Teoria das manifestações físicas – I
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Reprodução integral do artigo original na Revista Espírita de Maio de 1858
É fácil conceber a influência moral dos Espíritos e as relações que possam ter com a nossa alma, ou com o Espírito em nós encarnado. Compreende-se que dois seres da mesma natureza possam comunicar-se pelo pensamento, que é um de seus atributos, sem o concurso dos órgãos da palavra. Já é, entretanto, mais difícil dar-nos conta dos efeitos materiais que eles podem produzir, tais como os ruídos, o movimento dos corpos sólidos, as aparições e sobretudo as aparições tangíveis.
Vamos tentar dar a explicação, segundo os próprios Espíritos e segundo a observação dos fatos.
A ideia que fazemos da natureza dos Espíritos torna à primeira vista incompreensíveis esses fenômenos. Diz-se que o Espírito é a ausência completa da matéria e, pois, que ele não pode agir materialmente. Ora, isto é errado. Interrogados sobre se são imateriais, assim responderam os Espíritos: “Imaterial não é bem o termo, porque o Espírito é alguma coisa; do contrário seria o nada. É material, se se quiser, mas de uma matéria de tal modo etérea que para vós é como se não existisse”. Assim, o Espírito não é uma abstração, como pensam alguns; é um ser, mas cuja natureza íntima escapa aos nossos sentidos grosseiros.
Encarnado no corpo, o Espírito constitui a alma. Quando o deixa, com a morte, não sai despojado de todo o envoltório. Dizem-nos todos que conservam a forma que tinham quando vivos; realmente, quando nos aparecem, em geral é sob a forma por que os conhecíamos.
Observemo-los atentamente, no instante em que deixam a vida: Eles se acham em estado de perturbação; ao seu redor tudo é confuso; veem o próprio corpo, inteiro ou mutilado, conforme o gênero de morte. Por outro lado, veem-se e sentemse vivos; algo lhes diz que aquele é o seu corpo, mas não compreendem como podem estar separados. O laço que os unia ainda não está, pois, rompido completamente.
Dissipado esse primeiro momento de perturbação, o corpo se torna para eles como uma roupa velha, da qual se despojaram sem pesar, mas continuam a se ver em sua forma primitiva. Ora, isto não é um sistema: é o resultado de observações feitas com inúmeros sensitivos. Poderemos agora nos reportar ao que nos contaram de certas manifestações produzidas pelo Sr. Home e por outros médiuns do mesmo gênero: aparecem mãos que têm todas as propriedades das mãos vivas, que tocamos, que nos seguram e que se desfazem repentinamente.
Que devemos concluir disso? Que a alma não deixa tudo no caixão: leva algo consigo.
Assim, haveria em nós duas espécies de matéria: uma grosseira, que constitui o envoltório exterior; a outra sutil e indestrutível. A morte é a destruição, ou melhor, a desagregação da primeira, daquela abandonada pela alma; a outra se destaca e segue a alma que, assim, continua tendo sempre um envoltório. A esse envoltório denominamos perispírito. Essa matéria sutil, por assim dizer extraída de todas as partes do corpo a que estava ligada durante a vida, conserva a forma daquele. Eis por que todos os Espíritos são vistos e por que nos aparecem tais quais eram em vida.
Mas essa matéria sutil não tem a tenacidade nem a rigidez da matéria compacta do corpo: é, se assim podemos dizer, flexível e expansiva. Eis por que a forma que toma, muito embora calcada sobre a do corpo, não é absoluta: dobra-se à vontade do Espírito, que lhe dá, conforme queira, esta ou aquela aparência, enquanto que o envoltório sólido lhe oferece uma resistência intransponível. Desembaraçando-se desse entrave que o comprimia, o perispírito distende-se ou se contrai; transforma-se e, numa palavra, presta-se a todas as metamorfoses, de acordo com a vontade que sobre ele atua.
Prova a observação ─ e insistimos sobre o vocábulo observação, porque toda a nossa teoria é consequência dos fatos estudados ─ que a matéria sutil, que constitui o segundo envoltório do Espírito, só pouco a pouco se desprende do corpo, e não instantaneamente. Assim, os laços que unem alma e corpo não se rompem de súbito pela morte. Ora, o estado de perturbação que observamos dura todo o tempo em que se opera o desprendimento. Somente quando esse desprendimento é completo o Espírito recobra a inteira liberdade de suas faculdades e a consciência clara de si mesmo.
A experiência ainda prova que a duração desse desprendimento varia conforme os indivíduos. Em alguns opera-se em três ou quatro dias, ao passo que noutros não se completa senão ao cabo de vários meses. Assim, a destruição do corpo e a decomposição pútrida não bastam para que se opere a separação. Eis a razão por que certos Espíritos dizem: Sinto que os vermes me roem.
Em algumas pessoas a separação começa antes da morte: são as que em vida se elevaram pelo pensamento e pela pureza de seus sentimentos, acima das coisas materiais. Nelas a morte encontra apenas fracos liames entre a alma e o corpo e que se rompem quase instantaneamente. Quanto mais materialmente viveu o homem; quanto mais seus pensamentos foram absorvidos nos prazeres e nas preocupações da personalidade, tanto mais tenazes são aqueles laços. Parece que a matéria sutil se identifica com a matéria compacta e que entre elas se estabelece uma coesão molecular. Eis por que só se separam lentamente e com dificuldade.
Nos primeiros instantes que se seguem à morte, quando ainda existe união entre o corpo e o perispírito, este conserva muito melhor a impressão da forma corpórea, da qual, por assim dizer, reflete todas as nuanças e mesmo todos os acidentes. Eis por que um supliciado nos dizia, alguns dias após a sua execução: Se me pudésseis ver, ver-me-íeis com a cabeça separada do tronco. Um homem que tinha sido assassinado nos dizia: Vede a ferida que me fizeram no coração. Pensava ele que poderíamos vê-lo.
Estas considerações conduzir-nos-iam ao exame da interessante questão da sensação dos Espíritos e de seus sofrimentos. Fá-lo-emos em outro artigo, a fim de que aqui nos limitemos ao estudo das manifestações físicas.
Imaginemos, pois, o Espírito revestido de seu envoltório semimaterial, ou perispírito, tendo a forma ou aparência que possuiu quando vivo. Alguns até se servem desta expressão para se designarem; dizem: minha aparência está em tal lugar. Evidentemente são estes os manes dos antigos. A matéria desse envoltório é suficientemente sutil para escapar à nossa vista em seu estado normal, mas não é completamente invisível. Para começar, vemo-lo pelos olhos da alma, nas visões produzidas durante os sonhos. Mas não é disto que nos queremos ocupar. Nessa matéria eterizada pode haver uma modificação; o próprio Espírito pode fazê-la sofrer uma espécie de condensação que a torna perceptível aos olhos do corpo. É o que ocorre nas aparições vaporosas. A sutileza dessa matéria lhe permite atravessar os corpos sólidos, razão por que tais aparições não encontram obstáculos e por que tantas vezes desaparecem através das paredes.
A condensação pode chegar ao ponto de produzir a resistência e a tangibilidade. É o caso das mãos que podemos ver e tocar. Mas essa condensação ─ e esta é a única palavra de que nos podemos servir, para dar uma ideia, embora imperfeita, de nosso pensamento ─ esta condensação, íamos dizendo, ou ainda essa solidificação da matéria etérea, é apenas temporária ou acidental, porque esse não é o seu estado normal. Eis por que, em um dado momento, as aparições tangíveis nos escapam como uma sombra. Assim, do mesmo modo que um corpo se nos apresenta em estado sólido, líquido ou gasoso, conforme o grau de condensação, assim a matéria etérea do perispírito pode aparecer-nos em estado sólido, vaporoso visível ou vaporoso invisível.
Veremos, a seguir, como se opera essa modificação.
A mão aparente, tangível, oferece uma resistência: exerce pressão, deixa impressões, opera uma tração sobre os objetos que seguramos. Nela há, pois, uma força. Ora, estes fatos, que não são hipóteses, podem levar-nos à explicação das manifestações físicas.
Notemos, antes de mais nada, que essa mão obedece a uma inteligência, pois age espontaneamente; dá sinais inequívocos de uma vontade e obedece a um pensamento: pertence, pois, a um ser completo, que só nos mostra essa parte de si mesmo, e a prova é que produz impressões com as partes invisíveis; os dentes deixam marcas na pele e produzem dor.
Entre as diversas manifestações, uma das mais interessantes é, sem dúvida, o toque espontâneo de instrumentos de música. Os pianos e acordeons são aparentemente os instrumentos prediletos. Este fenômeno é explicado muito naturalmente pelo que precede. A mão que tem a força para apanhar um objeto, também pode tê-la para fazer pressão sobre as teclas e fazê-las soar. Aliás, por diversas vezes vimos os dedos em ação, e quando a mão não é vista, veem-se as teclas em movimento e o fole a distender-se e fechar-se. As teclas só podem ser movidas por mão invisível, a qual dá mostras de inteligência, tocando árias perfeitamente ritmadas e não sons incoerentes.
Desde que essa mão pode enfiar-nos as unhas na carne, beliscar-nos, arrebatar aquilo que temos na mão; desde que a vemos apanhar e transportar um objeto, assim como nós o faríamos, também nos pode dar pancadas, erguer e derrubar uma mesa, tocar uma campainha, puxar uma cortina e até mesmo nos dar uma bofetada invisível.
Perguntarão talvez como essa mão, no estado vaporoso invisível, pode ter a mesma força que no estado tangível. E por que não? Vemos o ar derrubar edifícios, o gás lançar projéteis, a eletricidade transmitir sinais, o fluido do ímã levantar massas? Por que a matéria etérea do perispírito seria menos poderosa? Mas não a queiramos submeter às nossas experiências de laboratório e às nossas fórmulas algébricas. Principalmente pelo fato de havermos tomado os gases como termo de comparação, não lhes vamos atribuir propriedades idênticas, nem computar sua força do mesmo modo pelo qual calculamos a do vapor. Até agora ela escapa a todos os nossos instrumentos. É uma nova ordem de ideias, fora da competência das ciências exatas. Eis por que essas ciências não nos oferecem a aptidão especial para apreciá-las.
Damos esta teoria do movimento dos corpos sólidos sob a influência dos Espíritos apenas para mostrar a questão sob todos os seus aspectos e provar que, sem nos afastarmos muito das ideias recebidas, é possível dar-nos conta da ação dos Espíritos sobre a matéria inerte. Há, porém, uma outra, de alto alcance filosófico, dada pelos próprios Espíritos, e que lança sobre este problema uma luz inteiramente nova. Ela será mais bem compreendida depois que a tiverem lido. Aliás, é útil conhecer todos os sistemas, a fim de poder compará-los.
Resta agora explicar como se opera essa modificação da substância etérea do perispírito; por que processo o Espírito opera e, em consequência, o papel dos médiuns de influência física na produção desses fenômenos; aquilo que em tais circunstâncias neles se passa; a causa e a natureza de suas faculdades, etc.
É o que faremos no próximo artigo.