O Espiritualismo Racional e o Tratado de Filosofia de Paul Janet
Durante o século dezenove, o que chamamos de ciências humanas foram estabelecidas a partir de um pressuposto espiritualista para sua constituição. Enquanto isso, nas ciências naturais, como Física e Química, predominavam o materialismo. Essa condição é muito diferente do que estamos habituados atualmente, quando a universidade é quase completamente orientada pelo pensamento materialista.
[originalmente publicado em https://espirito.org.br/autonomia/livros-tratado-de-filosofia-paul-janet/]
Essa corrente de pensamento era conhecida como Espiritualismo racional. Pois era completamente independente das religiões formais e seus dogmas. A base fundamental era a psicologia, ciência da alma, que tinha como diretriz: “O ser humano é uma alma encarnada”.
Como está extensamente explicado no livro Autonomia, a história jamais contada do Espiritismo, Allan Kardec fez da psicologia a base conceitual para desenvolver a Doutrina Espírita. Seu jornal de publicação mensal era a Revista Espírita, jornal de estudos psicológicos.
O Espiritualismo racional foi ensinado, desde 1830, na Universidade de Paris, também na Escola Normal, onde os professores se formavam, e também nos Liceus, na educação dos jovens. Para estes, haviam manuais, como o de Paul Janet. Esse manual foi traduzido para diversos idiomas e adotado em muitos países, inclusive no Brasil.
Esse manual é de fundamental importância para se compreender a base conceitual dos estudos de Kardec, principalmente quanto à moral espírita.
A primeira divisão das ciências, apresentada no Tratado de philosophia, de Paul Janet, obra em dois volumes, que podem ser baixados por aqui, conforme a estrutura vigente na Universidade Sorbonne, no século 19, era entre:
- a) As ciências exatas ou matemáticas.
- b) As ciências naturais, que estudam os objetos do mundo físico (física, química, biologia etc.).
- c) As ciências morais, que estudam o mundo moral, o qual compreende as ações e pensamentos do gênero humano.
As ciências morais, por sua vez, eram divididas em quatro grupos:
1) As ciências filosóficas, divididas em duas classes: psicológicas (psicologia, lógica, moral, estética) e metafísicas (teodiceia, psicologia racional, cosmologia racional).
2) As ciências históricas (história, arqueologia, epigrafa, numismática, geografa) estudam os acontecimentos e o desenvolvimento humano no tempo.
3) As ciências filológicas (filologia, etimologia, paleografa etc.), que têm como objeto a linguagem e a expressão simbólica humana.
4) As ciências sociais e políticas (política, jurisprudência, economia política), que estudam a vida social do ser humano ( JANET, 1885, p. 15-17).
As três últimas classes das ciências morais (históricas, filológicas e sociais) tratam dos fatos ou fenômenos morais que são exteriores ao ser humano, visto a partir do ponto de vista objetivo. Mas, considerando espírito humano “o conjunto das faculdades intelectuais e morais do homem, tais quais se manifestam interiormente em cada um de nós”, tudo o que concerne ao eu, princípio interior consciente de si mesmo, é o ponto de vista subjetivo, ou “estudo da própria alma” (JANET, 1885, p. 17). Daí um grupo de ciências chamadas ciências psicológicas. Elas adotam a metodologia da introspecção e foram um desenvolvimento da escola científica iniciada por Maine de Biran. Todavia, para sustentar o estudo psicológico pelo olhar espiritualista, as bases conceituais desse paradigma precisaram se tornar objeto de pesquisa, compreendendo uma ciência do homem (espírito humano) e uma ciência das causas primeiras, ou metafísica. Esses são os objetos das ciências filosóficas.
Veja mais detalhes na obra Autonomia, a história jamais contada do Espiritismo.