suas próprias assombrações, isto é, pela ação do pensamento, criarão tais imagens e, então, em suas comunicações mediúnicas, reproduzirão as mesmas ideias, provavelmente aumentadas aqui e ali, afinal, “quem conta um conto, aumenta um ponto”.

Entende o problema, amigo leitor?

Vídeo explicativo, com Paulo Henrique de Figueiredo

Conclusão

Com tudo isso, estamos dizendo que Chico Xavier estava errado? NÃO, pelo princípio de Chico Xavier ser apenas o médium. Contudo, André Luiz, que nem sequer era uma pessoa espiritualista, na Terra, apresentou a sua verdade das coisas, segundo suas concepções. E, desde que essa opinião não encontra base doutrinária e racional, não pode fazer parte do Espiritismo.

É importante destacar, porém, que, se tais criações existem, é porque Deus permite. Na verdade, isso é algo ligado à própria benevolência divina, que garante, a cada um, o desenvolvimento gradual e sem choques. No artigo “Sobre os Espíritos que se creem ainda vivos”, da Revista Espírita de 1864, consta uma importante comunicação espiritual, da qual tiramos o seguinte trecho:

Nem tudo é prova na existência; a vida do Espírito continua, como já vos foi dito, desde seu nascimento até o infinito; para uns a morte não é senão um simples acidente que não influi em nada sobre o destino daquele que morre. Uma telha caída, um ataque de apoplexia, uma morte violenta, muito frequentemente, não fazem senão separar o Espírito de seu envoltório material; mas o envoltório perispiritual conserva, pelo menos em parte, as propriedades do corpo que acaba de sucumbir. Num dia de batalha, se eu pudesse vos abrir os olhos que possuis, mas dos quais não podeis fazer uso, veríeis muitas lutas continuarem, muitos soldados subir ainda ao assalto, defender e atacar os redutos; vós os ouviríeis mesmo produzir seus hurras! e seus gritos de guerra, no meio do silêncio e sob o véu lúgubre que segue um dia de carnagem; o combate acabou, eles retornam aos seus lares para abraçar seus velhos pais, suas velhas mães que os esperam. Algumas vezes, esse estado dura muito tempo para alguns; é uma continuação da vida terrestre, um estado misto entre a vida corpórea e a vida espiritual. Por que, se foram simples e sábios, sentiriam o frio do túmulo? Por que passariam bruscamente da vida para a morte, da claridade do dia à noite? Deus não é injusto, e deixa aos pobres de Espírito esse gozo, esperando que vejam seu estado pelo desenvolvimento de suas próprias faculdades, e que possam passar com calma da vida material à vida real do Espírito.

Vemos, portanto, que a existência de tais “lugares” é um fato, permitido pela benevolência divina, àqueles que ainda não estão desenvolvidos para compreender algo acima e fora da matéria e das necessidades materiais.

Finalizamos lembrando aquilo que está estampado em nossa página inicial:

Generalidade e concordância no ensino, esse o caráter essencial da doutrina, a condição mesma da sua existência, donde resulta que todo princípio que ainda não haja recebido a consagração do controle da generalidade não pode ser considerado parte integrante dessa mesma doutrina. Será uma simples opinião isolada, da qual não pode o Espiritismo assumir a responsabilidade.

Essa coletividade concordante da opinião dos Espíritos, passada, ao demais, pelo critério da lógica, é que constitui a força da doutrina espírita e lhe assegura a perpetuidade.

Allan Kardec – A Gênese




A fé customizada pelas paixões ideológicas

Por Marco Milani

(Texto publicado na Revista Senda – FEEES, mai/jun 2022, p.5-6((Fonte: https://www.feees.org.br/?jet_download=3739)))

Ao longo de seu discurso à comunidade de espíritas das cidades francesas de Lyon e Bordeaux, em 1862, Kardec((Livro Viagem Espírita em 1862. Discursos pronunciados nas reuniões gerais dos espíritas de Lyon e Bordeaux. Discurso I)) categorizou os adeptos em três grandes grupos: I) Os que creem pura e simplesmente nos fenômenos das manifestações, mas que deles não deduzem qualquer consequência moral; II) Os que percebem o alcance moral, mas o aplicam aos outros e não a si mesmos; III) Os que aceitam pessoalmente todas as consequências da doutrina e que praticam ou se esforçam por praticar sua moral.

O verdadeiro espírita, portanto, aplica em si mesmo o que muitos apenas manifestam em discursos normativos carregados de lições enobrecedoras, mas vazios de ações.

Entre cada uma dessas categorias poderiam ser apontadas múltiplas subcategorias, proporcionais à maturidade moral e intelectual dos indivíduos. Uma delas seria formada por aqueles que apresentam-se como adeptos, porém adequam os ensinos aos próprios interesses e não raramente procuram legitimar suas opiniões particulares sobre diversos assuntos polêmicos alegando essas estarem embasadas no Espiritismo. Tal é o espírita por conveniência, que customiza a fé conforme seus interesses e ambições.

A fé customizada é adotada em detrimento da coerência doutrinária por novos sofistas que distorcem a realidade para moldar a aparência da verdade. Tal distorção decorre, muitas vezes, das paixões que o suposto adepto carrega e direcionam sua cosmovisão e consequente argumentação. Ao invés de servir-se das premissas doutrinárias para se autoconhecer, aprimorar-se e repensar suas crenças anteriores com natural mudança de atitudes, ele faz o inverso, partindo de arraigadas convicções ideológicas para encaixar o Espiritismo nessas propostas. O que não couber ou for divergente, simplesmente ignora-se ou reinterpreta-se.

 Assim ocorre com as paixões políticas. Em um mundo de expiações e provas, não faltam antigas propostas revolucionárias sociais que prometem a concretização do reino de justiça na Terra desde que seguida determinada cartilha já idealizada por intérpretes da história e planejadores do comportamento coletivo. Quase a totalidade dessas receitas utópicas de felicidade desconhecem o processo interexistencial de desenvolvimento e pregam a imposição de relações econômicas artificiais e coletivistas como aquelas que transformariam moralmente o indivíduo, mas que acabam por sufocá-lo. Para esses, o Espírito Erasto((Trecho extraído da epístola de Erasto aos espíritas lioneses – 1861. Um alerta contra as utopias materialistas. Revista Espírita, out/1861.)) assim se manifesta. 

Acabo de pronunciar a palavra igualitária. Julgo útil deter-me um pouco nela, porque absolutamente não vimos pregar, em vosso meio, utopias impraticáveis, e também porque, ao contrário, repelimos com energia tudo quanto pareça ligar-se às prescrições de um comunismo antissocial; antes de tudo, somos essencialmente propagandistas da liberdade individual, indispensável ao desenvolvimento dos encarnados; por conseguinte, inimigos declarados de tudo quanto se aproxime dessas legislações conventuais, que aniquilam brutalmente os indivíduos.

 Fruto de ilusões utópicas, muitos espíritas por conveniência selecionam e reinterpretam conceitos doutrinários para legitimar o modelo político que carregam de sistemas de relações socioeconômicas que dependem da perfeição moral de todos.

As questões transitórias sociais recorrentemente estavam presentes nos diálogos de Allan Kardec com os Espíritos e o respectivo ensino doutrinário contém os elementos fundamentais para a construção de uma sociedade terrena mais justa e fraterna, lastreada no conhecimento da realidade espiritual e da finalidade da reencarnação.

A contribuição primordial do Espiritismo no progresso social evidencia-se na condição de um poderoso agente de transformação moral da humanidade, sem qualquer enquadramento em concepções político-ideológicas já concebidas.

Como filosofia interexistencialista, o Espiritismo não se limita às relações do mundo material, pois expande a compreensão da realidade e desloca a finalidade última do ser para a conquista do verdadeiro Reino de Deus em si mesmo. As misérias humanas são reflexos do nível moral dos indivíduos, confrontando-os com as chagas do orgulho e do egoísmo, incentivando-os a exercitar a inteligência e praticar a caridade em seu verdadeiro sentido, em harmonia com as leis divinas.

O Espiritismo, ao demonstrar a responsabilidade de cada um sobre suas ações e respectivas consequências durante o processo reencarnatório em plena conformidade com as leis naturais, afasta-se da míope perspectiva materialista histórica que concebe o homem como produto de seu meio e ignora sua bagagem reencarnatória, suas tendências e necessidades evolutivas para a realização espiritual. A expressão “a cada um segundo suas obras” resume a essência meritocrática do esforço individual na jornada interior em busca da verdadeira felicidade, segundo o Espiritismo.

A confiança e a crença racional na justiça divina e no futuro pautado pelos benefícios consequentes da prática da caridade, aqui entendida como a ação benevolente, indulgente e voltada ao perdão das ofensas, deveriam nortear a conduta equilibrada do adepto, promovendo conforto e coragem para superar os desafios materiais. A conduta do espírita espelha o seu próprio progresso moral nas obras realizadas e faz-se reconhecido como coerente aos princípios de paz e solidariedade que professa.

A fé raciocinada, sob esse ângulo, analisa criticamente e admite a consistência do conjunto de ensinos apresentados por Allan Kardec, convidando o adepto da filosofia espírita a agir conforme os princípios doutrinários, reduzindo e atenuando hábitos e posturas orgulhosas e egoístas. Certamente, em um mundo de expiações e provas, não se deve exigir a súbita perfeição e o progresso moral é paulatino e proporcional aos esforços e maturidade de cada um.

A transformação social, para Kardec, não ocorrerá de maneira impositiva e totalitária ao indivíduo, mas de maneira oposta, decorrente da melhoria do indivíduo respeitando-se a liberdade de consciência de cada um. Conforme afirma-se na edição de fevereiro de 1862 da Revista Espírita((Trecho extraído do texto Resposta dirigida aos espíritas lioneses por ocasião do Ano-Novo, Revista Espírita, Revista Espírita, fev/1862)), tem-se:

Procurai no Espiritismo aquilo que vos pode melhorar: eis o essencial. Quando os homens forem melhores, as reformas sociais realmente úteis serão uma consequência natural; trabalhando pelo progresso moral, lançareis os verdadeiros e mais sólidos fundamentos de todas as melhoras, e deixareis a Deus o cuidado de fazer com que cheguem no devido tempo. No próprio interesse do Espiritismo, que é ainda jovem, mas que amadurece depressa, oponde uma firmeza inquebrantável aos que quiserem vos arrastar por uma via perigosa.

 Ao crer somente naquilo que está em concordância com suas paixões político-ideológicas e rejeitar tudo o que na doutrina espírita as contrarie, o adepto por conveniência exemplifica a postura egoísta e orgulhosa que leva à insensatez doutrinária. A militância política, com o intuito de ocupar espaços e disseminar suas propostas para convencer o maior número de pessoas, desrespeita a liberdade de pensamento e livre-arbítrio do próximo nas instituições espíritas e provoca cismas.

Allan Kardec, dirigindo-se aos espíritas lioneses em 1862, já alertava sobre a armadilha preparada por adversários do Espiritismo que objetivavam levar aos grupos espíritas a discussão política((ibidem)).

Devo ainda assinalar-vos outra tática dos nossos adversários, a de procurar comprometer os espíritas, induzindo-os a se afastarem do verdadeiro objetivo da doutrina, que é o da moral, para abordarem questões que não são de sua alçada e que, a justo título, poderiam despertar suscetibilidades e desconfianças. Não vos deixeis cair nessa armadilha; afastai cuidadosamente de vossas reuniões tudo quanto se refere à política e a questões irritantes; a tal respeito, as discussões apenas suscitarão embaraços, enquanto ninguém terá nada a objetar à moral, quanto esta for boa.

                       Atuando como promotores de cizânia em nome de paixões políticas variadas, os supostos adeptos que customizam a fé lançam-se com entusiasmo ao proselitismo de suas convicções pessoais camuflando-as de assuntos doutrinários, fomentando as discussões contra ou a favor de governantes, defendendo ou atacando condutas alheias, ou ainda, tentando fazer crer que só quem compartilha de suas paixões político-ideológicas poderia ser considerado um espírita legítimo.

Que nesses tempos agitados pela polarização política, consigamos entender o alerta de Kardec sobre os cuidados no trato das paixões e o respeito à liberdade de pensamento e exemplificarmos em nós mesmos o comportamento que gostaríamos que outros tivessem.




Deus e o Diabo — a origem do bem e do mal

FONTE DO BEM E DO MAL
Extraído de A Gênese, 4.ª edição, FEAL — Allan Kardec

1. Sendo Deus o princípio de todas as coisas e, sendo esse princípio todo sabedoria, todo
bondade e todo justiça, tudo o que provém dele deve compartilhar esses atributos, pois o
que é infinitamente sábio, justo e bom não pode produzir nada irracional, mau e injusto. O mal que observamos não pode ter originado dele.

2. Se o mal estivesse nas atribuições de um ser especial, seja ele chamado Ahriman, seja Satã, de duas, uma: ou ele seria igual a Deus e, por consequência, também poderoso e eterno, ou seria inferior.

No primeiro caso, haveria duas potências rivais, lutando sem cessar, cada uma procurando desfazer o que o outro está fazendo, opondo-se mutuamente. Essa hipótese é inconciliável com a harmonia que se revela, na ordem do Universo.

No segundo caso, sendo inferior a Deus, esse ser estaria subordinado a ele. Não podendo ser eterno como ele sem ser seu igual; só poderia ter sido criado por Deus. Se foi criado, só poderia ter sido por Deus. Nesse caso, Deus teria criado o Espírito do mal, o que seria a negação de sua infinita bondade.

3. Conforme certa doutrina, o Espírito do mal, criado bom, teria se tornado mau, e Deus,
para puni-lo, teria o condenado a permanecer eternamente mau, dando-lhe a missão de
seduzir os homens para lhes induzir ao mal. Ora, podendo uma única queda((A queda, para as religiões dogmáticas representa um evento no qual o homem, em sua origem, cometendo falta grave contra Deus, perdendo sua santidade, justiça e sabedoria originais, caindo por castigo na condição presente: com sofrimento, ignorância, arrastamento ao pecado e morte. Ou seja, haveria degradação da alma. A Doutrina Espírita, fundada no conceito de evolução da alma desde simples e ignorante por seu esforço, estabelece por essa sólida lógica sua teoria. (N. do E.))) custar-lhes os mais cruéis castigos pela eternidade, sem esperança de perdão, nisso não haveria só uma falta de bondade. Porém, uma crueldade premeditada, porque, para tornar a sedução mais fácil e melhor ocultar a armadilha, Satã estaria autorizado a se transformar em anjo de luz e a simular as obras próprias de Deus, até o ponto de enganar. Assim, haveria mais iniquidade e imprevidência da parte de Deus, porque dando toda a liberdade para Satã emergir das trevas e se entregar aos prazeres mundanos para arrastar os homens, o provocador do mal seria menos punido que as vítimas de suas artimanhas, pois estas, caindo por fraqueza, uma vez no abismo, não mais podem sair. Deus lhes recusa um copo de água para saciar sua sede e, durante toda a eternidade, com os anjos, ouve seus gemidos, sem se deixar comover, ao mesmo tempo que permite a Satã todo o prazer que desejar.

De todas as doutrinas sobre a teoria do mal, esta é, sem dúvida, a mais irracional e a
mais ofensiva para com a divindade. (Ver O Céu e o Inferno segundo o Espiritismo.
Primeira parte, capítulo IX, Os demônios.)

4. Entretanto, o mal existe e possui uma causa.

Há várias classes de mal((Na época de Allan Kardec, a Filosofia ensinada na universidade, na escola normal (atual magistério) e nos colégios era o Espiritualismo racional. Na disciplina de moral teórica (uma das Ciências Filosóficas), ensinava-se a diferença entre o mal físico e o moral, para demonstrar uma revolucionária teoria fundamentada na liberdade pessoal, contrária ao dogma da queda e do castigo divino das religiões ancestrais e da coação externa, pelo materialismo: “O mal físico consiste em dor, doença, morte. São consequências inevitáveis da organização dos seres sencientes, estimulante essencial para sua atividade. O mal moral é a condição fundamental da liberdade. Sem o mal, o bem não é possível no mundo, pois, se o homem não pudesse errar, não estaria livre nem seria capaz de fazer o bem. Essa vida é uma época de provação e, sem o mal físico e moral, não há lugar para coragem, paciência, dedicação e demais virtudes”. (Le Mansois-Duprey. Cours de Philosophie Élémentaire em L’école normale: journal de l’enseignement pratique. v. 13. Paris: Larousse et Boyer, 1864. p. 235.) A teoria moral espírita foi um desenvolvimento do Espiritualismo racional: “O Espiritismo repousa, pois, sobre princípios gerais independentes de todas as questões dogmáticas. Ele tem, é verdade, consequências morais como todas as Ciências Filosóficas”. (Revista Espírita, 1859.). (N. do E.))). Em primeiro lugar há o mal físico e o mal moral. Também podemos classificar os males entre aqueles que o homem pode evitar e os que são independentes de sua vontade. Entre estes últimos, é preciso incluir os flagelos naturais.

O homem, cujas faculdades são limitadas, não pode compreender todos nem abranger o conjunto dos desígnios do Criador; julga as coisas do ponto de vista de sua personalidade, dos interesses e das convenções artificiais que criou para si mesmo, não pertencentes à ordem da natureza. É por isso que, em geral, lhe parece prejudicial e injusto aquilo que consideraria justo e admirável, se conhecesse sua causa, seu objetivo e o resultado definitivo. Ao investigar a razão de ser e a utilidade de cada coisa, reconhecerá que tudo tem a marca da sabedoria infinita e se curvará ante a essa sabedoria, mesmo em relação a coisas que não compreenda.

5. O homem recebeu uma inteligência por meio da qual ele pode afastar, ou ao menos
diminuir bastante os efeitos dos flagelos naturais. Quanto mais conhecimento adquire e
avança na civilização, menos essas calamidades são desastrosas. Com sábia organização
social, poderá até mesmo neutralizar seus efeitos, quando não puderem ser totalmente
evitadas. Dessa forma, para os mesmos flagelos que são úteis na ordem geral da natureza e para o futuro, mas que nos atacam no presente, Deus deu ao homem, com as faculdades com as quais dotou seu Espírito, os meios para paralisar seus efeitos.

Assim, o homem limpa regiões insalubres, neutraliza os miasmas pestilentos, fertiliza
terras não cultivadas, preserva-as de inundações; constroem-se casas mais saudáveis, mais fortes para suportar os ventos, tão necessários para a purificação da atmosfera, e se protege do clima. É assim, finalmente, que, pouco a pouco, a necessidade o fez criar as Ciências, com a ajuda das quais ele melhora as condições de habitabilidade do globo e amplia o conjunto de seu bem-estar.

Como o homem deve progredir, os males aos quais está exposto constituem um incentivo para o exercício de sua inteligência e de todas as suas faculdades físicas e morais, convidando-o à pesquisa dos meios para evitá-los. Se ele nada tivesse a temer, nenhuma
necessidade o levaria à busca do melhor; ele se entorpeceria na inatividade de sua mente; não inventaria nem descobriria nada. A dor é o aguilhão que empurra o homem a seguir adiante, no caminho do progresso.

6. Mas os males mais numerosos são aqueles que o homem cria pelos próprios vícios;
provenientes de seu orgulho, de seu egoísmo, de sua ambição, de sua ganância, de seus
excessos em todas as coisas. Essa é a causa das guerras e calamidades que causam
desavenças, injustiças, a opressão do fraco pelo forte e, finalmente, a maioria das doenças.

Deus estabeleceu leis cheias de sabedoria, cujo objetivo é o bem. O homem encontra
em si mesmo tudo o que é necessário para segui-las. Seu caminho é traçado por sua
consciência, e a lei divina está gravada em seu coração. Além do mais, Deus o recorda,
constantemente, por seus messias e profetas, por todos os Espíritos encarnados que
receberam missão de esclarecer, moralizar e contribuir para seu aperfeiçoamento, assim
como, nesses últimos tempos, pela multidão de Espíritos desencarnados que se manifestam por todos os lados. Se os homens se conformarem rigorosamente com as leis divinas, não há dúvida de que evitariam os males mais graves, vivendo felizes na Terra. Se não o faz, é em virtude de seu livre-arbítrio, e deve aceitar as consequências.

7. Mas, Deus, cheio de bondade, colocou o remédio ao lado do mal; quer dizer, do próprio mal faz nascer o bem. Chega um momento em que o excesso do mal moral se torna intolerável e faz o homem sentir a necessidade de mudar de vida. Instruído pela experiência, sente-se obrigado a procurar no bem o remédio que precisa, sempre em virtude de livrearbítrio. Quando toma um caminho melhor, é por sua vontade e porque reconheceu as desvantagens da outra estrada. A necessidade o compele a melhorar moralmente para ser mais feliz, pois essa mesma necessidade o obrigou a melhorar as condições materiais de sua existência.

Pode-se dizer que o mal é a ausência do bem, como o frio é a ausência do calor. O mal
não é mais um atributo distinto, assim como o frio não é um fluido especial; um é a
negação do outro. Onde o bem não existe, há necessariamente o mal. Não fazer o mal já é o começo do bem. Deus só quer o bem, o mal somente vem do homem. Se houvesse na Criação um ser encarregado do mal, o homem não poderia evitá-lo. Contudo, tendo a causa do mal em si mesmo e, ao mesmo tempo, tendo seu livre-arbítrio e por guia as leis divinas, ele o evitará quando desejar.

Tomemos um fato comum, por comparação: um proprietário sabe que, na extremidade
de sua terra, há um local perigoso, no qual pode se ferir ou morrer. O que faz para evitar
acidentes? Coloca, próximo do lugar, um aviso para se afastar, por causa do perigo. Essa é a lei; ela é sábia e previdente. Se, apesar disso, um imprudente ignora o aviso e sofre um acidente, quem poderia ser responsabilizado, senão ele próprio?

Assim acontece em relação ao mal. O homem o evitaria se observasse as leis divinas.
Deus, por exemplo, colocou um limite para a satisfação das necessidades; o homem é
avisado pela saciedade; se ele ultrapassa esse limite, age voluntariamente. As doenças, as fraquezas do corpo, a morte que podem resultar disso são obra sua, e não de Deus.

8. Sendo o mal resultado das imperfeições do homem, e o homem criado por Deus, dirão, que se ele não criou o mal, pelo menos teria criado a causa dele. Se tivesse criado o homem perfeito, o mal não existiria.

Se o homem tivesse sido criado perfeito, estaria fatalmente inclinado ao bem. Agora,
em virtude de seu livre-arbítrio, não tende fatalmente nem para o bem nem para o mal. Deus quis que ele fosse submetido à lei do progresso, e que esse progresso fosse fruto do próprio trabalho, a fim de que o mérito fosse seu, mesmo tendo a responsabilidade pelo mal que pratica por sua vontade. A questão, portanto, está em saber qual é, no homem, a origem da sua propensão ao mal((O erro consiste em pretender que a alma tenha saído perfeita das mãos do Criador, quando ele, ao contrário, quis que a perfeição fosse o resultado do refinamento gradual do espírito e sua própria obra. Quis Deus que a alma, em virtude de seu livre-arbítrio, pudesse escolher entre o bem e o mal, chegando aos seus derradeiros fins por uma vida dedicada e pela resistência ao mal. Se tivesse criado a alma com uma perfeição à sua semelhança – e que, saindo de suas mãos, ele a tivesse ligado à sua beatitude eterna –, Deus a teria feito, não à sua imagem, mas semelhante a si próprio, como já dito. Conhecedora de todas as coisas em razão de sua essência e sem ter aprendido nada, mas movida por um sentimento de orgulho nascido da consciência de seus atributos divinos, a alma seria induzida a renegar sua origem, a desconhecer o autor de sua existência, ficando em estado de rebelião contra seu Criador. (Bonnamy, juiz de instrução. A razão do Espiritismo, capítulo VI.) (Nota de Allan Kardec.))).

9. Se estudarmos todas as paixões, e até mesmo todos os vícios, vemos que eles têm seu princípio no instinto de conservação. Esse instinto, em toda sua força nos animais e nos seres primitivos que estão mais próximos da vida animal, ele domina sozinho, porque, entre eles, ainda não há de contrapeso o senso moral. O ser ainda não nasceu para a vida intelectual. O instinto enfraquece, ao contrário, à medida que a inteligência se desenvolve, porque domina a matéria. Com a inteligência racional, nasce o livre-arbítrio que o homem usa à sua vontade: então somente, para ele, começa a responsabilidade de seus atos((Na teoria moral espírita, o livre-arbítrio surge após o desenvolvimento da inteligência racional. Desse modo, a responsabilidade moral só aí se inicia e se amplia gradualmente, na proporção direta do desenvolvimento racional. Nos animais e nos seres ainda simples e ignorantes, não surgiu o livre-arbítrio, o senso moral e a responsabilidade pelos seus atos. Esses conceitos psicológicos afastam completamente os dogmas do pecado original, da queda e da encarnação como castigo. Também são falsas as hipóteses científicas do egoísmo e do sentimento antissocial inatos em todos os indivíduos. Traz alento, pois quanto maior a inteligência, maior a responsabilidade. Por fim, para uma evolução moral plena da humanidade é necessário garantir para todos os indivíduos a oportunidade do desenvolvimento racional pela educação. (N. do E.))).

10. O destino do Espírito é a vida espiritual. Mas, nas primeiras fases de sua existência
corporal, ele só possui necessidades materiais para satisfazer. Com essa finalidade, o
exercício das paixões é uma necessidade para a conservação da espécie e dos indivíduos,
materialmente falando. Porém, saindo desse período, possui outras necessidades, a princípio semimorais e semimateriais, e depois exclusivamente morais. É então que o Espírito domina a matéria. Na medida em que se liberta de seu jugo, avança pela vida adequada e se aproxima de seu destino final. Se, ao contrário, deixar-se dominar pela matéria, se atrasa e se identifica com os irracionais. Nessa situação, o que antes era um bem, por ser uma necessidade da sua natureza, torna-se um mal, não só por não ser mais uma necessidade, mas porque se torna nocivo para a espiritualização do ser. Por isso, o mal é relativo, e a responsabilidade é proporcional ao grau de adiantamento.

Todas as paixões têm sua utilidade providencial, sem o que Deus teria feito algo inútil
e nocivo. É o abuso que constitui o mal, e o homem abusa, conforme seu livre-arbítrio. Mais tarde, esclarecido pelo próprio interesse, ele escolhe, livremente, entre o bem e o mal




Ação do Espírito sobre a matéria

Postulado. A teoria de Mesmer e a Doutrina Espírita afirmam que os Espíritos agem sobre a matéria apenas através do pensamento e da vontade:

Os Espíritos agem sobre os fluidos espirituais, não os manipulando como os homens manipulam os gases, mas com a ajuda do pensamento e da vontade, que são para o Espírito o que a mão é para o homem.

(KARDEC, [1868] 2018, P. 290)

Para Mesmer, não existem fluidos, como a ciência de sua época postulava, como os fluidos calórico, elétrico, magnético, vital, etc. Sua teoria concebia o Fluido Cósmico Universal, de onde toda a matéria seria formada e que, portanto, preenche a tudo, como se fôssemos peixes, mergulhados no oceano((FIGUEIREDO, Paulo Henrique de. Mesmer – A Ciência Negada do Magnetismo Animal. FEAL, 2022)). Os diferentes estados da matéria estariam ligados a um diferente estado de onda, o que é comprovado pela física moderna. Assim, para um Espírito agir sobre a matéria fluídica, ele não age com suas mãos ou com força física, mas através de sua vontade. É assim que um Espírito pode, pelo seu perispírito, aparecer de diferentes formas, moldando-o como quiser. Contudo, ele somente pode agir sobre a matéria fluídica. Para agir sobre a matéria mais densa, é necessário algo a mais: ou um corpo, no qual se encarne, ou um corpo cujo controle é momentaneamente cedido por outro Espírito encarnado, ou, simplesmente, o auxílio de um encarnado, lúcido e por sua própria vontade.

É por esse princípio que um Espírito, como ficou comprovado nas experiências à época de Kardec, NÃO PODE se fazer visível, materialmente, muito menos tangível, sem a existência de um médium especial, que lhe forneça o “ectoplasma”, que seria uma espécie de fluido espiritual mais animalizado. Não fosse assim — o que está determinado pelas leis da Natureza, ou Leis Divinas — bastaria um Espírito, que queira fazer o mal, tomar uma faca ou uma pistola e cometer um crime qualquer. Ele pode, contudo, inspirar alguém a fazê-lo, sendo que essa pessoa, ao aceitar a sugestão, tem sua própria responsabilidade.

Espíritos agem sobre os fenômenos da Natureza?

De início, vamos encontrar algo que parece incongruente com tudo o que foi dito até aqui. Deixo claro que, neste tópico, estou me apoiando naquilo que nasceu do meu entendimento, e não totalmente em postulados do Espiritismo.

Primeiramente temos a questão nº 537 de O Livro dos Espíritos:

537. A mitologia dos antigos se fundava inteiramente em ideias espíritas, com a única diferença de que consideravam os Espíritos como divindades. Representavam esses deuses ou esses Espíritos com atribuições especiais. Assim, uns eram encarregados dos ventos, outros do raio, outros de presidir ao fenômeno da vegetação, etc. Semelhante crença é destituída de fundamento?

“Tão pouco destituída é de fundamento, que ainda está muito aquém da verdade.”

Então os Espíritos estão dizendo que existem aqueles que governam os fenômenos da Natureza? Parece que sim. Mas, em primeiro lugar, fomos ensinados, por Kardec, a nada aceitar sem passar pelo crivo da razão. Ora, conhecemos hoje as forças da natureza que fazem surgirem as tempestades. Conhecemos a ação da temperatura sobre os ventos, a razão da formação das nuvens que geram as precipitações e até mesmo a razão da descarga elétrica pelos raios. São fenômenos tão predizíveis que já existem modelos matemáticos computacionais que conseguem predizer, com grande taxa de acerto, quando e quanto vai chover, e com algumas semanas de antecedência.

Então, por que é que haveria de existirem Espíritos comandando algo previsível e que obedece às Leis da Natureza?

Prossigamos para a questão 538:

538. Formam categoria especial no mundo espírita os Espíritos que presidem aos fenômenos da natureza? Serão seres à parte, ou Espíritos que foram encarnados como nós?

“Que foram ou que o serão.”

a) – Pertencem esses Espíritos às ordens superiores ou às inferiores da hierarquia espírita?

“Isso é conforme seja mais ou menos material, mais ou menos inteligente o papel que desempenhem. Uns mandam, outros executam. Os que executam coisas materiais são sempre de ordem inferior, assim entre os Espíritos, como entre os homens.”

Assim, fica entendido que os Espíritos mais elevados não interagiriam diretamente sobre os elementos, mas deixam isso para os Espíritos menos desenvolvidos — o que é racional, afinal isso se torna um exercício de aprendizado para esses também. Segue Kardec, com grifos meus:

539. A produção de certos fenômenos, das tempestades, por exemplo, é obra de um só Espírito, ou muitos se reúnem, formando grandes massas, para produzi-los?

“Reúnem-se em massas inumeráveis.”

540. Os Espíritos que exercem ação nos fenômenos da natureza operam com conhecimento de causa, usando do livre-arbítrio, ou por efeito de instintivo ou irrefletido impulso?

“Uns sim, outros não. Estabeleçamos uma comparação. Considera essas miríades de animais que, pouco a pouco, fazem emergir do mar ilhas e arquipélagos. Julgas que não há aí um fim providencial e que essa transformação da superfície do globo não seja necessária à harmonia geral? Entretanto, são animais de ínfima ordem que executam essas obras, provendo às suas necessidades e sem suspeitarem de que são instrumentos de Deus. Pois, bem: do mesmo modo, os Espíritos mais atrasados oferecem utilidade ao conjunto. Enquanto se ensaiam para a vida, antes que tenham plena consciência de seus atos e estejam no gozo do livre-arbítrio, atuam em certos fenômenos, de que inconscientemente se constituem os agentes. Primeiramente, executam. Mais tarde, quando suas inteligências já houverem alcançado um certo desenvolvimento, ordenarão e dirigirão as coisas do mundo material. Depois, poderão dirigir as do mundo moral. É assim que tudo serve, que tudo se encadeia na natureza, desde o átomo primitivo até o arcanjo, que também começou pelo átomo. Admirável lei de harmonia, que o vosso acanhado espírito ainda não pode apreender em seu conjunto!”

Aqui chegamos a algo muito importante. Na resposta à questão n.º 539, fica esclarecido que os Espíritos a agir sobre tais fenômenos agem reunidos em massas. Não é um Espírito, então, que interage sobre esses fenômenos. Sendo que são massas de Espíritos, na questão n.º 540 Kardec busca entender se essas massas são inteligentes e racionais, agindo por sua vontade, ou não.

Observemos, primeiramente, algo importante: o Espírito não utiliza as tempestades para exemplificar sua resposta, mas usa o exemplo de uma ilha que pode ser formada pela ação de infinitos minúsculos animais, com a ação do tempo, como se dá com os corais. Na pergunta n.º 537, é Kardec quem dá vários exemplos das possibilidades de ação espiritual, incluindo, dentre elas, os ventos, os raios e os fenômenos da vegetação. A resposta do Espírito, limitada por diversas questões, sendo a primeira dela o compromisso de não revelar ao homem aquilo que ele mesmo deve concluir, pela ciência, foi respondida de forma genérica, e se encaixa bem com os fenômenos da última classe.

A resposta à questão n.º 540 demonstra que os seres inferiores (do ponto de vista evolutivo) obedecem às leis da natureza, isto é, ao instinto, de forma cega, mas que, ao fazer assim, atendem a um propósito maior. Esse propósito maior não se cumpre por milagres ou trancos, mas sim através das leis da Natureza, que são as leis de Deus, que visam a harmonia geral. Isso quer dizer que não são Espíritos de qualquer classe que provocam um desastre natural, mas a consequência, justamente, da Natureza. Um desastre pode se dar, por exemplo, pela ação de bactérias que, lentamente, corroam o ferro de uma ponte que, em certo momento, cai, ou pela ação de fungos que atuem de certa forma em um solo de região montanhosa que, saturado então pela chuva, se torne encharcado e deslize sobre toda uma cidade.

E aqui chegamos a um ponto importante: os seres vivos mais simples, desde a célula, o vírus e a bactéria, também tem um princípio espiritual. Estaria explicado, portanto, os Espíritos reunidos em “massas inumeráveis”, governadas pela Natureza, que fazem a harmonia que nosso “acanhado espírito ainda não pode apreender em seu conjunto”.

Então, quando se diz que os Espíritos presidem sobre os fenômenos da Natureza, o que está sendo dito é que existem os Espíritos mais elevados, que, pela sua influência, governam os menos elevados, ligados diretamente à matéria.

Pode um Espírito agir diretamente sobre a matéria?

Creio que a questão ficou bem esclarecida, mas, para reforçar o conceito, vamos recorrer novamente a O Livro dos Espíritos. Nas três questões seguintes e em suas respostas, está muito claro o princípio de que os Espíritos não podem agir diretamente sobre a matéria:

526. Tendo, como têm, ação sobre a matéria, podem os Espíritos provocar certos efeitos, com o objetivo de que se dê um acontecimento? Por exemplo: um homem tem que morrer; sobe uma escada, a escada se quebra e ele morre da queda. Foram os Espíritos que quebraram a escada, para que o destino daquele homem se cumprisse?

“É exato que os Espíritos têm ação sobre a matéria, mas para cumprimento das leis da natureza, não para as derrogar, fazendo que, em dado momento, ocorra um sucesso inesperado e em contrário àquelas leis. No exemplo que figuraste, a escada se quebrou porque se achava podre, ou por não ser bastante forte para suportar o peso de um homem. Se era destino daquele homem perecer de tal maneira, os Espíritos lhe inspirariam a ideia de subir a escada em questão, que teria de quebrar-se com o seu peso, resultando-lhe daí a morte por um efeito natural e sem que para isso fosse mister a produção de um milagre.”

527. Tomemos outro exemplo, em que não entre a matéria em seu estado natural. Um homem tem que morrer fulminado pelo raio. Refugia-se debaixo de uma árvore. Estala o raio e o mata. Poderá dar-se tenham sido os Espíritos que provocaram o raio, dirigindo-o para o homem?

“Dá-se o mesmo que anteriormente. O raio caiu sobre aquela árvore em tal momento porque estava nas leis da natureza que assim acontecesse. Não foi encaminhado para a árvore por se achar debaixo dela o homem. A este, sim, foi inspirada a ideia de se abrigar debaixo de uma árvore sobre a qual cairia o raio, porquanto a árvore não deixaria de ser atingida, só por não lhe estar debaixo da fronde o homem.”

528. No caso de uma pessoa mal intencionada disparar sobre outra um projétil que apenas lhe passe perto sem a atingir, poderá ter sucedido que um Espírito bondoso haja desviado o projétil?

“Se o indivíduo alvejado não tem que perecer desse modo, o Espírito bondoso lhe inspirará a ideia de se desviar, ou então poderá ofuscar o que empunha a arma, de sorte a fazê-lo apontar mal, porquanto, uma vez disparada a arma, o projétil segue a linha que tem de percorrer.”

Os Espíritos não derrogam as Leis da Natureza por um princípio moral, mas simplesmente porque essas Leis são naturais e se cumprem tanto quanto se cumpre que, sobre a superfície de um corpo celeste qualquer, ao soltar um objeto, ele vai cair, por conta da lei da gravidade, com uma velocidade que dependerá da massa desse corpo (planeta, estrela, etc.).

Conclusões

A digressão realizada até aqui serviu para dar um maior embasamento a outro artigo de minha autoria, “Magia negra, feitiços, banhos de sal grosso e ervas, amuletos, wicca: tudo isso existe?” (clique aqui para ler). A magia, como muitos imaginam, não existe. Caso contrário, estaríamos sujeitos a sermos atingidos, contra a nossa vontade, e não importa o quão no bem estejamos, por um feitiço qualquer. Podemos, é claro, ser atingidos por meios materiais, pela ação da vontade de indivíduo, secundado ou não por Espíritos encarnados. Mas, por meios não materiais, o máximo possível é que um Espírito interaja sobre a matéria fluídica, que, para se identificar com a nossa, depende exclusivamente da nossa permissão ostensiva ou da nossa impotência em combatê-la, por não termos subsídios morais para tanto.

E você, o que achou de todo esse pensamento desenvolvido aqui? Deixe seu comentário abaixo!




Os ataques a Kardec e as tentativas de manchar o Espiritismo

Não esqueçamos que o Espiritismo tem inimigos interessados em obstar-lhe à marcha, aos quais seus triunfos causam despeito, não sendo os mais perigosos os que o atacam abertamente, porém os que agem na sombra, os que o acariciam com uma das mãos e o dilaceram com a outra. Esses seres malfazejos se insinuam onde quer que contem poder fazer mal. Como sabem que a união é uma força, tratam de a destruir, agitando brandões de discórdia. Quem, desde então, pode afirmar que os que, nas reuniões, semeiam a perturbação e a cizânia não sejam agentes provocadores, interessados na desordem? Sem dúvida alguma, não são espíritas verdadeiros, nem bons; jamais farão o bem e podem fazer muito mal.

KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns.

De muito tempo são conhecidos os inimigos do Espiritismo que, em campo aberto, atacam-lhe de todos os lados e de todas as formas. Há os das religiões, que o combatem por pregar os princípios da autonomia e do livre-arbítrio; os das ciências materialistas, que não conseguem admitir aquilo que não veem sob os aparelhos; os da política, que veem, nas suas ideias, não mais que uma ameaça à sua hegemonia; os das filosofias materialistas, etc. Esses inimigos, porém, são declarados. Piores são aqueles que surgem, por imprecaução ou por malevolência, no seio da Doutrina, dentre os homens estudiosos que deveriam fazer de tudo para o bem dessa ciência.

Existem em todas as áreas os “judas” do Espiritismo. Kardec conheceu alguns, sendo que o mais destacado deles foi Roustaing, que, por orgulho e vaidade, se voltou contra o Espiritismo. São Espíritos que ainda não conseguiram compreender a essência da Doutrina Espírita, que a consideram uma “religião” ameaçadora e que esperam, sorrateiramente, o menor erro onde se possam agarrar, fazendo uma verdadeira tormenta em copo-d’água. Se valem, para isso, seja de si mesmos, quando encarnados, seja de indivíduos desavisados ou pouco compenetrados da verdadeira essência da Doutrina dos Espíritos, sobre os quais exercem influência em razão de suas ideias apegadas à vaidade e ao orgulho.

Não importa que, na formação da ciência espírita humana, existam mil conceitos consoladores, libertadores e transformadores: basta um único conceito, depois visto como falso ou errado, nascido das ideias de época dos homens, para que tentem colocar a Doutrina dos Espíritos, as ideias dos homens que a investigaram e o Movimento Espírita, três coisas diferentes, num mesmo balaio, tachado de imprestável ou danoso.

Uma dessas ideias que mais causa furor ao homem desavisado e desinformado é aquela do racismo em Kardec. Sim, Kardec afirma, em suas conclusões, e movido pelos conceitos da ciência da época, que o negro, referido por ele como “hotentote”, o “selvagem” africano, seria uma raça inferior, materialmente falando, onde se encarnariam Espíritos menos adiantados, em busca de expiações e aprendizado básico. Uma ideia terrível e racista? Sim, mas apenas sob o ponto de vista atual. Naquela época nem sequer havia o conceito do racismo, porque era natural, segundo a ciência, classificar o ser humano em raças — dezenas delas.

Kardec utilizava os conceitos e postulados científicos de sua época. Foi assim com os fluidos, que foram posteriormente abandonados, foi assim com o racismo. Simples assim. Partindo desse conceito MATERIAL da inferioridade da raça negra, ele supôs que os Espíritos que encarnavam eram inferiores? Por quê?

Ora, nos coloquemos na situação de Kardec: vivia em uma sociedade etnocêntrica; via os negros sendo classificados como inferiores, pelos conceitos científicos e tratados como animais. Daí, supôs que os Espíritos escolhiam encarnar negros para expiar suas imperfeições. Isso está explícito em “O negro pai César”, na Revista Espírita de junho de 1859. Há erro nisso? Se considerarmos como os negros eram tratados e classificados pela ciência e pela sociedade, que lhes impunham pesados sofrimentos, então não é fácil supor que alguns Espíritos escolhiam uma vida como aquela, assim como um Espírito chegou a escolher ser enterrado vivo, pensando ter que pagar um erro passado?

Um certo autor diz assim: “É ainda recorrente centros espíritas que não aceitam ou aceitam com ressalvas comunicações de pretos velhos, índios e outros espíritos que se apresentam de maneira não convencionada como de confiança”. Ora, é ainda recorrente, nos centros Espíritas, subirem às tribunas para ensinarem conceitos de carma e lei do retorno ou ainda falarem em “água fluida” e “o telefone só toca de lá pra cá”. E isso se dá pela mesma razão que leva esse Movimento Espírita a não aceitarem tais comunicações: pela ausência de estudos doutrinários e científicos. Não confundamos o Movimento Espírita com o Espiritismo. São coisas distintas, assim como são distintos o aspecto humano e o aspecto espírita da Doutrina.

Lembro que o mesmo Kardec que se guiou pela ciência para classificar os negros (e também outros povos) de tal forma, se esforçou para demonstrar que, “a despeito de qualquer coisa” (no contexto dessas opiniões), deveriam ser tratados com respeito e dignidade. Isso o autor esqueceu de citar:

829. Haverá homens que estejam, por natureza, destinados a ser propriedade de outros homens?

“É contrária à lei de Deus toda sujeição absoluta de um homem a outro homem. A escravidão é um abuso da força. Desaparece com o progresso, como gradativamente desaparecerão todos os abusos.”

É contrária à natureza a lei humana que consagra a escravidão, pois que assemelha o homem ao irracional e o degrada física e moralmente (nota de Allan Kardec)

831. A desigualdade natural das aptidões não coloca certas raças humanas sob a dependência das raças mais inteligentes?

“Sim, mas para que estas as elevem, não para embrutecê-las ainda mais pela escravização. Durante longo tempo, os homens consideraram certas raças humanas como animais de trabalho, munidos de braços e mãos, e se julgaram com o direito de vender os dessas raças como bestas de carga. Consideram-se de sangue mais puro os que assim procedem. Insensatos! Nada veem senão a matéria. Mais ou menos puro não é o sangue, porém o Espírito.” (361–803.)

Esse mesmo Kardec também se esforçou por trazer as mulheres para o mesmo patamar de dignidade e direitos, como na RE de janeiro de 1866 e nas perguntas 817 a 821 de OLE. Ainda, na mesma edição da Revista, ele desfaz, pelos princípios Espíritas, os preconceitos que dão origem à homofobia:

“Se essa influência da vida corporal repercute na vida espiritual, o mesmo se dá quando o Espírito passa da vida espiritual para a corporal. Numa nova encarnação, ele trará o caráter e as inclinações que tinha como Espírito; se ele for avançado, será um homem avançado; se for atrasado, será um homem atrasado.

Mudando de sexo, poderá, pois, sob essa impressão e em sua nova encarnação, conservar os gostos, as tendências e o caráter inerentes ao sexo que acaba de deixar. Assim se explicam certas anomalias aparentes que se notam no caráter de certos homens e de certas mulheres”.

Portanto, só existe diferença entre o homem e a mulher em relação ao organismo material, que se aniquila com a morte do corpo. Mas, quanto ao Espírito, à alma, ao ser essencial, imperecível, ela não existe, porque não há duas espécies de almas.

Allan Kardec, R.E., Jan/1866

 E então Paulo Henrique destaca o uso de conceitos científicos da época, outra vez, por Kardec, para explicar o termo “anomalia aparente”:

É muito importante destacar aqui que o termo “anomalia aparente”, usado por Kardec, estava presente nas ciências da época, se referindo aos fenômenos que fogem da explicação das teorias aceitas, não sendo para elas “normais”; mas que, ao se encontrar uma nova explicação natural para o fenômeno em novas teorias, elas deixam de ser “anomalias” e se tornam fenômenos naturais. Por isso ela é “aparente”

Paulo Henrique de Figueiredo, site Revolução Espírita, 25/08/2016

Já foi um grande passo, para um homem daquela época, ter dado alma a um povo tratado como máquina. Mas, sabemos, a marcha do progresso avança e, como dizia sempre Kardec, deveríamos sempre acompanhar os avanços científicos, abandonando a opinião que se mostrasse errada frente à ciência. É isso o que fazemos aqui e é o mesmo que faria Allan Kardec se, hoje, se encontrasse encarnado entre nós. Discordo haver “lapso” de caráter em Kardec, pois ele demonstrava o contrário, todo o tempo. Há conceitos de época, de um homem profundamente ligado às ciências.

Esse mesmo autor segue dizendo que “Além disso, era muito comum as famílias ricas terem serviçais negros(as) para todos os tipos de trabalho. Então, Kardec não somente viu negros(as), mas teve oportunidade de conhecer, conversar e aprender sobre as sociedades africanas, pois a presença negra na França era comum”, sobre as quais teço as seguintes observações:

Em primeiro lugar, a referência apresentada para a primeira afirmação — McCloy, Shelby T. Negroes and Mulattoes in Eighteenth-Century France. The Journal of Negro History, Vol. 30, No. 3 (Jul., 1945), pp. 276-292 — traz referências apenas do final do século XVIII. Rivail, tendo nascido em 1804, alcançaria a maturidade somente por volta de 1816, no mínimo. São 16 anos de possíveis mudanças, e não podemos esquecer que a França era um país colonialista e que, por isso, enviava a maioria dos negros para suas colônias.

Em segundo lugar, a segunda afirmação carece de lógica. Kardec foi educado primordialmente em Yverdon, por Pestalozzi, onde, ainda aos 14 anos, atuava ensinando outros estudantes. Depois, conviveu, pelo que sabemos, majoritariamente entre os círculos científicos e educacionais, dominados, é claro, pelo homem branco. Será mesmo que Kardec teve tantas oportunidades assim de conviver com negros? Ora, conhecendo o bom-senso de Rivail, é de se supor que NÃO, caso contrário teria uma opinião diversa a esse respeito.

E resta lembrar que os Espíritos NÃO adiantam a ciência que cabe ao homem adquirir, pelos seus próprios esforços e inteligência. Da mesma forma que os Espíritos não desmentiram os falsos conceitos dos fluidos (elétrico, vital, etc), abandonados por Kardec em A Gênese, para ficar apenas com a teoria do Fluido Cósmico Universal, eles também não desmentiram a tese humana das raças, que só veio a ser superada cerca de um século depois.

Eu não consigo entender e concordar com um texto que, de certa forma, analisa o assunto de forma parcial. Não é questão de minimizar o fato, mas de apresentá-lo por completo. Acontece que uma pessoa que não conheça os fatos por completo, lê uma crítica como essa, que coloca, no mesmo balaio, Doutrina, Kardec e Movimento Espírita, e conclui: “o Espiritismo não presta mesmo”. E isso, meus amigos, é um grande desserviço à Doutrina, de forma que, ainda hoje, muitos negros e adeptos das religiões afro ainda manifestam rancor, preconceito e distanciamento da ciência espírita. Longe de atrair, tais opiniões continuam a afastá-los.




Hoje, não: o poder da vontade

Todos nós passamos pelo processo evolutivo através das encarnações. Todos, sem exceção. Durante esse processo, por conta das nossas escolhas, podemos desenvolver bons hábitos ou maus hábitos. Os primeiros se tornam virtudes, que nos aproximam da felicidade, ao passo que os segundos se tornam imperfeições, que nos afastam da felicidade e, portanto, prolongam nossos sofrimentos.

“Todos os homens passam pelas paixões. Os que as superaram, e não são, por natureza, orgulhosos, ambiciosos, egoístas, rancorosos, vingativos, cruéis, coléricos, sensuais, e fazem o bem sem esforços, sem premeditação e, por assim dizer, involuntariamente, é porque progrediram na sequência de suas existências anteriores, tendo se livrado desse incômodo peso. É injusto dizer que eles têm menos mérito quando fazem o bem, em comparação com os que lutam contra suas tendências. Acontece que eles já alcançaram a vitória, enquanto os outros ainda não. Mas, quando alcançarem, serão como os outros. Farão o bem sem pensar nele, como crianças que leem correntemente sem ter necessidade de soletrar. É como se fossem dois doentes: um curado e cheio de força enquanto o outro está ainda em convalescença e hesita caminhar; ou como dois corredores, um dos quais está mais próximo da chegada que o outro.”

KARDEC, Allan. A Gênese. 4.ª edição (original), FEAL

Os maus hábitos são de dois tipos: os morais e os materiais (que, no fundo, tem sempre algo moral, isto é, da vontade do Espírito). Os maus hábitos morais são aqueles facilmente reconhecidos como avareza, ciúmes, vaidade, egoísmo, orgulho, etc., sendo que os dois últimos podem ser entendido como os pais de todos os outros. Já os maus hábitos materiais são aqueles como os vícios em entorpecentes ou no exagero de certos instintos animais, como a glutonice, o vício no sexo, etc.

Uns e outros são muito difíceis de combater, ora instalados. Muitas vezes, requerem múltiplas encarnações e, nada raro, encontramos a nós mesmos na condição daquele que entende onde erra e o sofrimento que isso lhe causa, mas que diz: “é mais forte do que eu”. Comumente, nessa condição, que já é o começo de algo muito importante, pelo simples reconhecimento, vamos buscar diversas formas externas de lidar com esses maus hábitos, sejam eles religiosos ou filosóficos, sejam eles medicinais. Buscamos as internações, as drogas que visam combater certos aspectos, as religiões que comumente classificarão como pecado ou que dirão que precisamos mudar com pressa, pois “Jesus nos espera”. Nada disso, porém, consegue mudar aquilo que vai no fundo de nossas almas, senão com raras exceções. É que, em tudo isso, falta uma chave fundamental: a vontade.

Vejamos: todos os artifícios exteriores podem, claro, ajudar muito no processo das superações. A prece ou a oração, os medicamentos, as práticas exteriores, enfim, tudo é uma ferramenta, mas aqui estou para dizer que nada vai mudar, a não ser que o indivíduo adquira a vontade firme de vencer. E isso é um processo, muito grandemente auxiliado pela razão. O Espiritismo, quando nos demonstra que alegria e tristeza, prazer e dor são condições puramente materiais e passageiras, mas que a verdadeira felicidade está em nos livrarmos das condições que nos forçam a continuar encarnando em condições tão brutas como esta, vivendo sob o fruto de nossas próprias imperfeições, nos diz: todos alcançarão os céus, mas depende apenas de cada um quando isso se dará.

Ao entender esse aspecto, podemos começar a enxergar a vida de outra forma. Cada situação difícil e cada oportunidade se tornam dispositivos de aprendizado. Passamos a encarar as dificuldades com outros olhos e passamos a estar mais atentos para as oportunidades às quais os bons Espíritos nos conduzem, desde que tenhamos a vontade.

Ainda assim, vencer parece algo muito distante e difícil. Muitos dirão: a carne é fraca. Bem, realmente não podemos supor que, da noite para o dia, venceremos um mau hábito fundamente enraizados em nossa mente. Esse é o primeiro entendimento fundamental. É preciso adotar a razão e a vontade para desenvolver melhores hábitos, sendo quem deles é o hábito de aprender a dizer “hoje, não”. Aprendamos a projetar nosso futuro: por que desejamos nos livrar de uma imperfeição ou mais? Porque desejamos não necessitar passar por mais vidas na mesma condição. Quem sabe a transformação possa ser tão grande que, ao fim desta encarnação, possamos conquistar a possibilidade de encarnar em mundos um pouco mais felizes? Ainda mais: quem saiba a transformação possa ainda que, lentamente, se dar de forma tão profunda que possamos, dia após dia, encontrarmos uma felicidade crescente em nosso coração, ante à constatação de que aprendemos a lidar um pouquinho melhor com as dificuldades e os maus hábitos?

Isso já deve ser o suficiente para nos provocar firmes propósitos de mudança, na esperança concreta de um amanhã melhor para nós mesmos.

Portanto, ao lutarmos com nossas imperfeições, aprendamos a vigiar os pensamentos, afastando, isto é, nem pensando, naquilo que nos leva aos processos de tropeço. E, se hoje não fomos fortes o suficiente e tropeçamos, não digamos: “não consigo, não sou forte”, mas sim “não sou perfeito e ainda não consegui superar”, analisando onde se deu o erro e continuando firme no propósito da mudança. Só não podemos tomar esse princípio como desculpa.

Prezado leitor, saiba e jamais se esqueça: se você já percebe uma imperfeição, esse é o começo da sua mudança. Reforce a sua vontade e saiba que, através dela, jamais estará abandonado. Os próprios Espíritos amigos te conduzirão às oportunidades que caberão a você aceitar ou não. É um bom livro que chega oportunamente, é uma palavra de um amigo, é um artigo como este, pensado para mexer contigo. Fique atento às más sugestões, porém, que continuarão vindo dos Espíritos habituados à perturbação, e galgue sua força no estudo e na prece, buscando sempre se reformar. As outras coisas, como ações no bem, estudo do evangelho, acompanhamento psicológico, são, sim, muito importantes, mas depende de você, e apenas de você, desejar alcançar a felicidade.

Lembre-se, afinal, que Jesus, pregado à cruz, ouvindo o arrependimento e os rogos de perdão do ladrão pregado na cruz ao lado, lhe replicou: “hoje mesmo estará comigo no paraíso”. “Estar com Jesus no paraíso” significa dizer que o ladrão, tendo se arrependido e encontrado a vontade de se modificar, entrou em nova fase de aprendizado. Não foi Jesus quem o salvou, mas ele próprio. Pense nisso.

Recomendamos assistir o estudo abaixo. Fala profundamente sobre isso:




Pode uma pessoa morrer antes do tempo ou é sempre o destino, ou a fatalidade?

É um falso conceito, embora generalizado, dizer que em tudo há um planejamento. Fosse assim, não teríamos livre arbítrio.

Quando se diz que até uma folha que cai está sob a vontade de Deus, significa dizer que tudo está sob suas Leis, que são perfeitas. Não há, porém, o efeito direto da vontade de Deus que determine que, naquele momento, a folha vai cair ou não vai cair.

Pois bem: nós, como Espíritos, antes de entrar no reino da consciência e da escolha, somos guiados unicamente pelo instinto. É ele que nos guia, por exemplo, quando somos animais: a fome nos leva a buscar alimento, a raiva nos ajuda a matar o animal que servirá de alimento e o medo nos afasta das condições de perigo. Quando somos um animal fora do topo da cadeia, muitas vezes somos mortos para servir de alimento a outro animal (veja: não há mal nisso, mas bem, pois estamos seguindo a Lei de Deus). Depois de morto, o Espírito do animal, que ainda não tem consciência de si mesmo e capacidade de escolha e, por isso mesmo, não sofre moralmente, é muito rapidamente reutilizado em outro animal que nasce.

Depois de entrarmos no reino do livre-arbítrio, passamos progressivamente a escolher nossas vidas, planejando-a em termos gerais. Se fui muito apegado ao ciúmes, que me causa dificuldades e sofrimentos, a partir do momento que entendemos isso, escolhemos um gênero de vida que nos proverá possibilidades de lidar com essa imperfeição. Desse planejamento participam Espíritos amigos que, durante a vida, nos ajudam, nos influenciando, inspirando e muitas vezes nos conduzindo às situações que poderão ser úteis a nós mesmos.

Tudo isso foi necessário para destacar: somos Espíritos vivendo encarnações na matéria densa. Estamos, portanto, sujeitos às leis espirituais e às leis da matéria. As últimas nos fazem estar expostos às condições da matéria, como, por exemplo, uma chuva torrencial que cause uma comoção numa montanha, que venha abaixo sobre as casas, um vulcão que explode, um terremoto que gere um tsunami devastador ou, ainda, um cometa que atinja o planeta e o destrua por completo. A ideia de “carma coletivo”, portanto, é FALSA (na verdade, a ideia de carma, como conhecemos, é falsa).

De outro ponto de vista, estamos sujeitos também às escolhas de outros Espíritos encarnados. Veja: Deus e os Espíritos superiores respeitam o livre-arbítrio e o tempo dos homens. É por isso não há uma interrupção divina de uma guerra, nem de um crime em menor escala. É claro que os bons Espíritos tentam dissuadir as más escolhas, através de suas influências, mas, no fim, o homem é quem escolhe ouvir a elas (ou à própria consciência) ou não. Do outro lado, uma pessoa que se esteja conduzindo para uma situação em que se torne vítima, pode, também, tentar ser inspirada, se possível, a se desviar disso. Quantos não são os indivíduos que escapam de acidentes e crimes por conta de um sonho ou de um pensamento insistente, ou mesmo através de um evento que lhe cause um atrapalhamento?

É claro que isso não consiste uma concessão a pessoas especiais. Todos nós temos os bons Espíritos que nos amam, sem exceção, mas, muitas vezes, estamos muito afastados de suas influências ou nos fazemos surdos às suas sugestões.

Mais uma constatação lógica que fazemos é que, quando uma pessoa morre por um crime, JAMAIS está “pagando” por algo do passado (mas ela pode, claro, ter sido vítima de sua própria imprecaução, quando, por exemplo, se mete em um ambiente criminoso ou perigoso por sua própria vontade).

Chegamos, enfim, à constatação: o gênero e a época da morte pode, sim, estar planejado antes da encarnação do Espírito, mas o curso da vida pode, é claro, mudar esse planejamento. Não há um destino pré-determinado, pois, se houvesse, seríamos meras marionetes no teatro da vida. Nós podemos mudar nossos planejamento – e frequentemente fazemos. Podemos inclusive criar uma doença, por nossas ações, que nos mate antes do planejado, e também podemos nos livrar de uma doença ou condição que iria nos levar ainda jovens, se uma série de condições permitirem (e NÃO faz parte dessas condições aquilo que chamam de “merecimento”).

Pense naquela pessoa que atravessa a rua sem olhar: não é um Espírito que a impele a tal ato, mas sua própria imprecaução, um mau hábito. Por esse mau hábito, poderá, a qualquer momento, encontrar um carro vindo em alta velocidade ou um motorista olhando para outro lado, e poderá acidentar-se e morrer. Pense também no paraquedista que se lança de um avião, colocando sua vida na dependência de um paraquedas. O instinto lhe diz para ter medo de fazê-lo, mas sua vontade, fruto da escolha, falseia esse instinto, e ele, assim mesmo, se lança. Se o paraquedas falha e ele morre, não foi Deus quem quis assim, nem um Espírito quem estragou o paraquedas, mas as próprias leis da matéria.

Cremos que ficou claro esse pensamento, mas encerramos destacando o que Kardec apresenta em Instruções práticas sobre as manifestações espíritas:

FATALIDADE — do lat. fatalitas, de fatum, destino. Destino inevitável. Doutrina que supõe sejam todos os acontecimentos da vida e, por extensão, todos os nossos atos, predestinados e submetidos a uma lei à qual não nos podemos subtrair. Há duas espécies de fatalidade: uma proveniente de causas exteriores, que nos podem atingir e reagem sobre nós; poderíamos chamá-la reativa, exterior, fatalidade eventual; a outra, que se origina em nós mesmos, determina todas as nossas ações; é a fatalidade pessoal. No sentido absoluto do vocábulo, a fatalidade transforma o homem numa máquina, sem iniciativa nem livre-arbítrio e, consequentemente, sem responsabilidade. É a negação de toda moral.

Segundo a doutrina espírita, escolhendo sua nova existência, pratica o Espírito um ato de liberdade. Os acontecimentos da vida são a consequência da escolha e estão em relação com a posição social da existência. Se o Espírito deve renascer em condição servil, o meio no qual se achar criará os acontecimentos muito diversos dos que se lhe apresentariam se tivesse de ser rico e poderoso. Mas, seja qual for essa condição, conserva ele o livre-arbítrio em todos os atos de sua vontade, e não será fatalmente arrastado a fazer isto ou aquilo, nem a sofrer este ou aquele acidente. Pelo gênero de luta escolhido, tem ele possibilidade de ser levado a certos atos ou encontrar certos obstáculos, mas não está dito que isto devesse acontecer infalivelmente, ou que não o possa evitar por sua prudência e por sua vontade. É para isso que Deus lhe dá a capacidade de raciocínio. Dáse o mesmo que se fosse um homem que, para chegar a um objetivo, tivesse três caminhos à escolha: pela montanha, pela planície ou pelo mar. No primeiro, a possibilidade de encontrar pedras e precipícios; na segunda pântanos; na terceira, tempestades. Mas não está dito que será esmagado por uma pedra, que se atolará no brejo ou que naufragará aqui e não ali. A própria escolha do caminho não é fatal, no sentido absoluto do vocábulo: por instinto o homem tomará aquele no qual deverá encontrar a prova escolhida. Se tiver que lutar contra as ondas, seu instinto não o levará a tomar o caminho das montanhas.

Conforme o gênero de provas escolhido pelo Espírito, acha-se o homem exposto a certas vicissitudes. Em consequência dessas mesmas vicissitudes, é ele submetido a arrastamentos aos quais deve subtrair-se. Aquele que comete um crime não é fatalmente levado a cometê-lo: escolheu um caminho de luta que a isso pode excitá-lo; se ceder à tentação, é pela fraqueza de sua vontade. Assim, o livre-arbítrio existe para o Espírito no estado errante, na escolha que faz das provas a que deve submeter-se, e existe na condição de encarnado nos atos da vida corpórea. Só o instante da morte é fatal: porque o gênero de morte é ainda uma consequência da natureza das provas escolhidas.




Jesus já foi tão imperfeito como nós?

Ora, claro! Jesus não foi demagogo nem hipócrita ao nos chamar de “irmãos”. Ele demonstrou que era como nós, Espírito em evolução.

Esse é um postulado fundamental da ciência dos Espíritos: todos nós, sem exceção, fomos criados simples e ignorantes e, daí, seguimos o rumo da evolução. Quando e onde, só Deus o sabe. Sendo Deus a soberana justiça e o Amor em essência, não poderia criar criaturas privilegiadas, plenas e evoluídas, enquanto criaria outras para sofrerem. Esse é um dogma bastante antigo ensinado principalmente pela Igreja Romana, no qual não entraremos, dada a extensão de sua discussão.

Tudo o que está aqui exposto está fartamente postulado nas obras de Kardec, com muita clareza e racionalidade, sendo possível encontrar já em O Livro dos Espíritos as bases necessárias.

O fato que aqui destacamos é que ninguém evolui em linha reta para Deus. Esse é um falso conceito. A evolução de qualquer Espírito passa pelos mesmos passos, do passando por todos os reinos, inclusive o do animal, para, depois, ao adentrar o reino da consciência, adquirir o livre-arbítrio, isto é, a capacidade de escolher.

Contudo, como pode o Espírito escolher frente a uma situação que nunca enfrentou antes? É impossível. Ele age, obtendo um resultado que pode ser um erro ou um acerto. Então, da próxima vez que enfrentar a mesma situação, já tendo algum conhecimento do resultado segundo sua forma de agir, poderá escolher agir da mesma forma novamente, ou poderá tentar agir de outra forma, o que poderá lhe fazer acertar ou errar novamente.

Enquanto o Espírito está tentando, está progredindo. O erro que nasce da tentativa não é um pecado, mas apenas um erro. Ele não está cometendo o mal, mas o bem, pois não tinha base de julgamento próprio de como agir. É quanto ele passa a escolher agir errado, por motivos quaisquer, que o erro passa a se tornar um hábito e, então, se transforma em um imperfeição.

Kardec, em A Gênese (capítulo III), conclui:

“Aquele que não domina as suas paixões pode ser muito inteligente, porém, ao mesmo tempo, muito mau. O instinto se aniquila por si mesmo; as paixões somente pelo esforço da vontade podem domar-se”.

Contudo, esse capítulo termina aqui, na 5.ª edição dessa obra, que, hoje sabemos, tem fortes indícios de ter sido adulterada. Tomando a 4.ª edição, temos o seguinte encerramento, IMPORTANTÍSSIMO:

Todos os homens passam pelas paixões. Os que as superaram, e não são, por natureza, orgulhosos, ambiciosos, egoístas, rancorosos, vingativos, cruéis, coléricos, sensuais, e fazem o bem sem esforços, sem premeditação e, por assim dizer, involuntariamente, é porque progrediram na sequência de suas existências anteriores, tendo se livrado desse incômodo peso. É injusto dizer que eles têm menos mérito quando fazem o bem, em comparação com os que lutam contra suas tendências. Acontece que eles já alcançaram a vitória, enquanto os outros ainda não. Mas, quando alcançarem, serão como os outros. Farão o bem sem pensar nele, como crianças que leem correntemente sem ter necessidade de soletrar. É como se fossem dois doentes: um curado e cheio de força enquanto o outro está ainda em convalescença e hesita caminhar; ou como dois corredores, um dos quais está mais próximo da chegada que o outro.

Portanto, Jesus também passou pelo mesmo caminho, inclusive errando e acertando. Ele apenas é um Espírito que já percorreu toda a escala, enquanto nós ainda estamos no início dela, fazendo esforços para sair da terceira ordem da classificação da Escala Espirita. Hoje, se um Espírito no início da sua vida pudesse nos avaliar, pensaríamos que somos semideuses e julgaria como maravilhosos os parcos feitos que podemos realizar.

Longe de esse pensamento rebaixar Jesus, ele o eleva e, ao mesmo tempo, nos dá esperanças, pois demonstra que um Espírito que já trilhou todo esse caminho da evolução, por um livre gesto de bondade e caridade, voltou para nos ensinar. Um dia nós estaremos agindo com ele, mas não esqueçamos que, desde já, nós podemos também fazer a diferença na vida das pessoas, sem esperar nada em troca.




O Espírito retrograda ou “involui”?

Não, o Espírito nunca retrograda. Avança sempre, às vezes para, mas nunca volta para trás. Se volta na aparência, como no caso em que não se encaixa mais na evolução moral de uma população e vai encarnar em outra civilização mais atrasada, é porque ainda não avançou moralmente, em verdade.

Deus nos cria simples e ignorantes. Durante os primeiros passos da nossa evolução, não temos consciência, mas apenas instinto, que é da Lei de Deus e, portanto, é o bem, por definição. O leão que mata a zebra não comete o mal, mas o bem, pois está atendendo ao instinto.

Mais à frente, quando adentramos o reino da consciência, conquistamos o livre-arbítrio, isto é, a capacidade da escolha. Com ela, passamos a TENTAR e, da tentativa, nascem os erros e acertos. Aquele erra tentando, não está fazendo o mal, mas o bem, pois está seguindo conforme as leis de Deus. O mal consiste apenas quando o indivíduo passa a errar por vontade, cultivando, assim, imperfeições. Ao criar uma imperfeição, o Espírito passará a sofrer por conta dela, por mais ou menos tempo, até que perceba o mal que faz a si mesmo, se arrependa e deseje, honestamente, vencer essa imperfeição, através das expiações.

É por isso que, nas obras de Kardec, por mais de uma vez os Espíritos utilizaram a expressão “será duplamente punido”: não quer dizer que Deus o punirá mais ou menos — porque Deus não pune — mas sim que, após adquirir uma imperfeição, o Espírito gastará um bom tempo tentando se livrar dela.