A punição pelo remorso e o retorno ao bem pelo arrependimento

remorso e arrependimento: uma imagem escura, com um homem sentado no chão, ao meio, de cabeça baixa, apoiada nas mãos, em aparente sofrimento. Ao redor dele, uma luz, como inspirando à transformação.
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O conceito de punição, pouco entendido no contexto espírita atualmente, estava amplamente compreendido e difundido entre os Espiritualistas Racionais e entre os Espíritas, na época de Allan Kardec, representando nada mais que a consequência dos nossos atos. Falamos sobre isso no artigo “Punição e recompensa: você precisa estudar Paul Janet para entender Allan Kardec“. Até recentemente, porém, o entendimento sobre o tema não me era perfeitamente claro — não até abordarmos o estudo do artigo Remorso e arrependimento, na Revista Espírita de maio de 1860:

[…] Lembrai-vos de que o arrependimento sincero obtém o perdão de todas as faltas, tão grande é a bondade de Deus. O remorso nada tem em comum com o arrependimento. O remorso, meus irmãos, já é o prelúdio do castigo. O arrependimento, a caridade e a fé vos conduzirão às felicidades reservadas aos bons Espíritos.

Esse pequeno trecho, tão profundo, nos despertou a ideia de pesquisarmos, em toda a obra de Kardec, pelo termo “remorso” e, ah!, quanto aprendizado colhemos disso.

O remorso, caro leitor, é a ferramenta divina que reconduz o Espírito ao bem. É o resultado da consciência de haver desrespeitado a lei divina, e tão pior será quanto mais esse desrespeito for consciente. É por isso que o remorso depende do desenvolvimento do senso moral:

O remorso é uma consequência do desenvolvimento do senso moral; ele não existe onde o senso moral ainda se acha em estado latente. É por isto que os povos selvagens e bárbaros cometem sem remorso as piores ações. Aquele, pois, que se pretendesse inacessível ao remorso assimilar-se-ia ao bruto. À medida que o homem progride, o senso moral torna-se mais apurado; ofusca-se ao menor desvio do reto caminho. Daí o remorso, que é o primeiro passo para o retorno ao bem.

Revista Espírita, agosto de 1867

É por isso que, revisitando a evocação do Assassino Lemaire, na Revista Espírita de março de 1858, encontraremos o seguinte:

6. Imediatamente após a tua execução, tiveste consciência de tua nova existência?

— Eu estava mergulhado numa perturbação imensa, da qual ainda não saí. Senti uma grande dor; parece que meu coração a sentiu. Vi qualquer coisa rolar ao pé do cadafalso. Vi o sangue correr e minha dor tornou-se mais pungente.

7. Era uma dor puramente física, semelhante à causada por uma ferida grave, como, por exemplo, a amputação de um membro?

— Não. Imagina um remorso, uma grande dor moral.

8. Quando começaste a sentir essa dor?

— Desde que fiquei livre.

9. A dor física causada pelo suplício foi sentida pelo corpo ou pelo Espírito?

— A dor moral estava em meu Espírito. O corpo sentiu a dor física, mas, separado, o Espírito ainda a ressentia.

[…]

41. Poderíamos dar algum alívio aos teus sofrimentos?

— Fazei votos para que chegue a expiação.

Sendo que a expiação é o resultado do arrependimento sincero do Espírito, que, então, escolhe novas provas, e uma nova vida, visando superar a imperfeição adquirida pelo seu afastamento consciente do bem. Não tem nada a ver com a falsa ideia de “lei do retorno” ou de castigo, embora o Espírito, quando evocado, possa se referir à sua expiação como um castigo, imposto, contudo, por ele mesmo:

[…]; se voltei para suportar esta prova da pobreza, era para me punir de um vaidoso orgulho que me fizera repelir o que era pobre e miserável. Então sofri esta lei justa do talião, que me tornou a mais horrível pobre desta região; e, como para me provar a bondade de Deus, eu não era repelida por todos: esse era todo o meu temor; assim suportei minha prova sem murmurar, pressentindo uma vida melhor da qual eu não devia mais voltar a esta terra de exílio e de calamidade.

Assim, através da prece ou da evocação, ajudar um Espírito culpado a despertar o remorso, sem julgá-lo, é uma grande caridade que podemos fazer e que o Movimento Espírita praticamente não mais faz:

E se, por um lado, sofro menos, por outro, as torturas aumentam pelo remorso. Mas, pelo menos, tenho esperança.

História de um danado — Revista Espírita de fevereiro de 1860

De nosso lado, todo esse estudo traz um aprendizado enorme sobre a nossa atitude frente aos Espíritos sofredores, frente aos Espíritos endurecidos, mas, também e principalmente, frente a nós mesmos. Quando a nossa consciência grita enquanto escolhemos fazer errado, não devemos abafar esses gritos. Devemos, pelo contrário, ouví-los e atendê-los, cuidando de corrigir nossas atitudes, tomando melhores escolhas. Do contrário, estaremos conscientemente cultivando imperfeições, e dia virá em que a consciência, outrora abafada, nos lançará num verdadeiro inferno pessoal, que parecerá não ter fim — até que nos rendamos a nós mesmos e ao arrependimento.

Resta lembrar que o arrependimento sincero reconduz o Espírito ao bem e à felicidade, conforme encontramos na edição original, não adulterada, de O Céu e o Inferno, de Allan Kardec (que você baixar clicando aqui):

8º) A duração do castigo está subordinada ao aperfeiçoamento do espírito culpado. Nenhuma condenação por um tempo determinado é pronunciada contra ele. O que Deus exige para pôr fim aos sofrimentos é o arrependimento, a expiação e a reparação — em resumo: um aperfeiçoamento sério, efetivo, assim como um retorno sincero ao bem.

O espírito é, assim, sempre o árbitro de seu próprio destino; ele pode prolongar seus sofrimentos por seu endurecimento no mal, aliviá-los ou abreviá-los por seus esforços para fazer o bem.

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