Um diálogo interessante

– Ah, você é Espírita? Que legal. Frequenta algum centro?

– Sim, frequento um perto da minha casa.

– E o que vocês fazem lá?

Ah, a gente assiste palestra sobre o Evangelho, depois toma passe… Aí a gente faz algumas preces, e vai embora. Tem também a evangelização infantil.

– Aaah… Então é tipo uma igreja católica.

– Não! Porque o Espiritismo não tem ritual.

– Ué?! Mas é igualzinho. Na igreja, você chega, houve o sermão sobre o Evangelho, depois recebe a hóstia, depois reza, e vai embora. As crianças participam da catequese.

– Não, mas…

– Admita, é igualzinho. Até a evangelização, que eu sei que tem um aspecto positivo, é feito dessa forma meio impositiva, não? Mas o que me estranha é que eu já estudei um pouco do Espiritismo, só que nunca frequentei um centro… E, pelo que estudei, não tinha nada disso no Espiritismo. Por exemplo: vocês fazem evocação de Espíritos para ajudá-los?

– Não, não pode evocar Espíritos, porque você pode terminar obsedado.

– Nossa! Quem te disse isso?

– Ué?! Todo mundo do centro! A própria FEB diz isso!

– Ah, a FEB… Mas… Se o próprio Kardec evocava Espíritos para aprender com eles, Espíritos até de suicidas, e muitas vezes terminava ajudando-os a refletir?!

– Ah, mas isso era em um grupo controlado, e esses Espíritos já estavam mais tranquilos. E era Kardec.

– Não foi o que eu li. E não era só Kardec que evocava. Você sabia que, naquela época, as pessoas praticavam estudos, com evocações até de Espíritos perturbados, em seus lares, em pequenos grupos?

– Nossa, e eles não ficavam obsedados, se sentindo mal, por esses Espíritos inferiores?

– Olha, inferior todos somos, em relação aos Espíritos mais adiantados. E não, não ficavam obsedados nem passavam mal. Na verdade, muitas vezes ajudavam esses Espíritos, enquanto aprendiam com eles.

Tem uma evocação, por exemplo, desse suicida, que foi apenas alguns dias após sua morte, e ele demonstrou estar em plena perturbação. Kardec fez algumas perguntas, tentando entender o que se passava com esse Espírito e, com essas perguntas, ele entendeu alguma coisa. Depois pediu preces e se despediu, porque não queria falar mais. Concordo que é necessário seriedade e controle, mas nunca Kardec mencionou nenhum dos médiuns ficando obsediado enquanto tentavam aprender, com a análise da situação de Espíritos como esse, e até de assassinos!

– Assassinos?!

– Sim! Tem uma evocação do Assassino Lemaire, procure lá na Revista Espírita de 1858, é muito interessante.

– E você disse que evocavam DIAS após a morte?

– Sim. Algumas vezes, horas depois!

– Horas?! Mas eu sempre ouvi que, além de não poder evocar, tem que esperar com paciência para esse Espírito ganhar a luz e vir se comunicar por vontade própria.

– Isso não é verdade. Tudo depende da finalidade. Como a intenção era analisar esses Espíritos de forma psicológica, não havia problema. Além disso, é claro que eles respeitavam a vontade dos Espíritos. Muitas vezes eles não queriam falar dos seus sofrimentos. Tem outro problema aí: Kardec sempre demonstrou que ficar à disposição de qualquer Espírito traz o perigo de comunicações sem finalidade, muitas vezes enganosas.

Mas então vocês não fazem evocações no centro?

– Não. Até tem uma reunião de médiuns, mas é fechada para o público.

– Ah, natural. Mas lá eles evocam, então, para aprender e ajudar?

– Não, não. Eles ficam à disposição de qualquer Espírito que queira se comunicar. Esses dias mesmo, receberam a comunicação do Apóstolo João!

– Como eles sabem que era João, e não outro? Eles depois questionaram o Espírito guia do grupo?

– Espírito guia? Não, o Espírito DISSE que era João, o apóstolo, e falou em Jesus e sobre a necessidade de fazermos muita prece, porque a data limite está chegando.

– Ah… Mas… E se esse Espírito estivesse usando o nome do apóstolo e palavras bonitas para passar ensinamentos errados?

– Ah, mas…

– E em casa, vocês praticam o Espiritismo?

– Como assim, praticar?

– Estudar, evocar Espíritos para fins de aprendizado com a análise das situações deles…

– Se a gente não evoca nem no centro, acha que vamos evocar em casa? Sai fora! Vai que um Espírito resolve ficar por lá?

– Como assim, “ficar por lá”? Os Espíritos estão por toda parte. Com certeza tem alguns aqui agora mesmo.

– Valha-me Deus!

– Sim, claro! E eles são atraídos por afinidade de pensamentos. Se a evocação é feita com intuito sério e com conhecimento, não há problema. O errado é evocar por brincadeira ou com leviandade. Se quem evoca é orgulhoso, por exemplo, um Espírito leviano pode se apresentar e dizer coisas que alimentem esse orgulho. Aí, sem estudo, e com vontade de cultivar o próprio orgulho, o sujeito entra na do Espírito e termina fascinado. Esse é o perigo, mas isso pode acontecer até pela intuição, de forma indireta.

– Nossa, não sabia disso. Eu já tinha ouvido que, se evocar um Espírito perturbado, ele “cola” em você.

– Não, claro que não. Depende da intenção e do preparo. Bom, mas pelo menos existe estudo nesse centro? Tipo, estudar as obras de Kardec, a Revista Espírita…

– Revista Espírita? Que é isso? Não, a gente estuda obras do Chico e do Divaldo, até porque a gente sabe que as obras de Kardec estão ultrapassadas em muitos pontos, né?!

– Ultrapassadas? Meu amigo, eu sei que até tem coisas bonitas e corretas nessas obras mediúnicas, mas elas foram resultados de comunicações sem controle. Como, sem estudar Kardec, eles recomendam o estudo de obras mediúnicas? Espiritismo é ciência!

– Ciência? Não! Espiritismo é religião!

– Não era o que Kardec demonstrava. Você já leu A Gênese?

– Nossa, já dei uma folheada, mas muito difícil e, como eu disse, ultrapassada! Imagine que eles acreditavam que tinha vida na lua!!

– Mas, amigo, isso era coisa da ciência humana da época. Só que tem a parte da ciência espírita.

– Ciência Espírita?

– Sim, aquilo que foi desenvolvido pelo estudo metodológico de Kardec, com o uso da razão e com a necessidade da confirmação universal dos ensinamentos dos Espíritos. Mas, assim, se existe um grupo de médiuns na casa, como ele se formou?

– Ah, eles são médiuns bem antigos da casa, e o grupo é fechado.

– Mas e a mediunidade das outras pessoas?

– Ah, se aparecer algum médium “bom” por lá, ele tem que passar por um curso de 5 anos de Espiritismo!

– Mas que curso, se não estudam Kardec?

– Não, aí, lá, tem umas cartilhas da FEB, onde aborda Kardec…

– Pelo menos alguma coisa!

– E aí tem o complemento com obras mediúnicas. Você já viu as obras do Ramatis, sobre mediunidade??

– Meu Deus…

– Quê?

– Amigo, Ramatis é um pseudossábio.

– Pseudo o que?

– Quer dizer que ele se faz passar por sábio, mas tem vários absurdos nessas obras. A gente nem sabe, na verdade, se é só um Espírito, porque qualquer um pode usar esse nome.

– Mas eu já vi algumas coisas dele, pareciam coerentes

– Coerentes? Bom, sendo um Espírito, é claro que alguma coisa ou outra haverá de verdade… Mas o problema é que aceitam o que esse ou esses Espíritos dizem sem nem raciocinar! Essas obras são misticistas, e não doutrinárias.

– Como não são doutrinárias? A mesma coisa que ele diz, muitos outros também dizem. Não é isso?

– Não só isso. É preciso submeter isso à razão, o que demanda conhecimento. Aquilo que já está estabelecido por esse processo, só pode ser desfeito pelo mesmo processo, isto é, não basta que digam a mesma coisa em todo lugar, quando não há controle, nem método, nem racionalidade. Por exemplo: Ramatis fala sobre sete corpos espirituais, o que é místico – sabe aquelas coisas de números bíblicos, cabalísticos? Então!

Kardec já demonstrou, pelos estudos junto aos Espíritos e de forma científica, que o que existe é o perispírito, formado pelo fluido cósmico universal. Só isso. Essa história de sete corpos, além de tudo, é materialista.

– Amigo, eu não tô é entendendo mais nada! Quer dizer que tudo o que me disseram é errado?

– Nem tudo, mas grande parte. Quando o Espiritismo foi disseminado no Brasil, o Movimento Espírita já estava desgastado e enfraquecido, por uma adulteração de princípios após a morte de Kardec.

Bom, a pergunta é a seguinte: você tem vontade de estudar, ou está confortável com o que vive nesse centro?

– Ah, eu me sinto bem, e é tão difícil tentar entender Kardec!

– Realmente, tem coisas difíceis de entender em Kardec. Mas o estudo dedicado da Revista Espírita, de 1858 a 1864, ajuda a entender muito! Além disso, existem muitos grupos de estudo, e eu mesmo participo de um. Mas, veja, são grupos de estudo. Não tem professor, nem é curso.

Dê uma chance, estude, e sua razão te levará, com a intuição dos bons Espíritos, pelo caminho mais adequado a você.

– É… Vou pensar…

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Não quis dar título a esse texto. Não precisamos dar nomes taxativos. Basta que entendamos a distância que existe entre o Movimento Espírita e o Espiritismo. Essa distância precisa ser vencida pelo diálogo, pelos fatos, mas somente por aqueles abertos ao diálogo e ao aprendizado. Não adianta lutar contra os renitentes.